1. No entanto, a problemática ambiental e a educação ambiental, por consequência,
foram ganhando força efetivamente durante toda a década de 1960, contribuindo para
que em 1972 acontecesse em Estocolmo, na Suécia, a primeira conferência política sobre
a questão ambiental. Nessa mesma época, o Brasil criou a Secretaria Especial de Meio
Discussões teóricas sobre o ensino de ambiente Ambiente (SEMA), que (BRAGA, 1998) foi um ato quase simbólico devido à Conferência
e sua implantação ensino de geografia de Estocolmo, porque, por mais de uma década, essa instituição teve menos importância
frente a outras ações governamentais.
Valeriê Cardoso Machado
geo.vale@gmail.com
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, outras conferências foram realizadas em
diversas partes do mundo, inclusive na extinta União Soviética (o que demonstra não ser
somente o capitalismo que pode causar destruição à natureza), a qual teve importante
contribuição para a educação ambiental ao realizar a Conferência de Tibilisi, quando
Introdução os princípios e os objetivos da educação ambiental foram criados e muitos seguidos até
os dias de hoje. No entanto, a maioria das discussões não eram sistematizadas e pouco
A ciência geográfica de forma geral, desde seu início, se preocupou com a questão refletiam para a solução de problemas, fato que não ajudou a degradação diminuir ao
ambiental, a natureza, os povos, as novas terras descobertas sempre foram motivos de inte- longo dessas décadas, pelo contrário, somente devido aos acontecimentos catastróficos na
resse e curiosidade dos estudiosos há séculos. Durante a evolução dessa ciência até adquirir Índia em 1984 (vazamento da indústria química) e em Chernobyl em 1986 (explosão do
realmente o status de ciência, os estudos já se firmavam na relação entre homem e natureza reator nuclear) que fez com que o mundo refletisse verdadeiramente sobre os problemas
(MENDONÇA, 2002). A partir daí, em determinadas épocas da história, a Geografia se ambientais (MEC, 1998).
preocupou um pouco mais, ou menos, com a questão ambiental, isso porque, devido ao Além dessas catástrofes ambientais, a década de 1980 também foi marcada por
“contexto social e material da sociedade estabelece um cenário para as visões de mundo em muitos movimentos populares em diversas partes do mundo, em prol da ecologia e pelo
diferentes épocas” ou que “visões de mundo dominantes na sociedade, particularmente no “reconhecimento das identidades de gênero, etnia, idade, sexo” (CARVALHO, 1997, p.274).
pensamento filosófico e científico, influenciam representações da natureza”, ou ainda que No Brasil não foi diferente:
“visões da natureza se expressam no pensamento geográfico e são, por sua vez, influenciadas No Brasil, os anos 1980 foram chamados de “a década dos movimentos sociais”[...]
por esse conhecimento” (CIDADE, 2001, p. 101). No entanto, a relação homem e natureza A luta ecológica e a afirmação de direitos ambientais foi um fato importante nesse contexto,
sempre foi o objetivo dessa ciência, por isso, tratar de educação ambiental na Geografia contribuindo para dar visibilidade e gerar novas sensibilidades para a questão ambiental
não deveria ser considerado algo tão inovador. (CARVALHO, 1997, p.275).
Ao longo dos séculos posteriores à Revolução Industrial na Inglaterra, a sociedade Na perspectiva da educação ambiental, Loureiro (2006a) aponta que em 1987 o
passou a perceber o quanto o homem pode ser destruidor do meio natural, no entanto, Conselho Federal de Educação do Brasil definiu que a educação ambiental teria caráter
essa característica “destrutiva” do homem pode ter sido adquirida com pensamentos de interdisciplinar, contribuindo para as concepções da promulgação da Constituição Fe-
René Descartes (1596-1649), pois de acordo com Capra (1987) citado por Cidade (2001, deral de 1988, a qual, retratando o contexto histórico da época transformou a educação
p.109), “a natureza era vista como máquina perfeita que funciona sob as leis mecânicas ambiental obrigatória em todos os níveis de ensino e anos mais tarde a transformou em
e matemáticas, enquanto o objetivo da ciência era o domínio e o controle da natureza”. tema transversal nos parâmetros curriculares nacionais (PCN’s).
