Planejamento e gestão ambiental das cidades dissertaçao final 23.07.2005
Indicadores e políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas: vulnerabilidade, população e urbanização
1. Indicadores e políticas públicas de adaptação às
mudanças climáticas: vulnerabilidade, população e
urbanização1
RESUMO
Indicadores de adaptação e vulnerabilidade são uma demanda de gestores públicos para identificar
áreas e populações vulneráveis no contexto da mudança climática. No entanto, para serem efetivos,
tais índices e indicadores precisam incorporar as várias escalas de produção e distribuição de riscos,
bem como as heterogeneidades inerentes à dinâmica demográfica e à distribuição espacial. Dotar
os indicadores de maior capacidade de desagregação é necessário não apenas para realizar o down-
scale na análise, mas também para perceber relações não evidentes em todas as escalas. Isso Ricardo Ojima
possibilita identificar com maior aderência grupos e lugares mais expostos a riscos e sua capacidade Sociólogo e Demógrafo, Núcleo de Estudos
de resposta, potencializando a eficiência e alcance das políticas públicas. de População, Universidade Estadual de
Campinas (Nepo/Unicamp).
PALAVRAS-CHAVE: Riscos Urbanos, Dinâmica Demográfica, Medidas de Vulnerabilidade, Indicadores
E-mail: ricardo.ojima@gmail.com
de Sustentabilidade.
ABSTRACT Eduardo Marandola Jr.
Adaptation and vulnerability indexes are a necessity for policymakers to identify vulnerable areas
Geógrafo, Núcleo de Estudos de População,
and populations in the context of climate change. But to be effective they must aggregate the scales Universidade Estadual de Campinas (Nepo/
of production and risk distributions, as well as the demographic dynamic and spatial distribution Unicamp).
intrinsic heterogeneity. Assign these indexes for better disaggregation capacity is necessary not only
to down-scale analysis, but even more to understand relationships not evident in all scales. This can
enable a better cohesion to identify risky groups and places to their response capacity, potentiating
the efficiency and the range of public policies.
KEYWORDS: Urban Risks, Demographic Dynamic, Vulnerability Measures, Sustainability Indexes.
1
Este texto foi desenvolvido no âmbito do projeto: "Urban growth, vulnerability and adaptation: Social and ecological dimensions of climate change on
the Coast of São Paulo"; Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais - PFPMCG; Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(FAPESP, processo no 08/58159-7); da Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas (RedeCLIMA), sub-rede "Cidades e Mudança Climática"
(CNPq/MCT/FINEP/FAPESP); e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), sub-projeto Urbanização e Megacidades
(CNPq/MCT/FINEP/FAPESP).
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 16 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
2. URBANIZAÇÃO E MUDANÇAS mitigação nas cidades, encarados como que grupos demográficos podem ter,
CLIMÁTICAS ações emergenciais para diminuir os diferente de outros. Sem este conhecimento
impactos das mudanças climáticas. interno da geografia e demografia da cidade,
(MARTINE; McGRANAHAN; MONTGOMERY; políticas muito bem estruturadas podem
Na discussão contemporânea sobre
FERNÁNDEZ-CASTILLA, 2008; BICKNELL; tornar-se completamente ineficazes ou
os impactos das mudanças climáticas, seus
DODMAN; SATTERTHWAITE, 2009). simplesmente não surtir nenhum efeito. Por
riscos e perigos, as cidades possuem um
Devido à urgência de lidar com um outro lado, os lugares e as pessoas possuem
papel central. Não apenas pela concentração
problema que é global e que, dizem os recursos que lançam mão para enfrentar
da população que, desde 2008, já é de mais
cientistas do clima, já não possui reversão, riscos, e por isso considerar sua
de 50% da população mundial vivendo em
difundiu-se nos últimos anos uma agenda de vulnerabilidade envolve também considerar
áreas urbanas, e na América Latina e em
necessidades de ações na direção da suas potencialidades, as quais ajudam a
outras regiões é superior a 80% (UNFPA,
mitigação e da adaptação dos países e desenhar e direcionar políticas (HOGAN;
2007), mas, sobretudo, pela intensidade e
cidades. Esta agenda, muito unilateral em MARANDOLA JR., 2005; MARANDOLA JR.,
concretude material que perigos ambientais
sua concepção, uma vez que é oriunda dos 2009).
urbanos possuem nestes ambientes.
países desenvolvidos e de seu padrão de A composição dos indicadores
Inundações, deslizamentos, inversão
produção e consumo,, é também uma ambientais e de sustentabilidade não apenas
térmica, ilhas de calor, ondas de frio e de
oportunidade de dinamizar a ainda desconsideram tais heterogeneidades como
calor, eventos hidrometeorológicos
pendente agenda ambiental que, no caso não estão, em geral, nas escalas adequadas
extremos de várias naturezas possuem
brasileiro e de grande parte dos países da de análise. As unidades de análise em que
intensidade e potencial de dano multiplicado
América Latina, ainda está incompleta os indicadores estão dificilmente coincidem
nas áreas urbanas, repercutindo na forma de
(MARANDOLA JR., 2009). com unidades espaciais coerentes, seja
perdas materiais e humanas significativas,
Essa nova agenda, no entanto, não demograficamente, geograficamente,
mesmo com eventos de baixa magnitude
pode ser simplesmente aceita, mas precisa socialmente e até mesmo politicamente - o
(NUNES, 2009).
ser filtrada em proveito das necessidades das que surpreende. Além disso, os processos
Em vista disso, a intensificação dos
cidades e de seus habitantes. Um exemplo transescalares não podem ser analisados em
extremos climáticos e do ritmo da mudança
claro disso é a ênfase que se dá à mitigação tais indicadores, já que estes não possuem
ambiental é um componente a mais na
em detrimento de um investimento maior capacidade de agregação e desagregação
equação desequilibrada entre os espaços
em adaptação (OJIMA, 2009). As primeiras razoável. Em vista disso, é preciso pensar as
construídos urbanos e o ajuste ao ambiente.
