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Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia

                Observador perspicaz da sociedade, chamado de Mestre da periferia do
capitalismo, Bruxo do Cosme velho, Homem subterrâneo, Machado de Assis tem como
objeto principal o comportamento humano. Não poupou em praticamente nenhuma de
suas frases e orações de renomada obra a presença da ironia, da reflexão oriunda de um
banal acontecimento corriqueiro, da provocação direcionada ao leitor. Roberto Schwarz
afirma que no romance machadiano “não há frase que não tenha segunda intenção ou
propósito espirituoso”. É sabido que muitos estudiosos e intelectuais vêm, ao longo do
tempo, examinando a obra de Machado, seja pelos ângulos literário, sociológico,
estético ou histórico, há um século sua obra é fonte inspiradora de inúmeras análises. É
certo também, que o Bruxo do Cosme velho, apesar de afirmar em Memórias póstumas
de Brás Cubas, vangloriando-se da peculiar positividade de que não transmitira a
ninguém o legado da miséria humana, deixou sim herança bibliográfica suficiente para
que um leitor inteligente se aproprie das negativas de Brás Cubas, e pior, aproprie-se de
tal condição sob ponto de vista do defunto autor, que ri e zomba do leitor a cada
reflexão acerca da condição humana não desenvolvida por este, tão simples àquele.
        Promulgo, portanto, o objetivo audacioso do presente ensaio, que é contribuir
para a interpretação de alguns fragmentos da obra machadiana Memórias póstumas de
Brás Cubas.
        Introdução do romance psicológico na literatura brasileira Memórias póstumas
de Brás Cubas é um romance de escassa ação, entretanto muitas surpresas. Diferente de
escritores e obras anteriores à obra inovadora do defunto autor, Machado não se
preocupa em caracterizar a sociedade de sua época, a vida social, a descrição de
paisagens, enfim, pintar o funcionamento da sociedade, mas, deslocando-se do foco
tradicional dos romances, o Mestre da periferia abandona a objetividade investindo na
caracterização interior de suas personagens, seus desejos, devaneios, interesses, medos,
frustrações. Para escrever sobre a sociedade, portanto, ele utiliza como ferramenta a
análise, em profundidade, do caráter de suas personagens trazendo ao conhecimento do
leitor as contradições e os problemas existenciais da humanidade.
        O romance apresenta uma perspectiva destruncada, no capítulo primeiro, Óbito
do autor, o narrador esclarece que não se trata propriamente de um autor defunto, mas
de defunto autor, eis que temos um importante processo pelo qual Machado de Assis
padece, foi necessário morrer para desenvolver reflexões acerca do comportamento
humano. Se na primeira fase de Machado havia alguma esperança em relação à
humanidade, é evidenciado na segunda fase que já não há nenhuma, somente o
depauperamento, a ruína, isto é, a MORTE, foi capaz de fazer nascer um narrador
marcado pela franqueza, livre da cordialidade da hipocrisia, narrador este que se
diferencia da própria personagem, o Brás Cubas, pois aqui o leitor deve enxergar um
Cubas personagem como dotado das características típicas de um burguês da segunda
metade do século XIX, um sujeito sem perspectivas ou grandes interesses que circula
pela vida sem obter conquista alguma, porém aceira a periferia do poder. Passara por
uma infância cercada de mimos e proteção, uma juventude de aventuras levianas e
pouca preocupação, vai à Europa para estudar, mas sua conduta é privada de
responsabilidades e interesses em enraizar uma formação acadêmica de valor. Já o
narrador, aquele que morre para depois refletir, aquele que termina para então começar,
que fenece e agradece ao verme que roeu suas frias carnes, este é como diz o próprio
Machado, “um autor particular” ou como profere o dito Cubas “Senhores vivos, não há
nada tão incomensurável como o desdém dos finados” – eis que apresento a diferença
do Cubas personagem para o Cubas narrador, nosso defunto autor se vê apropriado de
uma liberdade outrora desconhecida, até mesmo inexistente, pois a mediocridade com
que vivera o personagem Brás Cubas não permitiria acesso à franqueza, primeira
virtude de um defunto. Caro é, deste modo, o preço da franqueza, confere-se com o
próprio defunto autor “Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das
cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a
não estender ao mundo as revelações que faz à consciência”, nem mesmo Satanás em A
Igreja do Diabo foi tão astuto em perceber o contraste dos interesses e, por isso sofreu e
se enraiveceu diante do desdém de Deus, que não se espanta com a eterna contradição
humana .
