SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  10
Télécharger pour lire hors ligne
Artigos




                    Renaturalização de rios e córregos
                       no município de São Paulo

                      Pérola Felipette Brocaneli
              Doutora em Paisagem e Ambiente – FAU-USP;
       Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
                                             – Mackenzie.
                                    São Paulo – SP [Brasil]
                                     perola@mackenzie.br


                   Monica Machado Stuermer
           Doutora em Engenharia Ambiental – POLI-USP;
       Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
                                             – Mackenzie;
                                    São Paulo – SP [Brasil]
                                 mstuermer@mackenzie.br




                                                              A cidade de São Paulo tem grande parte de suas áreas úmidas
                                                              drenadas e aterradas. A ocupação das várzeas traz diversos
                                                              problemas para o município, comprometendo a paisagem
                                                              natural dos rios e córregos. Os problemas abrangem desde a
                                                              interrupção dos processos ecossistêmicos até questões de dre-
                                                              nagem superficial. A reabertura de alguns trechos dos rios e
                                                              córregos do município talvez contribua para a conscientização
                                                              ambiental dos paulistanos, principalmente a respeito da loca-
                                                              lização dos rios e da péssima condição das águas. A abertura
                                                              dos canais como solução para o retardo do escoamento das
                                                              águas superficiais tem sido avaliada como menos dispendiosa
                                                              do que a construção e manutenção de piscinões. Este pode ser
                                                              o início de um processo de valorização das áreas úmidas do
                                                              município de São Paulo, mesmo que de maneira indireta.
                                                                    Palavras-chave: Drenagem. Identidade ambiental.
                                                                           Renaturalização. Rios. São Paulo.


Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.                                                                    147
1 	 Introdução                                         qüência a impermeabilização do solo, que fun-
                                                             cionava como sistema de armazenamento natural
           A paisagem natural da cidade de São Paulo         das águas. Acrescenta-se a esse problema a prática
      na época de sua fundação era composta por re-          de canalizações dos rios e córregos, alterando o
      cursos naturais em harmonia com a estrutura e          comportamento das enchentes e exigindo cada vez
      identidade local (LYNCH, 1988).                        mais medidas para disciplinar e conter as águas.
           A região, parte do bioma da Mata Atlântica,            Neste trabalho, pretende-se estudar a forma
      apresentava, inicialmente, grande riqueza em água      como a cidade perdeu a relação com suas águas e
      doce, em razão da profusão de nascentes entreme-       a percepção do território, em especial das áreas de
      adas a um “mar de morros” (AB’SABER, 2003),            várzea. Busca-se também propor um resgate dos
      responsáveis pela formação e manutenção de inú-        rios e córregos na paisagem urbana, por meio de
      meros rios e córregos que se espraiavam em planí-      outras formas de ocupação das áreas inundáveis
      cies e várzeas, compondo, assim, as áreas úmidas       da cidade.
      das “terras baixas” da região.
           A Figura 1 apresenta, parcialmente, o farto
      sistema hídrico e a grande extensão de áreas de        2 	 Histórico da ocupação das
      inundação do município de São Paulo.                       áreas úmidas do município
                                                                 de São Paulo

                                                                  A maior parte do território do município de
                                                             São Paulo localiza-se em um planalto sobre uma
                                                             bacia sedimentar, de topografia amena, circunda-
                                                             da por terras altas e serras (AB’SABER, 2007). O
                                                             farto sistema hídrico e a topografia amigável do
                                                             espigão central (com cotas variando de 800 a 820
                                                             metros) impulsionaram a ocupação original da co-
                                                             lina histórica de São Paulo e direcionaram sua ex-
                                                             pansão territorial ao longo de seus vales (PRADO
      Figura 1: 1650 – vista do Vale do rio Tietê a partir
      do encontro com o Jurubatuba (atual Pinheiros)
                                                             JR., 1972).
      Fonte: Aziz Ab’ Saber apud Alvim, 2003, p. 222.             Os rios paulistanos fugiam aos mercados ex-
                                                             portadores, que rumavam em direção ao interior
                                                             do país, e não à costa brasileira. Passaram a ser
           A proximidade da água foi fator preponde-         utilizados apenas no século XVIII pela monções,
      rante para a escolha do território a ser ocupado,      que se constituíam em frotas comerciais a fim de
      uma vez que, ao mesmo tempo, o rio e a várzea          transportar alimento às minas de Goiás e Mato
      proporcionavam alimento e proteção à província.        Grosso. Para as bandeiras, o rio representava um
           Em meio a esse cenário, iniciou-se a urba-        obstáculo à marcha, e seu uso era ocasional; já
      nização de uma das maiores megacidades da              para as monções, era a regra, um disciplinador do
      atualidade.                                            movimento1. Os rios Tietê e Tamanduateí foram
           No entanto, o processo de urbanização, ocor-      muito importantes durante o período de coloni-
      rido a partir dos anos 1960, trouxe como conse-        zação brasileira, pois por meio deles iniciou-se a


148                                                                Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
Artigos




exploração do interior brasileiro, por parte das                  No rio Bexiga, não existia represamento, sen-
tropas conduzidas por bandeirantes.                          do sua contribuição direta ao rio Anhangabaú. O
      Durante a travessia pelas terras e paragens            rio Saracura teve suas águas represadas, formando
paulistas, já nos idos do século XVIII, os relatos           o Tanque Reúno. Não tão próximo às nascentes,
de viajantes apresentavam claramente as interven-            também reunia quantidade de água considerável
ções antrópicas (LANGENBUCH, 1971). Não                      e abastecia o Chafariz do Piques, por meio de seu
seria possível instalar uma província ou uma ci-             reservatório, a Bacia da Pirâmide. As águas eram
dade em meio a um ambiente totalmente natural                aduzidas pelo Morro do Chá e bairro de Santa
sem abrir clareiras, construir estradas, edificações         Ifigênia, para alimentar o lago central do Jardim
para habitação e produção de bens, tais como ar-             Botânico – atual Jardim da Luz.
mazéns para troca e estocagem de mercadorias.                     O Tanque do Zuniga era conhecido por
      Na paisagem da imperial cidade de São Paulo,           Praça das Alagoas, e abrigava as nascentes for-
havia muitos rios e córregos; no entanto, foi no             madoras do rio Yacuba, que, em seu trajeto até
                                                             o rio Anhangabaú, recolhia as águas de quali-
entorno de alguns que a cidade se desenvolveu ini-
                                                             dade duvidosa da Bica do Acu. O dessecamento
cialmente, utilizando-os nos primeiros processos
                                                             do Tanque do Zuniga transformou a Praça das
de abastecimento da população.
                                                             Alagoas no Largo do Payssandu, e o encaminha-
      A cidade imperial de São Paulo desaguava
                                                             mento das águas foi feito em canos de ferro até a
grande parte de seus recursos hídricos na bacia do
                                                             Rua Payssandu.
rio Tamanduateí, um dos principais afluentes do
                                                                  Contribuindo para esse cenário de desse-
rio Tietê, e de grande extensão e abrangência.
                                                             camento da cidade, o desenvolvimento da trama
      O principal afluente do rio Tamanduateí na
                                                             urbana drenou diversos rios e córregos e estrutu-
área central e histórica era o rio Anhangabaú,
                                                             rou a rede de transporte por meio dos fundos de
que recebia as contribuições dos córregos Yacuba,
                                                             vale, como é o caso da Avenida Nove de Julho,
Saracura e Bexiga. Desaguando a montante do
                                                             construída sobre o leito do rio Saracura; Avenida
rio Anhangabaú havia os rios Cabuçu Pequeno e
                                                             23 de Maio, sobre o rio Anhangabaú; Avenida
Cabuçu de Cima – este recebia as águas do Cabuçu
                                                             dos Estados, sobre o rio Tamanduateí; Avenida
de Baixo. As águas do Tanque do Arouche esco-
                                                             Pacaembu, sobre o córrego do Pacaembu, e outros
avam contribuindo para formação do Córrego                   tantos corpos hídricos da cidade que foram supri-
do Carvalho, que desaguava a jusante do rio                  midos da leitura paisagística.
Anhangabaú no rio Tamanduateí.                                    A modernização da paisagem (ALVIM,
      O rio Anhangabaú teve suas nascentes repre-            2006) não se restringe ao território da cidade, mas
sadas, formando os tanques Municipal e de Santa              abrange a extensão ao longo dos rios e córregos,
Teresa, no antigo Morro do Caaguaçu, na altura               pois os rios, além de potenciais reservas para o
do Paraíso. Esses dois tanques foram as primeiras            abastecimento das populações, logo são visualiza-
alternativas de abastecimento da cidade e, por-              dos como potencial hidroelétrico, principalmente
tanto, motivo de estudo para possível regulari-              em um momento em que a cidade de São Paulo vive
zação da vazão destinada aos diversos chafarizes             a industrialização e a modernização dos serviços
de abastecimento existentes em 1884. No entan-               urbanos, e a atenção política está voltada para a
to, não havia potencialidade hídrica para tanto              criação de infra-estrutura necessária à expansão
(GASPAR, 1970).                                              econômica da cidade e do estado. Projeta-se, en-


Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.                                                         149
tão, a transformação da paisagem para adequar               As vias marginais, consolidadas sobre os
      a natureza às necessidades do desenvolvimento           antigos acessos dos clubes aos rios, descaracte-
      econômico.                                              rizaram a paisagem natural das várzeas, espaços
           O fim do século XIX e a primeira metade            de convivência nos quais se podia admirar o pôr-
      do século XX foram momentos tecnocentristas             do-sol espelhado nas águas dos rios, os barcos a
      (SARAIVA, 1999), nos quais todas as alternativas        remo e as competições de natação.
      econômicas giraram em torno do desenvolvimento              A partir do Plano de Avenidas, de Prestes
      de técnicas. A Light, ao receber a concessão para       Maia, em 1930, os fundos de vale foram vistos
      explorar o Alto Tietê, comprometeu-se a estabe-         como solução para a ampliação do sistema viá-
      lecer uma hidrovia que atingisse o alto da Serra        rio urbano, transformando o sistema hídrico da
      do Mar para escoamento de mercadorias por meio          cidade e trazendo novas complicações para a as
      dos rios Tietê, Pinheiros e Grande. Os rios eram        questões de drenagem do território.
      vistos também como vias de comunicação secun-               Vários planos para resolver os problemas
      dárias à estrada de ferro, e seriam utilizados no
                                                              da drenagem no município se sucederam, mas,
      caso da inacessibilidade às ferrovias, em razão das
                                                              como sempre, eram projetos de longa duração.
      grandes distâncias entre as fazendas produtoras
                                                              A evolução da ocupação urbana exigiu a suces-
      de café e os troncos ferroviários centrais.
                                                              siva revisão das vazões de projeto. Por exemplo,
           Em 1924, apesar da discutida poluição do
                                                              no trecho do rio Tietê compreendido entre a foz
      rio Tietê, foi realizada a primeira travessia de São
                                                              do Tamanduateí e o município de Osasco, a va-
      Paulo a nado. No entanto, muitos clubes, perce-
                                                              zão de projeto do plano de 1894 era de 174 m3/
      bendo a situação de poluição crescente dos rios,
                                                              s, passando a 400 m3/s no projeto de Saturnino
      optaram por construir piscinas particulares em
                                                              Brito (1925); 650 m3/s, no Plano Hibrace (1968),
      vez de lutar pelo direito ao direito desse recurso
                                                              e 1.188 m3/s, no Projeto Promon, de 1986. Os
      natural. A poluição e a retificação dos rios, as-
                                                              estudos de enchentes elaborados pelo Consórcio
      sim como as proibições de banhos nus, causaram
                                                              Hidroplan (1995) já indicaram valores cerca de
      abandono da prática de natação.
                                                              20% superiores aos obtidos no Projeto Promon.
                                                              A mesma defasagem entre capacidades e deman-
                     Com o final da disputa da Travessia de
                     São Paulo a Nado do Tietê em 1944,
                                                              das hidrológicas também é verificada em diver-
                     encerrou-se um ciclo na história da      sos rios e córregos que sofreram intervenções
                     aquática paulista, em que o rio teve     na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
                     presença marcante. […] A suspensão       (DAEE,1998).
                     daquela prova correspondeu ao ates-            Em quase todos os processos de trans-
                     tado de óbito do rio, cujo significado   formação da paisagem ocorridos no município
                     para a natação paulista tinha come-      de São Paulo, a vegetação foi praticamente di-
                     çado a declinar quando a A. A. São       zimada, e a água dos rios, como elemento da
                     Paulo, o Clube Espéria, o Sport Club     paisagem, também sofreu diversas descaracte-
                     Germania e o Clube de Regatas do         rizações. A cidade não soube respeitar a natu-
                     Tietê construíram suas piscinas no       reza, não conservou seus rios e ribeirões; ao
                     período compreendido entre 1929 e        contrário, escondeu-os em grossas tubulações
                     1934. (NICOLINI, 2001, p. 106).          sob a terra.


150                                                                 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
Artigos




3	 Renaturalização de rios e                                 de um melhor e mais rápido escoamento das águas
   córregos no município de                                  pluviais e fluviais do município.
   São Paulo                                                      O Projeto Tietê, executado pelo Departamento
                                                             de Águas e Energia Elétrica (DAEE), é uma das
      As principais zonas de vida silvestre (ODUM,           maiores obras de drenagem urbana do Brasil e faz
1988) geralmente estão lindeiras à cidade, sendo,            parte do Programa de Combate às Inundações da
muitas vezes, coincidentes com áreas naturais ou             Região da Grande São Paulo. O Projeto é uma
Áreas de Preservação Ambiental (APAs). Os sis-               parceria do Governo de São Paulo com o Japan
temas hídricos, que têm suas nascentes nessas                Bank for International Cooperation (JBIC) que
áreas, no processo de expansão do tecido urbano              financia 75% das obras. O leito do rio Tietê foi
são contaminados ou poluídos, ou até dizimados,              aprofundado, em média, 2,5 m, numa extensão
obrigando a busca por água em áreas mais dis-                de 24,5 km. A largura das margens foi aumentada
tantes – o que onera a infra-estrutura da cidade.            de 26 m para até 45 m, dando ao rio o dobro da
O rio Tietê, que é o principal corpo hídrico do              capacidade de vazão.
Estado de São Paulo, no trecho em que atravessa                   O escoamento do município de São Paulo
a capital, distando apenas 150 km de sua nascen-             deve obedecer às diretrizes do Plano Diretor
te em Salesópolis, encontra-se altamente poluído             Metropolitano do Alto Tietê (PDMAT, 1998),
(BROCANELI, 1998).                                           que, por meio do estudo dos hidrogramas dos di-
      Visando primordialmente ao combate às                  versos afluentes do rio Tietê, estabeleceu vazões
enchentes na RMSP, por meio de uma aborda-                   máximas a serem lançadas no rio em períodos de
gem integrada dos problemas em todas as prin-                chuva crítica.
cipais sub-bacias da bacia hidrográfica do Alto                   Segundo o DAEE, o Plano Diretor de
Tietê, em 1998 foi elaborado o Plano Diretor de              Macrodrenagem (1998) visa diagnosticar os pro-
Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê, que busca              blemas existentes ou previstos no horizonte do
complementar as obras de melhoria hidráulica dos             projeto (2020) e determinar, do ponto de vista
rios Tietê e Tamanduateí. O Plano Diretor, em sua            técnico-econômico e ambiental, as soluções mais
estruturação atual, contempla soluções para as se-           interessantes. Tais soluções não envolvem apenas
guintes bacias:                                              obras, mas também recomendações quanto ao ge-
                                                             renciamento da drenagem, o disciplinamento de
   •	 Bacia do rio Tamanduateí (estão incluídas as           uso e ocupação do solo, educação ambiental e ou-
      sub-bacias dos ribeirões dos Meninos e Couros          tras medidas não-estruturais.
      e do córrego do Oratório);                                  O Plano introduziu como uma das premissas
   •	 Bacia do córrego Pirajuçara;                           fundamentais para o desenvolvimento dos estudos
   •	 Bacia do rio Aricanduva e Calha do rio Tietê;          e diagnósticos a fixação do conceito da chamada
   •	 Bacia do ribeirão Vermelho;                            vazão de restrição.
   •	 Bacia do Médio Juqueri;                                     Há um limite físico para expansão e aumento
   •	 Bacia do rio Baquirivu.                                da capacidade hidráulica de escoamento dos prin-
                                                             cipais cursos d’água drenantes da bacia do Alto
      Recentemente, concluíram-se as obras para o            Tietê, como é o caso específico das calhas dos
rebaixamento do leito do rio Tietê e também para             rios Tietê e Tamanduateí. Uma vez diagnosticada
a impermeabilização das margens, tudo em prol                a capacidade restritiva de um determinado curso


Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.                                                       151
d’água, busca-se um conjunto de obras adequado         fundo de vale, expandindo e reforçando o padrão
      a sua sub-bacia correspondente, de forma que sua       de ocupação das áreas úmidas da cidade. No en-
      vazão de restrição não seja ultrapassada.              tanto, há de se ressaltar que o PROCAV 1 iniciou
           Uma das soluções tecnocêntricas adotadas          a implantação de suas diretrizes em 1987, quan-
      pelo município de São Paulo foi a construção de        do as questões ambientais já estavam em pauta
      uma série de reservatórios a montante das cheias,      no cenário mundial, mas ainda não havia maior
      para estabilizar o escoamento. Tais reservatórios,     consciência das questões ambientais urbanas. Já
      denominados popularmente de piscinões, atuam           o PROCAV 2, de 1994, foi um investimento que
      na contenção de grande parte das águas que de-         não considerou as questões ambientais urbanas
      veriam estar infiltrando-se no solo para o equilí-     e/ou conceitos ecossistêmicos aliados à ecolo-
      brio do ciclo hidrológico e dos lençóis freáticos,     gia da paisagem e às diretrizes de planejamento
      e que, escoando rapidamente até o leito do prin-       ambiental para a formação das cidades sustentá-
      cipal rio do sistema hídrico da cidade, o Tietê,       veis, contemplados na AGENDA 21, produto da
      causam cheias e extrapolam o volume previsto no
                                                             Conferência das Nações Unidades para o Meio
      Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê
                                                             Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD –
      (PDMAT) (CANHOLI, 2007)3.
                                                             ECO-92, Rio de Janeiro).
           Associada aos reservatórios, a administração
                                                                  Tanto o PROCAV 1 quanto o PROCAV 2
      municipal criou dois Programas de Canalização
                                                             utilizaram sistemas de canalização associados aos
      de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação
                                                             reservatórios de contenção de cheias, conhecidos
      Ambiental e Social dos Fundos de Vale, respecti-
                                                             popularmente como “piscinões”. No entanto, são
      vamente denominados PROCAV 1 e PROCAV 2.
                                                             poucos os sistemas que se utilizam de canalizações
           O PROCAV 1 foi um programa da Prefeitura
                                                             associadas aos reservatórios do tipo “piscinão”
      da Cidade de São Paulo, de obras múltiplas realiza-
                                                             que não apresentam problemas de manutenção ou
      das em bacias hidrográficas do município, inicia-
                                                             extravasão. Um exemplo bem-sucedido é o sistema
      do em 1987 com a canalização de nove córregos,
                                                             executado na região de Higienópolis/Consolação,
      num total de 27,9 km de canais, 23,8 km de aveni-
                                                             zona oeste do município.
      das, remoção de 1.590 famílias e 995 imóveis das
                                                                  O ribeirão do Pacaembu foi canalizado na
      áreas de intervenções das obras. O PROCAV 2,
      iniciado em 1994, contemplou a canalização de 11       década de 1920-1930, quando a Cia. City deu iní-
      córregos distribuídos pelas zonas leste, norte e sul   cio à urbanização do vale. Entretanto, anos mais
      do município de São Paulo, totalizando 35,4 km         tarde, em razão do desenvolvimento urbano e da
      de córregos canalizados, 36,6 km de vias margi-        conseqüente impermeabilização da área de sua mi-
      nais paralelas ao longo desses córregos, a constru-    crobacia do ribeirão do Pacaembu, houve necessi-
      ção de oito reservatórios de detenção, a remoção       dade de um projeto complementar de drenagem
      de 4.500 famílias, a desapropriação de cerca de        para a solução das cheias. Esse projeto, executado
      novecentos imóveis das áreas de intervenção das        em 1992, incluiu um reservatório de amorteci-
      obras, a urbanização de três favelas e a implanta-     mento de cheias sob a Praça Charles Miller, o pri-
      ção de 29 praças públicas.4                            meiro “piscinão” construído na cidade. O projeto
           Segundo Brocaneli (2007), esses programas         também previu a readequação do sistema de dre-
      contribuíram tanto para a canalização de cór-          nagem, com recuperação das galerias existentes,
      regos quanto para a construção de avenidas de          direcionando-as para o reservatório.


152                                                                Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
Artigos




      Os piscinões, quando em áreas urbanas de
ocupação consolidada, apresentam uma vazão de
montante estável, enquanto na periferia da cida-
de, devido ainda às possibilidades de expansão, há
constantes acréscimos de vazão que ultrapassam a
capacidade projetada para o sistema. Além disso,
existe falta de manutenção e limpeza, o que, por
vezes, transforma alguns locais em áreas sanita-
riamente impróprias, inviabilizando o tratamento
paisagístico e/ou ecossistêmico.
      Essa política de sistema de macrodrenagem
aplicada ao município de São Paulo se baseia                 Figura 2: diferenças no amortecimento
                                                             do hidrograma de enchente em razão de
no conceito de escoar, o mais rápido possível, a             modificações no percurso do curso de água
água precipitada. Esse princípio foi abandonado              Fonte: Rio de Janeiro (Estado), 2001, p. 57.

pelos países desenvolvidos no início da década
de 1970 (TUCCI, 2003). A conseqüência ime-                         O tema vem ganhando importância, mas ain-
diata dos projetos baseados neste conceito é o               da é muito discutido e alvo de muitas divergências.
aumento das inundações a jusante decorrentes                 A renaturalização dos rios e córregos permite não
da canalização. À medida que a precipitação                  só o espraiamento das águas pluviais remetidas ao
ocorre, e a água não é infiltrada no solo, o vo-             sistema, mas também o amortecimento do pico
lume escoa pelos condutos do sistema de dre-                 do hidrograma de vazão, evitando ou reduzindo
nagem. A retificação de um córrego aumenta a                 as inundações de forma natural, como ressaltou
velocidade das águas e o pico do hidrograma de               o presidente da Agência da Bacia do Alto Tietê,
jusante, podendo causar verdadeiras catástrofes
                                                             Julio Cerqueira Cesar Neto (FOLGATO, 2006).
em relação à inundação. Segundo Tucci (2003),
                                                                   Os estudos que estão sendo desenvolvi-
países desenvolvidos verificaram que os custos
                                                             dos pela Secretaria Municipal do Verde e Meio
de canalização eram muito altos e abandonaram
                                                             Ambiente para a abertura de vários córregos pela
esse tipo de solução no início dos anos 1970,
                                                             cidade também são relatados, ainda que de for-
enquanto os países em desenvolvimento adotam
                                                             ma breve, por Folgato (2006). Entre eles está o
sistematicamente essas medidas, perdendo duas
                                                             córrego Itororó, localizado sob o canteiro central
vezes, pois têm custos muito maiores e aumento
                                                             da Avenida 23 de Maio, entre os Viadutos Paraíso
dos prejuízos.
      Diante da complexidade das questões de                 e Brigadeiro Luís Antonio, como alternativa à
drenagem do município, e considerando as ques-               construção dos dois piscinões subterrâneos nas
tões levantadas, surge a descanalização ou a re-             Praças da Bandeira e 14 Bis, rejeitados pelo ór-
naturalização de alguns rios e córregos da cidade            gão ambiental em janeiro de 2006. Ainda segundo
de São Paulo, como um sistema alternativo de                 Folgato (2006), as primeiras renaturalizações de
macrodrenagem. Entende-se por renaturalização                córregos não prevêem desapropriações e custa-
de rios o processo de trazer ao rio sua condi-               riam bem menos do que a construção de piscinões
ção mais natural ou original possível (SOUZA;                (não há menção aos valores da obra). Áreas den-
KOBIYAMA, 2003).                                             samente ocupadas não estariam englobadas nesses


Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.                                                         153
estudos, pois não se deseja, a princípio, promover    equilíbrio ambiental no espaço da cidade é um
      desapropriações.                                      dos fatores para o desenvolvimento das cidades
            No entanto, o presidente da Agência da          sustentáveis.
      Bacia do Alto Tietê, Julio Cerqueira Cesar Neto,
      não acredita nessa proposta, e ressalta que, no
      caso da Avenida 23 de maio, a Prefeitura não          4 	 Considerações finais
      deverá alcançar o mesmo sucesso obtido com
      os piscinões anteriormente previstos, que são de           A cidade de São Paulo se expandiu além dos
      grande porte.                                         limites naturais do território, extrapolando as ta-
            Ainda em relação ao córrego Itororó e seus      xas de impermeabilização sobre as áreas permeá-
      canais, levantam-se aqui algumas questões:            veis da cidade, dessecando e aterrando as várzeas
                                                            dos rios e córregos, áreas frágeis que deveriam ser
        •	 Onde se localizam as nascentes desses rios e     mantidas úmidas para equilibrar a recarga do len-
            como serão preservadas as áreas de manan-       çol freático.
            ciais desses cursos d’água e córregos?               A ausência de diretrizes ambientais nos pro-
        •	 Com a drenagem das áreas úmidas e o conse-       cessos de planejamento urbano desenvolvidos na
            qüente rebaixamento do lençol freático, esses   cidade colaborou para que não se resguardassem
            rios ainda apresentariam volume d’água?         os recursos naturais necessários ao bom, belo e
        •	 De que forma se espera recuperar a qualida-      saudável desenvolvimento da cidade.
            de da água destes córregos?                          Mesmo com todas as modificações no uso
        •	 Como se daria o espraiamento da água do          e ocupação do solo e os novos planos diretores,
            córrego na época das cheias, uma vez que        o uso do fundo de vale com sistema viário conti-
            sua planície de inundação extrapola a área      nua sendo implantado no Município de São Paulo,
            do canteiro central da Avenida 23 de Maio?      apesar de apresentar pouca eficácia na solução
                                                            dos problemas de acessibilidade e mobilidade da
            Ações urbanas na macroescala, tais como o       população, trazendo, sim, complicações quanto às
      gerenciamento de recursos hídricos e o conseqüen-     questões de drenagem do território.
      te tratamento dessa paisagem, devem ser projeta-           Os estudos hidrológicos, necessários e dese-
      das, considerando as questões ecossistêmicas por      jáveis quando se analisa a questão de drenagem,
      meio do instrumento de planejamento ambiental         representam modelos indicativos do funciona-
      (FRANCO, 2000), para tornar possível a valori-        mento do ciclo hidrológico, e os parâmetros ob-
      zação e o reconhecimento da identidade ambien-        tidos deveriam ser analisados com ressalvas, es-
      tal de um território (BROCANELI, 2007).
        5
                                                            pecialmente em áreas urbanas onde a paisagem se
            Ainda segundo Brocaneli (2007), parece ser      altera com velocidade, impondo modificações sig-
      de grande importância o ressurgimento da água         nificativas nas características da bacia hidrográ-
      na paisagem paulistana, não somente como ate-         fica. Observa-se que, quando ocorrem falhas de
      nuante das cheias, mas também como elemento           projeto ou estes são superados pelas modificações
      de integração na relação homem x natureza. A          das características da bacia hidrográfica, as solu-
      exposição das águas na paisagem da cidade e           ções adotadas consistem na revisão dos cálculos e
      seu reconhecimento é uma necessidade tanto ur-        readequação do sistema, sem a análise ou conside-
      bana e paisagística quanto ecossistêmica, pois o      ração de outras soluções.