Entretanto, muito antes de René Descartes e desse marco histórico (Revolução industrial), Além dessas questões, o Brasil no início da década de 1980, de acordo com Braga
o homem já poluía, degradava e destruía a natureza. Um dos exemplos disso é a antiga (1998), criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional de
Roma que possuía milhares de habitantes e não conseguia resolver problemas sanitários, Meio Ambiente (CONAMA) e instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (DIAS, 1993).
assim como outros locais do mundo em épocas mais recentes. Sabe-se que, ainda no Já no início dos anos de 1990, sediou um dos maiores eventos sobre a temática ambiental
século XIX, a preocupação com a questão ambiental na população e nos cientistas já era do mundo, a ECO-92. A partir dessa conferência foram elaborados diversos documentos
forte o bastante para buscar a criação, nos Estados Unidos, do primeiro parque nacional como a Agenda 21 e várias discussões foram feitas a cerca da educação ambiental, a qual
no mundo (MEC, 1998). permanecia com modelo tecnicista sem realmente uma fundamentação teórica e prática,
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2. ressaltando o caráter secundário da educação ambiental no debate público (LOUREIRO, 4) Educação Ambiental e as políticas públicas;
2006a, p.81). Todavia, as principais e importantes conclusões dessa conferência é que as 5) Educação Ambiental, ética e formação de cidadania: comunicação e informação
causas básicas da crise ambiental são a pobreza e o mau uso da riqueza (BRAGA, 1998). da sociedade.
Depois da Eco-92, outras discussões em reuniões e conferências mundiais foram
realizadas como a Rio+10 em 2002. No entanto, a conclusão que os próprios governantes A partir dessas discussões, em 1999, o Brasil instituiu a Política Nacional de Edu-
chegaram através dessas discussões é que o interesse econômico vem em primeiro lugar cação Ambiental (LOUREIRO, 2006a). Sobre esta política Saito (2002, p.50) ao interpretar
e que necessariamente é preciso agir porque o aquecimento global a cada ano adquire seus fundamentos, elegeu quatro grandes desafios para a educação ambiental no país:
proporções irreparáveis. De acordo com Oliveira e Machado (2004, p.147), as definições “busca de uma sociedade democrática e socialmente justa, desvelamento das condições de
e conclusões da Rio+10 são praticamente as mesmas da Eco-92, ou seja, “erradicação da opressão social, prática de uma ação transformadora intencional e necessidade de contínua
pobreza, padrões insustentáveis de produção e consumo, manejo sustentável de recursos busca do conhecimento”.
naturais e compatibilização entre globalização/desenvolvimento sustentável”.
De acordo com Loureiro (2006a, p.82), a partir da Eco-92, o governo federal atra- Desenvolvimento da temática
vés do Ministério da Educação e do Ministério do Meio Ambiente, produziu em 1994 o Como é possível perceber, as discussões sobre a questão ambiental já obtiveram
Programa Nacional de Educação Ambiental, o qual possuía sete linhas de ação: grandes avanços. No entanto, ainda há muito por fazer quanto à aplicabilidade das teorias
1) Educação Ambiental no ensino formal [...]; criadas durante as conferências, pois, de acordo com Casseti (2004, p.156) “hoje, sob novas
2) Educação no processo de gestão ambiental [...]; bases da sustentabilidade, poucas são as práticas políticas efetivamente implementadas. O
que se observa na realidade é a existência de um discurso de defesa ambiental, com uma
3) Realização de campanhas específicas de Educação ambiental para usuários de
prática que privilegia os interesses econômicos”. Da mesma maneira Layrargues (2006,
recursos naturais [...];
p.101) afirma em seu artigo que hoje “há motivos para acreditarmos que a filosofia de sus-
4) Cooperação com os que atuam nos meios de comunicação e com os comuni- tentação da educação ambiental encontra-se a serviço do liberalismo”. Complementando
cadores sociais [...]; essas afirmações, Loureiro (2006b, p.109) ressalta:
5) Articulação e integração das comunidades em favor da Educação Ambiental
[...] não basta boas formulações gerais, leis e documentos oficiais ou princípios aprovados
[...];
em grandes encontros, é necessário que estes se transformem em práticas sociais, assumidos
6) Articulação intra e interinstitucional [...]; pelos agentes da educação e legitimados pelo coletivo, pois é nesta dimensão que se opera
7) Criação de uma rede de centros especializados em Educação ambiental, in- objetivamente a mudança, reconhecendo que é insuficiente querer mudar o indivíduo sem
tegrando universidades, escolas profissionais, centros de documentação, em mudar a realidade social em que este se situa como sujeito.
