1. A Arte e o Tempo
D. Luci
MEMÓRIAS
Profª Rose Silva
E. E. Prof. Francisco Alves
Brizola
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2. O HUMANO NA CIDADE
Como parte do projeto A Cidade que é a nossa cara
– A Arte e o Tempo, elaboramos um livro que narra
a vida de um morador da cidade, pois entendemos
que tão ou mais importante que o patrimônio
arquitetônico e natural das cidades, são as pessoas
que nela moram, com suas memórias, histórias e
imaginários.
A cidade por excelência em meio a toda estrutura
social atropela o humano, o particular e torna-nos
de certa forma homogêneos e invisíveis.
Pretendemos voltar nosso olhar para as pessoas e
suas histórias; ouvi-las e recontá-las por meio da
sensibilidade artística de cada aluno envolvido no
projeto.
Trabalhamos com ações diretas multidisciplinares,
somando o potencial artístico de todos os alunos
envolvidos, para que possamos construir uma obra
coletiva dedicada a Cidade de Bauru, ressaltando a
importância que esta cidade tem para nós
bauruenses.
Voltamos a Arte a serviço do bem comum, de
acesso a todos, construindo a cidadania muitas
vezes ignorada, pela vida agitada que não olha para
o lado e não enxerga o humano.
Enfatizamos que mesmo neste ritmo alucinado das
cidades, com desequilíbrios sociais e realidades
antagônicas, também existe vida pulsante, vida que
inspira e que se refaz a cada novo traçar de trajeto,
de história e de Arte.
Para escolha do nosso personagem construímos um
mapa de conexões e tínhamos que identificar uma
pessoa que nos fosse comum, todos devíamos
conhecê-la para criarmos uma identidade emotiva
com o produto final. Para ilustrar, iniciamos tecendo
um rizoma dos nossos contatos via rede social,
utilizamos o Facebook e descobrimos que a pessoa
que está conectada a todos nós é uma senhora
muito querida por todos , a doce Dona Luci,
inspetora de alunos, a partir da escolha do
personagem iniciamos o trabalho.
Mais do que nunca, trata-se de enxergar o humano
que respira por entre as paredes de concreto da
cidade de Bauru, por meio do olhar sensível da
Arte, que revela que não há nada de impessoal nos
espaços urbanos, mas sim é palco onde acontecem
histórias que se entrelaçam e que habitam
lembranças de vida que são desenhadas no tempo.
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3. E tudo começou assim...
No dia 07 de Março de 1952,
nascia na casa da avó
materna Dona Arminda em
Pirajuí
uma
menininha
loirinha,
pequenininha,
chamada
Luci...que
foi
registrada no Cartório de São
Luís do Guaricanga, sendo a
quarta filha de um total de
seis irmãos...
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4. E tudo começou assim...
Deixe-me explicar: seus pais já tinham um menino, uma
menina, um menino, uma menina (ela), depois outro
menino e finalmente a caçula que era outra menina.
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5. Seus pais Cilas e Iraci eram muito humildes, porém
não lhes faltavam coisas materiais, coisas básicas,
eram muito felizes, pois tinham carinho, atenção,
boa educação e principalmente os ensinaram a
amar a Deus, amar ao próximo, serem sempre
honestos e verdadeiros. O pai não saía de casa
para trabalhar sem antes ler uma passagem da
Bíblia e orar com toda família...e assim eram uma
família abençoada
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6. A chegada em Bauru
Luci tinha dois anos quando seu pai que trabalhava numa
usina de leite em Nogueira mudou-se para Bauru e foram
morar numa casa alugada na Vila Cardia. Era uma casa de
madeira com uma área na frente e uma escada de
aproximadamente cinco degraus na porta da entrada.
Nessa época, 1954, era comum as casas serem assim. Luci
morou nessa casa até os 8 anos de idade, por volta de
1960.
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7. A chegada em Bauru
Ainda muito pequena,
Luci caiu em cima de
uma roseira que tinha
ao lado da escada que
dava na entrada da
casa.
O
mais
interessante é que a
roseira era grande e
mesmo ainda tão
pequena e caindo
daquela altura na
roseira
cheia
de
espinhos, Luci não se
feriu, não teve sequer
um arranhão...
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11. A fuga
Nesse período
seu pai, Senhor
Cilas, estava
trabalhando
como motorista
de transporte
coletivo; em
casa, Dona Iraci,
após dar banho
em Luci, pediu
que ela
aguardasse
sentada no
degrauzinho do
portão para ver
seu pai passar
com o coletivo,
no entanto...
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12. A fuga
...a
pequena
serelepe
desobedeceu sua mãe e saiu
andando pelas ruas da vila
Cardia. Quando seu pai
passou dirigindo o ônibus,
levou um susto, tremeu ao
ver sua menininha ainda tão
pequena, andando perdida
pelas ruas de paralelepípedo
do bairro...
Ficou desesperado. Não podia parar para socorrê-la, nem levá-la
de volta para casa, pois estava trabalhando, começou pedir à Deus
que cuidasse de sua menina e num golpe de sorte, ele avistou um
vizinho, pediu ao conhecido que a levasse de volta para a mãe e, só
então, pode trabalhar sossegado, agradecendo à Deus por impedir
que o pior acontecesse...