são paleativos que não revêem o modelo de possibilidades de construção de indicadores
O que queremos dizer é que as
produção e gestão do espaço urbano, uma com capacidade de produzir diferentes
conseqüências que colhemos atualmente
necessidade premente não apenas para agregações e desagregações adequadas à
não são apenas resultado da diagnosticada
enfrentar as mudanças climáticas, mas, discussão e análise de diferentes fenômenos
mudança climática em curso no planeta; esta
sobretudo, para ter cidades sustentáveis a e processos.
potencializa o déficit que acumulamos por
longo prazo, que sejam concebidas a partir Portanto, este artigo procura discutir
anos de produção de um espaço urbano que
de um paradigma de adaptação e ajuste ao estes dois pontos em busca de caminho para
não leva em conta fatores ambientais em sua
ambiente. a construção de indicadores de
construção, gestão e planejamento (HOGAN,
As dificuldades para tal sustentabilidade que ajudem a mensurar a
2009).
empreendimento são muitas. Entre elas, (1) vulnerabilidade e a adaptação, em busca de
Estamos falando de uma agenda
a grande heterogeneidade espacial e indicadores desagregados. Estes são
antiga da política urbana que tem sido
populacional das cidades e (2) a falta de fundamentais para o delineamento de ações
sistematicamente ignorada, mesmo com os
indicadores de sustentabilidade adequados e o planejamento de políticas de
já mais de 40 anos de militância
que são fundamentais para que políticas enfrentamento às mudanças climáticas nas
ambientalista: planos de macrodrenagem
públicas efetivas sejam pensadas, cidades.
urbana, consideração do microclima urbano,
circulação de vento, conforto térmico, implementadas e avaliadas.
arborização, preservação de fundos de vale A heterogeneidade espacial e INDICADORES DE
e mananciais hídricos, saneamento básico, populacional é raramente reconhecida na SUSTENTABILIDADE E AS
tratamento de esgoto, tratamento eficiente formulação de políticas urbanas. A VARIÁVEIS DEMOGRÁFICAS
de resíduos, energias limpas, e controle da diversidade de lugares e da composição da
poluição (atmosférica, do solo e da água) população - em termos de sua estrutura Quando se pensa na relação entre
(HARDOY; MITLIN; SATTERTHWAITE, 2001). interna, metabolismo demográfico, urbanização e população, os principais
Esta agenda, juntamente com a questão do etnicidade, estruturas familiares, etc. - indicadores de sustentabilidade não
uso do solo, a pobreza e a segregação urbana interferem diretamente na forma como raramente esbarram em uma premissa
são justamente as ações principais, ou ações públicas terão êxito, ou não, bem neomalthusiana. A percepção de que o
setores, que estão no foco das ações de como nas próprias necessidades específicas crescimento da população é, por princípio,
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 17 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
3. o fator limitante para o desenvolvimento as projeções de população para o Brasil são No mesmo período, indicadores
sustentável ainda hoje é um consenso de que, em meados de 2030, a taxa de sintéticos passam a ser uma ferramenta cada
dentro dos mais diversos âmbitos da crescimento populacional do país passe a ser vez mais utilizada para mensurar qualidade
sociedade, inclusive no meio acadêmico negativa. de vida e, em grande medida, balizar
(HOGAN, MARANDOLA JR., OJIMA, 2010). Importa, portanto, que os políticas públicas. É verdade que essa nova
Assim, o resgate da famosa relação entre indicadores demográficos sejam forma de abordar as políticas públicas
crescimento demográfico e capacidade de decompostos e que considerem os avança consideravelmente se for
produção de alimentos, proposta por componentes da dinâmica demográfica, considerado o ganho científico que foi dado
Malthus no século 18, ainda hoje é usado especialmente aqueles que estariam mais a partir dos anos 1960 na construção de
como justificativa para os dilemas diretamente vinculados aos aspectos indicadores sociais. Até então, medidas
ambientais. O que essa abordagem ambientais; ironicamente, os seus outros diretas como o Produto Interno Bruto (PIB),
conservadora deixa de lado é o conjunto de dois componentes: mortalidade e ou outro indicador de renda, era um dos
indicadores e de variáveis demográficas que mobilidade espacial. Mas as questões principais indicadores para comparar países
a perspectiva populacional pode oferecer políticas ambientais emergem no Brasil distintos em termos de desenvolvimento
para o entendimento mais amplo dos limites quase que simultaneamente com o processo econômico e, muitas vezes, social. A
e desafios para a relação população- de descentralização política que, em grande mortalidade infantil, a taxa de
ambiente-desenvolvimento. medida, estava relacionado com a analfabetismo, a taxa de desemprego, entre
O crescimento populacional em áreas democratização do processo decisório e das outros, eram medidas que, isoladamente,
urbanas, especialmente no Brasil e na mudanças no pacto federativo. E os desafios buscavam mensurar as condições de vida da
América Latina, apresentou características para se pensar em indicadores demográficos população (JANUZZI, 2001).
particulares e o foco dos problemas se desagregados na escala das políticas Mais recentemente, no final do
tornou quase que óbvio: quais seriam os públicas são inúmeros. Um deles é que na século 20, indicadores sociais sintéticos,
limites ao crescimento populacional para a década de 1980, com a transferência de como o Índice de Desenvolvimento Humano
sustentabilidade urbana? Em verdade, essa autonomia, parte das decisões políticas (IDH), passam a assumir um destaque no
obviedade esconde heterogeneidades e passaram a fazer parte da agenda direta dos contexto das políticas governamentais.
obscurece a capacidade de se pensar em municípios. Entre elas, os dilemas Indicadores sintéticos como este agregam
práticas políticas mais eficazes, pois ambientais. Assim, nesse contexto, uma mais de uma dimensão do desenvolvimento
simplifica relações muito mais complexas de divergência técnico-metodológica parece social e econômico, buscando dar conta da
serem analisadas e limitam o potencial surgir. A escala da gestão intra-municipal multidimensionalidade das condições
analítico de indicadores espaciais e ganha importância com a transferência de sociais e, especialmente, da pobreza.