        Após o processo de mortificação de Brás Cubas, que é também processo pelo
qual Machado se reveste em ironia, o narrador declara ao leitor tamanha é a liberdade
adquirida em morte “Mas, na morte, que diferença! que desabafo!, que liberdade! Como
a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-
se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser”.
        Assim se dá o nascimento da franqueza do narrador machadiano, por meio da
morte. Louvores ao verme que roeu as frias carnes de Cubas e nos apresentou a
franqueza de um narrador machadiano.
        Os louvores acima se devem às possibilidades que a morte abriu a Brás Cubas,
uma delas, da qual tratarei aqui, encontra-se no capítulo O Delírio em que Brás Cubas
dialoga com Pandora. Tal encontro direciona Brás Cubas ao confronto com o vazio de
sua vida, Pandora lhe permite assistir à perseguição desmedida do ser humano pela
felicidade, contemplada por Brás Cubas que à primeira instância não consegue reprimir
um grito de angústia diante da vacuidade da vida “Então o homem corria, flagelado e
rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva,
feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível (...)
nada menos que a quimera da felicidade”. Todavia, se a primeira reação fora libertar um
grito aflito, não demora muito para que Cubas libere um riso “descompassado e idiota”.
        A imagem do grito de angústia seguido de um riso “descompassado e idiota”,
riso que mais nos parece cruel, nos permite visualizar Brás num momento de
insanidade, que faz jus ao título do capítulo - Delírio - o delírio é a fantasia do louco,
onde não há lógica ou razão, ironicamente, percebemos que é no Delírio que a
personagem vai adquirir seus primeiro pensamentos e reflexões plausíveis sobre a
humanidade, se dá conta da (não) condição humana.
        Mas, voltemos ao homem flagelado e rebelde que corre atrás da felicidade e da
figura que é a felicidade, é esse o diferencial da obra machadiana – antes é importante
considerar que o narrador a todo o momento submerge a cena e “embaraça” o curso do
romance, driblando os acontecimentos históricos, que não são significantes na obra de
Machado, e trazendo as reflexões de Brás Cubas, eixo do romance, o leitor machadiano
é frequentemente convidado a interagir com o texto, distanciando-se dos tipos de
romances convencionais e dos modelos de leituras que mobilizam a imaginação. O
homem que é flagelado e rebelde no sentido rigoroso dos adjetivos, pois quem Brás vê é
o açoitado, o que sofreu flagelação e é indomesticável e obstinado a seguir uma fantasia
descrita como figura nebulosa vestida de três tipos de retalho: impalpável, improvável e
invisível. Esse homem que corre atrás da figura que o evita e foge – a felicidade - é
identificado por Brás Cubas como a humanidade pelos séculos dos séculos “ao passo
que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a
civilização, e o homem, nu e desarmado (...) e assim passou e assim passaram os outros
com a mesma rapidez e igual monotonia”. O narrador que fala “sem temer mais nada” é
o responsável por trazer à tona reflexões, declarações, pensamentos, conclusões ao
leitor, constantemente tratado por “tu”, utilizando-se da ironia, traço característico de
Machado.
        A conversa com Pandora seria início da insanidade ou da sensatez? Aquela que
se apresenta como mãe e inimiga, traz consigo tantos os bens como os males da
humanidade.
                      “(...) Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o
                      minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe
                      trazer em si a eternidade, e traz a morte, e parece com o
                      outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo (...)? Sim, egoísmo,
                      não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A onça mata o
                      novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se
                      o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. (...)”
                      (ASSIS, 1996, p. 27).


        Apta à manipulação do tempo, Pandora se mostra cruel, opressora e desapiedada
diante de Cubas, fazendo prevalecer a lei da conservação, a onça representa a classe
dominante, enquanto o novilho, o oprimido. Em termos gerais, sobrevive aquele cuja
capacidade seja superior, eis a luta de classes, exposta num romance de forma não
engessada ou pronta, mas crítica, irônica, reflexiva numa linguagem metafórica e atenta.
        A ironia de Machado de Assis é um de seus traços mais marcantes e recorrentes,
no que diz respeito à obra Memórias póstumas de Brás Cubas reafirmo aqui, que o
espólio de ironia é vasto, muitas trilhas foram percorridas diante do legado cultural
deixado por Machado de Assis e muitas estão por vir, pois o caminho só poderá ser
considerado devastado e pobre se trilhado por andarilhos imprudentes, por que àquele
que tal obra nos deixou, somente a veneração dos herdeiros das negativas.

