Sétima coletânea de afrohistórias e outros escritos organizada pelo Festival Internacional de AfroContação de Histórias HADITHI NJOO. Mais informações em www.festivalhadithinjoo.blogspot.com.br.
2. AfroEscola
Laboratório Urbano
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Valparaíso, Santo André, SP
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www.oficinativa.org
Imagens dessa edição:
Livro Sentir Etiopía;
ENLACES SOLIDÁRIOS “Europas
Africanizadas“, jan – mar 2016.
O filho sábio......................................................3
Velha como o tempo.........................................4
A lenda do café..................................................5
Calças ao vento..................................................6
Ave Fênix............................................................7
O rabo do burro.................................................8
Os visitantes.......................................................9
A mulher e o leão............................................10
Provérbios........................................................11
Sentindo Etiópia (fotos).................................12
materiais consultados:
- livro Sentir Etiopía + www.talleresdenarracionoral.wordpress.com
Neste sétimo número da
coletânea de afrohistórias e
outros escritos – um pouco fora
dos prazos mas pleno em
energias! – registramos a
emoção de nossa experiência
recente em solo africano. Algo
difícil de explicar, algo fácil de
SENTIR. E de SER...
Boa viagem com as narrativas
aqui estampadas.
AfroAbraços
Odé Amorim
3. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 3 #
O filho sábio
Há muito tempo vivia em Gondar um ancião que tinha 3 filhos. Um dia este
senhor adoeceu e, sentindo próxima a sua morte, convocou sua prole. Queria
saber qual deles era o mais sábio.
Quando chegaram, o pai começou a falar:
- “Quero saber quem é o mais sábio de vocês. Sobre a mesa há dinheiro.
Cada um deve pegar 25 centavos e comprar algo que possa encher esse
quarto”.
O filho mais velho pegou sua parte e saiu da casa pensativo: “Isso é bem
fácil; tem muitas coisas que eu posso comprar”. Foi ao mercado, deu uma
olhada nos postos e, instantes depois, adquiriu uma quantidade de palha.
O filho do meio refletiu consigo mesmo: “O que pode encher esse quarto?”.
Seguiu para o mercado e, após muitas voltas e buscas, gastou sua parte em
penas.
O filho mais novo parou e ficou muito, muito tempo considerando a situação.
“O que tem no mercado que custe 25 centavos e possa encher um quarto
todo?”. Horas e horas se passaram e finalmente foi até um pequeno comércio
e comprou uma vela e um palito de fósforo.
No dia seguinte, os 3 voltaram ao quarto de seu pai. Cada um levava os itens
comprados para tentar encher o espaço. O filho mais velho tinha palha. O
filho do meio tinha penas. O filho mais jovem tinha vela e fósforo.
O filho maior mostrou a palha a seu pai, mas ela só tomou um canto do
quarto. O segundo mostrou as penas e essas ocuparam um pouco mais de
espaço que o material anterior.
- “Será que não há nada que possa encher esse quarto?”, perguntou o pai.
Então o mais jovem dos filhos acendeu a vela e a luz preencheu todo o quarto
escuro.
O ancião ficou muito contente e celebrou seu filho menor dando a ele todas
as suas terras e seu dinheiro.
4. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 4 #
Velha como o tempo
Velha como o tempo,
sozinha, nobre,
fazendo sombra no deserto,
purificando o céu.
Anciã...
seus filhos valentes,
afiando suas espadas,
desde tempo imemorial.
Seus sacerdotes cantando
orações e maldições
desde tempo imemorial,
alta terra de terras altas.
Tsegaye Gabre-Medhin
5. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 5 #
A lenda do café
Por volta do ano 600 viveu na Etiópia um pastor chamado Kaldi. Certo dia
cuidando de seu rebanho de cabras, percebeu que os animais tinham um
comportamento estranho. Nervosas, elas iam e vinham, para cima e para
baixo, num tumulto que permaneceu todo o caminho de volta e seguiu
durante toda a noite, que parecia sem fim. Apenas na manhã seguinte o
rebanho se acalmou e seguiu mansamente o pastor até as áreas de
pastagem.
Então umas cerejas tentadoras chamaram a atenção do rebanho na
estrada. As cabras as morderam e, num passe de mágicas, reviveram seu
comportamento nervoso no dia anterior. Kaldi observou as plantas que,
aparentemente, tinham causado a mudança no seu rebanho e
cuidadosamente provou uma folha e uma fruta.
A primeira coisa que notou foi que não se tratava de um arbusto de cerejas,
e que o sabor não era tão bom quanto o esperado. Mas também ele sentiu
que a fadiga causada pela longa noite insone tinha desaparecido e sido
substituída por uma energia que o deixava bastante ativo. Kaldi levou
consigo alguns ramos floridos e liderou a marcha em direção a um mosteiro
que ficava a poucos quilômetros. Em ritmo acelerado o seguia seu rebanho.
Ao chegar à casa religiosa, o pastor foi recebido pelo abade, enquanto os
animais estavam sob os cuidados de monges desorientados.