demográficos para se pensar em políticas autonomia e poder decisório para o Combinando informações de saúde,
urbanas alinhadas com os dilemas e desafios município; mas, por outro lado, os educação e renda, o IDH se tornou um dos
ambientais postos e que agora assumem indicadores e modelos de gestão ainda se indicadores sintéticos mais amplamente
nova roupagem face ao agravamento desses encontram centralizados (OJIMA, 2003). reconhecidos tanto no âmbito das políticas
cenários advindos de mudanças no clima Quando o debate ambiental assume públicas como no debate social.
esperados para o futuro não muito distante. mais relevância no cenário político Mas indicadores sintéticos como o
Assim, os indicadores demográficos brasileiro, sobretudo após a Conferência de IDH são medidas que ainda simplificam a
vão muito além das taxas de crescimento Estocolmo, em 1972, apontavam-se as realidade complexa dos eventos sociais.
populacional ou da variação do estoque elevadas taxas de crescimento populacional Avança na medida em que substituem a
populacional em determinadas regiões, pois dos países em desenvolvimento, o utilização fragmentada de indicadores
consistiria em pensar nos demais crescimento da população vivendo em sociais separadamente, ou seja, agregam em
componentes da dinâmica demográfica: megacidades, os desafios para o controle da uma única medida um conjunto de
natalidade, mortalidade e mobilidade. poluição atmosférica, a necessidade de informações de forma a permitir a
Quando o foco se concentra nessa proteção das áreas de florestas mensuração e comparação de realidades
abordagem neomalthusiana, a ênfase fica (especialmente as florestas tropicais), entre distinta ao invés de trabalhar com
apenas no componente dos nascimentos, outros, como os principais desafios para a indicadores de saúde, educação, renda, etc,
resgatando potencialmente considerações sustentabilidade a serem enfrentados ao separadamente. Entretanto, servem para
eugenistas de controle de natalidade, longo dos próximos anos. Indicadores uma análise em escalas mais abrangentes
sobretudo, pela população de mais baixa agregados nessas escalas serviram e servem (como países) onde, sobretudo, há uma
renda. A verdade é que, mesmo em países aos propósitos de ter uma compreensão grande dificuldade de se obter dados mais
como o Brasil, a média de filhos por mulher abrangente da questão ambiental, mas são refinados para fins de comparações
(Taxa de Fecundidade Total, TFT) já está em muito limitados para entender os limites internacionais. Em termos de políticas
níveis muito baixos; abaixo, inclusive, das ecossistêmicos, pois estes são intermediados efetivas, indicadores sintéticos nessa escala,
taxas de reposição da população. Com isso, por muitas outras variáveis (HOGAN, 1996). pouco contribuem para construção de
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 18 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
4. políticas públicas, tornando-se mais ambiental de uma região. Mas os dados de e outras substâncias tóxicas. Da mesma
instrumentos de avaliação indireta a mortalidade, especialmente a de menores forma, a população economicamente ativa,
posteriori. de um ano de idade, são pouco sensíveis a está exposta a doenças cardíacas,
No que se refere aos indicadores de desagregações maiores e fazem sentido neoplasias, fadiga e stress, relacionados aos
sustentabilidade, essa dificuldade é maior apenas para grandes áreas, onde há um processos produtivos e ao ambiente de
ainda, dado que o próprio conceito de contingente populacional maior. De certa trabalho (HOGAN, 2004).
sustentabilidade pode variar muito e as forma, a utilização desse indicador permite Mas como já mencionado, a
medidas do que ela representa em cada ter uma primeira aproximação muito utilização destes indicadores depende do
contexto são, na maioria das vezes, indiretas. adequada das condições gerais de vida de nível de agregação disponível e suficiente
Os indicadores demográficos podem uma população, mas não permitem focalizar para que possam ser analisados. Assim, se
contribuir em muito nesse aspecto, desde com detalhe as políticas públicas em escalas por um lado pode-se utilizar estes
que superem a limitação da abordagem que façam sentido para o grupo indicadores sociodemográficos de
neomalthusiana. Pois o potencial de análise populacional a ser atendido. sustentabilidade para comparar países ou
derivado de análises sociodemográficas Entretanto, quando se pensa em uma unidades da federação e ter-se um ganho
pode incorporar as dimensões e escalas que escala de políticas públicas municipais, o uso relativo ao detalhe dos tipos de
fazem sentido para as políticas públicas. da mortalidade infantil apresenta enfermidades que podem estar relacionadas
Assim, como apontado por Hogan dificuldades metodológicas para sua a fatores ambientais; por outro, numa escala
(1996, p. 163), "a capacidade de carga de utilização. Em escalas espaciais pequenas, municipal ou intramunicipal, ainda
um país não é igual à capacidade de carga onde o contingente populacional é pequeno carecemos do detalhamento de tais
dos seus componentes". Ou seja, para se e as taxas de natalidade baixas, a indicadores. E se pretende-se trabalhar com
atingir a sustentabilidade, os ecossistemas mortalidade infantil torna-se um evento raro políticas públicas específicas para
e a sociedade devem dar conta das suas e variações nesse indicador podem estar determinados grupos de idade da
distintas "vocações". O que significa dizer sujeitas a variações aleatórias muito população, essa dificuldade se torna maior
que os limites a serem considerados devem, grandes. Da mesma forma, outros ainda.Além dos fatores de mortalidade e
sobretudo, levar em conta a definição social indicadores de saúde relacionados aos morbidade da população, a mobilidade e
ou a noção de aceitabilidade dos riscos fatores ambientais como internações distribuição da população no espaço pode
envolvidos nos processos sociais (DOUGLAS, hospitalares e registros de causas de óbitos servir como uma medida importante para
1985) e essas definições podem assumir causados por doenças do sistema se pensar a sustentabilidade urbana.