Universidade Católica de Brasília
Professora Lívila Maciel
Aluna: Bruna Sousa dos Santos

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Memórias de Brás Cubas

  • 1. Do legado de nossa miséria ao espólio de depurada ironia Observador perspicaz da sociedade, chamado de Mestre da periferia do capitalismo, Bruxo do Cosme velho, Homem subterrâneo, Machado de Assis tem como objeto principal o comportamento humano. Não poupou em praticamente nenhuma de suas frases e orações de renomada obra a presença da ironia, da reflexão oriunda de um banal acontecimento corriqueiro, da provocação direcionada ao leitor. Roberto Schwarz afirma que no romance machadiano “não há frase que não tenha segunda intenção ou propósito espirituoso”. É sabido que muitos estudiosos e intelectuais vêm, ao longo do tempo, examinando a obra de Machado, seja pelos ângulos literário, sociológico, estético ou histórico, há um século sua obra é fonte inspiradora de inúmeras análises. É certo também, que o Bruxo do Cosme velho, apesar de afirmar em Memórias póstumas de Brás Cubas, vangloriando-se da peculiar positividade de que não transmitira a ninguém o legado da miséria humana, deixou sim herança bibliográfica suficiente para que um leitor inteligente se aproprie das negativas de Brás Cubas, e pior, aproprie-se de tal condição sob ponto de vista do defunto autor, que ri e zomba do leitor a cada reflexão acerca da condição humana não desenvolvida por este, tão simples àquele. Promulgo, portanto, o objetivo audacioso do presente ensaio, que é contribuir para a interpretação de alguns fragmentos da obra machadiana Memórias póstumas de Brás Cubas. Introdução do romance psicológico na literatura brasileira Memórias póstumas de Brás Cubas é um romance de escassa ação, entretanto muitas surpresas. Diferente de escritores e obras anteriores à obra inovadora do defunto autor, Machado não se preocupa em caracterizar a sociedade de sua época, a vida social, a descrição de paisagens, enfim, pintar o funcionamento da sociedade, mas, deslocando-se do foco tradicional dos romances, o Mestre da periferia abandona a objetividade investindo na caracterização interior de suas personagens, seus desejos, devaneios, interesses, medos, frustrações. Para escrever sobre a sociedade, portanto, ele utiliza como ferramenta a análise, em profundidade, do caráter de suas personagens trazendo ao conhecimento do leitor as contradições e os problemas existenciais da humanidade. O romance apresenta uma perspectiva destruncada, no capítulo primeiro, Óbito do autor, o narrador esclarece que não se trata propriamente de um autor defunto, mas de defunto autor, eis que temos um importante processo pelo qual Machado de Assis padece, foi necessário morrer para desenvolver reflexões acerca do comportamento humano. Se na primeira fase de Machado havia alguma esperança em relação à humanidade, é evidenciado na segunda fase que já não há nenhuma, somente o depauperamento, a ruína, isto é, a MORTE, foi capaz de fazer nascer um narrador marcado pela franqueza, livre da cordialidade da hipocrisia, narrador este que se diferencia da própria personagem, o Brás Cubas, pois aqui o leitor deve enxergar um Cubas personagem como dotado das características típicas de um burguês da segunda metade do século XIX, um sujeito sem perspectivas ou grandes interesses que circula pela vida sem obter conquista alguma, porém aceira a periferia do poder. Passara por uma infância cercada de mimos e proteção, uma juventude de aventuras levianas e pouca preocupação, vai à Europa para estudar, mas sua conduta é privada de
  • 2. responsabilidades e interesses em enraizar uma formação acadêmica de valor. Já o narrador, aquele que morre para depois refletir, aquele que termina para então começar, que fenece e agradece ao verme que roeu suas frias carnes, este é como diz o próprio Machado, “um autor particular” ou como profere o dito Cubas “Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados” – eis que apresento a diferença do Cubas personagem para o Cubas narrador, nosso defunto autor se vê apropriado de uma liberdade outrora desconhecida, até mesmo inexistente, pois a mediocridade com que vivera o personagem Brás Cubas não permitiria acesso à franqueza, primeira virtude de um defunto. Caro é, deste modo, o preço da franqueza, confere-se com o próprio defunto autor “Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência”, nem mesmo Satanás em A Igreja do Diabo foi tão astuto em perceber o contraste dos interesses e, por isso sofreu e se enraiveceu diante do desdém de