O documento descreve como a tecnologia pode mapear a variabilidade espacial da qualidade da uva em vinhedos. Sensores montados em veículos medem parâmetros do solo, da planta e da uva, como a compactação do solo, o vigor da videira e os níveis de açúcares, acidez e antocianina na uva. Isso permite identificar zonas com qualidades diferentes e aplicar estratégias de gestão localizadas para melhorar a produção e a qualidade do vinho.
2. TECNOLOGIA
Maio 2014 • www.revistacultivar.com.br12
É
bem reconhecido atualmente que
há uma necessidade crescente na
agricultura de se adotar gestão
localizada, por causa de pressões econômicas
e ambientais. No entanto, esta gestão exige co-
nhecimento exato sobre a variação espacial das
propriedadesdesoloeplantadentrodalavoura.
Na viticultura, em particular, a compreensão
da natureza, extensão e causas da variabilida-
de, nos vinhedos, pode ajudar viticultores e
Uva com tecnologiaA utilização de princípios de agricultura de precisão em vinhedos possibilita
aos produtores identificar onde estão as plantas mais produtivas e os frutos com
propriedades mais adequadas à produção de vinho de qualidade
enólogos a usar ferramentas de agricultura de
precisão para melhorar as práticas de gestão,
tais como irrigação, adubação, poda, colheita e
destino final da produção dentro da vinícola.
Nestecontexto,viticulturadeprecisãoéum
conceito em desenvolvimento, que explora o
conhecimento da variabilidade espacial dentro
do vinhedo, para projetar estratégias de gestão
localizadas.Asuaaplicabilidade,porém,depen-
detantodedisponibilidadequantodaprecisão
deinformaçõesespacialmentereferenciadas,de
solo e planta.
PARÂMETROS DE SOLO E PLANTA
DE RÁPIDO MAPEAMENTO
Dentre os parâmetros importantes na
descrição da composição e qualidade da pro-
dução no vinhedo estão as condições de solo.
Estas afetam o desenvolvimento vegetal. O
conhecimento sobre elas é fundamental para o
3. correntequevigordaplantaequalidadedauva
têmrelaçãoinversa,dentrodecertoslimitesdo
crescimento e desenvolvimento da cultura.
Notadamente, a qualidade da baga é o
resultado final apresentado pelo vinhedo em
função das condições de solo, planta e micro-
climaaquefoisubmetidaduranteaestaçãode
crescimento atual e anterior, e seu monitora-
mento é de fundamental importância.
A qualidade da uva pode variar de baga
para baga, cacho para cacho e de planta para
planta, dentro de uma mesma área. E esta va-
riabilidadeéresultadodainteraçãosolo-planta-
microclima. Um estudo desta variabilidade
permitiriaadelimitaçãodezonasdecontrastes,
aumentando o poder de decisão de manejo
da área, principalmente quanto à alocação de
recursos, planejamento da colheita e destino
da uva colhida.
O conceito de qualidade da uva é difícil de
estabelecer e varia conforme a perspectiva em
que se analisa a produção. Porém, geralmente
se usa o teor de açúcares solúveis (ºBrix),
teor de acidez e pH como indicadores iniciais
para evolução da maturação da baga e como
norteadores iniciais na vinificação. Porém, sob
um mesmo teor de açúcares solúveis pode-se
ter uma variação no conteúdo de polifenóis
e outros compostos importantes na definição
da qualidade da produção. Assim, uma análise
maisapuradadaqualidadedabagapodeincluir
manejodenutrientes,nomanejodacobertura,
dotráfegodemáquinasenaadoçãodepráticas
preventivasoucorretivasàcompactação,dentre
outras.
As relações solo/planta podem modificar
a concentração de compostos na baga da
uva afetando a qualidade da produção e seus
derivados. Em um ambiente de intenso uso
agrícola do solo, onde o tráfego de máquinas é
crescente, sobretudo com a recente introdução
depodadoras,colhedorasautomotrizeseoutras
máquinas, estas relações podem ser alteradas,
comprejuízoaoprodutor.Porisso,éimportante
monitorarconstantementeasáreasdevinhedo
buscando reconhecer as áreas problemáticas,
para antecipar práticas de manejo que possam
evitarodeclíniodavideiraemfunçãodeimpac-
tos negativos sobre o ambiente radicular. Estas
condiçõespodemserestimadaspelaresistência
do solo à penetração de raízes, através do uso
de penetrômetros.
Por outro lado, o próprio desenvolvimento
do índice de massa vegetal, medido pelo índice
de área foliar (IAF) é um descritor do “status”
do dossel, sendo um parâmetro balizador do
desenvolvimento vegetal. O vigor da videira,
estimado pelo IAF, pode ser usado como uma
variável auxiliar, para mapear a saúde do vi-
nhedo e, sob certas condições microclimática e
de manejo da planta, pode ser usado como um
potencial indicador do índice de carga (massa
vegetal/massa de fruto).