154                                                               Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
Artigos




      Observa-se que a apresentação de projetos               maintenance of flood detention reservoir. This
de renaturalização que não prevêem espaços para               can be the beginning of a process of valorization
a recuperação da vegetação e do traçado meân-                 of the humid areas of São Paulo, even though of
                                                              indirect way.
drico do rio ao longo de suas margens é tão ina-
dequada quanto os projetos de canalização de                   Key words: Draining. Environmental identity.
                                                                 Renaturalization. Rivers. São Paulo city.
um curso d’água.
      A renaturalização dos córregos pode ser vis-
ta não somente como uma solução de drenagem                  Notas
urbana, mas também como uma grande oportu-                     1	   Sergio Buarque de Holanda definiu os rios como
                                                                    “disciplinadores do movimento” no livro A água no olhar da
nidade para o ressurgimento das águas na cida-
                                                                    história. SÃO PAULO [Estado], 1999, p. 12.
de, no que se refere à formação de um sistema de               2	    Aluisio Pardo Canholi, professor doutor, coordenador
umidificação, refrigeração e áreas verdes urbanas                   técnico do PDMAT pelo Consórcio Enger-CKC e
                                                                    diretor da Hidrostudio Engenharia Ltda. O Plano
aliadas ao lazer e ao turismo, a fim de proporcio-                  Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê.
                                                                    Disponível em: <http://www.brasilengenharia.com.br/
nar viabilidade econômica para a implantação e
                                                                    PlanoDiretorMacrodrenagem548.htm>. Acesso em: 28 nov.
manutenção dessas áreas.                                            2007.

      Acredita-se que o verdadeiro dilema que se               3	   Dados disponíveis em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.
                                                                    br/secretarias/infraestruturaurbana/piscinoes/0014>. Acesso
impõe à gestão das águas, nos processos de aber-                    em: 4 nov. 2006.
tura de rios e córregos, quando se busca a cidade              4	   Dados disponíveis em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.
                                                                    br/secretarias/infraestruturaurbana/piscinoes/0014>. Acesso
sustentável, é a necessidade de reintegrar o rio à                  em: 4 nov. 2006.
bacia hidrográfica à qual pertence, de forma que               5	   A identidade ambiental é entendida como um conjunto
esta possa sustentar o córrego quando descanali-                    de fatores ambientais que oferece ao local uma paisagem
                                                                    diferenciada das demais, por vezes única no mundo.
zado, por meio de processos naturais que equili-
brem a recarga do lençol freático e a condução das
águas superficiais.
                                                             Referências
                                                             AB’SABER, A. N. Geomorfologia do sítio urbano de
   Renaturalization of rivers and                            São Paulo. Edição fac-similar – 50 anos. Cotia: Ateliê
                                                             Editorial, 2007. 349 p.
     streams in São Paulo city
                                                             _______. Os domínios de natureza no Brasil:
 The city of São Paulo has great part of its humid           potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial,
 areas drained and filled with earth. The occu-              2003.
 pation of fertile valleys brings diverse problems           ALVIM, A. T. B. A contribuição do Comitê do Alto
 for the city, compromising the natural landscape            Tietê à gestão da Bacia Metropolitana: 1994-2001.
 of the rivers and streams. The problems enclose             2003. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)-
 since the interruption of the environmental                 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
 processes to questions of superficial draining.             São Paulo, São Paulo, 2003.
 Perhaps the reopening of some stretches of the              ______. et al. A modernidade e os conflitos
 rivers and streams of the city contributes for the          socioambientais em São Paulo: um olhar sobre o Plano
 ambient awareness of the citizens of Sao Paulo,             Diretor Estratégico Municipal. In: ENCONTRO DA
                                                             ANPPAS, 3. 2006. Brasília, DF: 23 a 26 de maio de
 mainly regarding the localization of the rivers
                                                             2006.
 and bad condition of waters. The opening of
 the canals as solution for the retardation of the           BROCANELI, P. F. A incorporação da água no
 draining of superficial waters has been evalu-              ambiente urbano da cidade de São Paulo. 1998.
                                                             Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)-
 ated as less expensive than the construction and
                                                             Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 1998.


Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.                                                                        155
______. O ressurgimento das águas na paisagem              NICOLINI, H. Tietê: o rio do esporte. São Paulo: Phorte
      paulistana: fator fundamental para a cidade sustentável.   editora, 2001.
      2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)-
                                                                 ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara
      Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
      São Paulo, 2007.                                           Koogan,1988.

      CANHOLI, A. P. O Plano Diretor de                          PRADO JR., C. O fator geográfico na formação e
      Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê. Disponível           desenvolvimento da cidade de São Paulo. In: ______.
      em: <http://www.brasilengenharia.com.br/                   Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense,
      PlanoDiretorMacrodrenagem548.htm>. Acesso em:              1972.
      28/11/2007.                                                RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado
      DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA                    de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
      (DAEE). Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia            Revitalização de rios: orientação técnica. Rio de Janeiro:
      do Alto Tietê, 1998. Disponível em: <http://www.daee.      SEMADS, 2001. (Projeto Planagua Semads GTZ, de
      sp.gov.br>. Acesso em: 26/10/2007.                         Cooperação Técnica Brasil/Alemanha).
      FOLGATO, M. Reabertura de córregos que correm              SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. A
      sob as galerias das avenidas é alternativa à construção    água no olhar da história. São Paulo, 1999. p. 12.
      de piscinões. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 17 abr.
                                                                 SARAIVA, M. G. A. O rio como paisagem: gestão
      2006. Caderno Metrópole: 23 de Maio terá córrego de
      novo.                                                      de corredores fluviais no quadro do ordenamento do
                                                                 território. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
      FRANCO, M. A. R. Planejamento ambiental para a
      cidade sustentável. São Paulo, Annablume: Fapesp,          SOUZA, D. P.; KOBIYAMA, M. Ecoengenharia em
      2000.                                                      zona ripária: renaturalização de rios e recuperação de
                                                                 vegetação ripária. In: WAGNER, A. SEMINÁRIO DE
      GASPAR, B. Fontes e chafarizes de São Paulo. São           HIDROLOGIA FLORESTAL, ZONAS RIPÁRIAS. 1.,
      Paulo: IOESP, 1970.                                        2003, Florianópolis: PPGEA/UFSC, 2003. v. 1. p. 121-
      LANGENBUCH, J. R. A estruturação da Grande São             131.
      Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1971.
                                                                 TUCCI, C. E. M. Parâmetros do Hidrograma Unitário
      LYNCH, K. A imagem da cidade. Lisboa: Lousanense,          para bacias urbanas brasileiras. RBRH, Porto Alegre, v.
      1988.                                                      8, n. 2, p.195-199, 2003.




                                                                 Recebido em 7 fev. 2008 / aprovado em 7 abr. 2008
                                                                 Para referenciar este texto
                                                                 BRONCANELI, P. F.; STUERMER, M. M.
                                                                 Renaturalização de rios e córregos no município de
                                                                 São Paulo. Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156,
                                                                 jan./jun. 2008.



156                                                                     Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.

Contenu connexe

Tendances

Oficina de Capacitação: . Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos
Oficina de Capacitação:.Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos Oficina de Capacitação:.Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos
Oficina de Capacitação: . Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos andremarcioneumann
 
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008MarianaDias735764
 
Apresentação rio guandu - T.I.G
Apresentação  rio guandu - T.I.GApresentação  rio guandu - T.I.G
Apresentação rio guandu - T.I.GJoão Silva
 
Recursos Hidricos no Brasil
Recursos Hidricos no BrasilRecursos Hidricos no Brasil
Recursos Hidricos no BrasilRodrigo Mesquita
 
Aquíferos - UNESP Ciência
Aquíferos - UNESP CiênciaAquíferos - UNESP Ciência
Aquíferos - UNESP CiênciaCarol Daemon
 
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_Marcio Souza
 
Trabalho Interdisciplinar de Grupo
Trabalho Interdisciplinar de GrupoTrabalho Interdisciplinar de Grupo
Trabalho Interdisciplinar de GrupoJoão Silva
 
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...Heidelanna Bacelar
 
Trabalho final pronto 30-11-10
Trabalho final pronto   30-11-10Trabalho final pronto   30-11-10
Trabalho final pronto 30-11-10luiz10filho
 
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campelo
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campeloConflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campelo
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campeloLeidiana Alves
 
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singa
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singaGestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singa
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singaLeidiana Alves
 
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009CES FGV
 
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piaui
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piauiusos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piaui
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piauijulianamariamorais
 

Tendances (18)

Oficina de Capacitação: . Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos
Oficina de Capacitação:.Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos Oficina de Capacitação:.Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos
Oficina de Capacitação: . Gestão Sustentável dos Recursos Hídricos
 
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008
Ivanildo hespanhol novo_paradigma_grh_2008
 
Apresentação rio guandu - T.I.G
Apresentação  rio guandu - T.I.GApresentação  rio guandu - T.I.G
Apresentação rio guandu - T.I.G
 
Recursos Hidricos no Brasil
Recursos Hidricos no BrasilRecursos Hidricos no Brasil
Recursos Hidricos no Brasil
 
Aquíferos - UNESP Ciência
Aquíferos - UNESP CiênciaAquíferos - UNESP Ciência
Aquíferos - UNESP Ciência
 
Hidrologia analítica aula1
Hidrologia analítica aula1Hidrologia analítica aula1
Hidrologia analítica aula1
 
Água
ÁguaÁgua
Água
 
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_
(158326828) 11 qualidade das-aguas_apostila_11_1_
 
Trabalho Interdisciplinar de Grupo
Trabalho Interdisciplinar de GrupoTrabalho Interdisciplinar de Grupo
Trabalho Interdisciplinar de Grupo
 
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...
AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO IMPACTO SOCIOAMBIENTAL NO RIO CAUAMÉ – PRAIA DA ...
 
