1. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo principal analisar como
a Geografia Urbana é tratada no Ensino Médio. O trabalho tem também como objetivos
específicos: compreender como os professores de Geografia do Ensino Médio trabalham a
temática urbana; identificar as lacunas deixadas pelos livros didáticos de Geografia desti-
A geografia urbana no ensino médio nados ao Ensino Médio no que tange à temática urbana; propor alternativas metodológicas
Ricardo José Gontijo Azevedo
para melhor compreensão do espaço urbano pelos alunos do Ensino Médio.
Doutorando do Programa de Pós Graduação em Geografia da UNESP/Rio Claro Tento em vista a importância de uma boa formação dos alunos do Ensino Médio
ricardogeop@yahoo.com.br
na temática urbana para uma gestão democrática das cidades, o presente trabalho justifica-
Fadel David Antonio Filho se por se propor a analisar como a Geografia Urbana é tratada no Ensino Médio. Além
Professor Adjunto (Livre-Docente) do Departamento de Geografia/IGCE/UNESP/Rio Claro
fadeldaf@rc.unesp.br disso, buscaremos o desenvolvimento de alternativas metodológicas para que o professor
contemple a temática urbana em sua plenitude, através da abordagem de temas pouco
observados nos livros didáticos, como a segregação socioespacial, a questão dos condomí-
nios fechados, a especulação imobiliária e o papel do Estado como agente transformador
Resumo: O presente artigo busca analisar como a Geografia Urbana é trabalhada no Ensino do espaço urbano. Nesse contexto, o desenvolvimento do presente trabalho é importante
Médio. Através de uma perspectiva dialética foram aplicadas entrevistas com professores e por fomentar práticas pedagógicas que irão contribuir na formação do aluno em questões
analisados livros didáticos com o objetivo de compreender como determinados temas so-
importantes e pouco abordadas na atualidade.
cioespaciais são abordados no estudo do espaço urbano. Observa-se que a temática urbana
não é trabalhada em sua plenitude, uma vez que determinados temas, como a segregação
espacial e a especulação imobiliária, não são contemplados na maior parte dos livros didáticos. Metodologia
A prática docente também é comprometida no trabalho com a temática urbana, já que a
maioria dos professores usa somente aulas expositivas e o livro didático como instrumento O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa que busca analisar como o ensino
de ensino. Ao final do trabalho são apresentadas algumas alternativas metodológicas que da Geografia Urbana é realizado no Ensino Médio. A abordagem dialética mostra-se mais
podem subsidiar o trabalho dos professores com a Geografia Urbana. apropriada para compreensão da dinâmica político-pedagógica que envolve o ensino da
Palavras-chave: Geografia Urbana. Ensino Médio. Ensino de Geografia. Geografia, uma vez que se pretende elucidar as contradições entre o referencial teórico da
temática urbana e sua prática em sala de aula.
Para a realização do presente artigo foi realizada inicialmente a pesquisa e revisão
Introdução bibliográfica acerca de temas pertinentes ao assunto abordado, como o contexto socioes-
pacial das cidades e como o ensino de Geografia é tratado na contemporaneidade.
A Geografia Urbana é um eixo da ciência geográfica de fundamental importância Visando compreender como os professores trabalham em sala de aula com a
para compreensão da realidade socioespacial das cidades. Através de uma sólida formação temática urbana foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dez professores de
na temática urbana os alunos podem conceber o espaço urbano de forma crítica, elucidando Geografia do Ensino Médio, que lecionam na rede pública e/ou privada em Limeira-SP.
contradições decorrentes de interesses particulares de determinadas classes sociais e agentes Nas entrevistas, os professores foram questionados sobre como trabalham a Geografia
públicos. Somente através de ampla consciência da atuação dos agentes modeladores do Urbana em sala de aula, quais metodologias de ensino e recursos didáticos utilizam e quais
espaço urbano é que poderemos conceber uma gestão democrática das cidades. conteúdos são trabalhados nessa temática.