Avideirapossuimecanismosfisiológicosde
autorregulação, isto é, direciona suas reservas
para vigor (crescimento vegetativo) ou para a
frutificação(crescimentoreprodutivo),deacor-
do com suas próprias necessidades. Portanto,
o vigor da videira pode ser um indicativo da
qualidade da produção, pois é conhecimento
Charles Echer
Detalhes do posicionamento do penetrômetro eletrônico em uma plantação,
colhendo dados no lado esquerdo, no centro e no lado direito da rua
Distribuição dos valores da resistência do solo à penetração de raízes, determinada em vinhedo, na profundidade
até 20cm
Maio 2014 • www.revistacultivar.com.br 13
FotosAntonioOdairdosSantos
4. Maio 2014 • www.revistacultivar.com.br14
outros elementos descritores da qualidade da
baga, como o teor de polifenóis. Dentre eles, o
teor antocianina tem sido usado como um va-
riáveldemapeamento,devidoaoseuconteúdo,
mais concentrado na película da baga, sendo
responsável pela cor do vinho e sucos e por ter
sido provado que seu conteúdo tem relação
positiva com a qualidade da uva.
TECNOLOGIAS PARA
MAPEAMENTO EM VINHEDO
Há várias técnicas atualmente, em de-
senvolvimento, que podem contribuir para
o mapeamento das variáveis descritoras da
qualidadedesoloeplanta.Algumastrabalham
com imagens de satélites, outras com imagens
obtidasatravésdavideografiaaerotransportada,
com amostragem de apoio feita na planta e no
solo.Sãotécnicaspromissoras,masaindaestão
em desenvolvimento.
Noentanto,ummodopráticodefazereste
mapeamento é fazer medidas diretas, in situ,
de modo rápido e prático, um pouco antes da
colheitadavideira.Novastecnologiastêmper-
mitido se medir diretamente a campo algumas
variáveis descritoras da qualidade da uva, que
outrora somente se podia fazer em laboratório.
Estas técnicas incluem o uso de infravermelho
para se quantificar e qualificar elementos da
química da uva.
A varredura em malha é de grande impor-
tância, pela necessidade de se cobrir uma área
comváriospontosdeamostragem.Adistribui-
ção espacial destes pontos pode ser estudada e
os dados sobre a distribuição obtida podem ser
utilizadosparasefazerummapeamentopreciso
da área, através de técnicas de interpolação.
Desta maneira é possível segregar zonas con-
trastantes quanto à qualidade de solo, planta e
dauva,esebuscaraproveitarasoportunidades
demanejosurgidas,emfunçãodomapeamento
obtido a partir das técnicas em tela.
INTEGRAÇÃO TECNOLÓGICA
No Centro de Engenharia do Instituto
Agronômico(CEA/IAC),pesquisasrecentesna
áreatêmbuscadodesenvolveromapeamentode
vinhedos,combaseemintegraçãotecnológica,
comvistasaobteromapeamentodaqualidade
de solo e planta. As variáveis, compactação do
solo, desenvolvimento do IAF e qualidade da
baga (graduados pelos níveis de antocianina,
açúcares solúveis e acidez titulável), têm sido
utilizados como as variáveis norteadoras de
mapeamento.
Para poder realizar a varredura, em malha,
nas plantações de videiras, foram feitas adap-
tações em veículo utilitário John Deere Gator
modelo TH 6x4 para receber os equipamentos
necessários para tal objetivo.
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA
COMPACTAÇÃO DO SOLO
Para a medição da resistência à penetração
ou compactação do solo, um penetrômetro
eletrônico foi integrado à carroceria do veículo
utilitário através de um sistema constituído
de um chassi em forma de meia-lua, com um
pinopivotna partecentral,aoqual seprendeo
suportedopenetrômetro.Oarcofoiconstruído
deaçocomperfilemformade“C”,emcujoin-
teriorcorremrolamentosquepermitemodeslo-
camentoangulardopenetrômetro.Aintegração
proporcionou versatilidade ao equipamento,
permitindoacoletadeamostrasemumgrande
número de posições, na entre linha da videira,
permitindo, inclusive, uma curta aproximação
da zona da coroa radicular da planta.
Utilizando este equipamento, em um vi-
nhedo,foifeitaumaamostragemdaresistência
do solo à penetração de raízes em 54 pontos
distribuídos na área até uma profundidade de
20cm.Estespontosforamgeorreferenciados,o
que permitiu confeccionar mapas da distribui-
ção da resistência nesta área. Pode-se observar
no Mapa 1 que a zona de maior resistência
do solo ocorre na região do canto esquerdo
da área, acima de 90 metros na direção do
Oeste, conforme coordenadas estabelecidas
no mapeamento. Nesta região a pressão exer-
cida ultrapassa 1.800kPa, mas resultados de
pesquisa mostram que valores até 2.500kPa
são considerados baixos e apresentam pouca
limitaçãoaodesenvolvimentodasraízes.Apesar
deapressãomédiaexercidanaregiãodiscutida
estaremtornode1.800a2.750kPa,conclui-se
que, mesmo para os valores mais elevados en-
contradosnaárea,nãoexistemproblemassérios
deresistênciadosoloàpenetraçãodasraízesna
área estudada, até o momento da retirada dos
dados em tela.