distintas facetas dependendo da escala de respiratório, contaminações por agentes Sobretudo, do ponto de vista dos
análise. Mas quais são as escalas que fazem externos, neoplasias, etc. são eventos raros componentes da dinâmica demográfica, a
sentido para se pensar indicadores para serem tratados em escalas menores e migração ou a mobilidade populacional se
ambientais de sustentabilidade hoje, a dificuldade em utilizá-los como constitui como um dos elementos mais
considerando aspectos demográficos? indicadores indiretos de sustentabilidade dinâmicos e imprevisíveis dentro da equação
Considerando os componentes da variação ambiental aumenta conforme a necessidade populacional. Hoje, grande parte da
demográfica e não apenas o crescimento de aplicação. dinâmica demográfica de uma região pode
demográfico em si, surgem demandas mais A estrutura etária de mortalidade ou ser explicada pelos fluxos migratórios.
complexas e os indicadores para se pensar morbidade por causas podem responder Assim, a forma com que a população se
a sustentabilidade ambiental, melhor como indicadores de qualidade distribui no espaço, sobretudo nas cidades,
especialmente urbana, dependem de um ambiental na medida em que conhecendo pode servir como um importante subsídio
olhar mais refinado. Assim, o debate se as causas que mais afetam determinados para se pensar em suas interfaces
deslocaria de uma construção abstrata do grupos populacionais, podemos entender ambientais.
conceito, para um exame detalhado de melhor a sua dimensão ambiental. As A ocupação humana sustentável do
como cada componente da dinâmica doenças infecciosas e parasitárias afetam espaço urbano merece atenção, pois as
demográfica interage com a mudança basicamente a população mais jovem e formas de ocupação definem, em grande
ambiental (HOGAN, 2004, p. 201). estão associadas às condições medida, fatores ambientais da região. Para
Um indicador tradicionalmente socioeconômicas das famílias e a qualidade Hogan e Ojima (2008), a densidade
utilizado é a mortalidade infantil, do saneamento básico. Doenças do sistema populacional urbana pode trazer efeitos
normalmente associado à qualidade de vida respiratório afetam crianças e adolescentes, diretos e indiretos na qualidade do ar, no
e diretamente relacionado à expectativa de assim como os mais idosos, e estas estariam consumo de água, na perda de áreas verdes,
vida da população. Há uma ligação estreita sendo agravadas pela poluição atmosférica. no custo dos serviços públicos (como
da mortalidade infantil com as As neoplasias e doenças crônico- abastecimento de água, saúde, educação),
características de saneamento básico e de degenerativas, afetam de modo cumulativo na saúde e até mesmo na biodiversidade.
infraestrutura de serviços de abastecimento a população adulta e idosa, muitas vezes Assim, a mobilidade populacional (onde a
de água, coleta de esgoto e salubridade relacionados à exposição a contaminantes população mora, trabalha, se diverte, usa
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 19 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
5. serviços, ou faz compras) trará impactos populacional parece ser tão óbvia quanto De fato, ainda é difícil pensar nas
ambientais da mesma forma que também sedutora. No entanto, essa simplificação é questões demográficas que cercam a
sofrerá os efeitos dela. uma armadilha pois não menciona que 80% dimensão da mudança climática, pois esse
Em relação aos indicadores de saúde, das emissões de gases de efeito estufa (GEE) paradigma malthusiano ainda serve de
é necessário ter em mente uma escala de são decorrentes do processo produtivo e de parâmetro para muitos estudos, sobretudo,
análise adequada para que eles contemplem consumo de apenas alguns poucos países entre as ciências naturais a variável
a dimensão dos movimentos populacionais. desenvolvidos, que representam pouco demográfica entra sem o refinamento
Neste caso, menos sujeito aos limites da menos de 20% da população mundial adequado para dar conta de uma nova
agregação dos dados para a análise, mas (OJIMA, 2009). Além disso, o ritmo de forma de entender seu impacto ambiental.
principalmente, devido à necessidade de crescimento populacional ainda é elevado Mas essa é, em grande medida, uma lacuna
obtenção de dados na escala intra-urbana. justamente nos países em desenvolvimento, deixada pelas ciências humanas, onde a
Assim, caso se pense em indicadores de onde o padrão de consumo e as emissões interlocução e integração de dados
sustentabilidade urbana considerando os de GEE é praticamente insignificante se deveriam ser melhor trabalhadas na medida
movimentos populacionais, estes servirão às comparado aos países mais industrializados. que as escalas de análise pudessem ser
políticas públicas se estiverem sendo Assim, para se pensar em indicadores compatibilizadas entre os campos de
pensadas para o planejamento urbano. Os para uma demografia das mudanças conhecimento. As escalas temporais e
planos diretores, leis de zoneamento urbano climáticas, algumas informações deveriam espaciais, tradicionalmente usadas pelas
e outras ferramentas de gestão do espaço ser desagregadas para poder identificar em ciências humanas, são de curto prazo e de
urbano, e que são atribuições do poder que medida esses consensos são ou não dimensão local, respectivamente. E essa
local, poderiam se valer de tais informações cortinas de fumaça que mais dificultam do característica dificulta a incorporação de
para minimizar as pressões ambientais e que elucidam os desafios para o análises sociais dentro dos modelos
demandas sociais que se originam pelo enfrentamento das vulnerabilidades e das climáticos, por exemplo.
desenvolvimento urbano não planejado. medidas de adaptação necessárias aos Retomando a questão demográfica,
cenários de mudanças ambientais mais a primeira desagregação que deve ser feita
DEMOGRAFIA DAS MUDANÇAS gerais que estão associadas às mudanças no é que quase a totalidade do crescimento
CLIMÁTICAS clima. Para isso, serão desagregados aqui os populacional futuro ocorrerá em áreas
dados populacionais, desde a sua escala urbanas. Assim, o crescimento demográfico
Quando as questões das mudanças global até os aspectos mais locais, terá características específicas que merecem
climáticas assumem destaque maior na considerando os desafios que já existem e um tratamento diferenciado, pois se esses
mídia, sobretudo, a partir da publicação do as dificuldades analíticas já mencionadas na 2,5 bilhões de pessoas adicionais até 2050
4o relatório do IPCC (Intergovernmental busca de indicadores de sustentabilidade. fossem assumir a mesma distribuição rural-
Panel on Climate Change), o AR-4, em 2007, Quando da publicação do AR-4, as urbano de hoje, os impactos seriam bem
a temática ambiental é resgatada sob uma estimativas de crescimento populacionais menores. Há que se pensar que se esse
perspectiva mais urgente do que havia projetadas pela Organização das Nações adicional será em áreas urbanas, o impacto
sendo discutida até então. Embora tenham Unidas (ONU), apontavam para um das emissões de GEE será maior que essa
ocorrido muitos avanços desde a acréscimo de 2,5 bilhões de pessoas até o estimativa de 11 bilhões de toneladas ano.
