Yara Kono é uma ilustradora brasileira radicada em Portugal que ganhou o Prémio Nacional de Ilustração de 2010 com o livro "O Papão no Desvão". Sua carreira inicial foi em farmácia bioquímica, mas sempre gostou de desenhar. Atualmente trabalha como ilustradora e designer gráfica no estúdio Planeta Tangerina, onde cria livros infantis coloridos e cheios de humor.
1. miúdos
Yara Kono
Ilustrar é
transformar
Nasceu no Brasil, mas numa família japonesa. Veio para
Portugal porque se apaixonou. Yara Kono ganhou o Prémio
Nacional de Ilustração 2010, com o livro O Papão no Desvão,
escrito por Ana Saldanha. A ilustradora — que tinha medo
do escuro — agora ilumina palavras. E transforma-as.
Texto Rita Pimenta
O
lhar para verdade foi o terceiro álbum acabou por enviar. “No último
debaixo da cama que ilustrou. “Antes, ainda fiz dia, mesmo no prazo final. Se o
arrepiava-a, A Ovelhinha Dá-me Lã, com a carimbo não tivesse aquela data,
mas nunca teve Isabel Minhós Martins.” Com já não contava.” Devido a essa
receio de uma esse projecto ganhou uma menção, a Kalandraka decidiu
personagem menção honrosa no Prémio editar o livro em 2010. “Já vai
específica, como o Papão. “Acho de Compostela para Álbuns na segunda edição”, informa
que tinha mais medo do escuro, Ilustrados 2008. satisfeita.
do breu. Do desconhecido, “Foi uma surpresa gigante, Para Yara Kono, ilustrar é:
no fundo”, diz Yara Kono, 38 deram a notícia em Bolonha “Transformar, passar, transmitir
anos, ilustradora e designer [Feira Internacional do Livro com cores, com formas um
gráfica. Nenhum desses receios a Infantil e Juvenil]. Eu estava ali parágrafo, um sentimento. Pode
impediu de vir de São Paulo para deslumbrada com os trabalhos ser uma sensação. É transmitir
Lisboa há 11 anos — e às escuras. dos outros colegas portugueses através de imagens alguma coisa.
“Com uma mão à frente e outra da exposição .PT. Os melhores Seja ela escrita ou não.” E adora
atrás”, conta à Pública no atelier ilustradores estavam lá todos e fazê-lo.
do Planeta Tangerina, onde eu pude conhecê-los. Mas eu só
trabalha, a vencedora do Prémio estava ainda a começar a fazer Escritores especiais
Nacional de Ilustração 2010. livros, já ilustrava, mas para O primeiro livro com os seus
O premiado O Papão no outros projectos. Fiquei mesmo desenhos que chegou às livrarias
Desvão, com texto de Ana surpreendida. E feliz.” portuguesas foi o título De Sol
Saldanha e edição da A surpresa foi maior ainda a Sonho, com texto de Raul
Caminho, foi o segundo porque Yara nem queria Malaquias Marques (Caminho).
livro que viu editado concorrer. Pensou: “Isto não está “Se eu fizesse esse livro hoje,
em Portugal com a sua nada fixe. Não envio.” Mas, por ‘puxava’ muito mais as cores.
assinatura. Mas na insistência da autora do texto, lá A capa resultou muito bem.
2. Foi bastante marcante. Adorei
trabalhar com o Raul, é uma
na cave, espreitavam por cima
do muro quando eu brincava
ganhou com isso, vejo-o como
um conjunto. Há livros que
Um trabalho que
pessoa muito especial”, recorda a
ilustradora, que diz ter sorte por,
com as minhas irmãs no jardim,
apareciam na escola (aí, chamava-
perdem com essa separação, e
até dá dó.”
não se prende
até agora, ter recebido sempre se ‘professora’, uma senhora Este foi um dos motivos por a detalhes,
textos “de escritores especiais”.
Ana Saldanha é um deles.
muito má e assustadora).” A
autora gostava de nesse tempo
que gostou tanto de fazer O
Papão. “O próprio Bernardo procura a
Para o Papão no Desvão (que
fala de uma menina com medo
ter encontrado um Papão com
um ar simpático como o que
[Carvalho] disse que o editaria
no Planeta Tangerina. Eu sou
essência do texto
de se aproximar da escada à a ilustradora criou : “O livro muito minimalista, não me
noite, mas que vence o medo da Yara ter-me-ia sossegado os prendo aos detalhes. Se calhar,
e acaba por se tornar amiga do medos...” isso faz a diferença neste livro.
Papão), o processo foi: “A Ana Hoje, os seus receios são Tem muito a essência.”
apresentou-me dois textos. Este outros: “O papão da dor e Depois de ler “imensas vezes
foi o primeiro, cuja personagem, da morte dolorosa; de mais o texto”, a ilustradora faz um
a Sofia, em princípio vai aparecer nenhum.” esboço, para poder passar
noutros livros. Apresentou- Ana Saldanha remata a sua à segunda fase. “Às
me para ver se eu gostava. Eu mensagem à Pública com um vezes, visualizo
gostei e fiz uma experiência. aviso sobre esta obra: “O Papão umas partes
Primeiro desenhei a personagem não é um livro para leitura antes.
