Neste slide exploramos o tema sobre os símbolos da identidade negra. O objetivo é refletir sobre o conceito de identidade, seus principais símbolos e como tornar esse processo acessível para todas as pessoas, de maneira que possamos compreender.
República Velha (República da Espada e Oligárquica)-Sala de Aula.pdf
OS SIMBOLOS DA IDENTIDADE NEGRA- CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO IFARADÁ.ppt
1. O processo de (re) construções e/ou recriações da identidade negra no
Brasil, definidas como “novas identidades”, não pode ser entendido sem
considerarmos as “estruturas transnacionais que se desenvolveram e se
articularam em um sistema de comunicação global, constituído por
fluxos que transportam imagens, idéias e símbolos negros por todo o
Atlântico”, o que leva Gilroy (1993) a referir-se ao Atlântico Negro.
2. A idealização da África como uma referência prioritária na construção da identidade,
fazendo com que se construísse uma África simbólica e mítica pela memória social, com
ênfase em determinados ícones de sua representação. Assim, os símbolos étnicos, tais
como roupas coloridas, cabelos trançados, cores fortes, colares, e expressões de
religiosidade tornaram-se marcas de africanidade na sociedade brasileira.
3. O corpo é um dos mais notáveis espaços de
representação e expressão de uma cultura. Os cabelos
são memoráveis distintivos de identidade étnica, de
inclusão social e, especialmente, de revelação da luta
pela liberdade. Pelos direitos de igualdade e cidadania.
O negro quando assume o seu cabelo de negro assume
também o seu papel na sociedade como pessoa negra.
4. Desta forma, cabelo crespo e corpo foram eleitos como
símbolos da negritude devido à dinâmica das relações raciais
brasileiras, engendrando símbolos “sine qua non” da
afirmação da identidade negra no Brasil.
Assim, as representações criadas pela produção cultural
negra e desenvolvidas pelos movimentos negros a partir do
elo imaginário com a África, criam significados que servem
como elementos e/ou símbolos fundamentais para a
(re)construção das identidades negras afro-referenciadas, ao
mesmo tempo em que interferem na dinâmica da cultura
política.
5. . Nesse sentido, emerge uma nova identidade negra centrada na
“naturalidade” dos cabelos crespos e trançados africanos, como se
hoje não existisse o uso de cabelos soltos e/ou alisados no
continente africano. Ali, cabe assinalar, não só o cabelo como
também a língua, costumes, etc. constituem categorias de
identificação e pertença étnica identitária do indivíduo.
6. De todo modo, é necessário admitir que algumas pesquisas
sobre o alisamento de cabelos no continente africano
apontam para a assimilação de valores estéticos europeus,
resultante do processo de colonização que força,
sobremaneira, a maioria das negras a manipular os cabelos
sem, todavia, pretenderem ser brancos, ou parecerem
brancos. Por outro lado, há que considerar que no
continente africano existem especificidades culturais
étnicas o que não permite o uso único de um padrão
estético, isto é, que todos, por exemplo, trancem os cabelos,
já que as singularidades étnicas permitem a expressão da
diferença.
7. O cabelo do afrodescendente certamente é parte
intricada do perfil estético que compreende a
identidade negra. A relação que cada um tem com seu
cabelo é muito particular. O fato de saber ou não lidar
com ele determina a forma como é aceito. Além disso, as
possibilidades de informação que cada um tem e as
experiências vividas desde a infância até a idade adulta
fazem com que as pessoas criem diferentes conceitos
sobre a forma como encaram seu cabelo e traços,
descendentes das populações que vieram do continente
africano. Há também que se considerar as noções de
alteridade que cada um tem, que em geral causam um
"despertar" para o reconhecimento de uma identidade
própria, frente ao espelho e à sociedade.
8.
9.
10. Em se tratando de negros(as) brasileiros(as), estudos
de Figueiredo (1994) e Gomes (2006) destacam o
cabelo ao natural como referência de africanidade.
