Parecer da técnica do IPHAN sobre os estudos realizados pelos arqueólogos contratados do governo.
O parecer esclarece porque são necessários estudos mais aprofundados.
Parecer IPHAN sobre diagnóstico arqueológico no Aquário Ceará
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peixequemdera <peixequemdera@gmail.com>
Parecer IPHAN
peixequemdera <peixequemdera@gmail.com> 23 de maio de 2012 23:31
Para: Quem Dera Ser um Peixe <peixequemdera@gmail.com>
PARECER N° 073/12 ― DITEC/IPHAN/CE Fortaleza, 09 de maio de 2012.
ASSUNTO: PROCESSO nº 01496.001151/2011-84 – “DIAGNÓSTICO ARQUEOLÓGICO NA ÁREA DE
INTERVENÇÃO DO ACQUÁRIO CEARÁ, FORTALEZA – CE.
O presente documento analisa os resultados do relatório de Diagnóstico e
Programa de Prospecção Arqueológica para o empreendimento supracitado, a
ser instalado na rua dos Tabajaras, n° 11, no bairro Praia de Iracema,
especificamente num trecho entre a Ponte dos Ingleses e a Ponte Metálica. A
obra está sob a responsabilidade da Secretaria de Turismo do Estado do Ceará
(SETUR), inscrita sob o CNPJ 00.671.077/0001-93, e os estudos arqueológicos
foram realizados sob a coordenação do arqueólogo Carlos Xavier de Azevedo
Netto, com apoio institucional do Núcleo de Documentação e Informação em
História Regional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Conforme
informações presentes no relatório, a área total do empreendimento é de 12,316
m², tendo como área construída um total de 21.500 m², distribuídos por quatro
pavimentos.
Com o intuito de darmos continuidade aos procedimentos de análise dos
estudos relacionados ao Patrimônio Cultural da área de intervenção do
empreendimento, solicitamos que sejam cumpridas as recomendações, a seguir:
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1. Complementação dos estudos históricos que, em conformidade com as
instruções da Portaria IPHAN/MinC 230/2002, em seu artigo 1°, devem ter caráter
exaustivo. Os resultados apresentados restringiram-se a uma exposição factual e
desarticulada com o propósito dos estudos arqueológicos. Tal pesquisa deve,
como sugere Ana Paula de Oliveira,“ampliar a rede de fontes para a história local,
de modo a fornecer subsídios para futuras investigações arqueológicas (...)”[1].
No tópico não ficam evidentes a discussão e o levantamento bibliográfico de
fontes realizados, sendo citados apenas 2 (dois) autores: LEMENHE, 1991 e
SILVA; CAVALCANTE, 2000; inclusive não referenciados na bibliografia
apresentada no final do relatório. Não fica evidente, deste modo, a origem das
conclusões apresentadas, uma vez que as fontes não estão referenciadas.
Ressaltamos a ausência de consultas aos documentos dos séculos XVIII e
XIX, depositados nos arquivos do estado, bem como aos estudos
contemporâneos que tratam das dinâmicas relacionadas à constituição do tecido
urbano da cidade de Fortaleza, em especial desta área portuária
(considerando-se todos os elementos que compõem o seu entorno – alfândega,
pontes, áreas de acesso, arruamentos, dentre outros) no seio das transformações
sócio-econômicas pelas quais passava a cidade de Fortaleza. Os resultados em
muito enriqueceriam a percepção do significativo potencial arqueológico da área
de pesquisa.
Por oportuno, cabe enfatizar a importância histórica da área, no pretérito
portuária, na qual o empreendimento foi proposto, pois a relação da cidade de
Fortaleza com o mar é um dos principais componentes identitários da urbe e tal
percepção deveu-se, como sugeriu Dantas, ao porto e sua relação com o
comércio de algodão no século XIX, que contribuiu de forma decisiva para
conformação do tecido urbano de Fortaleza e sua relevância política na então
Província[2].