Trabalho final pronto 30-11-10
Trabalho final pronto   30-11-10Trabalho final pronto   30-11-10
Trabalho final pronto 30-11-10
 
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campelo
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campeloConflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campelo
Conflito pela água entre o urbano e o rural no sistema lagoa do campelo
 
Meioambiente2questoes
Meioambiente2questoesMeioambiente2questoes
Meioambiente2questoes
 
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singa
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singaGestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singa
Gestão participativa dos recursos hídricos da bacia da lagoa do campelo singa
 
Aula 1
Aula 1Aula 1
Aula 1
 
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009
Resumo Executivo Painel De Especialistas Out2009
 
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piaui
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piauiusos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piaui
usos-multiplos-da-agua-na-bacia-do-rio-guaribas-piaui
 
Enem2010 1dia
Enem2010 1diaEnem2010 1dia
Enem2010 1dia
 

En vedette (8)

Drenagem
DrenagemDrenagem
Drenagem
 
Urbanismo bairro pinheiro slide
Urbanismo bairro pinheiro slideUrbanismo bairro pinheiro slide
Urbanismo bairro pinheiro slide
 
Aula 9 pa
Aula 9 paAula 9 pa
Aula 9 pa
 
Concessão Urbanistica Nova Luz, São Paulo
Concessão Urbanistica Nova Luz, São PauloConcessão Urbanistica Nova Luz, São Paulo
Concessão Urbanistica Nova Luz, São Paulo
 
Projeto horta comunitária
Projeto horta comunitáriaProjeto horta comunitária
Projeto horta comunitária
 
20101217 nova luz_pmsp_smdu
20101217 nova luz_pmsp_smdu20101217 nova luz_pmsp_smdu
20101217 nova luz_pmsp_smdu
 
Projeto Nascentes Urbanas - Atualização 2014
Projeto Nascentes Urbanas - Atualização 2014Projeto Nascentes Urbanas - Atualização 2014
Projeto Nascentes Urbanas - Atualização 2014
 
Tcc exemplo - Esqueleto
Tcc   exemplo - EsqueletoTcc   exemplo - Esqueleto
Tcc exemplo - Esqueleto
 

Similaire à Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo

Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios
Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédiosDegradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios
Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédiosammgar
 
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...grupoc1
 
Samuel Barrêto
Samuel BarrêtoSamuel Barrêto
Samuel Barrêtoambev
 
ANÁLISE AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU
ANÁLISE  AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU  ANÁLISE  AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU
ANÁLISE AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU Luciano Soprani
 
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...Leidiana Alves
 
Considerações sobre o clima e os recursos hídricos
Considerações sobre o clima e os recursos hídricosConsiderações sobre o clima e os recursos hídricos
Considerações sobre o clima e os recursos hídricosHelvecio Filho
 
recursosmaritimos_2.doc
recursosmaritimos_2.docrecursosmaritimos_2.doc
recursosmaritimos_2.docAida Cunha
 
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas Brasileiras
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas BrasileirasHidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas Brasileiras
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas BrasileirasSaulo Lucena
 
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...Saulo Lucena
 
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudas
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudasAmbiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudas
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudasGEOLOGIAINFOCO
 
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAA
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAAProjeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAA
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAApATRICK817591
 
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCOTRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCOConceição Fontolan
 
Um pouco sobre a Lagoa da Pampulha
Um pouco sobre a Lagoa da PampulhaUm pouco sobre a Lagoa da Pampulha
Um pouco sobre a Lagoa da PampulhaAdriana Gotschalg
 

Similaire à Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo (20)

Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios
Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédiosDegradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios
Degradação da lagoa e sua relação com o gabarito dos prédios
 
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...
A NOSSA VIAGEM AO ENCONTRO DO CONHECIMENTO...
 
Daniel grisotto
Daniel grisottoDaniel grisotto
Daniel grisotto
 
Informativo insp 72
Informativo insp   72Informativo insp   72
Informativo insp 72
 
Samuel Barrêto
Samuel BarrêtoSamuel Barrêto
Samuel Barrêto
 
O caminho das águas março 16
O caminho das águas  março 16O caminho das águas  março 16
O caminho das águas março 16
 
ANÁLISE AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU
ANÁLISE  AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU  ANÁLISE  AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU
ANÁLISE AMBIENTAL DO RIO PIRAQUÊ-AÇU
 
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...
A dinâmica dos fluxos dos canais artificiais e a qualidade das águas no baixo...
 
Considerações sobre o clima e os recursos hídricos
Considerações sobre o clima e os recursos hídricosConsiderações sobre o clima e os recursos hídricos
Considerações sobre o clima e os recursos hídricos
 
Relatório
RelatórioRelatório
Relatório
 
recursosmaritimos_2.doc
recursosmaritimos_2.docrecursosmaritimos_2.doc
recursosmaritimos_2.doc
 
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas Brasileiras
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas BrasileirasHidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas Brasileiras
Hidrografia- Principais partes de um rio; Bacias Hidrográficas Brasileiras
 
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...
Hidrografia: a água no Planeta Terra - Estudo dos rios brasileiros e bacias h...
 
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudas
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudasAmbiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudas
Ambiente sedimentar fluvial e o ribeirão arrudas
 
Artigo_Bioterra_V22_N1_09
Artigo_Bioterra_V22_N1_09Artigo_Bioterra_V22_N1_09
Artigo_Bioterra_V22_N1_09
 
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAA
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAAProjeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAA
Projeto Rio Tamanduateí.pptxAAAAAAAAAAAAAAAAA
 
Sma cartilha nascentes_pag1_10
Sma cartilha nascentes_pag1_10Sma cartilha nascentes_pag1_10
Sma cartilha nascentes_pag1_10
 
10
1010
10
 
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCOTRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
 
Um pouco sobre a Lagoa da Pampulha
Um pouco sobre a Lagoa da PampulhaUm pouco sobre a Lagoa da Pampulha
Um pouco sobre a Lagoa da Pampulha
 

Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo

  • 1. Artigos Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo Pérola Felipette Brocaneli Doutora em Paisagem e Ambiente – FAU-USP; Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Mackenzie. São Paulo – SP [Brasil] perola@mackenzie.br Monica Machado Stuermer Doutora em Engenharia Ambiental – POLI-USP; Professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Mackenzie; São Paulo – SP [Brasil] mstuermer@mackenzie.br A cidade de São Paulo tem grande parte de suas áreas úmidas drenadas e aterradas. A ocupação das várzeas traz diversos problemas para o município, comprometendo a paisagem natural dos rios e córregos. Os problemas abrangem desde a interrupção dos processos ecossistêmicos até questões de dre- nagem superficial. A reabertura de alguns trechos dos rios e córregos do município talvez contribua para a conscientização ambiental dos paulistanos, principalmente a respeito da loca- lização dos rios e da péssima condição das águas. A abertura dos canais como solução para o retardo do escoamento das águas superficiais tem sido avaliada como menos dispendiosa do que a construção e manutenção de piscinões. Este pode ser o início de um processo de valorização das áreas úmidas do município de São Paulo, mesmo que de maneira indireta. Palavras-chave: Drenagem. Identidade ambiental. Renaturalização. Rios. São Paulo. Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 147
  • 2. 1 Introdução qüência a impermeabilização do solo, que fun- cionava como sistema de armazenamento natural A paisagem natural da cidade de São Paulo das águas. Acrescenta-se a esse problema a prática na época de sua fundação era composta por re- de canalizações dos rios e córregos, alterando o cursos naturais em harmonia com a estrutura e comportamento das enchentes e exigindo cada vez identidade local (LYNCH, 1988). mais medidas para disciplinar e conter as águas. A região, parte do bioma da Mata Atlântica, Neste trabalho, pretende-se estudar a forma apresentava, inicialmente, grande riqueza em água como a cidade perdeu a relação com suas águas e doce, em razão da profusão de nascentes entreme- a percepção do território, em especial das áreas de adas a um “mar de morros” (AB’SABER, 2003), várzea. Busca-se também propor um resgate dos responsáveis pela formação e manutenção de inú- rios e córregos na paisagem urbana, por meio de meros rios e córregos que se espraiavam em planí- outras formas de ocupação das áreas inundáveis cies e várzeas, compondo, assim, as áreas úmidas da cidade. das “terras baixas” da região. A Figura 1 apresenta, parcialmente, o farto sistema hídrico e a grande extensão de áreas de 2 Histórico da ocupação das inundação do município de São Paulo. áreas úmidas do município de São Paulo A maior parte do território do município de São Paulo localiza-se em um planalto sobre uma bacia sedimentar, de topografia amena, circunda- da por terras altas e serras (AB’SABER, 2007). O farto sistema hídrico e a topografia amigável do espigão central (com cotas variando de 800 a 820 metros) impulsionaram a ocupação original da co- lina histórica de São Paulo e direcionaram sua ex- pansão territorial ao longo de seus vales (PRADO Figura 1: 1650 – vista do Vale do rio Tietê a partir do encontro com o Jurubatuba (atual Pinheiros) JR., 1972). Fonte: Aziz Ab’ Saber apud Alvim, 2003, p. 222. Os rios paulistanos fugiam aos mercados ex- portadores, que rumavam em direção ao interior do país, e não à costa brasileira. Passaram a ser A proximidade da água foi fator preponde- utilizados apenas no século XVIII pela monções, rante para a escolha do território a ser ocupado, que se constituíam em frotas comerciais a fim de uma vez que, ao mesmo tempo, o rio e a várzea transportar alimento às minas de Goiás e Mato proporcionavam alimento e proteção à província. Grosso. Para as bandeiras, o rio representava um Em meio a esse cenário, iniciou-se a urba- obstáculo à marcha, e seu uso era ocasional; já nização de uma das maiores megacidades da para as monções, era a regra, um disciplinador do atualidade. movimento1. Os rios Tietê e Tamanduateí foram No entanto, o processo de urbanização, ocor- muito importantes durante o período de coloni- rido a partir dos anos 1960, trouxe como conse- zação brasileira, pois por meio deles iniciou-se a 148 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
  • 3. Artigos exploração do interior brasileiro, por parte das No rio Bexiga, não existia represamento, sen- tropas conduzidas por bandeirantes. do sua contribuição direta ao rio Anhangabaú. O Durante a travessia pelas terras e paragens rio Saracura teve suas águas represadas, formando paulistas, já nos idos do século XVIII, os relatos o Tanque Reúno. Não tão próximo às nascentes, de viajantes apresentavam claramente as interven- também reunia quantidade de água considerável ções antrópicas (LANGENBUCH, 1971). Não e abastecia o Chafariz do Piques, por meio de seu seria possível instalar uma província ou uma ci- reservatório, a Bacia da Pirâmide. As águas eram dade em meio a um ambiente totalmente natural aduzidas pelo Morro do Chá e bairro de Santa sem abrir clareiras, construir estradas, edificações Ifigênia, para alimentar o lago central do Jardim para habitação e produção de bens, tais como ar- Botânico – atual Jardim da Luz. mazéns para troca e estocagem de mercadorias. O Tanque do Zuniga era conhecido por Na paisagem da imperial cidade de São Paulo, Praça das Alagoas, e abrigava as nascentes for- havia muitos rios e córregos; no entanto, foi no madoras do rio Yacuba, que, em seu trajeto até o rio Anhangabaú, recolhia as águas de quali- entorno de alguns que a cidade se desenvolveu ini- dade duvidosa da Bica do Acu. O dessecamento cialmente, utilizando-os nos primeiros processos do Tanque do Zuniga transformou a Praça das de abastecimento da população. Alagoas no Largo do Payssandu, e o encaminha- A cidade imperial de São Paulo desaguava mento das águas foi feito em canos de ferro até a grande parte de seus recursos hídricos na bacia do Rua Payssandu. rio Tamanduateí, um dos principais afluentes do Contribuindo para esse cenário de desse- rio Tietê, e de grande extensão e abrangência. camento da cidade, o desenvolvimento da trama O principal afluente do rio Tamanduateí na urbana drenou diversos rios e córregos e estrutu- área central e histórica era o rio Anhangabaú, rou a rede de transporte por meio dos fundos de que recebia as contribuições dos córregos Yacuba, vale, como é o caso da Avenida Nove de Julho, Saracura e Bexiga. Desaguando a montante do construída sobre o leito do rio Saracura; Avenida rio Anhangabaú havia os rios Cabuçu Pequeno e 23 de Maio, sobre o rio Anhangabaú; Avenida Cabuçu de Cima – este recebia as águas do Cabuçu dos Estados, sobre o rio Tamanduateí; Avenida de Baixo. As águas do Tanque do Arouche esco- Pacaembu, sobre o córrego do Pacaembu, e outros avam contribuindo para formação do Córrego tantos corpos hídricos da cidade que foram supri- do Carvalho, que desaguava a jusante do rio midos da leitura paisagística. Anhangabaú no rio Tamanduateí. A modernização da paisagem (ALVIM, O rio Anhangabaú teve suas nascentes repre- 2006) não se restringe ao território da cidade, mas sadas, formando os tanques Municipal e de Santa abrange a extensão ao longo dos rios e córregos, Teresa, no antigo Morro do Caaguaçu, na altura pois os rios, além de potenciais reservas para o do Paraíso. Esses dois tanques foram as primeiras abastecimento das populações, logo são visualiza- alternativas de abastecimento da cidade e, por- dos como potencial hidroelétrico, principalmente tanto, motivo de estudo para possível regulari- em um momento em que a cidade de São Paulo vive zação da vazão destinada aos diversos chafarizes a industrialização e a modernização dos serviços de abastecimento existentes em 1884. No entan- urbanos, e a atenção política está voltada para a to, não havia potencialidade hídrica para tanto criação de infra-estrutura necessária à expansão (GASPAR, 1970). econômica da cidade e do estado. Projeta-se, en- Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 149
  • 4. tão, a transformação da paisagem para adequar As vias marginais, consolidadas sobre os a natureza às necessidades do desenvolvimento antigos acessos dos clubes aos rios, descaracte- econômico. rizaram a paisagem natural das várzeas, espaços O fim do século XIX e a primeira metade de convivência nos quais se podia admirar o pôr- do século XX foram momentos tecnocentristas do-sol espelhado nas águas dos rios, os barcos a (SARAIVA, 1999), nos quais todas as alternativas remo e as competições de natação. econômicas giraram em torno do desenvolvimento A partir do Plano de Avenidas, de Prestes de técnicas. A Light, ao receber a concessão para Maia, em 1930, os fundos de vale foram vistos explorar o Alto Tietê, comprometeu-se a estabe- como solução para a ampliação do sistema viá- lecer uma hidrovia que atingisse o alto da Serra rio urbano, transformando o sistema hídrico da do Mar para escoamento de mercadorias por meio cidade e trazendo novas complicações para a as dos rios Tietê, Pinheiros e Grande. Os rios eram questões de drenagem do território. vistos também como vias de comunicação secun- Vários planos para resolver os problemas dárias à estrada de ferro, e seriam utilizados no da drenagem no município se sucederam, mas, caso da inacessibilidade às ferrovias, em razão das como sempre, eram projetos de longa duração. grandes distâncias entre as fazendas produtoras A evolução da ocupação urbana exigiu a suces- de café e os troncos ferroviários centrais. siva revisão das vazões de projeto. Por exemplo, Em 1924, apesar da discutida poluição do no trecho do rio Tietê compreendido entre a foz rio Tietê, foi realizada a primeira travessia de São do Tamanduateí e o município de Osasco, a va- Paulo a nado. No entanto, muitos clubes, perce- zão de projeto do plano de 1894 era de 174 m3/ bendo a situação de poluição crescente dos rios, s, passando a 400 m3/s no projeto de Saturnino optaram por construir piscinas particulares em Brito (1925); 650 m3/s, no Plano Hibrace (1968), vez de lutar pelo direito ao direito desse recurso e 1.188 m3/s, no Projeto Promon, de 1986. Os natural. A poluição e a retificação dos rios, as- estudos de enchentes elaborados pelo Consórcio sim como as proibições de banhos nus, causaram Hidroplan (1995) já indicaram valores cerca de abandono da prática de natação. 20% superiores aos obtidos no Projeto Promon. A mesma defasagem entre capacidades e deman- Com o final da disputa da Travessia de São Paulo a Nado do Tietê em 1944, das hidrológicas também é verificada em diver- encerrou-se um ciclo na história da sos rios e córregos que sofreram intervenções aquática paulista, em que o rio teve na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) presença marcante. […] A suspensão (DAEE,1998). daquela prova correspondeu ao ates- Em quase todos os processos de trans- tado de óbito do rio, cujo significado formação da paisagem ocorridos no município para a natação paulista tinha come- de São Paulo, a vegetação foi praticamente di- çado a declinar quando a A. A. São zimada, e a água dos rios, como elemento da Paulo, o Clube Espéria, o Sport Club paisagem, também sofreu diversas descaracte- Germania e o Clube de Regatas do rizações. A cidade não soube respeitar a natu- Tietê construíram suas piscinas no reza, não conservou seus rios e ribeirões; ao período compreendido entre 1929 e contrário, escondeu-os em grossas tubulações 1934. (NICOLINI, 2001, p. 106). sob a terra. 150 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