Deus, que não se espanta com a eterna contradição humana . Após o processo de mortificação de Brás Cubas, que é também processo pelo qual Machado se reveste em ironia, o narrador declara ao leitor tamanha é a liberdade adquirida em morte “Mas, na morte, que diferença! que desabafo!, que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar- se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser”. Assim se dá o nascimento da franqueza do narrador machadiano, por meio da morte. Louvores ao verme que roeu as frias carnes de Cubas e nos apresentou a franqueza de um narrador machadiano. Os louvores acima se devem às possibilidades que a morte abriu a Brás Cubas, uma delas, da qual tratarei aqui, encontra-se no capítulo O Delírio em que Brás Cubas dialoga com Pandora. Tal encontro direciona Brás Cubas ao confronto com o vazio de sua vida, Pandora lhe permite assistir à perseguição desmedida do ser humano pela felicidade, contemplada por Brás Cubas que à primeira instância não consegue reprimir um grito de angústia diante da vacuidade da vida “Então o homem corria, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível (...) nada menos que a quimera da felicidade”. Todavia, se a primeira reação fora libertar um grito aflito, não demora muito para que Cubas libere um riso “descompassado e idiota”. A imagem do grito de angústia seguido de um riso “descompassado e idiota”, riso que mais nos parece cruel, nos permite visualizar Brás num momento de insanidade, que faz jus ao título do capítulo - Delírio - o delírio é a fantasia do louco, onde não há lógica ou razão, ironicamente, percebemos que é no Delírio que a personagem vai adquirir seus primeiro pensamentos e reflexões plausíveis sobre a humanidade, se dá conta da (não) condição humana. Mas, voltemos ao homem flagelado e rebelde que corre atrás da felicidade e da figura que é a felicidade, é esse o diferencial da obra machadiana – antes é importante considerar que o narrador a todo o momento submerge a cena e “embaraça” o curso do romance, driblando os acontecimentos históricos, que não são significantes na obra de Machado, e trazendo as reflexões de Brás Cubas, eixo do romance, o leitor machadiano
  • 3. é frequentemente convidado a interagir com o texto, distanciando-se dos tipos de romances convencionais e dos modelos de leituras que mobilizam a imaginação. O homem que é flagelado e rebelde no sentido rigoroso dos adjetivos, pois quem Brás vê é o açoitado, o que sofreu flagelação e é indomesticável e obstinado a seguir uma fantasia descrita como figura nebulosa vestida de três tipos de retalho: impalpável, improvável e invisível. Esse homem que corre atrás da figura que o evita e foge – a felicidade - é identificado por Brás Cubas como a humanidade pelos séculos dos séculos “ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização, e o homem, nu e desarmado (...) e assim passou e assim passaram os outros com a mesma rapidez e igual monotonia”. O narrador que fala “sem temer mais nada” é o responsável por trazer à tona reflexões, declarações, pensamentos, conclusões ao leitor, constantemente tratado por “tu”, utilizando-se da ironia, traço característico de Machado. A conversa com Pandora seria início da insanidade ou da sensatez? Aquela que se apresenta como mãe e inimiga, traz consigo tantos os bens como os males da humanidade. “(...) Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e parece com o outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo (...)? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. (...)” (ASSIS, 1996, p. 27). Apta à manipulação do tempo, Pandora se mostra cruel, opressora e desapiedada diante de Cubas, fazendo prevalecer a lei da conservação, a onça representa a classe dominante, enquanto o novilho, o oprimido. Em termos gerais, sobrevive aquele cuja capacidade seja superior, eis a luta de classes, exposta num romance de forma não engessada ou pronta, mas crítica, irônica, reflexiva numa linguagem metafórica e atenta. A ironia de Machado de Assis é um de seus traços mais marcantes e recorrentes, no que diz respeito à obra Memórias póstumas de Brás Cubas reafirmo aqui, que o espólio de ironia é vasto, muitas trilhas foram percorridas diante do legado cultural deixado por Machado de Assis e muitas estão por vir, pois o caminho só poderá ser considerado devastado e pobre se trilhado por andarilhos imprudentes, por que àquele que tal obra nos deixou, somente a veneração dos herdeiros das negativas. Universidade Católica de Brasília Professora Lívila Maciel Aluna: Bruna Sousa dos Santos