Entretanto, percebe-se que a importância dessa temática é negligenciada pela Posteriormente, foram analisados dez livros didáticos de Geografia dirigidos ao
maior parte dos livros didáticos, resultando numa abordagem do assunto de modo bastante Ensino Médio com o objetivo de verificar como a questão urbana é abordada. Sendo um
superficial pelos professores do Ensino Médio. Temas como a segregação socioespacial, a dos autores do presente trabalho professor de Geografia na rede pública de ensino, os
especulação imobiliária promovida por diversos atores sociais, o surgimento dos “enclaves livros didáticos foram utilizados levando em consideração a disponibilidade dos mesmos
fortificados” também conhecidos por condomínios fechados, entre outros, são abordados pelo autor, sem a intenção de selecioná-los de acordo com editoras ou autores. Os livros
de modo superficial pelos livros didáticos. didáticos selecionados para análise foram:
1 2
2. Nº Autores Nome do livro Editora Ano a aprender). Só assim pode-se propiciar aos educandos que se tornem cidadãos plenos,
ALMEIDA, Lúcia Marina Alves; agentes da história, sujeitos autônomos, críticos e criativos.
1 Geografia geral e do Brasil Ática 2005
RIGOLIN, Tércio Barbosa
2 FILIZOLA, Roberto Geografia IBEP 2005 Cavalcanti (2002) ressalta em sua obra a importância de se estudar a temática
GARCIA, Helio Carlos; Geografia: de olho no mundo do urbana nos conteúdos de Geografia, por dois motivos distintos, um por se tratar de uma
3 Scipione 2005
GARAVELLO, Tito Marcio. trabalho espacialidade específica com múltiplos aspectos e características próprias, outro como
KRAJEWSKI, Ângela Corrêa; desenvolvimento de habilidades, valores e condutas para a vida cotidiana, contribuindo
4 GUIMARÃES, Raul Borges; Geografia: pesquisa e ação Moderna 2005
RIBEIRO, Wagner Costa neste sentido para a formação da cidadania. Para a autora, o grande desafio na hora de
LUCCI, Elian Alabi; elaborar as propostas de ensino consiste em traduzir pedagogicamente as novas formas
5 BRANCO, Anselmo Lazaro; Geografia Geral e do Brasil Saraiva 2005 de compreensão do espaço, para aproximar os alunos de um discurso que incorpore os
MENDONÇA, Cláudio
avanços da Geografia nas últimas décadas.
MAGNOLI, Demétrio; Geografia: a construção do
6 Moderna 2005 Sabemos que o estudo do espaço urbano passou ganhou novos significados nas
ARAÚJO, Regina. mundo
MOREIRA, João Carlos; últimas décadas com o surgimento da Geografia Crítica. Entretanto, observa-se que as
7 Geografia Scipione 2005
SENE, Eustáquio de. aulas dessa temática continuam, em sua maioria, a ter um viés tradicional que acaba por
Geografia do Brasil e geral: povos Escala legitimar aos interesses das classes dominantes. Muitos alunos não conseguem conceber o
8 SILVA, Vagner Augusto da. 2005
e territórios Educacional
espaço urbano como produto de uma sociedade de classes, e que, portanto, carrega consigo
Geografia geral e do Brasil:
TAMDJIAN, James Onnig; as contradições inerentes à sociedade capitalista.
9 estudos para compreensão do FTD 2005
MENDES, Ivan Lazzari.
espaço Se considerarmos que a crítica de Lacoste (1977) sobre a Geografia que se ensina
Geografia Geral e Geografia nas escolas de ensino fundamental e médio, temos de reconhecer que se trata de “uma
TERRA, Lygia;
10 do Brasil: o espaço natural e Moderna 2005
COELHO, Marcos de Amorim. espécie de cortina de fumaça que permite dissimular” uma outra Geografia, dita “dos
socioeconômico
estados-maiores”. Enquanto a primeira, a “Geografia dos professores” torna-se um saber
Após a análise dos livros didáticos foram propostas algumas alternativas metodo- sem aplicação prática, a “dos estados-maiores” entende o espaço como um poderoso ins-
lógicas para o trabalho da temática urbana com os alunos do Ensino Médio. trumento de poder. Explica Lacoste (1977, p.31-32) que:
A geografia escolar que foi imposta a todos no fim do século XIX e cujo modelo continua
O ensino de geografia como instrumento de libertação a ser reproduzido ainda hoje, quaisquer que possam ter sido os progressos na produção de
idéias científicas, encontra-se totalmente alheado de toda a prática. De todas as disciplinas
Vesentini (2006) considera que tanto a educação como o ensino, são ou podem ensinadas na escola ou no liceu, a geografia é, ainda hoje, a única que surge como um saber
ser, ao mesmo tempo, instrumentos de dominação e de libertação. Para o autor, o sistema sem a mínima aplicação prática fora do sistema.
escolar moderno foi construído por cima, através do Estado instrumentalizado pela bur-
guesia como classe hegemônica. Assim, o sistema escolar foi e ainda é estratégico para a Considerando isso, há uma premente necessidade do professor de Geografia em
reprodução da sociedade capitalista. inverter esse quadro, buscando meios para transformar o ensino de Geografia numa aplica-
ção estratégica e ideológica que sirva para conscientizar o aluno em seu papel de cidadão.