Desde o século XVIII[3], essa região já possuía relevância como principal
ancoradouro de navios em Fortaleza. Porém, foi no século XIX, com a cultura do
algodão e a ligação da área portuária à malha ferroviária (Estrada de Ferro
Fortaleza-Baturité) que o Porto de Fortaleza (Trapiche Ellerry) ganhou maior
relevância. Como narram alguns relatórios oficiais, era intenso o trânsito de
mercadorias e trabalhadores entre o trapiche e a Alfândega, cabendo registrar o
seguinte fragmento do relatório de John Hawkshaw, de 1875:
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O Ceará possui bons armazéns e algumas prensas de enfardar algodão movidas
à vapor. Os negociantes e empregados da Alfândega queixam-se da insuficiência
do estabelecimento [...]. Um pequeno molhe munido de telheiro fica quase a seco
na baixa-mar das águas vivas do equinócio [...]. O telheiro serve de abrigo aos
empregados e guardas da Alfândega, que fiscalizam o movimento de mercadorias
no litoral. O molhe parece ser de pouco préstimo. O algodão e outros produtos
são transportados dos armazéns e empilhados na praia, nas horas de preamar;
na baixa-mar grande número de homens empregam-se no transporte as
alvarengas [...][4].
O fragmento é breve e inexpressivo diante do número extenso de fontes
bibliográficas e documentais disponíveis sobre o tema[5]. Porém, a partir de uma
análise superficial já podemos apontar, conforme tal narrativa, a existência de
estruturas físicas, como edificações e vias de acesso, que subsidiavam os
trabalhos na área portuária, bem como a probabilidade da existência vestígios
materiais dessa ocupação, que identificados e interpretados, em muito
contribuiriam para o desenvolvimento de uma história social da atividade portuária
da cidade de Fortaleza[6]. Pois, como propõe Peixoto:
A cidade é caracterizada pela diversidade de lugares, de micro espaços, de
grupos sociais, de atividades, etc. O espaço urbano é construído ao longo do
tempo e essa construção se dá definitivamente pela distribuição e ocupação do
solo que é um processo dinâmico que resulta das atividades sociais, culturais e
econômicas das pessoas. A análise do espaço urbano revela ao arqueólogo
exatamente essa dinâmica de ocupação e reocupação do solo ao longo do tempo,
permitindo identificar a identidade de cada lugar[7].
Acresce-se o fato de que tal área permaneceu na função portuária até
meados do século XX, quando foi inaugurado o Porto do Mucuripe (1953).
Diante do exposto, cabe-nos sugerir que estes estudos sejam
complementados por profissional historiador, de preferência com experiência em
estudos de natureza similar.
2. No que concerne à alínea c, do Inciso I, do Art. 6º, da Resolução
CONAMA nº. 01/2006, que prevê que nos estudos de impacto ambiental sejam
apresentados os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da
comunidade, solicitamos que sejam apresentados os bens culturais da
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comunidade localizada na AIE, conforme a definição de Patrimônio Cultural
presente no Art. 216, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores as sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I. as formas de expressão;
II. os modos de criar, fazer e viver;
III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
3. No que diz respeito à classificação do material arqueológico
recuperado, observamos que as definições apresentadas nas legendas das
fotografias são incorretas ou insuficientes. Deste modo, recomendamos uma
classificação prévia dos materiais recuperados que estabeleça, no mínimo, as
suas procedências e cronologias. Para tanto, sugerimos que seja consultada uma
bibliográfica especializada, dentre as quais podemos sugerir: BRANCANTE, E. O
Brasil e a cerâmica antiga. Rio de Janeiro: Cia Lithographica Ypiranga
, 1981; SYMANSKI, L. Práticas econômicas e sociais no sertão cearense no
século XIX: um olhar sobre a cultura material de grupos domésticos sertanejos.
Revista da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), 2008; SYMANSKY, L.
Grupos domésticos, comportamento de consumo e louças: o caso do Solar Lopo
Gonçalves. Revista de História Regional 2 (2): inverno 1997, vol. 2. - nº. 2, 1997.