Conferência de Estocolmo (1972) e da Rio ano de 2050. Embora, esse ritmo de Mas qual a razão dessa razão de emissões
92, a temática ambiental não parecia estar crescimento esteja em pleno declínio já há maior?
tão na agenda das políticas públicas quanto algumas décadas, este crescimento ainda vai Aqui é importante mais uma
ocorreu após a publicação deste relatório. se manter até a estabilização da população desagregação para verificar como essa
A síntese realizada pelo IPCC colocou mundial. Baseado nas emissões médias de população adicional irá se distribuir dentro
evidências sólidas de que estaria ocorrendo GEE atuais, essa variação populacional traria dessas cidades. O padrão de urbanização
grandes alterações no clima global e essas um adicional de 11 bilhões de toneladas de futuro, como mencionado anteriormente,
mudanças teriam fortes relações com as CO2 por ano (OJIMA, 2009). Assim, com base apresenta impactos diferenciados de acordo
atividades humanas, com o modelo de nessa conta direta e rasteira, a conclusão com densidade, estruturação, padrão de
desenvolvimento econômico e o padrão de seria óbvia: bastaria reduzir o crescimento consumo, entre outros. Assim, na busca de
consumo atual. populacional para mitigar o impacto da ação indicadores sociodemográficos que façam
Nesse cenário, a questão humana sobre o aquecimento global. sentido para as mudanças climáticas e
populacional é retomada e a perspectiva Simples? Aliás, se até 2050, a população cidades, um dos elementos importantes é
malthusiana, ainda muito marcada no senso mundial tiver um declínio de 2,5 bilhões de entender a distribuição da população nas
comum e até nos meios acadêmicos não pessoas, seria muito mais simples atingir as áreas urbanas atuais para podermos pensar
especializados, assume novo fôlego. Afinal, metas do Protocolo de Kyoto, não é em quais seriam os padrões mais
na escala do planeta, a simplificação do verdade? Para responder a essa pergunta, sustentáveis de uso do espaço naqueles
dilema ambiental a partir do crescimento os dados serão detalhados. contextos em que a transição urbana ainda
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 20 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
6. está para acontecer, como é o caso dos demandas dessa população. No caso seja, sempre optando por um dos dois lados
países asiáticos, primeiramente, e brasileiro, onde a maior concentração da do processo: ou a exposição ou a capacidade
posteriormente africanos. população hoje está nos grupos em idade de resposta.
No que tange aos indicadores ativa, a tendência de um modelo de A questão não é desmerecer tais
demográficos urbanos dois elementos expansão urbana mais disperso com fluxos índices, mas apontar que para serem
importantes se destacam no contexto das de mobilidade diária de mais longa distância desenvolvidos efetivamente indicadores de
mudanças climáticas: 1) a população em parecem ser incentivados e assim, tendo vulnerabilidade, precisa-se de medidas que
situações de risco referente às mudanças consequências tanto no padrão de emissões incorporem as heterogeneidades inerentes
climáticas e sua vulnerabilidade e 2) os de GEE como na vulnerabilidade dessa aos indivíduos, grupos familiares, bairros,
aspectos urbanos que contribuem para as população, mais exposta aos fatores de risco cidades, regiões. Em outras palavras,
emissões de GEE. Afinal, apesar dos esforços comuns aos longos deslocamentos. precisa-se de indicadores dinâmicos que
de estudos ambientais em áreas urbanas, A questão da vulnerabilidade, no captem e relativizem as possibilidades de
ainda existem lacunas que merecem ser entanto, não pode ser encarada como uma combinações em dados circunstâncias (no
detalhadas, pois a identificação de áreas de fórmula onde a exposição prevaleça. As tempo e no espaço). Por que?
risco a eventos climáticos, planos de manejo, possibilidades analíticas do conceito estão Parte-se de um entendimento
projetos de adaptação, etc., ainda não justamente no avanço em relação à ideia de fenomenológico da vulnerabilidade, no qual
parecem ter entrado na agenda das políticas fatores de risco, na busca por incorporar ao esta expressa ao mesmo tempo tanto a
públicas. Ainda hoje, chuvas intensas e mesmo tempo a exposição com a capacidade de resposta quanto a sua
eventos de extremo climático atingem e capacidade de resposta (WISNER, et al., incapacidade. Ou seja, ela é processual e
vitimam pessoas, apesar de todo o 2004). Neste sentido, vulnerabilidade é uma circunstancial, pois ninguém é 100%
conhecimento acumulado e a tendência de perspectiva que exige pensar indicadores vulnerável, nem 100% protegido
agravamento desses eventos, previstos pelas abrangentes em níveis desagregados para (MARANDOLA JR., 2009). Isso significa que
mudanças climáticas globais, devem afetar abarcar a multiplicidade de possibilidades qualquer tentativa de mensurar ou
um contingente cada vez maior da combinadas de exposição e capacidade de desenvolver índices de vulnerabilidade deve
população. A tendência aponta para o resposta. levar em consideração a sua intangibilidade.
incremento tanto no contingente atingido Ao invés de mensurar-se a vulnerabilidade,
quanto na intensidade dos danos sofridos. VULNERABILIDADE: EM BUSCA DE tem-se que buscar medidas para os
Em relação ao segundo ponto, INDICADORES DESAGREGADOS elementos contextuais e indicadores que
merece atenção os estudos que podem indiquem capacidade de resposta ou
avaliar a morfologia urbana de maneira a Muito tem se escrito e discutido exposição de perigos.