Nesse contexto, é fundamental que o professor trabalhe com os alunos temas pouco
Se a preocupação fundamental de todo e qualquer ramo do saber humano é ou deve
vistos nos livros didáticos de Geografia, como a questão social que estrutura a organização
ser a sociedade, cada ciência em particular se ocupa de um dos seus aspectos. (SANTOS,
das cidades, com vistas a uma educação que objetiva a formação integral dos alunos, com
1978). No caso da Geografia, o espaço é seu objeto de estudo principal, seja ele o espaço
pensamento autônomo e crítico diante das contradições verificadas na sociedade. Vesentini
urbano, o espaço rural ou o natural. No caso do espaço urbano, especificamente, Santos
(2006, p. 25) salienta a esse respeito que:
(1981, p. 173) explica que “a paisagem urbana pode ser definida como um conjunto de
Educar para a liberdade não é somente educar os outros, mas também a si mesmo, de forma aspectos materiais, através dos quais a cidade se apresenta aos nossos olhos, ao mesmo
permanente, aprendendo ao mesmo tempo que se ensina (ou melhor, que se leva os alunos tempo como entidade concreta e como organismo vivo.”
3 4
3. Com base nisso podemos entender que dentro de uma mesma cidade há duas ou por um lado, uma forma disfarçada e, por outro, explícita de discriminação social imposta
mais cidades. Isso é resultado da oposição entre níveis de vida e entre setores da atividade pela condição econômica a qualquer indivíduo no espaço urbano. Isto depende do contexto
sócio-político, pois esta forma de distribuição de população urbana, baseada em aspectos
econômica, ou seja, das contradições entre as classes sociais. São exatamente essas contra-
econômicos, torna-se um fator importante para a separação existente entre os diferentes
dições que ocorrem no espaço urbano que devem ser exploradas no ensino da Geografia agrupamentos sociais que assumem, no espaço urbano, uma disposição bem definida.
sobre o tema.
Acreditamos que o estudo da Geografia Urbana em sua plenitude deve focar os Analisar, no presente momento histórico, a maneira como a Geografia Urbana é
problemas surgidos com a fragmentação do espaço urbano, com o surgimento de bairros abordada nas aulas e nos livros didáticos pode contribuir para a formação de alunos críticos
destinados às camadas sociais específicas, com a segregação socioespacial. Assim, os alunos e conscientes na sociedade. Nesse sentido Vesentini (2006, p. 26) considera que:
podem ter uma visão crítica do ambiente que o cerca, contribuindo para a formação de Procurar a todo custo evitar o comodismo intelectual e a burocratização das rela-
cidadãos autônomos no pensar e agir, vislumbrando uma sociedade mais justa e democrá- ções sociais e educacionais é uma das mais importantes tarefas para que o ensino não apenas
reproduza as demandas de ampliação da modernidade, mas, principalmente, contribua para
tica. Nesse sentido diversas propostas curriculares para o ensino de Geografia, destacam a
formar cidadãos críticos e, com isso, uma sociedade cada vez mais democrática e pluralista.
importância do ensino da Geografia urbana para formação da cidadania. Nesse contexto
É importante ressaltar que o professor deve colocar em prática os conhecimentos
destaca-se o que nos revela Cavalcanti (2002, p.47):
que aprendeu durante sua formação acadêmica juntamente com os conhecimentos pré-
O ensino de Geografia contribui para a formação da cidadania através da prática de con- vios que cercam a vida dos alunos. Assim, a prática docente necessita estar intimamente
strução e reconstrução de conhecimentos, habilidades, valores que ampliam a capacidade de relacionada ao cotidiano dos alunos e professores, aproximando a teoria com a realidade
crianças e jovens compreenderem o mundo em que vivem e atuam, numa escola organizada para que o processo de ensino-aprendizagem alcance o sucesso. Nesse contexto, Zanatta
como um espaço aberto e vivo de culturas. O exercício da cidadania na sociedade atual, por (2008, p.140) salienta que “estudar a Geografia de uma cidade é compreendê-la em suas
sua vez, requer uma concepção, uma experiência, uma prática – comportamentos, hábitos, particularidades, inserindo-a no mundo como um todo e estudar a geografia do mundo é
ações concretas – de cidade. procurar compreender as maneiras pelas quais os diferentes lugares se articulam.”