todos os Estados da federação. A partir das reflexões anteriores, pretende-se estimular um pensamento diferente
Posteriormente, explica Loureiro (2006a, p.84), em comemoração aos cinco anos do naturalista (que transforma o homem no exclusivo culpado), do tecnicista (que afirma
de realização da Eco-92 e de vinte anos da Conferência de Tibilisi, o governo brasileiro que o uso das tecnologias, o desenvolvimento econômico e o capitalismo são os causa-
realizou, em 1997, a I Conferência Nacional de Educação Ambiental com objetivo de con- dores das catástrofes ambientais) e do romântico que preza pela excessiva politização e
solidar políticas públicas acerca dessa temática. A partir dessa conferência, foi elaborado preservacionismo radical (MORAES, 2005). Não é o objetivo e nem o foco dessa pesquisa
um documento denominado de Declaração de Brasília, que explicita diversos problemas opinar por uma ou outra postura, pois, acredita-se que todas elas contribuem para a pes-
e recomendações para a aplicação prática da educação ambiental: quisa ambiental, mas na verdade, os fatores que todas elas juntas alegam para os problemas
ambientais mundiais é o que verdadeiramente pode ajudar a explicar tantos desatinos com
1) Educação Ambiental e as vertentes do desenvolvimento sustentável;
o planeta, ou seja, é a soma dos “culpados” das concepções acima descritas que transfor-
2) Educação Ambiental formal; maram o mundo em como ele está hoje.
3) Educação ambiental no processo de gestão ambiental (metodologia e Pensar sobre a questão ambiental é compreender que o homem está direta e
capacitação); indiretamente ligado a ela, e assim sucessivamente. A partir disso, entender a sociedade
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3. é também entender os problemas ambientais que perpassam em suas inter-relações, ou de vida. A década de 1960 foi marcada por inúmeros movimentos sociais em diversas partes
seja, a questão ambiental é extremamente relevante para a sociedade porque se trata es- do planeta em prol da paz, do ambiente, da qualidade de vida e da liberdade de expressão.
sencialmente de sobrevivência. Um exemplo importante, principalmente quando se trata de ambiente, foi o movimento
Mendonça (2002) aponta alguns acontecimentos marcantes do século XX que hippie, assim como os diversos movimentos estudantis.
refletiram na economia, na política, na sociedade, na ciência e na tecnologia do mundo Todas essas manifestações populacionais foram importantes para que o mundo enxer-
que fizeram com que a população começasse a refletir sobre o ambiente, como: a Segunda gasse que certas atitudes e comportamentos precisavam mudar e, é nesse contexto social que
Guerra Mundial; a Globalização e a Guerra Fria; a explosão demográfica; a seca, a fome segundo Carvalho (1997, p.273), surge o ecologismo contestatório com raízes ideológicas nos
e a desertificação na África; os movimentos sociais gerais e a abertura do conhecimento movimentos populares, os quais a autora denomina de movimentos de contracultura porque
científico. questionavam radicalmente todas as formas de poder e autoridades constituídas. Além desses
A Segunda Guerra Mundial trouxe grandiosos prejuízos a todas as instâncias movimentos populares que marcaram a década de 1960, Carvalho (1997), Saito (2002) e
sociais, entretanto foi através de toda a destruição trazida por esse confronto que a popu- Martinez (2006) enfatizam a importância dos livros de Raquel Carson (Primavera Silenciosa)
lação começou efetivamente a se perguntar e a se preocupar pelas questões ambientais. e de Jean Dorst (Antes que a natureza morra) para a emergência do movimento ecológico.
Todavia, a busca pelo desenvolvimento dos países subdesenvolvidos e pela continuidade do Nesse contexto, realizou-se a Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e
desenvolvimento dos países desenvolvidos, no período pós-guerra, trouxe severos danos Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo e vinte anos depois, a segunda conferência no Rio de
ambientais em diversas partes do mundo. Janeiro, em 1992. Apesar de o primeiro passo ter sido dado, com a realização dos movimen-
Os países emergentes que esperavam aumentar seu desenvolvimento com a in- tos populares e das conferências, o ambiente continuou a ser fortemente degradado, devido
dustrialização trazida pelas multinacionais, tiveram de arcar com as causas do inchaço das principalmente aos países não assinarem tratados ou não cumprirem as deliberações e normas
grandes cidades (decorrido da explosão demográfica e do êxodo rural) como desemprego, originadas a partir dessas conferências, como é o caso dos Estados Unidos não aceitando
assinar o Acordo Internacional da Biodiversidade e mais recentemente, o Protocolo de Kyoto.