Ambas apontam para um tipo de discurso que recai
sobre a naturalidade, como reconhecimento da
origem africana. Do mesmo modo, para o movimento
negro piauiense, cabelos crespos significa romper
com o padrão de colonização cultural de alisar os
cabelos, e outras práticas estéticas ocidentais. Para
várias entrevistadas, no decorrer desta pesquisa,
alisar os cabelos é considerado como forma de fugir
da sua origem africana de cabelo natural, “já que é
negro, porque não usar as nossas origens como
referência na (re) construção da estética?”(F.A,22
anos).
11. No entanto, para outras, alisar cabelos é mais uma
forma de realçar a beleza. Verifica-se, em muitos
depoimentos, a ênfase na construção de um tipo negro,
que valoriza, particularmente, a estética corporal,
permeada de cores fortes (vermelho, verde, amarelo) e
maquiagem. Esse é o(a) negro(a) considerado(a)
consciente!
12. A naturalidade do cabelo é associada à origem africana, isto é,
a África é tomada como centro do processo de criação de
identidades negras na diáspora, através das cores fortes, dos
cabelos trançados, das roupas coloridas, e da religiosidade,
que representam, assim, o signo da negritude. Mitificada e
idealizada por parte de comunidades negras, a África está
presente na criação e recriação de culturas negras em
diferentes tempos e espaços.
13.
14.
15. Ou seja, o(a) negro(a) brasileiro(a) precisa reportar-se à
África como origem de sua pertença étnica e racial, e também
como inspiração de suas recriações culturais, fato importante
para a construção da negritude e para se opor às praticas
racistas que lhe afetam socialmente.
Assim, o corpo negro e os demais sinais diacríticos
constituem símbolos e significados para a compreensão da
identidade negra, construída na experiência marcada pela
discriminação, preconceito e exclusão social, e recuperada de
uma forma positiva.
16. O corpo e o cabelo, ao serem eleitos como mais relevantes
sinais diacríticos na reconstrução da nova identidade,
provavelmente por constituírem as marcas de exclusão do
negro ao longo do tempo, hoje funcionam como itens de
inclusão através da estética e estilo afro, baseados numa
África idealizada e símbolo da referência da ancestralidade.
O corpo, particularmente, constitui importante espaço de
permutações simbólicas, palco para a organização da
subjetividade e das relações de afetividade e de contato social.
17. A inspiração na África como símbolo para a construção das
identidades negras não constitui um caso específico dos
movimentos negros brasileiros, pois essa referência, no
plano mundial, explodiu nos anos 1960, nos Estados
Unidos, e mais tarde, expandiu-se, para outros pontos da
diáspora, na forma dos ideais do Black is Beautiful. Esse
movimento inverteu o sinal dos símbolos corporais
associados aos negros (pele escura, cabelo crespo, glúteos
avantajados) até então vistos como estigmatizantes.
18. Movidos pelo desejo de reverter a situação do negro e seus
valores estéticos, os intelectuais negros(as) dos movimentos
negros podem ser considerados intelectuais orgânicos, de
acordo com o conceito gramsciano, isto é, aqueles que se
colocam a serviço de classes ou empreendimentos para
organizar interesses, para disputar e obter expansão dos
espaços de poder, no caso sob exame mediante a criação de
uma estética da negritude.
Dessa forma, através do estímulo dos intelectuais negros(as)
e ativistas, dos movimentos negros reconfiguraram o perfil
estético, possibilitando que os(as) negros(as) se
transformem em ícones de beleza negra.
19. A configuração de uma estética negra calça-se na
indumentária colorida que evoca tecidos e modelos de
origem africana, nos toques de tambores, no ritmo ijexá, nos
penteados criados com a utilização de conchas, búzios,
tranças e turbantes que, juntos, forjam e compõem num
quadro evocativo de uma ligação mítica e simbólica com as
tradições dos países africanos, que deslizam e ecoam como
canto de afirmação identitária(SOUZA, 2002, p. 91).
20.
21. Nesse âmbito, o corpo e o cabelo são transformados em
emblemas étnicos. Por outro lado, os “objetos da cultura
negra” significam mais do que apenas uma expressão estética,
ou seja, uma forma de exaltar a identidade política e outros
cânones de padrão estético na sociedade brasileira.