Relatada a descoberta, o abade conduziu Kaldi à cozinha e,
prudentemente, ferveu aquelas frutas vermelhas. Mas quando ele
experimentou o gosto, era tão ruim que, por impulso, cuspiu tudo para fora.
Parte do rejeito caiu sobre o fogo. Nesse instante, a cozinha foi tomada por
um delicioso aroma, o que levou o abade a fazer um novo teste. Ele pegou
o fruto, que agora estava torrado, e preparou uma infusão que, com a sua
fragrância quente, atraiu o grupo de monges até o local. Assim nasceu o
café, da Etiópia para o mundo: testado por algumas cabras, descoberto por
um pastor, torrado por um abade, degustado por monges, que nunca
imaginariam que aquele sabor energético se prolongaria por séculos e
séculos.
6. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 6 #
Calças ao vento
Calças ao vento e botões de granizo,
nenhum grão da terra de Shoa,
em Gondar nada restou.
Uma hiena amarrada a um cinto,
com um pedaço de carne na boca.
Um pouco de água num copo
colocado perto do fogo.
Uma porção de água
jogada em casa.
Um cavalo de fumaça
e um passo crescido,
inútil para todos,
útil para ninguém.
Por que estou amando
um homem como ele?
obs.: Canção em amárico
(idioma mais importante de Etiópia
realizada por mulheres enquanto trabalham.
Fala sobre o amor inútil e nela se menciona Gondar,
capital dos reis etíopes e a província de Shoa.
7. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 7 #
Ave Fênix
Ave fabulosa de tamanho enorme, a conhecida Fênix é originária de Etiópia
e está relacionada ao culto do Sol no Egito. Tinha forma de águia e
plumagem colorida que brilhava tanto que as do pavão real ficavam
ofuscadas...
As histórias diferem em relação à duração de sua vida. Segundo alguns
seria de 500 anos e outros dizem que alcançaria os formidáveis 12.950
anos. Era um animal único em seu gênero, assim não podia se reproduzir
na união com outro semelhante.
Vivia no Egito até o momento de sua morte. Quando sentia chegar o fim de
sua vida, contam que formava uma urna funerária com plantas aromáticas,
de incenso e cardamomo. A partir desse ponto, existem 2 versões:
A mais popular relata que a Fênix entrava nessa urna, se ateava fogo e das
cinzas surgia a nova Fênix.
A outra descreve sua morte, adormecida e afogada em seu próprio sêmen,
de onde nascia a seguinte. Esta depositava o corpo de sua mãe num tronco
oco de mirra. O tronco era transportado então até a cidade de Heliópolis e
era acompanhado nesse trajeto por um cortejo de diferentes pássaros.
Quando chegava ao Altar do Sol, o Templo de Heliópolis, a ave colocava
seu antepassado morto no lugar sagrado. Um sacerdote do Templo do Sol
comprovava, utilizando um antigo desenho da Fênix, que ela era autêntica.
Feito isso, incinerava o cadáver.
Concluída a cerimônia, a nova Fênix regressava a Etiópia, onde vivia se
alimentando de gotas de incenso até o fim de seus dias.
8. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 8 #
O rabo do burro
Era uma vez um rico mercador de nome Ato Alemu. Era um homem bom
que recebia cordialmente os viajantes que chegavam a sua casa e
costumava ajudar os pobres de seu povoado sempre que podia. Ato Alemu
era muito rico mas nunca colocava seu ouro no banco: preferia guardar
tudo numa caixa de madeira que escondia debaixo da cama.
Um dia saiu de viagem e um homem de seu povoado, observando sua
partida no lombo de um burro, foi a casa de Ato. Forçando a porta, invadiu
a residência e foi roubar todo o ouro que estava na caixa de madeira.
Quando regressou de viagem, 2 dias depois, Ato Alemu viu sua porta
arrombada e disse:
- “Alguém entrou em minha casa”.
E quando ao entrar viu sua caixa de madeira vazia gritou:
- “Quem roubou meu ouro?”.
Imediatamente foi ao juiz local e exclamou:
- “Alguém subtraiu meu ouro e creio que foi alguém de nosso vilarejo”.
O juiz escutou e logo pronunciou:
- “Traga-me seu burro e eu prenderei o ladrão sem demora”.
Ato Alemu brevemente retornou com seu burro, o juiz derramou perfume no
rabo do animal, levou-o até uma loja e convocou todos os homens do
povoado.
- “Alguém roubou o ouro de Ato Alemu e eu suspeito de um de vocês.
Todos devem tocar o rabo do burro e o animal se manifestará quando o
ladrão o fizer”.
Todos os homens entraram sozinhos na loja e tocaram o rabo do burro,
mas quando foi a vez do ladrão este não o fez com medo que o animal
reagisse e assim o delatasse.
Depois que todos passaram pela prova, o juiz os colocou em fila e cheirou
as mãos de cada um. Ao chegar nas que não tinham o odor do perfume
exclamou:
- “Você é o culpado!”.
- “Eu não sou culpado, o burro não se manifestou”, respondeu nervoso o
homem.
- “Eu derramei perfume no rabo do burro. Se você o tivesse tocado, teria o
cheiro em suas mãos. Mas não o fez com medo que o animal o entregasse.