favelização, violência, degradação ambiental, entre vários outros. O ponto positivo desse
Nos momentos mais recentes, Francisco Mendonça (2002) aponta três fatores princi-
fato foi a população perceber que os recursos terrestres são finitos a partir do momento em
pais que estão contribuindo para a questão ambiental ser encarada como algo muito importante:
que se falta água, energia elétrica, ou que se soterram as encostas ou alagam-se os rios pro-
o caos da qualidade de vida da população, o alarmismo da mídia e o papel das ciências, das
vocando enchentes. Além de exemplos brasileiros como São Paulo e Rio de Janeiro, a partir
artes e da política.
da década de 1960, o mundo começou a perceber as condições precárias em que o povo
A qualidade de vida da população piora quando os seres humanos se aglomeram, como
africano estava vivendo por decorrência da seca, da fome e do aumento do deserto do Saara,
são os casos das cidades1. Nessas regiões, o homem divide espaço com o lixo, com a poluição
frutos da ganância pela extração de matérias-primas pelas multinacionais estrangeiras.
e com a miséria, demonstrando através da ideologia do consumo, os grandes extremos da
A essas questões de pobreza e insustentabilidade, Martinez (2006, p.53) nomeou
miséria humana e da concentração de riquezas (Mendonça, 2002). O autor comenta ainda que
de crise ambiental e afirmou também que a mesma
o período que a tecnologia mais se desenvolveu em prol de melhoria de vida para as pessoas
[...] adquire maior alcance social e dimensões planetárias na década de 1960. É uma crise foi também a época em que a qualidade de vida, especialmente dos mais pobres, piorou. Essa
derivada da insustentabilidade dos padrões de produção e de consumo criados pela socie- discussão traz reflexões a respeito da globalização e do capitalismo, cujos significados trazem
dade industrial e que não parou de expandir-se desde a segunda metade do século XVIII diversos paradoxos como é o caso exemplificado aqui da qualidade de vida, do consumismo,
até os dias de hoje. da miséria, da concentração de riquezas e de outras como a valorização do heterogêneo em
consonância com a homogeneização da cultura, dos costumes e dos hábitos.
Sobre a denominada crise ambiental por que estamos passando considerando o
Outro fator apostado por Mendonça (2002) que se caracteriza importante para
que explicou Martinez, Layrargues (2006, p.73) complementa essa ideia ao afirmar que
a questão ambiental é o alarmismo da mídia, o qual pode ajudar e atrapalhar as reflexões
“não se trata apenas de estabelecer uma nova relação entre os humanos e a natureza, mas
acerca do ambiente. Pois muitas vezes, as reportagens sensacionalistas acabam por desviar
dos humanos entre si, e destes com a natureza”. O que torna imprescindível o discurso, a
ou desestimular a ação positiva de propensos militantes e vulgarizar termos como meio
luta e a busca por melhoria na qualidade de vida.
ambiente, ecologia e natureza, entretanto, contribuem para que pessoas despolitizadas
Sendo assim, a história demonstrou que a população não ficou somente assistindo
extasiada todas as desgraças ambientais acontecerem, ela lutou e buscou maior qualidade 1. É importante frisar que esse fato não exprime ao campo excelente qualidade de vida.
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4. tenham um mínimo contato com questões ambientais. É mais um paradoxo que a pós- Apesar de a Geografia e de outras ciências estudarem o ambiente desde que sur-
modernidade nos impõe. giram, Moraes (2005) considera que a questão ambiental ainda é uma temática nova, um
Mendonça (2002, p.16) explica que a ciência vem fazendo seu papel quanto às tanto avessa aos paradigmas tradicionais, ou seja, traz uma reflexão epistemológica que
questões ambientais, porque refletir a respeito dessa temática faz parte de sua origem. As permite a incorporação de novos conhecimentos, de novas técnicas, de novos paradigmas
artes já romperam com a retratação ambiental de forma contemplativa, atualmente, vêm e de novas teorias.