  • 5. Artigos 3 Renaturalização de rios e de um melhor e mais rápido escoamento das águas córregos no município de pluviais e fluviais do município. São Paulo O Projeto Tietê, executado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), é uma das As principais zonas de vida silvestre (ODUM, maiores obras de drenagem urbana do Brasil e faz 1988) geralmente estão lindeiras à cidade, sendo, parte do Programa de Combate às Inundações da muitas vezes, coincidentes com áreas naturais ou Região da Grande São Paulo. O Projeto é uma Áreas de Preservação Ambiental (APAs). Os sis- parceria do Governo de São Paulo com o Japan temas hídricos, que têm suas nascentes nessas Bank for International Cooperation (JBIC) que áreas, no processo de expansão do tecido urbano financia 75% das obras. O leito do rio Tietê foi são contaminados ou poluídos, ou até dizimados, aprofundado, em média, 2,5 m, numa extensão obrigando a busca por água em áreas mais dis- de 24,5 km. A largura das margens foi aumentada tantes – o que onera a infra-estrutura da cidade. de 26 m para até 45 m, dando ao rio o dobro da O rio Tietê, que é o principal corpo hídrico do capacidade de vazão. Estado de São Paulo, no trecho em que atravessa O escoamento do município de São Paulo a capital, distando apenas 150 km de sua nascen- deve obedecer às diretrizes do Plano Diretor te em Salesópolis, encontra-se altamente poluído Metropolitano do Alto Tietê (PDMAT, 1998), (BROCANELI, 1998). que, por meio do estudo dos hidrogramas dos di- Visando primordialmente ao combate às versos afluentes do rio Tietê, estabeleceu vazões enchentes na RMSP, por meio de uma aborda- máximas a serem lançadas no rio em períodos de gem integrada dos problemas em todas as prin- chuva crítica. cipais sub-bacias da bacia hidrográfica do Alto Segundo o DAEE, o Plano Diretor de Tietê, em 1998 foi elaborado o Plano Diretor de Macrodrenagem (1998) visa diagnosticar os pro- Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê, que busca blemas existentes ou previstos no horizonte do complementar as obras de melhoria hidráulica dos projeto (2020) e determinar, do ponto de vista rios Tietê e Tamanduateí. O Plano Diretor, em sua técnico-econômico e ambiental, as soluções mais estruturação atual, contempla soluções para as se- interessantes. Tais soluções não envolvem apenas guintes bacias: obras, mas também recomendações quanto ao ge- renciamento da drenagem, o disciplinamento de • Bacia do rio Tamanduateí (estão incluídas as uso e ocupação do solo, educação ambiental e ou- sub-bacias dos ribeirões dos Meninos e Couros tras medidas não-estruturais. e do córrego do Oratório); O Plano introduziu como uma das premissas • Bacia do córrego Pirajuçara; fundamentais para o desenvolvimento dos estudos • Bacia do rio Aricanduva e Calha do rio Tietê; e diagnósticos a fixação do conceito da chamada • Bacia do ribeirão Vermelho; vazão de restrição. • Bacia do Médio Juqueri; Há um limite físico para expansão e aumento • Bacia do rio Baquirivu. da capacidade hidráulica de escoamento dos prin- cipais cursos d’água drenantes da bacia do Alto Recentemente, concluíram-se as obras para o Tietê, como é o caso específico das calhas dos rebaixamento do leito do rio Tietê e também para rios Tietê e Tamanduateí. Uma vez diagnosticada a impermeabilização das margens, tudo em prol a capacidade restritiva de um determinado curso Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 151
  • 6. d’água, busca-se um conjunto de obras adequado fundo de vale, expandindo e reforçando o padrão a sua sub-bacia correspondente, de forma que sua de ocupação das áreas úmidas da cidade. No en- vazão de restrição não seja ultrapassada. tanto, há de se ressaltar que o PROCAV 1 iniciou Uma das soluções tecnocêntricas adotadas a implantação de suas diretrizes em 1987, quan- pelo município de São Paulo foi a construção de do as questões ambientais já estavam em pauta uma série de reservatórios a montante das cheias, no cenário mundial, mas ainda não havia maior para estabilizar o escoamento. Tais reservatórios, consciência das questões ambientais urbanas. Já denominados popularmente de piscinões, atuam o PROCAV 2, de 1994, foi um investimento que na contenção de grande parte das águas que de- não considerou as questões ambientais urbanas veriam estar infiltrando-se no solo para o equilí- e/ou conceitos ecossistêmicos aliados à ecolo- brio do ciclo hidrológico e dos lençóis freáticos, gia da paisagem e às diretrizes de planejamento e que, escoando rapidamente até o leito do prin- ambiental para a formação das cidades sustentá- cipal rio do sistema hídrico da cidade, o Tietê, veis, contemplados na AGENDA 21, produto da causam cheias e extrapolam o volume previsto no Conferência das Nações Unidades para o Meio Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD – (PDMAT) (CANHOLI, 2007)3. ECO-92, Rio de Janeiro). Associada aos reservatórios, a administração Tanto o PROCAV 1 quanto o PROCAV 2 municipal criou dois Programas de Canalização utilizaram sistemas de canalização associados aos de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação reservatórios de contenção de cheias, conhecidos Ambiental e Social dos Fundos de Vale, respecti- popularmente como “piscinões”. No entanto, são vamente denominados PROCAV 1 e PROCAV 2. poucos os sistemas que se utilizam de canalizações O PROCAV 1 foi um programa da Prefeitura associadas aos reservatórios do tipo “piscinão” da Cidade de São Paulo, de obras múltiplas realiza- que não apresentam problemas de manutenção ou das em bacias hidrográficas do município, inicia- extravasão. Um exemplo bem-sucedido é o sistema do em 1987 com a canalização de nove córregos, executado na região de Higienópolis/Consolação, num total de 27,9 km de canais, 23,8 km de aveni- zona oeste do município. das, remoção de 1.590 famílias e 995 imóveis das O ribeirão do Pacaembu foi canalizado na áreas de intervenções das obras. O PROCAV 2, iniciado em 1994, contemplou a canalização de 11 década de 1920-1930, quando a Cia. City deu iní- córregos distribuídos pelas zonas leste, norte e sul cio à urbanização do vale. Entretanto, anos mais do município de São Paulo, totalizando 35,4 km tarde, em razão do desenvolvimento urbano e da de córregos canalizados, 36,6 km de vias margi- conseqüente impermeabilização da área de sua mi- nais paralelas ao longo desses córregos, a constru- crobacia do ribeirão do Pacaembu, houve necessi- ção de oito reservatórios de detenção, a remoção dade de um projeto complementar de drenagem de 4.500 famílias, a desapropriação de cerca de para a solução das cheias. Esse projeto, executado novecentos imóveis das áreas de intervenção das em 1992, incluiu um reservatório de amorteci- obras, a urbanização de três favelas e a implanta- mento de cheias sob a Praça Charles Miller, o pri- ção de 29 praças públicas.4 meiro “piscinão” construído na cidade. O projeto Segundo Brocaneli (2007), esses programas também previu a readequação do sistema de dre- contribuíram tanto para a canalização de cór- nagem, com recuperação das galerias existentes, regos quanto para a construção de avenidas de direcionando-as para o reservatório. 152 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
  • 7. Artigos Os piscinões, quando em áreas urbanas de ocupação consolidada, apresentam uma vazão de montante estável, enquanto na periferia da cida- de, devido ainda às possibilidades de expansão, há constantes acréscimos de vazão que ultrapassam a capacidade projetada para o sistema. Além disso, existe falta de manutenção e limpeza, o que, por vezes, transforma alguns locais em áreas sanita- riamente impróprias, inviabilizando o tratamento paisagístico e/ou ecossistêmico. Essa política de sistema de macrodrenagem aplicada ao município de São Paulo se baseia Figura 2: diferenças no amortecimento do hidrograma de enchente em razão de no conceito de escoar, o mais rápido possível, a modificações no percurso do curso de água água precipitada. Esse princípio foi abandonado Fonte: Rio de Janeiro (Estado), 2001, p. 57. pelos países desenvolvidos no início da década de 1970 (TUCCI, 2003). A conseqüência ime- O tema vem ganhando importância, mas ain- diata dos projetos baseados neste conceito é o da é muito discutido e alvo de muitas divergências. aumento das inundações a jusante decorrentes A renaturalização dos rios e córregos permite não da canalização. À medida que a precipitação só o espraiamento das águas pluviais remetidas ao ocorre, e a água não é infiltrada no solo, o vo- sistema, mas também o amortecimento do pico lume escoa pelos condutos do sistema de dre- do hidrograma de vazão, evitando ou reduzindo nagem. A retificação de um córrego aumenta a as inundações de forma natural, como ressaltou velocidade das águas e o pico do hidrograma de o presidente da Agência da Bacia do Alto Tietê, jusante, podendo causar verdadeiras catástrofes Julio Cerqueira Cesar Neto (FOLGATO, 2006). em relação à inundação. Segundo Tucci (2003), Os estudos que estão sendo desenvolvi- países desenvolvidos verificaram que os custos dos pela Secretaria Municipal do Verde e Meio de canalização eram muito altos e abandonaram Ambiente para a abertura de vários córregos pela esse tipo de solução no início dos anos 1970, cidade também são relatados, ainda que de for- enquanto os países em desenvolvimento adotam ma breve, por Folgato (2006). Entre eles está o sistematicamente essas medidas, perdendo duas córrego Itororó, localizado sob o canteiro central vezes, pois têm custos muito maiores e aumento da Avenida 23 de Maio, entre os Viadutos Paraíso dos prejuízos. Diante da complexidade das questões de e Brigadeiro Luís Antonio, como alternativa à drenagem do município, e considerando as ques- construção dos dois piscinões subterrâneos nas tões levantadas, surge a descanalização ou a re- Praças da Bandeira e 14 Bis, rejeitados pelo ór- naturalização de alguns rios e córregos da cidade gão ambiental em janeiro de 2006. Ainda segundo de São Paulo, como um sistema alternativo de Folgato (2006), as primeiras renaturalizações de macrodrenagem. Entende-se por renaturalização córregos não prevêem desapropriações e custa- de rios o processo de trazer ao rio sua condi- riam bem menos do que a construção de piscinões ção mais natural ou original possível (SOUZA; (não há menção aos valores da obra). Áreas den- KOBIYAMA, 2003). samente ocupadas não estariam englobadas nesses Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 153