Você é o ladrão!”, disse o juiz.
O ladrão então foi desmascarado, confessou seu crime e devolveu a Ato
Alemu todo seu ouro.
9. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 9 #
Os visitantes
Durante o reinado do imperador Theodoro, vários visitantes chegaram a
Etiópia. Chegaram de Europa e exploraram a Etiópia de norte a sul, de
leste a oeste. Cruzaram rios e córregos, passaram por vales profundos,
escalaram as mais altas montanhas e peregrinaram por desertos
escaldantes. Fizeram mapas daquele país, mapas que mostravam todos os
rios, as montanhas, os desertos e muitos outros caminhos.
Depois de vários anos, os visitantes acabaram seu trabalho e mostraram os
mapas ao imperador. O imperador os analisou e disse:
- “Esses mapas são muito bons. Aqui podemos ver as fontes do Nilo, perto
do lago Tana, e podemos ver as montanhas e também os rios. Me sinto
extremamente agradecido por seu trabalho”.
Os europeus se prepararam então para partir. O imperador reservou um de
seus serviçais para lhes ajudar a carregar suas bagagens e presentes até o
barco.
Quando os europeus estavam subindo no barco para retornar a seu
continente com seus pertences, o serviçal fez todos pararem e tirarem seus
sapatos. Limpou um a um cuidadosamente. Depois os devolveu.
Os europeus ficaram surpresos e perguntaram:
- “Por que limpou nossos sapatos assim?”.
O homem respondeu:
- “Vocês visitaram Etiópia. Viram que é muito bela. E agora entendem o
quanto amamos nossa terra. Nós plantamos nossas sementes e nossa
comida cresce deste chão. Os caminhos que vocês percorreram foram
preparados por nossas famílias, por nossos ancestrais. O solo é nossa mãe
e nosso pai. Nós podemos até dar a vocês nosso ouro e nossa prata, mas
não damos a ninguém nossa terra. Por essa razão o imperador me ordenou
limpar seus sapatos antes que deixassem nossa querida Etiópia”.
10. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 10 #
A mulher e o leão
Há muito tempo atrás, uma mulher chamada Fanaye
vivia em Debre Markos. Ela estava muito triste porque
seu marido já não lhe dava atenção. Eles já não
conversavam, nem mesmo se desejavam “bom dia”. A
noite, o homem jantava e ia dormir sem mesmo dedicar a
ela um olhar.
Um dia Fanaye foi visitar o feiticeiro em busca de um
conselho. Contou o que estava acontecendo entre ela e
o companheiro. Depois de escutá-la, o feiticeiro
respondeu:
- “Eu direi a você o que deve fazer. Mas primeiro quero
me traga alguns fios do rabo de um leão”.
Fanaye foi embora muito triste porque considerava muito
difícil conseguir fios do rabo de um leão. Porém
internamente decidiu tentar realizar a tarefa.
Próximo a Debre Markos havia um esconderijo de um
leão. Fanaye comprou um pouco de carne e a deixou ao
lado de sua caverna. Mas quando viu a fera, saiu
correndo de medo.
No dia seguinte, levou novamente mais carne e esperou
atrás de uma árvore enquanto o leão comia. No terceiro
dia, o presenteou com uma ovelha e ficou mais perto até
que o animal a devorasse. No quarto dia, apoiou a
comida em suas próprias mãos e assim, pouco a pouco,
Fanaye e o leão foram se transformando em amigos. Ela
levava carne todos os dias e permanecia ali até que o
animal a desfrutasse. Até o momento que ele se
amansou e a mulher arrancou alguns fios de seu rabo.
Fanaye ficou muito feliz e correu para levar a conquista
até o feiticeiro. Entregou ao homem e disse:
- “Aqui está o que me pediu. Agora me diga o que devo
fazer para melhorar a relação com meu marido”.
O feiticeiro sorriu e respondeu:
- “Você sabiamente ganhou pouco a pouco a confiança e
a estima do leão porque cuidou dele. Já sabe o que pode
fazer então em relação a seu companheiro. É só utilizar
a mesma estratégia”.
11. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 11 #
Provérbios
“Quando o grande senhor passa,
o camponês faz uma reverência
e solta peido silenciosamente”
“Algumas pessoas morrem e parece que nunca viveram,
outras estão vivas
e se comportam como se nunca fossem morrer”
“O sol queima as costas,
a fome queima a barriga”
“O mal penetra como uma agulha
e logo é como o carvalho”
“Quando alguém está apaixonado,
um precipício se torna um prado”
“Quando as aranhas unem suas teias
podem matar um leão”
12. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 12 #
sentindo EtióPia...
Fotos dos ENLACES SOLIDÁRIOS
“Europas Africanizadas“
janeiro a março 2016
(visita a Adis Abeba, Etiópia,
de 15 a 20 de março)
13. Coletânea de AfroHistórias HADITHI NJOO
# 13 #
sentindo EtióPia...
Fotos dos ENLACES SOLIDÁRIOS
“Europas Africanizadas“
janeiro a março 2016
(visita a Adis Abeba, Etiópia,
de 15 a 20 de março)