Para o estudo das cidades, é fundamental que o professor aproxime a temática ao
Na visão de Cavalcanti (2002), a escola, ao escolher trabalhar a temática urbana,
que é conhecido pelos alunos, relacionando a dinâmica socioespacial aos bairros, ruas, pra-
tem que fomentar atividades em que os alunos percebam a existência de diferentes imagens ças, o centro e a periferia, a cidade e o campo, as feiras e os shoppings centers. Valoriza-se
da cidade, tanto cotidianas como científicas, que podem se confrontar. assim o conceito de lugar, fundamental para a compreensão da realidade espacial.
Nas áreas urbanas, a produção do espaço certamente envolve uma infinidade de A temática urbana pode ser bem desenvolvida em sala de aula se a abordagem
forças que contribuem para sua transformação ao longo do desenvolvimento de um modo dialética é considerada. Assim, valoriza-se o conceito de (re) produção do espaço urbano,
produtivo. Nesse contexto, percebe-se que o sistema capitalista esteja associado às mais uma vez que o espaço é fruto das complexas relações sociais que nele se estabelece. A me-
profundas modificações do espaço geográfico em toda sua existência. todologia dialética permite a discussão e análise das contradições da sociedade capitalista
Sobre essas modificações, Corrêa (2005) considera que existem agentes sociais expressas no espaço urbano, por exemplo, através da segregação socioespacial.
concretos que produzem e consomem o espaço. O autor identifica cinco agentes distintos,
que são: os proprietários dos meios de produção; os proprietários fundiários; os promotores Resultados e discussão
imobiliários; o Estado; e os grupos sociais excluídos. Ainda de acordo com a concepção do
A revisão bibliográfica possibilitou uma melhor compreensão do papel fundamental
autor, a ação desses agentes não é neutra, refletindo assim os interesses do agente dominante. que a Geografia assume na formação dos alunos. Nesse sentido, a questão urbana emerge
Para Correa (2003) a segregação espacial tem origem anterior ao surgimento do como possibilidade de participarmos de modo ativo na sociedade, através do desenvolvi-
capitalismo, remontando ao período do aparecimento das cidades e classes sociais que a mento da cidadania e da compreensão dos problemas socioespaciais das cidades.
habitavam. Entretanto, com a ascensão do capitalismo a segregação torna-se mais acentuada Os temas urbanos nos livros didáticos analisados, com maior ou menor profundida-
à medida que o fracionamento das classes sociais se consolida. de, referem-se principalmente à dinâmica geral do processo de urbanização decorrente da
O caráter desigual do sistema econômico capitalista sugere que a segregação seja, industrialização e do êxodo rural, bem como conceitos sobre redes e hierarquias urbanas,
para Santos (1979. p. 31), metropolização e sobre as cidades na economia global. Muitos são os livros que tratam dos
5 6
4. problemas ambientais urbanos, como a questão da poluição atmosférica, formação de ilhas Nº Autores Nome do livro Editora
de calor, ocorrência de inversão térmica, chuva ácida e outros. O problema da ocupação ALMEIDA, Lúcia Marina Alves;
1 Geografia geral e do Brasil Ática
desordenada em encostas, que favorecem deslizamentos de terras também está presente RIGOLIN, Tércio Barbosa
em boa parte dos livros, mas a questão social de ocupação dessas áreas irregulares não é 2 FILIZOLA, Roberto Geografia IBEP
GARCIA, Helio Carlos;
abordada de modo satisfatório. 3
GARAVELLO, Tito Marcio.
Geografia: de olho no mundo do trabalho Scipione
Não é intenção do presente artigo classificar os livros didáticos. Assim, os livros KRAJEWSKI, Ângela Corrêa;
foram analisados levando em consideração os conteúdos relacionados à temática urbana. 4 GUIMARÃES, Raul Borges; Geografia: pesquisa e ação Moderna
Para tanto, os livros foram enumerados em ordem alfabética de autor, e foi realizada uma RIBEIRO, Wagner Costa
LUCCI, Elian Alabi;
criteriosa verificação dos conteúdos relacionados à temática urbana, procurando encontrar 5 BRANCO, Anselmo Lazaro; Geografia Geral e do Brasil Saraiva
conteúdos relacionados à dinâmica socioespacial presente nas cidades, considerados pelo MENDONÇA, Cláudio
autor como: segregação espacial, especulação imobiliária, moradias precárias / favelas, 6
MAGNOLI, Demétrio;
Geografia: a construção do mundo Moderna
loteamentos periféricos, movimentos de ocupação e condomínios fechados. ARAÚJO, Regina.
