Este documento é o prefácio de um livro sobre o 15o Encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social. O texto discute a diversidade de abordagens da psicologia social e a importância de romper com dualismos e fronteiras rígidas para permitir diferentes modos de existência humana. O autor deseja que o livro estimule conversas sobre as práticas da psicologia social e formas de tecer linhas que constituem fronteiras mais flexíveis entre os modos de viver.
Prefácio psicologia social e fronteiras de existência - 2009
1. Psicologia Social e políticas de existência: fronteiras e conflitos
PREFÁCIO
Enfim chegamos a mais um Encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social
(o décimo quinto), marcado pela diversidade de nossas práticas, com o tema
“Psicologia social e políticas de existência: fronteiras e conflitos”.
Este livro retrata o fluxo que permite, em cada texto aqui escrito, transformar as
fronteiras da Psicologia Social: de acidentes a acontecimentos. Esta diversidade
existe não porque seja fruto de uma ciência imatura, mas porque sabemos que a
maturidade não é sinônimo de aspereza e de certezas acabadas. Deixamos a
produção científica que se atém mais ao deslumbramento das taxonomias sem
fluxos, ao encanto pelas regras de controle e predição, do que às forças que teimam
em burlar as linhas de fronteira, que inquietam e contestam.
É um livro que nasce de muitas gestações ou de várias maneiras de fazer a
Psicologia Social brotar. Os textos traçam linhas de fronteira que demarcam
maneiras de atuar e que se fazem no traçado. Linhas que hora se aproximam e hora
se afastam, mas em algum lugar se cruzam e esse lugar é a ABRAPSO, produzida
exatamente nessa reivindicação de que a Psicologia Social no Brasil pudesse ser
diversa do que na época (década de 1980) era considerado como importação de
uma maneira de se fazer psicologia sem crítica.
A afirmação de Clarice Lispector se adéqua a vida da ABRAPSO: “vivo de linhas
que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e
instantâneo ponto”4. São os pontos de nossos encontros, rodas de conversa e
publicações (como esta e como as da nossa revista Psicologia & Sociedade).
O que faz a Psicologia Social? Essa questão torna-se assunto de muitas conversas
nos corredores e auditórios de universidades, de organizações e de comunidades.
Trata-se de um pergunta capciosa que pode nos levar a uma armadilha: a de separar
a psicologia do “social” na medida em que podemos achar que há algum psicólogo
que possa se escusar (apresentar desculpas) por não melar suas mãos no que
chamamos de “social” (e este termo também tem muitas variações que levam a
diferentes posturas profissionais).
4
LISPECTOR, Clarice. O milagre das folhas. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos (Org.). As cem
melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 186-187.
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2. Psicologia Social e políticas de existência: fronteiras e conflitos
O nosso desafio com mais este livro é somar esforços junto aqueles que teimam em
evitar que o ser humano sucumba a modelos únicos de modos de viver e de existir.
É sempre apostar que quaisquer que sejam as categorias utilizadas para analisar o ser
humano, para analisar suas relações sociais, seus processos de subjetivação, tenhamos como
fio condutor a preocupação de evitar dualidades seculares, tão arraigadas que, não
poucas vezes, são consideradas fronteiras naturais, tais como a separação entre o ser
humano e a sociedade; interior e exterior; senso comum e ciência; discurso e ação;
objetividade e subjetividade; razão e emoção; ou mesmo, a separação entre a
pesquisa e os modos de viver humanos.
Romper com essas (e outras) dualidades é criticar políticas de existência, o que
deveria ser o pressuposto das nossas práticas. Isto tem como consequências:
permitir condições de atuação esteticamente especiais, rompendo com fronteiras
arcaicas que construímos para a Psicologia, que transformam os acidentes em
natureza. Essa postura dá a ABRAPSO importância sempre crescente no cenário da
Psicologia.
Finalizando, é desejo de todos que aqui produzem formas de fazer a Psicologia
Social por meio de seus textos, pesquisarem os caminhos que as linhas do viver
humano percorrem para formar determinados pontos (que acabam sendo temas de
pesquisas). São as linhas, como dizia Gil, que cada um e cada uma de nós traçamos,
sendo que quem dá a régua e o compasso são todas as vozes que murmuram em
nossas pesquisas, em nossos encontros científicos, em nossos escritos, enfim, em
nossas vidas.
Ora, o que fazemos? Traçamos traços? Certamente os traços que constituem
fronteiras tênues de maneiras de viver. Alguns poderão achar então que somos
tecelões. Mas se nos dobramos dia após dia com os fluxos da vida cotidiana, se
somos, somos tece linhas.
Este livro, certamente, é fonte de conversas sobre as práticas da Psicologia Social.
Que cada leitor e leitora também se divirtam nesse tear.
Ricardo Pimentel Méllo
Professor da Universidade Federal do Ceará
Vice-presidente Regional Norte-Nordeste da Abrapso – Gestão 2008/2009
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