otimizar o planejamento em torno de um sobre vulnerabilidade. Está entre os No entanto, se ela é intangível e
modelo de expansão urbana que seja mais conceitos mais importantes no diálogo circunstancial, precisa-se ir além deste
sustentável. Ewing et al (2008) ilustra essa interdisciplinar e intersetorial atualmente. entendimento, e procurar indicadores que
dimensão do espaço intraurbano como um Sua relevância, no entanto, é menos tenham medidas e pesos diferentes
elemento significativo para a redução de operacional (são conhecidas as dificuldades dependendo da composição do índice. Não
emissões de GEE e destaca em seu trabalho de composição de índices e indicadores se pode, por exemplo, continuar utilizando
como pequenas intervenções urbanas relevantes que abarcam várias dimensões) o senso comum de que quanto menor a
podem propiciar uma morfologia urbana do que conceitual. Isso significa que pensar renda, mais vulnerável, ou famílias com
mais adequada para otimizar os fluxos de em termos de vulnerabilidade é importante idosos e crianças ou com chefia feminina são
mobilidade populacional, sobretudo, o vai- considerar os fenômenos em tela por outra mais vulneráveis. Estes fatores podem
e-vem diário (o chamado commuting), ou perspectiva: mais abrangente e com nexos significar uma vulnerabilização da família,
seja, a mobilidade da população entre casa, de causalidade imprecisos em matrizes de mas em determinados contextos. O índice
trabalho, estudo, compras, lazer, etc. causalidade complexas (HOGAN; deveria ser capaz de realizar e relativizar
Retomando o processo de MARANDOLA JR., 2005; MARANDOLA JR.; estes contextos.
desagregação e detalhamento das questões HOGAN, 2007). Mas, que contextos? O primeiro é o
demográficas, o padrão etário da população A maioria dos indicadores e índices espacial, e tome-se foco neste exemplo para
pode ter impactos sobre a própria estrutura de vulnerabilidade que têm sido esclarecer este ponto. Uma família com
da urbanização. Ao analisar-se uma região desenvolvidos não medem, de fato, a idosos é comumente apontada como
onde a população é mais envelhecida, com vulnerabilidade. Na realidade, o que eles vulnerável pois suas especificidades
um peso relativo importante dos grupos de fazem é mensurar elementos ou fatores que, onerariam a família financeiramente, além
idade mais avançados, verifica-se uma junto com vários outros processos, de gerar dificuldades em situações de
demanda menor de movimentos diários. compõem a vulnerabilidade. Em sua maioria emergência (devido ao peso relativo que os
Neste caso, um modelo de urbanização mais quase absoluta, tais medidas estão gastos com sua saúde, somado à sua pouca
compacto poderia corresponder às mensurando perigos ou fatores de risco, ou mobilidade e/ou necessidades de atenção).
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 21 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
7. Mas esta situação pode ser muito diferente Essa proposta tem o mérito de desenvolvidos, mas talvez ainda
de acordo com a região do país (a ampliar o entendimento da vulnerabilidade, preliminares no que se refere à integração
importância das aposentadorias no total do indo além da exposição ou da questão entre escalas tão distintas. Ou seja, como
rendimento domiciliar é, em certas regiões, econômica. Por outro lado, o peso que se colocar em prática a máxima ambiental do
mais significativo do que em outros), além dá aos indicadores econômicos (e outros "pensar globalmente e agir localmente"?
de variar muito de acordo com áreas que estão estreitamente relacionados, como
urbanas e rurais, bem como entre os educação) somado à dificuldade de POLÍTICAS PÚBLICAS DE
diferentes níveis hierárquicos do urbano. Em indicadores de qualidade de capital social, ADAPTAÇÃO E CIDADES
muitas localidades e famílias, o prestígio ou acaba por tornar a perspectiva também
o conhecimento e reconhecimento dos muito dependente do viés de renda. Medir e compreender a
idosos é fator chave para as oportunidades Outro elemento que aponta para a vulnerabilidade é apenas o primeiro passo.
ou para os riscos que uma família poderá importância do contexto espacial são as Políticas urbanas para dar resposta aos
correr. Ademais, com o processo de relações de vizinhança, acessibilidade, perigos relacionados à mudança climática
envelhecimento relativo pelo qual passa a proximidade e distância que marcam os precisam também de indicadores de
população brasileira atualmente, há uma estudos ecológicos (ENTWISLE, 2007; KYLE, adaptação. O desafio da composição destes
tendência de que em poucos anos, todo 2004; LEWICKA, 2010). Por este ângulo, parece ainda maior.
domicílio ou família conterá em sua questões de saúde ambiental, valores Um primeiro desafio é identificar o
composição pelo menos uma pessoa em culturais, redes sociais, mobilidade, sistemas que é adaptação. Adger, Lorenzoni e O'Brien
grupos etários considerados idosos e, de transporte, acesso à moradia, (2009) lembram que adaptação fez parte de
consequentemente, terá aumentando seu o infraestrutura etc., estão implicados na todas as sociedades, e continua fazendo.
grau de vulnerabilidade, caso o indicador forma da cidade, sua organização interna e Nem sempre a questão, no entanto, é
seja sensível aos processos dinâmicos da a distribuição (concentração ou dispersão) querer, ou saber se adaptar. Atualmente,
sociedade. de serviços e recursos urbanos. A posição apontam os referidos autores que a questão-
O mesmo pode-se dizer das famílias na cidade, portanto, é um contexto chave é que o sistema global gerou
com chefia feminina. Conforme afirma Bilac fundamental para pensar a vulnerabilidade, comunidades resilientes e comunidades que
(2006), as estratégias destas famílias são embora os demais contextos (cultural, não terão oportunidade de se adaptar.