22.
23. É bem verdade que as relações com a África não foram
cortadas, pois estão presentes nas heranças culturais
africanas, em algumas práticas e costumes do povo brasileiro,
como, por exemplo, pedir a benção aos mais velhos,
expressões comuns entre os dois continentes, a culinária, a fé
numa crença comum (a referência aos ancestrais), entre
tantos aspectos que são guardados e recriados, nos dois
contextos.
24. Para Sansone (2003), parecer africano, ou soar africano é que
torna as coisas africanas. Quanto ao retorno ao passado
histórico africano como suporte para a (re) construção da
identidade negra em Teresina, a África parece ser protegida
através de padrões tidos como de “autenticidade cultural”,
um retorno à pátria-mãe, onde os valores de cultura negra
supõem-se perpetuados. Esse tipo de reflexão remete à
problemática da suposta homogeneidade cultural africana,
não obstante se trate de um continente com mais de 53 países
que se encontram em constante dinâmica cultural, sendo
portanto portadores da mesma tradição ou costumes.
25. No que refere à identidade africana reconstruída na diáspora,
Stuart Hall afirma:
Não podemos voltar ao inicio e retornar a uma identidade
perdida. Pode parecer triste, mas não é possível ‘voltar para
casa’ porque aquele que saí nunca mais volta do mesmo
modo que saiu. Essas fragmentações identitárias, conflitos e
recriações são gerados através do processo diaspórico, onde
não podemos eleger um único elemento constituinte de
identidade de um determinado segmento étnico-racial. Pois
sempre haverá símbolos transitáveis de um grupo diaspórico
para outro (HALL, apud PINHO, 2004, p. 14).
26. Evidentemente, a África também se apropria dos símbolos e
repertórios da diáspora, isto é, tem lugar uma circularidade
cultural através das distintas imagens criadas, como
rastafarianismo, estilos de músicas, etc., que são usados pelos
diversos sujeitos africanos contemporâneos, com sentidos
diversos: os contextos de utilização do “rastafári” pelo
africano, por exemplo, são diferentes daqueles(as)
negros(as) diàsporicos.. A diáspora usa os repertórios como
signos de negritude, de uma reafirmação da pertença étnico-
racial, o que não acontece com o africano, já que ele conta
com outros signos como decodificadores de sua origem
étnica.
27. No seu ensaio intitulado Na casa do meu Pai - a África na
filosofia da cultura, Appiah (1997) faz uma crítica à
mitificação criada em torno da África., preconizando que
precisamos situar a África no contexto real da sua existência,
nem num passado nostálgico, muito menos num presente
utópico, mas apreendê-la com todos os problemas que um
continente submetido ao tráfico de pessoas, durante séculos,
enfrenta no processo de reconstrução. Por outro lado, vale a
pena repetir que uma das formas pelas quais as identidades
reivindicam é por meio do apelo a antecedentes históricos.
28. No Novo Mundo, os negros criaram de forma ativa uma
cultura e uma "África" próprias. A deportação atlântica, a
sociedade de plantation, a abolição da escravidão, a
liberdade e o ajustamento à modernidade foram os
contextos nos quais os negros tiveram de redefinir,
geralmente em um curto período de tempo, e sob pressão
intensa, o que seriam suas culturas e como elas se
manifestariam (ou como deveriam se manifestar). Suas
novas culturas tinham de significar algo e ser inteligíveis
para os próprios negros que no início provinham
geralmente de origens diversas bem como, embora de
outra forma, para os brancos.
29. Durante muito tempo o consumo foi algo de que a maioria
dos negros era excluída principalmente os escravos.
Proibições em relação ao consumo (ostentoso) destinavam-se
a desumanizar e a marcar a exclusão. Não admira que ainda
hoje os direitos civis sejam comumente distribuídos em
função do que se pode consumir, do livre acesso aos rituais
associados ao consumo ostentoso e ao que desse consumo se
pode fazer notar em público. O consumo, portanto, também
é um marcador étnico, bem como uma forma de oposição à
opressão, uma maneira de, como negro, fazer-se visto ou
mesmo ouvido.