denunciando as agressões ao ambiente e contribuindo para a conscientização ambiental Haja vista que no campo das ciências sociais a questão ambiental ainda é pouco
da população através de esculturas, pinturas, teatro, literatura, etc. Na política, o discurso desenvolvida, com exceção da Geografia, pois, essa ciência poderia servir como “uma das
ambiental é recente e muitas vezes utilizado meramente para angariar votos, salvo poucas alavancas para o desenvolvimento da temática ambiental nas Ciências Sociais” (MORA-
exceções que vagarosamente vem tentando traçar diretrizes para a melhoria de planos ES, 2005, p.93), para compreender a relação existente entre a sociedade e a natureza, e a
voltados para a problemática ambiental. partir daí, os fenômenos sociais, ou seja, perceber como a sociedade se organiza e como
Por sua vez, Almeida (2005, p.323) comenta que ao mesmo tempo que vivemos se apropria e submete a natureza e os seus recursos (MORAES, 2005, p.90).
uma crise ambiental se estabelece uma “contra-corrente impulsionada pela “descoberta” O que propõe Moraes nos parágrafos anteriores é semelhante ao que Mendonça
valorativa do natural que, pelas características históricas, configura-se como uma rein- busca com os estudos da Geografia Socioambiental. Para ele, essa mais recente corrente
venção. Esta se dá pela ressignificação das coisas naturais e na reafirmação destas como geográfica tem uma característica multi e interdisciplinar, porque não possui apenas um
método e também porque o termo ambiente possui uma “pluralidade de concepções e
partes e produtos da sociedade”. Sendo assim, não há como separar natureza das questões
conceitos, presentes em acepções tanto científicas, políticas e culturais [...]” (MENDON-
humanas, porque uma é intrínseca à outra e a partir do momento em que a degradação do
ÇA, 2001, p.118).
ambiente natural torna-se fator responsável pelo prejuízo na qualidade de vida das pessoas,
Como a corrente socioambiental propõe uma análise transdiciplinar, os “métodos
a natureza adquire maior valor.
disciplinares individualizadamente inerentes à ciência moderna para o tratamento da rea-
Nesta perspectiva, Layrargues (2006, p.77) explica que as origens da crise ambiental
lidade e dos problemas ambientais”, se tornam insuficientes (MENDONÇA, 2001, p.126).
“estão assentadas no paulatino processo histórico de afastamento do ser humano perante
Sendo assim, a Geografia Socioambiental se constitui num “campo prof ícuo ao exercício
a natureza”. Todavia o autor concebe a educação ambiental como consequência desta crise
do ecletismo metodológico”, pois várias “técnicas e métodos devem ser considerados como
e explica que “a função moral de socialização humana ampliada à natureza percebe o ser
não sendo de domínio de nenhum conhecimento particular” (MENDONÇA, 2001, p.128).
humano como uma continuidade da natureza”.
Nesse aspecto, Moraes (2005) complementa esses pensamentos ao explicar que o que pode
Ainda sobre a função da educação ambiental o autor destaca que “uma das questões
unificar as ciências são os métodos, tema que, para ele, deveria ser essencialmente discutido
centrais do debate no campo da educação ambiental, gira em torno da ampliação da esfera pelas Ciências Sociais, na busca de uma real interdisciplinaridade.
da ética [...], através da promoção de uma volumosa mudança cultural por intermédio da Quanto aos métodos das ciências, Suertegaray (2003) explica que a Geografia abre
educação” (LAYRARGUES, 2006, p.78). Esse fato demonstra que a educação pode con- a possibilidade de múltiplas interpretações para o espaço, com perspectivas neomarxistas,
tribuir para esta mudança cultural e política e afetar substacialmente a crise ambiental. neopositivistas e fenomenológicas hermenêuticas. Entretanto, essas perspectivas não são
A partir dessas reflexões, é preciso evidenciar que a concepção de educação tidas como verdade absoluta, mas como mais uma forma de compreender o mundo. De
ambiental que esta pesquisa considera vem ao encontro das ideias de Saito, Suertegaray, acordo com Suertegaray, as geografias atuais são múltiplas, pois adotam vários métodos
Loureiro e tantos outros autores de grande importância. Todavia, me parece mais clara e possuem diversas visões. Com isso, “a Geografia não se limita ao único, concebe o local
e por isso adotada neste trabalho, o que escreve Segura (2001, p.40) sobre a educação no global, o lugar no mundo, a parte no todo, o singular no plural, o diverso no múltiplo”.