distintas, e podem compensar diferenciais econômico, social, político) tenham o Isso coloca uma questão
de rendimentos e outros fatores ao lançar mesmo peso, e, por isso, nenhum deles é fundamental sobre que tipo de indicadores
mão de redes de parentesco e outras definitivo para, por exemplo, caracterizar de adaptação serão precisos: aqueles que
estratégias, como a própria composição homogeneamente uma parte da cidade mostrem em que medida países ou cidades
mais complexa da estrutura familiar no como mais vulnerável que a outra. Este tipo estão se adequando ao padrão imposto de
mesmo domicílio. É difícil imaginar que uma de consideração é sempre uma urbanização sustentável, ou indicadores que
família nuclear com os dois progenitores generalização que pode estar escondendo revelem a capacidade adaptativa das cidades
cujo chefe possui problemas de violência vulnerabilidades muito diferentes entre e sua resiliência? A possibilidade da
doméstica ou outras dificuldades de vizinhos. adaptação estaria, portanto, nesse dilema.
relacionamento seja menos vulnerável que Em vista disso, o desafio é conseguir Como colocar dentro da agenda das políticas
uma família de chefia feminina pelo simples incorporar aos indicadores estas públicas medidas de adaptação, se as formas
fato da presença do homem em casa. heterogeneidades de forma que elas possam de mensuração não se ligam entre as
Em ambos os casos, a base para o interagir entre os vários elementos que diversas escalas de ação? Uma das grandes
pressuposto da pretensa vulnerabilidade compõem e contextualizam a dificuldades para o planejamento de
maior para tais grupos e famílias é a de base vulnerabilidade. Mas, apesar do desafio políticas públicas é a focalização do público
econômica, estando na composição dos posto pelo AR-4 de se considerar as a ser atendido, assim, em termos de
domicílios ou nas características mudanças climáticas, é preciso ter em mente mudanças climáticas globais, como poder-
demográficas impedimentos para participar que elas não trarão nenhum desafio se-ia enfrentar esse desafio?
de atividades e lançar mão de certos propriamente novo para a análise ou para No Brasil, alguns esforços estão
recursos. Foi neste sentido, por exemplo, as políticas urbanas; o que temos de novo sendo tomados nesse sentido. A Rede
que demógrafos e sociólogos nesse cenário é a relativa previsibilidade ou Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças
latinoamericanos procuraram alternativas certeza/incerteza de que mudanças no clima Climáticas (RedeCLIMA), com um sub-
para medir a vulnerabilidade, entendendo- ocorrerão nas próximas décadas e as projeto sobre mudanças climática e cidades,
a como duplamente articulada entre a medidas de adaptação poderiam ser tem proporcionado fóruns de debate para
estrutura de oportunidades e os ativos, que planejadas com antecedência. Dentro deste pensar os impactos e consequências das
são fruto dos capitais social, humano e físico. contexto, não se trata de empreender novos mudanças no clima sob essa perspectiva. O
(KAZTMAN, 1999; KAZTMAN; FILGUEIRA, esforços, mas sim aprofundar e detalhar Programa Fapesp de Pesquisa sobre
2006; CUNHA, et al., 2006). estudos que ora já vêm sendo Mudanças Climáticas Globais - PFPMCG, que
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 22 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
8. já abriu dois editais de projetos temáticos, construídos. Piracicaba: limites e possibilidades. In:
coloca também sob uma perspectiva FERREIRA, Leila da C.; VIOLA, Eduardo
interdisciplinar esse desafio. Um dos REFERÊNCIAS (Orgs.). Incertezas da Sustentabilidade na
projetos, dentro do qual esse trabalho se Globalização. Campinas: Ed. da Unicamp,
insere, tem como objetivo pensar as ADGER, Neil; LORENZONI, Irene; O'BRIEN, 1996. p.161-176.
dimensões humanas das mudanças Karen. Adaptation now. In: ADGER, Neil;
climáticas a partir dos dilemas ambientais LORENZONI, Irene; O'BRIEN, Karen. (eds.) HOGAN, Daniel J. Indicadores
urbanos e suas dimensões políticas, sociais Adapting to climate change: thresholds, sociodemográficos de sustentabilidade. In:
e ecológicas. Um dos objetivos do values, governance. New York: Cambridge ROMEIRO, Ademar R. (Org.). Avaliação e
componente de urbanização e dinâmica 2009. p.1-22 contabilização de impactos ambientais.
demográfica constitui na elaboração e Campinas: Ed. da Unicamp, 2004. p.198-215.
consolidação de indicadores BICKNELL, Jane; DODMAN, David;
multidimensionais que permitam integrar as SATTERHWAITE, David (eds.) Adapting cities HOGAN, Daniel J. População e mudanças
diversas escalas de análise e construir to climate change: understanding and ambientais globais. In: HOGAN, Daniel J.;
formas de articulação destes dados de modo addressing the development challenges. MARANDOLA JR., Eduardo (Orgs.).
que as preocupações com as mudanças London: Earthscan, 2009. População e mudança climática: dimensões
climáticas em sua escala global possam ser humanas das mudanças ambientais globais.
entendidas na escala do litoral do Estado de BILAC, Elizabeth D. Gênero, vulnerabilidade Campinas: NEPO/UNFPA, 2009. p.11-24.
São Paulo, nas suas regiões, nos município, das famílias e capital social: algumas
bairros e domicílios. reflexões. In: CUNHA, José M. P. da. (org.) HOGAN, Daniel J.; MARANDOLA JR.,
O primeiro passo é pensar a Novas metrópoles paulistas: população, Eduardo. Towards an interdisciplinary
vulnerabilidade nestas escalas diferentes, vulnerabilidade e segregação. Campinas: conceptualisation of vulnerability.
passando à discussão das medidas NEPO/UNICAMP, 2006. p.51-65. Population, Space and Place, v. 11, n. 6, p.
adaptativas. A promoção da resiliência é 455-471, 2005.