STELLE, L. An Archaeological Guide to Historical Artifacts of the Upper
Sangamon Basin, Central Illinois, USA. Center For Social Research, Parkland
College, 2001 (http://virtual.parkland.edu/lstelle1/len/archguide/
documents/arcguide.htm ). Na fase III de pesquisa, estas análises poderão ser
aprofundadas com discussões relacionadas a padrões globais e específicos de
comportamento de consumo[8], dentre outras temáticas possíveis.
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4. No tocante às estruturas construtivas descobertas durante as
sondagens, solicitamos que seja apresentado um quadro analítico dos diversos
tipos identificados em profundidade, constando também cronologias, ainda que
aproximadas, bem como as considerações acerca da possibilidade de
preservação parcial ou total de alguns exemplares, em conformidade com a
análise tipológica e cronológica. Que seja apresentando ainda (de forma textual e
imagética) soluções para a preservação dos remanescentes construtivos
descobertos, durante a execução da obra, em especial àquelas que propiciaram
“uma nova conotação aos vestígios encontrados”, localizadas pra além do setor
Oeste, como aponta o relatório em seu tópico 8 – “considerações”. Deste modo,
como forma de melhor avaliarmos este aspecto, sugerimos também que a análise
tipológica das estruturas descobertas seja executada por um profissional da
Arquitetura, habituado à temática “edificações históricas”.
5. Com o intuito de melhor analisarmos os resultados obtidos com o
Programa de Prospecção, solicitamos que as fotos dos vestígios e estruturas
identificados sejam produzidas em boa resolução e impressos com uma melhor
qualidade gráfica que permita durabilidade e visualização adequada.
6. Que sejam apresentadas plantas de distribuição espacial da área do
empreendimento em escala gráfica adequada, distinguindo-se, dentre os pontos
topográficos representados, os referentes às coletas sistemáticas (diferenciando
os vestígios por categoria) e às sondagens, situando-os sempre com relação à
poligonal do empreendimento e as suas áreas específicas de construção. Como é
de praxe na cartografia, o mapa deve conter a grade com as coordenadas (UTM
ou geográficas), indicação de norte, escala, legenda etc. Outrossim, as
dimensões do papel devem ser apropriadas à escala utilizada; recomenda-se,
para tanto, folhas de tamanho A3, A2 ou A1. Na produção dos mapas sugerimos
a utilização de softwares como AutoCAD, ArcGIS, ArcView ou similares.
7. Uma vez que os relatórios apresentados a esta Superintendência são
disponibilizados para consulta pública, recomendamos que seja providenciada a
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revisão gramatical do texto.
8. Recomendamos ainda o início das atividades do Programa de Educação
Patrimonial que, em conformidade com as recomendações da Portaria
IPHAN/MinC 230/2002, deve ser realizado nas 3 (três) fases de pesquisas e estar
previsto no cronograma financeiro dos empreendimentos.
Cabe-nos salientar que as discussões em torno da defesa da
“antropização” do terreno destinado à obra, utilizada recorrentemente no relatório,
não constitui justificativa para o não aprofundamento dos estudos arqueológicos
na área; o que é na verdade um sítio arqueológico, se não o resultado de
processos originados e transformados pela ação humana. Partindo de uma
concepção arqueológica que amplia a visão do pesquisador a uma espacialidade
mais ampla, a todo o conjunto de materialidades implantadas por quem nos
antecedeu (Jorge, 2000)[9], é de extrema importância também considerar que,
em se tratando de aterros,
enquanto um pré-historiador pode deixar de lado as perturbações históricas do
sítio que estuda, o historiador deve estudá-las, já que representam parte da trama
histórica do sítio (Orser Jr., 2000, p. 70)[10].
Reforçando este pensamento, a partir de experiências locais, informamos
que no município de Aracati (Ceará) foram descobertos inúmeros componentes
da tralha doméstica dos séculos XVIII e XIX, além de antigas edificações do
mesmo período, sob sucessivos aterros, estando os artefatos e estruturas bem
preservados. Assim,
a relevância de tal amostra é indubitável, apesar de certas vezes ter seu potencial
informativo questionado por ser componente de aterro e, se não tem a
incumbência de informar sobre uma residência específica, cumpre o papel de
informar sobre comportamentos de consumo na Aracati de séculos passados
(Viana et al, 2008)[11].