e também o Papão, ela adorou. autónoma por gente pequena;
Desde então temos tido uma boa a intenção era que fosse alguém
relação. Como vive no Porto, crescido a mediar o contacto
falamos muito por telefone e por com o texto e com as imagens
mail. É uma pessoa fantástica, — e por isso ele tem palavras
veio de propósito a Lisboa para um pouco obscuras (‘desvão’,
o lançamento de A Manta. Outra por exemplo), que se podem
pessoa especial.” transformar em adivinhas, e
A Ana Saldanha também ilustrações nada simplistas,
agrada o trabalho em conjunto que podem dar origem a várias
com a ilustradora, como fez outras histórias.”
saber à Pública via email:
“Outras colaborações com a Vantagem de ser designer
Yara? Sim, sim, por favor!” Quando Yara chegou ao Planeta
E informa que já há um livro Tangerina (por resposta a um
pronto, a sair brevemente, Eu anúncio do jornal Expresso e
Só Eu. “É um trabalho magnífico depois de seleccionada entre
da Yara”, diz a autora. “Adorei muitos), o que lhe estava
a leitura que fez do meu texto. destinado era o design gráfico,
Todos os trabalhos dela me que continua a fazer. Uma mais-
parecem inspirados, cheios de valia importante, acredita.
humor e inteligentes.” “Este livro é bastante gráfico.
Em O Papão no Desvão, E aí está a vantagem de
a escritora inspirou-se na o ilustrador ser designer
sobrinha-neta, a quem queria gráfico. O livro
dar “munições para combater
os papões que possam vir a
atormentá-la”. Isto porque a
própria autora, na infância,
tinha alguns medos: “Ele
[o Papão] e as bruxas, o
homem do saco, o homem
das barbas escondiam-se no
desvão das escadas, no sótão,
3. miúdos
Para a escritora Não do princípio ao fim. Posso
até visualizar a última página,
bolseira, já designer. Mas,
antes, tinha ido lá para
Ana Saldanha, mas a do meio ainda não. conhecer “aquele outro
Trabalho muito com o autor, que lado” da família. “Eu
os desenhos é importante na distribuição do leio pouco em japonês e
da ilustradora texto. Verifico com ele se está
bem ou se é preciso ajustar.”
falo mais ou menos... Na
família no Brasil, o meu
são muito Mas é na procura da essência pai deve ser o único que
de cada parágrafo ou trecho fala fluentemente japonês
inteligentes e que centra o seu trabalho. e lê em japonês.”
cheios de humor “Começo com mais elementos,
mas vou eliminando. Até chegar
Hoje, trabalha mesmo
no que gosta. “Com amor,
ao essencial. No Papão, é tudo que é muito importante.
digital. A textura foi conseguida É uma família, eu gosto
por digitalização de uma capa de trabalhar cá. Desde o
antiga. Depois desenhei por cima. início.” E conta divertida
Cem por cento no computador. que quando entrou
Às vezes, utilizo material que pela primeira vez no
fotografo e digitalizo para atelier (na altura em São
enriquecer a ilustração.” Pedro do Estoril), pensou:
Embora sempre se lembre “Eu quero trabalhar
de ter gostado de desenhar, a aqui. Tenho de trabalhar
primeira formação superior de aqui.” Não conhecia os
Yara é em Farmácia Bioquímica. futuros colegas (e amigos).
“Trabalhei durante cinco anos em “Achei piada ao nome Planeta
São Paulo nessa área. Primeiro Tangerina. Ainda havia a revista
O Papão no Desvão em indústria, em controlo de Batatoon e outros projectos
Texto: Ana Saldanha; qualidade. Não gostei nada do que já acabaram. A gente entra e
ilustração: Yara Kono; ambiente. Depois trabalhei sente que é um bom ambiente. As
edição: Caminho numa farmácia de manipulação, paredes com aquelas ilustrações
(Prémio Nacional de Ilustração um conceito que em Portugal todas. Falei para mim: ‘Uau,
2010) não existe (o medicamento é quero trabalhar aqui’.”
manipulado consoante Nunca diz que o seu destino é
as necessidades fazer isto ou aquilo. “Se eu fosse
do paciente, os seguir os planos de há 15 anos,
princípios activos hoje continuava numa farmácia.
são prescritos à Em pequena, gostei muito de
medida). Aí eu Matemática e, mais tarde, de
gostei muito Química. Desenhar, sempre. A Manta
mais.” Quando Quando era miúda, nunca tive Texto: Isabel Minhós Martins;
passou para o essas coisas de ‘gostava de ser ilustração: Yara Kono;
laboratório, bailarina ou professora’.” edição: Planeta Tangerina
decidiu fazer E hoje gostava de ser o quê?
o curso de “Gostava de ser o que sou. Está Ovelhinha Dá-me Lã
Design de a correr bem. É algo que gosto Texto: Isabel Minhós Martins;
Comunicação de fazer, com paixão, com ilustração: Yara Kono;
à noite. vontade. Nunca nos podemos edição: Kalandraka
Ainda bem. arrepender das coisas. Agora já (Prémio Compostela para
Passou sou portuguesa. E com muito Álbuns Ilustrados 2008)
depois orgulho. Eu tinha de vir para
quase um aqui, isso devia estar escrito De Sol a Sonho
ano no algures.” Ou desenhado. a Texto: Raul Malaquias
Japão Marques; ilustração: Yara
como rpimenta@publico.pt Kono; edição: Caminho