ambiental emancipatória, para a cidadania, para política, “para valores democráticos de A interdisciplinaridade, como a trans e a multidisciplinaridade são temas encarados
respeito à igualdade e à liberdade, para a motivação dos cidadãos para uma participação como propostas de ensino com objetivo de ensinar o aluno de uma maneira mais completa,
ativa na esfera pública, defendendo entre outras coisas, o direito à vida saudável para todos”. sem tantas fragmentações que o levam a não compreender a complexidade e a inerência do
Além desses, a busca “para a construção de uma nova sociedade orientada por uma ética todo de seu cotidiano. Esses temas ganharam força nas discussões sobre educação no Brasil
baseada na solidariedade planetária, na sustentabilidade socioambiental e no direito de especialmente a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). Esses,
todos ao ambiente saudável” (SEGURA, 2001, P.30). ao serem elaborados, pretendiam que o sistema de ensino, de forma geral, modificasse “a
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5. visão tradicional do currículo, que se caracteriza pela fragmentação, linearidade, alienação é lugar privilegiado do exercício transdisciplinar [...]. Deve, portanto, estimular o contato
e estímulo ao individualismo no trabalho escolar” (Moraes, 2005, p.38). e não a fronteira”. Ou seja, a Geografia dentro das escolas poderia se tornar um elo entre
No entanto, essas propostas ainda são vistas por muitos professores como algo as outras disciplinas e estimular os projetos e as atividades de maneira integrada.
dif ícil de trabalhar. Sobre essa questão, Hissa e Gerardi (2001, p.18) afirmam: “a transdis- De acordo com Suetergaray (2003, p.192), “a interdisciplinaridade pressupõe tra-
ciplinaridade não é algo que se aplica mecanicamente: é pensamento; não se ensina e não balho coletivo” com atitude dialógica, buscando “a compreensão do problema em questão
se aplica; exercita-se, apreende-se, pratica-se”(grifo meu). Ou seja, há a necessidade dos mediante consenso na interpretação/compreensão”. Para se conquistá-la, a transdisciplina-
docentes e das escolas praticarem atividades interdisciplinares a cada dia mais, aglutinando ridade pode ser uma ferramenta importante, pois de acordo com ela “podemos entendê-la
mais professores a cada atividade. Todavia, todo trabalho dessa magnitude necessita de como capacidade de trânsito, capacidade de dialogar com os diferentes saberes, entendê-los
amplo planejamento para que cada um compreenda realmente sua verdadeira função e e incorporá-los ao nosso conhecimento”. Sendo assim, a autora afirma que aplicar a inter-
consiga desenvolvê-la. disciplinaridade pode ser o primeiro passo para “romper hierarquias e dominações de uns
Sobre a interdisciplinaridade, Fazenda (2008) baseada em autores como Tardiff, saberes (disciplinares) sobre outros. Trabalhar nesta perspectiva implica numa compreensão
Barbier e Gauthier e em suas três décadas de estudo sobre essa temática, explica: de um tema como transversal”, ou seja, a questão ambiental é um tema transversal que deve
A pesquisa interdisciplinar somente se torna possível onde várias disciplinas se reúnem a ser tratado por várias ciências e/ou disciplinas.
partir de um mesmo objeto, porém é necessário criar-se uma situação-problema no sentido Sobre essa questão de atividades e trabalhos envolvendo e integrando várias
de Freire 1974, em que a idéia de projeto nasça da consciência comum [...]. A interdisci- ciências, Leff (2006, p.31) explica que a integração entre as ciências não quer dizer que
plinaridade na formação profissional requer competências relativas às formas de inter- terão os mesmos objetos de investigação, mas sim, diferentes análises interpretativas da
venção solicitadas e às condições que concorrerem ao seu melhor exercício. Neste caso, o
realidade. Sendo assim, “o caráter ideológico desse projeto unificador das ciências impõe
desenvolvimento das competências necessárias requer a conjugação de diferentes saberes
disciplinares. Entenda-se por saberes disciplinares: saberes da experiência, saberes técnicos uma análise crítica das propostas surgidas, para ver em que sentido concebe e resolve o
e saberes teóricos interagindo dinamicamente sem nenhuma linearidade ou hierarquização problema teórico de uma suposta unidade da realidade e do conhecimento”, unidade essa,
que subjugue os profissionais participantes [...] (FAZENDA, 2008, p.330, grifo meu). que precisa ser o ambiente, pois esse urge por mudanças.