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Por fim, com o intuito de cumprirmos as disposições legais pertinentes aos
estudos arqueológicos associados às obras de engenharia, recomendamos que
o retorno das atividades construtivas do Acquário Ceará seja condicionado
à entrega das complementações referidas nos tópicos 1 a 7; e que as
recomendações exaradas no item 8 sejam apresentadas no prazo de 30
(trinta) dias, contados a partir da data de retomada das atividades de obra.
________________________________________
Verônica Pontes Viana
Arqueóloga IPHAN – CE
SIAPE 1813244
[1]OLIVEIRA, Ana Paula de P. L. de. A etnohistória como arcabouço contextual para as pesquisas
arqueológicas na Zona da Mata Mineira.
Disponível em http://www.ufjf.br/maea/files/2009/10/a_etnohistoria.pdf
, acesso em 25 maio 2011.
[2] DANTAS, Eustógio W. C. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza: Museu do
Ceará/SECULT, 2002.
[3] Ver: KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de Educação e Cultura de
Pernambuco, 1978; VIEIRA Jr., Antonio Otaviano. Entre o futuro e o passado: aspectos urbanos de
Fortaleza (1799-1850). Fortaleza: Museu do Ceará/SECULT, 2005.
[4]HAWKSHAW, John. Relatório de Sir John Hawkshaw em 1875 sobre melhoramentos dos portos do
Brasil. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, t. XXIII, p. 185-186.
[5] Sugerimos que sejam levantadas informações sobre antigo Porto de Fortaleza (Trapiche Ellery), a
Ponte dos Ingleses, Ponte Metálica, Praia de Iracema, Poço da Draga, todas temáticas pertinentes ao
objeto em questão. Também sugerimos consulta aos Relatórios dos Presidentes de Província do Ceará.
Como sugestão bibliográfica: ESPINOLA, Rodolfo. Caravelas, jangadas e navios: uma história
portuária. Fortaleza: Omni, 2007.
[6] Ver: MORAIS, Nágila. “Todo cais é uma saudade de pedra”: repressão e morte dos trabalhadores
catraieiros (1903-1904). Dissertação em História, UECE, 2009.
[7] PEIXOTO, Luciana da S. Cultura material e memória social. In. CERQUEIRA; FUNARI; NOBRE
(orgs.). Arqueologia histórica, memória e patrimônio em perspectiva: contribuições da Arqueologia,
História, Literatura, Arquitetura e Urbanbismo. Pelotas: IMP/UFEPEL, p. 100-101.
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8. Gmail - Parecer IPHAN https://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&ik=bb3593858c&vi...
[8] “No senso mais amplo, comportamento de consumo incorpora atividades relacionadas à satisfação
das necessidades e desejos humanos. Estreitamente definido, comportamento de consumo
relaciona-se aos padrões de gasto individual do grupo doméstico, ou de grupos, e especificamente à
aquisição e uso dos itens materiais. Dentro do campo da arqueologia, os estudos de consumo são
geralmente focalizados sobre os bens materiais do cotidiano ou matérias alimentícias (LeeDecker, 1991
apud Symanki, 1997 op cit).
[9]JORGE, Vítor Oliveira. Arqueologia, Património e Cultura, Lisboa, Instituto Piaget, 2000.
[10]ORSER Jr., Charles E. Introducción a la Arqueología Histórica. Tradução e prólogo de Andrés
Zarankin. Revisão de Maria X. Senatore. Buenos Aires: Asociación Amigos del Instituto Nacional de
Antropología/ Ediciones del Tridente, 2000.
[11] Viana et al. Estudos arqueológicos na área de intervenção do sistema de esgotamento sanitário do
município de Aracati. Relatório Final. Fortaleza: CAGECE, 2008.
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