MOREIRA, João Carlos;
É válido considerar que para o livro receber a indicação de que trabalhou com 7 Geografia Scipione
SENE, Eustáquio de.
determinado conteúdo foi necessário que nele estivesse explícita uma argumentação só- Geografia do Brasil e geral: povos e Escala
8 SILVA, Vagner Augusto da.
lida e coerente sobre esses conteúdos, e não somente terem citado-os ou abordado-os de territórios Educacional
modo superficial. TAMDJIAN, James Onnig; Geografia geral e do Brasil: estudos para
9 FTD
MENDES, Ivan Lazzari. compreensão do espaço
A análise permitiu verificar que os livros didáticos de Geografia do Ensino Médio
TERRA, Lygia; Geografia Geral e Geografia do Brasil: o
não contemplam a temática urbana em sua plenitude. Assim, nenhum livro analisado 10 Moderna
COELHO, Marcos de Amorim. espaço natural e socioeconômico
contemplou totalmente os temas relacionados à problemática socioespacial das cidades.
Observa-se que o conteúdo relacionado à temática das moradias precárias e/ou forma- Através da realização das entrevistas com dez professores de Geografia do Ensino
ção de favelas esteve presente em 90% dos livros analisados. O segundo conteúdo mais Médio foi possível observar que a temática urbana é trabalhada parcialmente pela maior
abordado nesse sentido refere-se à especulação imobiliária, presente em 40% dos livros parte deles. Conceitos relacionados às desigualdades sociais impressas no espaço urbano
analisados. O terceiro conteúdo observado foi a segregação espacial, presente em apenas não são trabalhados por todos. Observa-se que as metodologias de ensino da Geografia
30% dos livros. Isso evidencia que existem muitas lacunas nos livros didáticos no que se estão em grande parte dissociadas da realidade dos alunos, ainda com uma abordagem
refere à temática urbana. A tabela apresentada a seguir ilustra de modo mais claro a análise tradicional voltada principalmente para aulas expositivas sobre a temática urbana.
dos livros didáticos realizada. Outro fato observado nas entrevistas foi que a maior parte dos professores utiliza
somente o livro didático como instrumento de trabalho para abordar a temática urbana.
Número do livro Aulas que poderiam explorar o lugar de vivência dos alunos, com realização de visitas e
Conteúdo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 trabalhos de campo pela cidade foram citadas somente por dois professores. Três pro-
fessores afirmaram recorrer aos filmes e documentários para ilustrar a dinâmica urbana.
Segregação espacial
Através da entrevista foi possível identificar que as metodologias de ensino praticadas
Especulação imobiliária nas escolas públicas e privadas são muito semelhantes no que se refere ao trabalho com a
Moradias precárias / favelas temática urbana.
Loteamentos periféricos
Os principais conteúdos considerados pelos professores como importantes para
explicar a dinâmica urbana foram: o processo de urbanização (mundial e brasileiro), o
Movimentos de ocupação
êxodo rural, a rede urbana, a hierarquia urbana, o processo de formação das metrópoles,
Condomínios fechados as cidades globais e megacidades, os problemas ambientais urbanos (principalmente rela-
Os conteúdos abordados em cada livro estão destacados na cor cinza. cionados ao clima) e a questão das favelas (para alguns professores).
7 8
5. Observa-se que temas mais críticos e pouco observados nos livros didáticos, como Enfim, existem muitos caminhos para que os professores possam trabalhar a temá-
segregação espacial, especulação imobiliária e loteamentos periféricos, não foram listados tica urbana de modo satisfatório. Isso depende da realidade na qual o professor trabalha,
pela maior parte dos professores. Isso comprova o fato da maior parte dos professores utili- da disponibilidade de recursos e do interesse da comunidade escolar em prover condições
zarem somente o livro didático como elemento para preparar suas aulas. Assim, observa-se para que o trabalho se desenvolva. Assim, espera-se que os professores possam buscar
que devido às lacunas deixadas na abordagem da questão urbana pelos livros didáticos, a constantemente maneiras para melhorar o processo de ensino-aprendizagem, contribuindo
aprendizagem dos alunos sobre a questão não se efetiva plenamente. para a construção de uma sociedade mais justa e consciente de seus desafios.