fundamental, e por isso a discussão precisa CUNHA, José M. P. da; JAKOB, Alberto A. E.;
passar pela compreensão dos riscos e HOGAN, Daniel J. e CARMO, Roberto L. do. HOGAN, Daniel J.; MARANDOLA JR.,
perigos já existentes, projetando-se cenários A vulnerabilidade social no contexto Eduardo; OJIMA, Ricardo. População e
para as mudanças ambientais futuras. metropolitano: o caso de Campinas. In: Ambiente: desafios à sustentabilidade. São
Independente das cidades ou dos CUNHA, José M. P. da. (org.) Novas Paulo: Blucher, 2010.
países, no âmbito da política pública as metrópoles paulistas: população,
mudanças já se instalaram. Financiamentos, vulnerabilidade e segregação. Campinas: HOGAN, Daniel J.; OJIMA, Ricardo. Urban
recursos, legislações e planos de manejo ou NEPO/UNICAMP, 2006. p.143-168. sprawl: a challenge for sustainability. In:
gestão já estão prevendo e/ou exigindo a MARTINE, George; et al. (eds.) The New
contemplação dos cenários de mudanças DOUGLAS, M. Risk Acceptability according Global Frontier: urbanization, poverty and
climáticas. A vulnerabilidade, um pouco to the social sciences. Russel Sage environment in the 21st century. London:
antes, já havia sido incorporada à dimensão Foundation: New York. 1985. Earthscan, 2008. p.203-216.
da gestão e, muito em breve, se passará da
atual ênfase da mitigação para a adaptação. ENTWISLE, Bárbara. Putting people into JANNUZZI, Paulo M. Indicadores sociais no
A questão, portanto, não é se é place. Demography, v.44, n.4, p.687-703, Brasil: conceitos, fonte de dados e
necessário ou não medidas de adaptação. 2007. aplicações. Campinas: Alínea, 2001.
A questão verdadeira é como e de que
maneiras as cidades irão adaptar-se. EWING, R.; BARTHOLOMEW K; KAZTMAN, Ruben. (coord.) Activos y
Seguindo uma perspectiva aberta da WINKELMAN, S.; WALTERS, J.; CHEN, D.; estructuras de oportunidades. Estúdios
vulnerabilidade e da adaptação, o McCAN, B.; GOLDBERG, D. Growing Cooler: sobre lãs raíces de La vulnerabilidad social
fundamental é buscar no próprio devir e no The Evidence on Urban Development and em El Uruguay. Montevideo: Oficina Del
pacto social urbano as respostas para cada Climate Change. Urban Land Institute. 2008. Programa de lãs Naciones Unidas para El
caso. A imposição de agenda e os pacotes Desarrollo (PNUD) Y Oficina de La CEPAL em
de adaptação na forma de intervenções HARDOY, Jorge E.; MITLIN, Diana; Montevideo, LC/MVD/R, 1999. [n.180]
urbanas não terão a mesma efetividade em SATTERHWAITE, David (eds.) Environmental
todos os contextos. É necessário problems in an urbanizing world: finding KAZTMAN, Ruben; FILGUEIRA, Fernando. As
compreender a multidimensionalidade da solutions for cities in Africa, Asia and Latin normas como bem público e privado:
vulnerabilidade, e pensar medidas America. London: Earthscan, 2001. reflexões nas fronteiras do enfoque "ativos,
adaptativas igualmente múltiplas. Para isso, vulnerabilidade e estrutura de
novos indicadores, dinâmicos e HOGAN, Daniel J. Desenvolvimento oportunidades" (AVEO). In: CUNHA, José M.
desagregados, precisam ser pensados e sustentável na bacia hidrográfica do rio P. da. (org.) Novas metrópoles paulistas:
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 23 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
9. população, vulnerabilidade e segregação. J. Vulnerabilities and risks in population and (Mestrado em Sociologia) - Instituto de
Campinas: NEPO/UNICAMP, 2006. p.67-94. environment studies. Population and Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Environment, v. 28, p. 83-112, 2007. Estadual de Campinas, Campinas.
KYLE, Gerard; et al. Effects of place
attachment on user's perception of social MARTINE, George; McGRANAHAN, Gordon; OJIMA, Ricardo. Perspectivas para a
and environmental conditions in a natural MONTGOMERY, Mark; FERNÁNDEZ- adaptação frente às mudanças ambientais
setting. Journal of Environmental CASTILLA, Rogelio (eds.). The new global globais no contexto da urbanização
Psychology, n.24, p.213-225, 2004. frontier: urbanization, poverty and brasileira: cenários para os estudos de
environment in the 21st Century. London: população. In: HOGAN, Daniel J.;
LEWICKA, Maria. What makes neighborhood Earthscan, 2008. MARANDOLA JR., Eduardo (Orgs.).
different from home and city? Effects of População e mudança climática: dimensões
place scale on place attachment. Journal of NUNES, Lucí H. Mudanças climáticas, humanas das mudanças ambientais globais.
Environmental Psychology, n.30, p.35-51, extremos atmosféricos e padrões de risco a Campinas: NEPO/UNFPA, 2009. p.191-204.
2010. desastres hidrometeorológicos. In: HOGAN,
Daniel J.; MARANDOLA JR., Eduardo (Orgs.). UNFPA - UNITED NATIONS POPULATION
MARANDOLA JR., Eduardo. Tangenciando a População e mudança climática: dimensões FUND. State of World Population 2007:
vulnerabilidade. In: HOGAN, Daniel J.; humanas das mudanças ambientais globais. Unleashing the potential of urban growth.
MARANDOLA JR., Eduardo (Orgs.). Campinas: NEPO/UNFPA, 2009. p.53-73. New York: UNFPA, 2007.
População e mudança climática: dimensões WISNER, Ben; BLAIKIE, Piers; CANNON,
humanas das mudanças ambientais globais. OJIMA, Ricardo. Instituições políticas e Terry; DAVIS, Ian. At risk: natural hazards,
Campinas: NEPO/UNFPA, 2009. p.29-52. mudança ambiental: os novos arranjos people's vulnerability and disasters. 2ed.
institucionais na gestão de recursos hídricos London: Routledge, 2004.
MARANDOLA JR., Eduardo; HOGAN, Daniel e suas interfaces políticas. 2003. Dissertação
Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 24 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478