30. Por um lado, historicamente o consumo tem sido uma forma
poderosa de expressão da própria cidadania e vem adquirindo
cada vez mais importância na determinação do status entre
os negros no Novo Mundo. Por outro lado, historicamente
também, para grandes grupos de negros marcados pela
escravidão e por suas conseqüências, a posição no trabalho
não tem sido central para a construção da personalidade.
31. No Rio de Janeiro, o processo de mercantilização da cultura
negra tem girado principalmente em torno de dois elementos
bem conhecidos e inter-relacionados: samba e carnaval. No
período que se estende dos anos 20 aos 60, ambas as
expressões ascenderam dos guetos ao estatuto de pedra
angular da representação (espetacular) da brasilidade.
32. A capoeira tornou-se a arte marcial brasileira. De uma forma
que lembra a distinção, formalizada também naqueles anos,
entre a umbanda e o candomblé, a capoeira foi dividida em
duas escolas, com regras, associações e relações políticas
diferentes. A regional era (e ainda é) mais acrobática, rápida e
aparentemente violenta. A angola, por sua vez, sempre se
caracterizou como mais suave, acompanhada de canções que
incluem muitas palavras tidas como de origem africana, mais
lenta e mais estreitamente associada ao autoconhecimento e
à negritude.
33. Os processos de mercantilização, incorporação de certas
mercadorias negras à auto-imagem nacional e
comercialização desenvolveram-se lado a lado com duas
tendências: a) a chamada reafricanização da cultura afro-
brasileira neste século (Risério 1986); b) a
desestigmatização de várias expressões culturais tidas
como típicas dos negros na Bahia urbana, o que lhes
permitiu tornarem-se parte da imagem pública do
Estado da Bahia (Sansone 1999). As duas tendências
receberam contribuições internas e externas, por meio
das quais se identificaram no complexo de traços da
cultura afro-brasileira aqueles que eram "puros", que
supostamente expressavam a contribuição mais
sofisticada das nobres culturas africanas para a cultura e
a nação brasileiras.
34. Fenômeno que tem sua gênese no mercantilismo,
no colonialismo e no desenvolvimento do
capitalismo, a globalização altera as relações
anteriormente estabelecidas entre os estados
nacionais, as sociedades e os indivíduos.
35. Para países periféricos, de passado colonial, cuja
construção identitária ainda estava em curso quando da
aceleração do processo de globalização e cujas culturas
trazem um forte caráter híbrido (BURKE, 2003), as
discussões sobre a nova ordem global se dão quase que
inteiramente no plano da cultura, uma vez que suas
economias estiveram sempre a reboque das economias
centrais.
36. A desterritorialização das culturas faz com que,
mesmo estando espacialmente separados, os jovens de
vários lugares do mundo criem novas identificações.
Um dos exemplos dessas novas identificações pode
ser localizado no movimento hip hop como um todo e
mais especificamente no rap.
37. Os meios de comunicação, a indústria fonográfica, a
televisão a cabo e a internet, especialmente, tornaram-se
os canais de “reunificação” das identidades culturais que
se formam sem que o território da nação seja sua
referência exclusiva. Com isso, outras identidades se
sobrepõem de maneira cada vez mais contundente: a
negra, a jovem, a excluída, a periférica.
38. O movimento hip hop pode ser considerado exemplo dess
processo de globalização das culturas que tem com
corolário a idéia de desterritorialização e a reunião daquil
que está territorialmente separado através da comunicação
O rap surgiu como uma música dos jovens negros do
bairros periféricos dos Estados Unidos, no final da décad
de 1970, e logo foi apropriado por jovens negros, mestiços
excluídos das periferias de todo o mundo.
39. “Periferia é periferia em qualquer lugar” é o título de uma
canção do grupo de rap brasileiro Racionais MC’s e
resume a idéia de que em qualquer periferia, qualquer
jovem negro e/ou excluído está submetido às mesmas e
precárias condições de vida.