Como produto da articulação das ciências e do próprio positivismo, surgiu a in-
Relacionando essas questões com a pesquisa ambiental, Moraes (2005, p.50) explica
terdisciplinaridade, que, de acordo com Leff (2006, p.36), emergiu a partir da década de
que ela deve ser sim interdisciplinar, entretanto, “sem uma base disciplinar, a interdisci-
1970 como uma metodologia capaz de vislumbrar um planejamento de desenvolvimento
plinaridade vira uma palavra vazia”, pois “o trabalho interdisciplinar toma sentido como
econômico. Entretanto, o erro cometido por essa ânsia por interdisciplinaridade foi o prag-
a associação de análises peculiares, como uma conjunção que afirma individualidades”
matismo, pois há falta de linguagem teórica entre as ciências e/ou disciplinas, visto que as
(MORAES, 2005, p.85). Nesta perspectiva, Lopes (2002, p.105) ao estudar os Parâmetros
principais dificuldades enfrentadas pelos cientistas ao trabalhar de forma interdisciplinar foi
Curriculares nacionais para o Ensino Médio, conclui que o currículo deve ser integrado, mas
“não se opor ao discurso disciplinar, confirmando, mais uma vez, como a disciplinaridade “a novidade desses projetos, num ambiente científico dominado pelos estereótipos próprios
e a integração podem conviver no currículo”. de cada especialização profissional” (LEFF, 2006, p.35). O autor enfatiza a dificuldade de
A partir dessas questões, Moraes (2005) faz uma ressalva sobre as inúmeras dis- aplicação da interdisciplinaridade com base no “princípio de generatividade organizacional”,
cussões que são feitas a respeito das barreiras disciplinares, e que pouco se debate sobre as pois, segundo ele, “esta é a limitação de toda tentativa por fundar uma categoria geral, um
barreiras metodológicas, o que segundo ele, é um obstáculo que precisa ser ultrapassado, método onicompreensivo ou uma teoria transdisciplinar para articular o f ísico, o biológico
pois se há vários métodos, os quais são largamente utilizados na pesquisa ambiental, esses e o social” (LEFF, 2006, p.39). Através dessas reflexões, entende-se a profundidade com que
métodos precisam dialogar, surgindo a necessidade de “pesquisar, questionar e entender Moraes afirma a necessidade da disciplinaridade.
os próprios métodos antes da aplicação cega de um instrumental cujos fundamentos se Suertegaray (2003, p.192) afirma que atualmente, “com a emergência da questão
desconhecem” (MORAES, 2005, P.51). Portanto, refletir e agir dessa forma faria com que a ambiental, há um desejo de classificar as ciências que tratam da interface natureza e so-
temática ambiental se tornasse um objetivo teórico das Ciências Sociais (MORAES, 2005). ciedade como ciências ambientais”. Entretanto, a autora explica que a questão ambiental “é
Sendo assim, é possível refletir sobre as barreiras disciplinares e o caso da Geografia, uma problemática transversal e nenhuma ciência teria plena capacidade de desvendar esta
pois de acordo com Hissa e Gerardi (2001) “a geografia, por várias de suas características, questão isoladamente”. Para explicar essa questão, Suertegaray se fundamenta no princípio
9 10
6. da complexidade proposto por Edgar Morin para justificar “a construção de uma nova para a educação ambiental. Em nenhum momento insinua-se que essa temática não deva
epistemologia ambiental”. Todavia, a autora complementa: ser trabalhada de maneira interdisciplinar, o que se espera é que ela seja também praticada
dentro das disciplinas, no caso a Geografia.
Acredito, no entanto, que uma epistemologia complexa não deve reduzir a questão ambi-
ental a um conjunto de ciências de interface entre a natureza e a sociedade, deve, em nosso
entendimento, ser pensada como uma construção onde, quiçá, seja possível ambientalizar REFERÊNCIAS
o discurso disciplinar e ao mesmo tempo transversalizá-lo através de novas concepções de
ALMEIDA, Maria Geralda de. A captura do cerrado e a precarização de territórios: um
natureza e ambiente, e promover a explicitação de tudo aquilo que ficou escondido pelo
olhar compartimentado e reducionista (SUETERGARAY, 2003, p.193). olhar sobre sujeitos excluídos. In: ALMEIDA, Maria Geralda de (Org.). Tantos Cerrados:
múltiplas abordagens sobre a biodiversidade e singularidade sociocultural. Goiânia: Ed.