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
DO VIGOR DE PLANTA
Uma das formas de estimar o vigor das
videiraséatravésoÍndicedeÁreaFoliar(IAF).
Para a determinação do IAF foi feita uma
correlação da área das folhas da videira em
uma foto digital. A imagem digital do dossel é
obtida através de uma câmera controlada por
um laptop e colocada em um braço construído
Figura 1 - Sobreposição dos dados descritores da qualidade da uva, mapeados em uma
mesma área de vinhedo de IAC-132-máximo
Detalhe da coleta de imagem do dossel da planta pela câmera que está
posicionada em frente a um fundo branco para facilitar a calibração
5. detubosquadradosmetálicos,quepassasobrea
planta a ser fotografada. O laptop foi colocado
sobre um suporte adaptado sobre o painel do
veículo e alimentado pela sua bateria. Para
melhorar o contraste e isolar a planta do resto
da paisagem foi colocada uma tela retrátil de
fundo branco.
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL
DA QUALIDADE DA BAGA
Para testar uma varredura em campo, uti-
lizaram-se algumas variáveis experimentais.
Determinar a campo uma malha de pontos
para os teores de sólidos solúveis, acidez total
e antocianina, presentes na baga, durante a
safra de 2012, em Jundiaí (SP). Um espec-
troscópio (Brimrose Corp.), operando na fai-
xa do infravermelho próximo (IVP), portátil
e miniaturizado foi embarcado no veículo
utilitário. O equipamento contém tecnologia
combaseemfiltroajustávelatravésderelação
óptico-acústica, que fraciona a luz (laser) em
faixas de frequências precisas.
Após a calibração do equipamento, em
laboratório, foram feitas amostragens na
zona de frutificação da videira, visando à
estimativa dos parâmetros descritores da
qualidade da produção. Os dados médios
de transmitância das bagas da uva, que
constituem a assinatura espectral destes
parâmetros, evidenciaram claramente picos
de passagem da luz bem acentuados, pró-
ximos da microbanda de 1.300nm, e um
segundo pico próximo a 1.600nm, além de
outros picos menores ao longo da faixa do
infravermelho próximo.
Os resultados de integração e georre-
ferenciamento dos dados obtidos através
da espectroscopia permitiram fazer o
mapeamento para as dados descritores
da qualidade da uva. Pode-se observar no
mapa que, para a mesma área, as zonas de
depressão em antocianina são coincidentes
com aquelas zonas em que ocorre elevação
da acidez titulável, o que também ocorre
concomitantemente com um abaixamento
no acúmulo de sólidos solúveis. Esta situ-
ação está bem clara para a porção à direita
das imagens.
No entanto, seria necessário ainda
investigar mais dados de solo e de planta,
em escala compatível com a segmentação
apresentada, para se concluir corretamente
sobre as causas da depressão observadas nas
variáveis estudadas em campo. Notadamen-
te, a disponibilidade e dinâmica da água no
solo, assim como a penetração da radiação
solar direta e indireta no dossel, são variáveis
capazes de contribuir para as ocorrências,
em discussão.
Por outro lado, os dados sugerem que
numa divisão inicial da produção, da área
discutida, poderia haver uma separação da
uva, fazendo-se uma fermentação separada
para a uva proveniente das porções mais
deprimidas em antocianina (Figura 1),
evitando-se misturar a uva oriunda desta
área com aquelas provenientes da porção
mais à esquerda, na imagem, onde os va-
lores de sólidos solúveis e antocianina são
crescentes.
Com isto, se pode vislumbrar a fabrica-
ção de dois vinhos diferentes, provenientes
da mesma área de cultivo, o que pode se
justificar se for possível obter preços mais
favoráveis para vinhos provenientes das
zonas consideradas de maior qualidade da
baga.
Portanto, a integração e calibração de
instrumentos permitiram a amostragem
em varredura de dados de solo e planta e
o mapeamento de variáveis descritoras da
qualidade da produção e do ambiente de
cultivo da videira, demonstrando-se o au-
mento do poder de decisão que se pode obter
a partir do conhecimento mais detalhado
do vinhedo.
Detalhe de espectroscópio e seus periféricos
embarcados em veículo utilitário
Espectroscópio pronto para
tomada de dados a campo
Coleta de dados sobre qualidade
da baga, através de espectroscopia
Sistema para determinar a evolução do IAF de videiras instalado em um
utilitário que circula tranquilamente nas entre linhas da plantação
Maio 2014 • www.revistacultivar.com.br 15
Antonio Odair dos Santos,
Antonio Carlos Loureiro Lino,
Denival da Costa Silva e
Mário Nakano Neto,
IAC
.M
Fotos Antonio Odair dos Santos