  • 8. estudos, pois não se deseja, a princípio, promover equilíbrio ambiental no espaço da cidade é um desapropriações. dos fatores para o desenvolvimento das cidades No entanto, o presidente da Agência da sustentáveis. Bacia do Alto Tietê, Julio Cerqueira Cesar Neto, não acredita nessa proposta, e ressalta que, no caso da Avenida 23 de maio, a Prefeitura não 4 Considerações finais deverá alcançar o mesmo sucesso obtido com os piscinões anteriormente previstos, que são de A cidade de São Paulo se expandiu além dos grande porte. limites naturais do território, extrapolando as ta- Ainda em relação ao córrego Itororó e seus xas de impermeabilização sobre as áreas permeá- canais, levantam-se aqui algumas questões: veis da cidade, dessecando e aterrando as várzeas dos rios e córregos, áreas frágeis que deveriam ser • Onde se localizam as nascentes desses rios e mantidas úmidas para equilibrar a recarga do len- como serão preservadas as áreas de manan- çol freático. ciais desses cursos d’água e córregos? A ausência de diretrizes ambientais nos pro- • Com a drenagem das áreas úmidas e o conse- cessos de planejamento urbano desenvolvidos na qüente rebaixamento do lençol freático, esses cidade colaborou para que não se resguardassem rios ainda apresentariam volume d’água? os recursos naturais necessários ao bom, belo e • De que forma se espera recuperar a qualida- saudável desenvolvimento da cidade. de da água destes córregos? Mesmo com todas as modificações no uso • Como se daria o espraiamento da água do e ocupação do solo e os novos planos diretores, córrego na época das cheias, uma vez que o uso do fundo de vale com sistema viário conti- sua planície de inundação extrapola a área nua sendo implantado no Município de São Paulo, do canteiro central da Avenida 23 de Maio? apesar de apresentar pouca eficácia na solução dos problemas de acessibilidade e mobilidade da Ações urbanas na macroescala, tais como o população, trazendo, sim, complicações quanto às gerenciamento de recursos hídricos e o conseqüen- questões de drenagem do território. te tratamento dessa paisagem, devem ser projeta- Os estudos hidrológicos, necessários e dese- das, considerando as questões ecossistêmicas por jáveis quando se analisa a questão de drenagem, meio do instrumento de planejamento ambiental representam modelos indicativos do funciona- (FRANCO, 2000), para tornar possível a valori- mento do ciclo hidrológico, e os parâmetros ob- zação e o reconhecimento da identidade ambien- tidos deveriam ser analisados com ressalvas, es- tal de um território (BROCANELI, 2007). 5 pecialmente em áreas urbanas onde a paisagem se Ainda segundo Brocaneli (2007), parece ser altera com velocidade, impondo modificações sig- de grande importância o ressurgimento da água nificativas nas características da bacia hidrográ- na paisagem paulistana, não somente como ate- fica. Observa-se que, quando ocorrem falhas de nuante das cheias, mas também como elemento projeto ou estes são superados pelas modificações de integração na relação homem x natureza. A das características da bacia hidrográfica, as solu- exposição das águas na paisagem da cidade e ções adotadas consistem na revisão dos cálculos e seu reconhecimento é uma necessidade tanto ur- readequação do sistema, sem a análise ou conside- bana e paisagística quanto ecossistêmica, pois o ração de outras soluções. 154 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.
  • 9. Artigos Observa-se que a apresentação de projetos maintenance of flood detention reservoir. This de renaturalização que não prevêem espaços para can be the beginning of a process of valorization a recuperação da vegetação e do traçado meân- of the humid areas of São Paulo, even though of indirect way. drico do rio ao longo de suas margens é tão ina- dequada quanto os projetos de canalização de Key words: Draining. Environmental identity. Renaturalization. Rivers. São Paulo city. um curso d’água. A renaturalização dos córregos pode ser vis- ta não somente como uma solução de drenagem Notas urbana, mas também como uma grande oportu- 1 Sergio Buarque de Holanda definiu os rios como “disciplinadores do movimento” no livro A água no olhar da nidade para o ressurgimento das águas na cida- história. SÃO PAULO [Estado], 1999, p. 12. de, no que se refere à formação de um sistema de 2 Aluisio Pardo Canholi, professor doutor, coordenador umidificação, refrigeração e áreas verdes urbanas técnico do PDMAT pelo Consórcio Enger-CKC e diretor da Hidrostudio Engenharia Ltda. O Plano aliadas ao lazer e ao turismo, a fim de proporcio- Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê. Disponível em: <http://www.brasilengenharia.com.br/ nar viabilidade econômica para a implantação e PlanoDiretorMacrodrenagem548.htm>. Acesso em: 28 nov. manutenção dessas áreas. 2007. Acredita-se que o verdadeiro dilema que se 3 Dados disponíveis em: <http://portal.prefeitura.sp.gov. br/secretarias/infraestruturaurbana/piscinoes/0014>. Acesso impõe à gestão das águas, nos processos de aber- em: 4 nov. 2006. tura de rios e córregos, quando se busca a cidade 4 Dados disponíveis em: <http://portal.prefeitura.sp.gov. br/secretarias/infraestruturaurbana/piscinoes/0014>. Acesso sustentável, é a necessidade de reintegrar o rio à em: 4 nov. 2006. bacia hidrográfica à qual pertence, de forma que 5 A identidade ambiental é entendida como um conjunto esta possa sustentar o córrego quando descanali- de fatores ambientais que oferece ao local uma paisagem diferenciada das demais, por vezes única no mundo. zado, por meio de processos naturais que equili- brem a recarga do lençol freático e a condução das águas superficiais. Referências AB’SABER, A. N. Geomorfologia do sítio urbano de Renaturalization of rivers and São Paulo. Edição fac-similar – 50 anos. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. 349 p. streams in São Paulo city _______. Os domínios de natureza no Brasil: The city of São Paulo has great part of its humid potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, areas drained and filled with earth. The occu- 2003. pation of fertile valleys brings diverse problems ALVIM, A. T. B. A contribuição do Comitê do Alto for the city, compromising the natural landscape Tietê à gestão da Bacia Metropolitana: 1994-2001. of the rivers and streams. The problems enclose 2003. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- since the interruption of the environmental Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de processes to questions of superficial draining. São Paulo, São Paulo, 2003. Perhaps the reopening of some stretches of the ______. et al. A modernidade e os conflitos rivers and streams of the city contributes for the socioambientais em São Paulo: um olhar sobre o Plano ambient awareness of the citizens of Sao Paulo, Diretor Estratégico Municipal. In: ENCONTRO DA ANPPAS, 3. 2006. Brasília, DF: 23 a 26 de maio de mainly regarding the localization of the rivers 2006. and bad condition of waters. The opening of the canals as solution for the retardation of the BROCANELI, P. F. A incorporação da água no draining of superficial waters has been evalu- ambiente urbano da cidade de São Paulo. 1998. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)- ated as less expensive than the construction and Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 1998. Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 155
  • 10. ______. O ressurgimento das águas na paisagem NICOLINI, H. Tietê: o rio do esporte. São Paulo: Phorte paulistana: fator fundamental para a cidade sustentável. editora, 2001. 2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2007. Koogan,1988. CANHOLI, A. P. O Plano Diretor de PRADO JR., C. O fator geográfico na formação e Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê. Disponível desenvolvimento da cidade de São Paulo. In: ______. em: <http://www.brasilengenharia.com.br/ Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, PlanoDiretorMacrodrenagem548.htm>. Acesso em: 1972. 28/11/2007. RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Estado DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. (DAEE). Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia Revitalização de rios: orientação técnica. Rio de Janeiro: do Alto Tietê, 1998. Disponível em: <http://www.daee. SEMADS, 2001. (Projeto Planagua Semads GTZ, de sp.gov.br>. Acesso em: 26/10/2007. Cooperação Técnica Brasil/Alemanha). FOLGATO, M. Reabertura de córregos que correm SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. A sob as galerias das avenidas é alternativa à construção água no olhar da história. São Paulo, 1999. p. 12. de piscinões. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 17 abr. SARAIVA, M. G. A. O rio como paisagem: gestão 2006. Caderno Metrópole: 23 de Maio terá córrego de novo. de corredores fluviais no quadro do ordenamento do território. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. FRANCO, M. A. R. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo, Annablume: Fapesp, SOUZA, D. P.; KOBIYAMA, M. Ecoengenharia em 2000. zona ripária: renaturalização de rios e recuperação de vegetação ripária. In: WAGNER, A. SEMINÁRIO DE GASPAR, B. Fontes e chafarizes de São Paulo. São HIDROLOGIA FLORESTAL, ZONAS RIPÁRIAS. 1., Paulo: IOESP, 1970. 2003, Florianópolis: PPGEA/UFSC, 2003. v. 1. p. 121- LANGENBUCH, J. R. A estruturação da Grande São 131. Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1971. TUCCI, C. E. M. Parâmetros do Hidrograma Unitário LYNCH, K. A imagem da cidade. Lisboa: Lousanense, para bacias urbanas brasileiras. RBRH, Porto Alegre, v. 1988. 8, n. 2, p.195-199, 2003. Recebido em 7 fev. 2008 / aprovado em 7 abr. 2008 Para referenciar este texto BRONCANELI, P. F.; STUERMER, M. M. Renaturalização de rios e córregos no município de São Paulo. Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008. 156 Exacta, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 147-156, jan./jun. 2008.