Este lugar é um pesadelo periférico
Fica no pico numérico da população
Aqui a visão já não é tão bela
Existe um outro lugar
Periferia é periferia em qualquer lugar
Lei do cão, lei da selva
Muita pobreza, estoura a violência
Nossa raça está morrendo
Não me diga que está tudo bem(RACIONAIS MC’S, 1998,
faixa 8).
40. Parte de um movimento mais amplo, o hip hop, que incluí o
break (dança) e o grafite (forma de apropriação da cidade
como suporte da arte), o rap que se espalhou pelo mundo não
deve ser entendido como uma mera imitação do movimento
norte-americano.
Ao ser incorporado pelos jovens negros de qualquer periferia
do mundo, o rap mantém a sua mais forte característica: a
denúncia da violência presente na vida desses jovens. Ainda
que também assimile as particularidades do cotidiano de
cada lugar.
41. No caso do Brasil, em particular, forma e conteúdo se
adaptam à realidade cultural brasileira, onde os sons do
samba, baião, embolada e outros gêneros musicais
produzidos pelos grupos negros e mestiços são incorporados
ao som do rap, seja na batida – como base para os scratching
ou nos samplers – seja nas letras, com a presença de
elementos da cultura negra nacional, como Zumbi dos
Palmares.
42. Não é novidade na cultura popular no Brasil que seus
produtores, em sua grande maioria, encontrem-se nas classes
subalternas e excluídas da sociedade. Tradicionalmente, essa
produção cultural foi absorvida pela dinâmica hegemônica e
adjetivada de “cultura brasileira”, mas seus criadores,
especialmente quando oriundos das populações negras e
mestiças, não foram incorporados plenamente à cidadania.
43. Ou porque continuavam sendo considerados “cidadãos de
segunda classe”, ou porque eram, na expressão já bastante
corrente, portadores apenas de uma “cidadania lúdica”, sendo
aceitos como músicos, jogadores de futebol, compositores,
etc.. De modo que não estariam aptos a ter uma cidadania
integral, que os colocasse em pé de igualdade com os
segmentos médios e altos da sociedade.
44. Curiosamente, no Brasil, é a cultura “dos vencidos” que
surge como a representação do país dos vencedores.
Nenhuma representação sobre o Brasil é mais forte que o
samba e o carnaval. E talvez nenhuma imagem do
brasileiro seja mais forte do que a descrita pelo samba
“Aquarela do Brasil”:
Brasil
Meu Brasil brasileiro
Um mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar o Brasil do meu amor
Terra de nosso Senhor(BARROSO, 1958, faixa 1).
45. A realidade do “mulato inzoneiro”, idealizada pelo
samba, entretanto, será contraposta pelo rap e
apresentada, numa versão “nua e crua”, como a
do negro guerreiro.
O movimento hip hop e, em especial o rap, irá oferecer à
juventude excluída uma forma de expressão que, em primeira
pessoa, contará como é a vida nessa periferia, onde a
violência, o desrespeito aos direitos dos cidadãos, a opressão,
o racismo e a falta de perspectivas presentes no cotidiano
serão os temas preferenciais dessa música.
46. A música popular brasileira sempre teve relação com o
morro, o subúrbio, a periferia, seja por saírem desses
territórios boa parte dos músicos, seja como tema. Porém, era
sempre um discurso sobre ele (o suburbano, o favelado, o
periférico, o excluído) e não por ele. Ou seja, era um discurso
em terceira pessoa, onde se relatava o que acontecia com ele.
A obra de Chico Buarque de Holanda, a despeito de sua
sensibilidade social, nos oferece um belo exemplo da situação
na música “Pivete”, de Francis Hime e Chico Buarque,
composta em 1978.
47. No sinal fechado
Ele vende chiclete
Capricha na flanela
E se chama Pelé
Pinta na janela
Batalha algum trocado
Aponta um canivete
E até (HOLANDA; HIME, 1993, faixa 11).