Em um artigo, essa autora comenta exaustivamente sobre a pós-modernidade, Vieira, 2005. p. 321-347.
seu início na década de 1970 e suas colaborações para a educação, o ensino de Geografia BRAGA, Maria Lúcia de Santana. As políticas desenvolvimentistas e ambientais brasilei-
e a interdisciplinaridade. Sendo assim, afirma que “o discurso da pós-modernidade está ras e seus impactos na região dos cerrados. In: DUARTE, Laura Maria Goulart e BRAGA,
centrado na valorização das diferenças, da pluralidade, dos diferentes olhares, das dife- Maria Lúcia de Santana (Org.). Tristes Cerrados: sociedade e biodiversidade. Brasília-
rentes compreensões, questionando a possibilidade da construção científica una, neutra DF: Paralelo 15, 1998. p. 93-126.
e generalizante”. Nessa perspectiva, o mundo moderno científico se constrói a partir da CARVALHO, Isabel Cristina Moura. As trasnformações na cultura e o debate ecológico:
“conjunção científica, da interação entre as ciências da natureza e da sociedade, da negação desafios políticos para a educação ambiental. In: PÁDUA, Suzana Machado e TABANEZ,
do objeto separado do sujeito, da negação da neutralidade e da necessidade da discussão/ Marlene Francisca (Org.). Educação Ambiental: caminhos trilhados no Brasil. Brasília:
vivência ética”, ou seja, a forma de conhecer se dá “pelo princípio da conexão [...], pela Ed. Ipê, 1997. p. 271-280.
compreensão de espaço-tempo como categoria unitária”, pela compreensão da contradi-
CARVALHO, Maria Bernardete Sarti da Silva. Meio ambiente e cidadania: A interface
ção, propondo “a dialógica e a ética como possibilidades de superação” e encaminha como
educacional. Tese (Doutorado em Geografia). Universidade Estadual Paulista. Rio Claro,
“proposta metodológica, a discussão da interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade”
2004.
(SUETERGARAY, 2003, p.191 e 192).
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CIDADE, Lúcia C. F. Visões de mundo, visões da natureza e a formação de paradigmas
Portanto, percebe-se que fazer interdisciplinaridade depende quase que exclusiva- geográficos. In: Terra Livre. n.17. São Paulo, 2001. p.99-118.
mente de atos voluntários do professor, se ele aceitar se comunicar com outros e “dar as mãos
DIAS, Bráulio Ferreira de Souza. Conservação da natureza no cerrado brasileiro. In: PIN-
e caminhar juntos” como disse Pombo, certamente irá exercitar e praticar atividades desse
TO, Maria Novaes (Org.). Cerrado: caracterização, ocupação e perspectivas. 2ªed. Brasí-
tipo como sugeriu Hissa e Gerardi. Fazer atividades e projetos interdisciplinares não quer
lia-DF: Edunb, 1993. p.607-663.
dizer excluir as disciplinas, afinal, elas são necessárias como bem explicou Moraes (2005).
Com isso, entende-se que embora a educação ambiental ou as discussões a cerca FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade-Transdiscilinaridade: visões
do ambiente sejam encaradas como temas transversais (como são!) e sugestionem um ato culturais e epistemológicas e as condições de produção. In: PERES, Eliane et.al. (Org.).
interdisciplinar, e também estejam em concordância com o que sugerem os parâmetros Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas. Porto Ale-
curriculares da educação brasileira, não quer dizer que o professor de Geografia na sua gre: ENDIPE: EDIPUCRS, 2008. p.324-335.
disciplina não possa desenvolver trabalhos com a temática ambiental. Um ato não exclui ao HISSA, Cássio E. V. e GERARDI, Lúcia H. de Oliveira. Imagens da Geografia Contempo-
outro, mesmo porque, parte-se do princípio de que a grade curricular da educação básica rânea: modernidade, caos e integração de saberes. In: GERARDI, Lúcia H. de Oliveira e
no Brasil, é disciplinar. MENDES, Iandara Alves. Teoria, Técnica, Espaços e Atividades. Rio Claro: AGETEO,
A partir dessas reflexões, é preciso deixar evidente, que esse texto não busca ir 2001. p.8-20.
contra as normas e parâmetros educacionais. O que exclusivamente se pretende com esse LAYRARGUES, Philippe Pomier. Muito além da natureza: educação ambiental e repro-
trabalho é entender como o profissional de Geografia pode contribuir, através de suas aulas, dução social. In: LOUREIRO, Carlos F. B.; LAYRARGUES, Philippe P. e CASTRO, Ro-
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