Alternativas de Procedimentos Metodológicos Considerações finais
Tendo em vista os resultados do presente trabalho que mostraram uma lacuna na Através da realização do trabalho foi possível verificar que, em geral, alunos do
maneira como alguns temas socioespaciais são tratados na Geografia Urbana ministrada Ensino Médio não recebem uma formação plenamente adequada na temática urbana. As
no Ensino Médio, espera-se que os professores possam utilizar diferentes metodologias desigualdades socioespaciais verificadas no espaço urbano são pouco abordadas em sala
para inserir essa temática em suas aulas de modo eficiente e satisfatório. Para tanto, de aula, seja pelas lacunas deixadas pelos livros didáticos, seja por falta de uma maior
consciência crítica dos professores.
pontuamos algumas alternativas metodológicas que podem complementar o trabalho da
A análise dos livros didáticos permitiu observar que determinados agentes sociais
temática urbana.
procuram legitimar seus interesses. Assim, concordamos com a visão de Vesentini (2006),
• A realização de trabalhos de campo é fundamental para que os alunos conheçam no qual afirma que o ensino serve tanto como instrumento de libertação como de domi-
melhor a realidade socioespacial de sua cidade. Assim, os alunos são levados nação. Parece-nos que a realidade da questão urbana continua a ser mascarada nos livros
a visualizarem a existência de bairros destinados a diferentes grupos sociais, didáticos, numa tentativa de ocultar os problemas e desigualdades socioespaciais.
com melhor ou pior infra-estrutura e serviços urbanos. Eles devem conceber É de fundamental importância que os professores mudem suas práticas pedagó-
o espaço urbano como um produto social, e que, portanto, carrega consigo as gicas com o intuito de formar cidadãos mais críticos diante dos problemas que os cercam.
contradições existentes na sociedade, como a segregação socioespacial. Acreditamos que a Geografia assume um papel privilegiado nessa questão, por tratar de
• Temas poucos explorados em sala de aula, como a questão dos condomínios temas diretamente ligados à injusta realidade observada nas cidades brasileiras.
Espera-se que novas pesquisas possam ser feitas no sentido de conscientizar a
fechados ou dos movimentos de ocupação, devem ser discutidos de modo que
sociedade dos problemas que precisam ser superados. A começar por uma prática docente
os alunos entendam a cidade como um local de disputa entre diferentes grupos
efetivamente comprometida com o bem-estar social, uma prática crítica e autônoma, livre
sociais. Os debates em sala de aula são muito importantes para que os alunos
de ideologias que visam legitimar interesses de grupos dominantes.
possam expressar suas opiniões e se depararem com pontos de vista diferentes
dos seus.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Considera-se também que pela Constituição Federal, todos devem ter acesso à
moradia e à segurança, entre outros direitos. Entretanto, o Estado não garante CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. São Paulo: Contexto, 1992.
esses direitos a todos os cidadãos. A discussão sobre o papel do Estado na or- CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos et al. (Org.). Geografia em sala de aula, práticas
ganização do espaço urbano é um tema que pode gerar um bom debate em sala e reflexões.
de aula. Porto Alegre: associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Porto Alegre, 1999.
• As aulas se tornam dinâmicas quando o professor consegue diversificar suas CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa,
metodologias de ensino. Assim, atividades diferenciadas e o uso de recursos 2002.
como fotografias, músicas, filmes e documentários sobre a temática urbana CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. 7ª ed. – São Paulo: Ática,
possibilitam aos alunos entenderem melhor a complexidade socioespacial 2003.
existente nas cidades. _____. O espaço urbano. 4ª ed. - São Paulo: Ática, 2005.
9 10
6. LACOSTE, Yves. A Geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra. Lisboa:
Iniciativas Editoriais, 1977.
OLIVA, Jaime Tadeu. Ensino de Geografia: um retardo desnecessário. In: CARLOS. Ana
Fani Alessandri (org.) A Geografia na sala de aula. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo:Hucitec/Edusp, 1978.
_____. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.
_____. Manual de Geografia Urbana. São Paulo: Hucitec, 1981.
VESENTINI, José William. Educação e ensino da Geografia: instrumentos de dominação
e/ou de libertação. In: CARLOS. Ana Fani Alessandri (org.) A Geografia na sala de aula.
8ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.
ZANATTA, Beatriz Aparecida. Concepção e práticas pedagógicas dos professores so-
bre o ensino de cidade. In: SOUZA, Vanilton Camilo de; ZANATTA, Beatriz Aparecida.
(Orgs.). Formação de professores: reflexões do atual cenário sobre o ensino da Geogra-
fia. Goiânia: NEPEG, 2008.
11