48. O rap, por sua vez, é um discurso em primeira pessoa; quem
conta como é a vida na periferia é o próprio periférico. O
espaço urbano da periferia é o país que estes jovens
conhecem e será sobre esse território que seu discurso se
centrará. O rapper Mano Brown, dos Racionais MC’s,
explicita essa idéia ao dizer que:
[...] o pobre não fala, ele cumpre a lei. O pobre não toma, ele
pede, se humilha. E o rap não pede nada. O rap vai falando,
falando de montão. Então, pros caras, isso aí é tipo uma revolta,
uma conspiração dos pobres, dos pretos, dos favelados. Então, aí
vem a bronca em cima dos Racionais. Essa comunidade toda
aqui, ó, não pode falar nada, eles tem que trabalhar, comer mal,
ganhar mal e ficar na moral. Nós somos tipo uns representantes.
49. Não há como negar que a conjugação da dinâmica da
globalização ao seu correlato tecno-organizacional,
cristalizado no processo de convergência dos meios de
comunicação, é portadora de uma profunda força
transformadora de todas as condições existenciais da vida
contemporânea, desde nossas estruturas sociais, nossos
modos de produção e de representação política, até as regras
de convivilidade, o sentido de cultura ou ainda o do
entretenimento.
50. Na verdade, essas mudanças estruturais já estão afetando o
conjunto de nosso aparato social material e simbólico, tanto
na maneira de organizar nossos lares e nossos círculos
afetivos,como nos modos de nos relacionarmos com a
comunidade, suas instituições e seus equipamentos
simbólicos coletivos.
51. Em 2005, quando o fenômeno da axé-music celebra 20 anos,
pensar sobre o contexto de seu surgimento pode nos levar a
uma maior compreensão das peculiaridades que norteiam a
produção da cultura e da indústria do entretenimento na
Bahia contemporânea. A explosão desse mercado seria
resultado de um novo contexto sociocultural, ligado a um
processo de “metropolização”, que inclui o surgimento da
chamada cultura eletrônica.
52. É preciso considerar também o fato de, no século XX, a
cultura negra ter alcançado grande visibilidade e
legitimidade, em grande parte graças à música.
Entretanto, no que diz respeito à Bahia e à axé-music,
tais conquistas não representaram conquistas sociais
perceptíveis, apesar da estreita relação do estilo com a
cultura negra e do grande número de afrodescendentes
no estado.
O contexto contemporâneo aponta para uma “esfera
pública” em que a própria noção de espacialidade e
temporalidade é ampliada.
Contribui para isso o uso de novos meios, diretamente
ligados à cultura eletrônica. O processo de legitimação
de identidades socioculturais hoje, portanto, passa
necessariamente pelo acesso e pela
utilização de novas tecnologias.
53. O sentido de identidade passa por símbolos de identificação
como vestes, cabelos,atitudes e ritos sociais, que legitimam a
existência de diferentes grupos. A vida social contemporânea,
portanto, está permeada não apenas por conflitos de ordem
material,como também simbólicos e culturais (Sahlins: 1979;
Bourdieu: 1987). Por isso, quando a matéria-prima estética –
música ou performance – desdobra-se e se multiplica em
produtos, confundem-se o material e o simbólico.
54. Na pluralidade contemporânea, música e juventude são
referências primeiras de identidade e pertencimento. No bojo
desses movimentos, surge uma multiplicidade de diferentes
comportamentos, através da constituição do que Osgood
denominou “subculturas”: tribos que transcendem culturas,
nacionalidades e etnias que,municionadas pela música e pela
comunicação eletrônica, disseminam e tornam legítimos seus
símbolos de identidade.
55. A cultura popular, para Hall, é constituída por tradições e
práticas culturais populares e pela forma como estas se
processam em tensão permanente com a cultura
hegemônica. Nesse sentido, ela não se resume à tradição e ao
folclore, nem ao que mais se consome ou vende; não se define
por seu conteúdo, nem por qualquer espécie de "programa
político popular" preexistente. Sua importância reside em ser
um terreno de luta pelo poder, de consentimento e
resistência populares, abarcando, assim, elementos da
cultura de massa, da cultura tradicional e das práticas
contemporâneas de produção e consumo culturais.)