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13. Passado um tempo seu Cilas,
o pai de Luci virou barnabé,
apelido
carinhoso
aos
funcionários
públicos
municipais de cargos mais
baixos...
...ganhava pouco, mas na época
dos Dias das Crianças e Natal, ela
e seus cinco irmãos ganhavam
brinquedos
esses
eram
momentos de muita espera e
felicidade.
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14. A casa própria e os períodos de férias
Em 1960, seu Cilas
conseguiu com a ajuda de
amigos e parentes
finalmente construir a sua
casa própria no Jardim Bela
Vista, nessa casa Luci morou
dos oito anos até se casar.
Foi uma época feliz, Luci
estudava na Escola Estadual
Moraes Pacheco e não via a
hora de chegar o período de
férias escolares para irem
passear no sítio da família,
próximo a Pirajuí na cidade
de São Luís do Guaricanga
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15. A casa própria e os períodos de férias
... A ida ao sítio era uma
festa. Seu Cilas ia
dirigindo o carro da
família e quando por eles
na estrada, passavam
carros mais modernos e
luxuosos, Luci e seus
irmãos
ficavam
encantados, no entanto,
seu pai logo lhes dizia:
carro bonito é o nosso,
porque é ele que nos
leva onde queremos.
Luci afirma nunca ter
esquecido essa lição!
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16. A casa própria e os períodos de férias
O sítio, era um lugar onde não tinham muitos recursos, sem
água encanada, nem luz elétrica, a luz que tinham a noite era
a vinda de um lampião, beber e se banhar só com água de
mina... Mas, apesar de todos essas dificuldades, as férias no
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sítio era o mês mais gostoso da vida de Luci.
17. Na
barreirinha
No período das férias de
Janeiro, embora não fossem
ao sítio, não era motivo para
tristeza, pois morava ao lado
de sua casa um senhor
chamado Carlos, lá no Jardim
Bela Vista, ele convidava todas
as crianças, meninos e
meninas para irem, juntos
com os seus
três filhos
menores,
buscar
manga,
laranja,
gabiroba...
na
barreirinha, lugar onde hoje é
lá pelos altos da Nações
Norte, na época tinha muita
mata de cerrado e as estradas
eram de terra, era uma
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18. O pomar
caminhavam
horas na
estradinha de
terra, mas na
hora de
saborear as
frutas, que
sabor...nunca
mais sentiu
aquele aroma
de fruta
madura
misturada
com a
inocência da
infância...
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19. O
pomar
comia aquelas frutas mesmo sem lavar, com as mãos sujinhas
de terra, mantinha as frutas guardadas em um saquinho.
Comia a vontade e depois levava um pouquinho para a mãe
que ansiosa aguardava pela colheita das crianças. 19
20. Adolescência
Quando era adolescente
adorava brincar com as
amigas nas águas cristalinas
da “Fonte do Castelo”, onde
hoje é a Nações Norte,
também brincavam de
queima e garrafão...será
que alguém sabe que
brincadeira é essa nos dias
atuais? Era uma brincadeira
em que se desenhava um
garrafão bem grande no
chão e pulava com uma
perna só, pra lá e pra cá ,
mas faz tanto tempo que
ela nem se lembra direito
das regras do jogo...
Ah! Só se lembra do quanto
era bom.
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21. Nadar na
fonte do
castelo era
tudo de
bom...
na
verdade a
fonte do
castelo
era um rio
largo, bem
raso e
límpido,
onde dava
para deitar
e se
refrescar
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22. peripécias
Luci teve alguns paquerinhas na adolescência ( só de olhar!)
naquela época as pessoas não ficavam, só olhavam e
quando o olhar era correspondido...ahhh.. Era uma
felicidade só, as meninas já diziam que estavam quase
namorando...
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23. peripécias
Uma vez Luci e sua melhor amiga Lucrécia, já por volta dos dezenove anos, ao voltar
da escola decidiram que o caminho seria mais rápido se pegassem carona no trem da
antiga FEPASA, carinhosamente chamado pelas pessoas da época de coréinha, e
assim fizeram... as amigas maluquinhas, sem pestanejar, pularam e agarraram na
lateral do vagão que, pensavam elas, andaria devagar e conseguiriam pular quando
chegassem no destino. No entanto, não foi bem assim que aconteceu... O trem não
desacelerou e elas ficaram desesperadas... E agora como fariam para descer?
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24. peripécias
Pularam e caíram de cara
no areião, entrou terra
dentro dos olhos, da boca...
se sujaram todas, os
materiais escolares ficaram
esparramados pelo chão.
Se soubessem jamais tomariam uma
atitude absurda como aquela. Já
imaginaram se tivesse acontecido o pior?
Mas, como no caso da roseira, Luci está
sempre muito bem amparada, seja pelas
orações de seu pai ou o acaso a protegia
pela sua própria inocência.
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25. A
profissão
Aos vinte e quatro anos
de idade, Luci se
formou no magistério
da Escola Estadual
Professor Christino
Cabral, agora ela era
professora, essa era
uma das profissões
mais comuns para as
mulheres naqueles
tempos, deu aulas de
substituição em
algumas escolinhas da
cidade, dentre as quais
a Escola Aparecido
Guedes no Bela Vista e
a EMEI Gasparzinho no
Jardim Redentor
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26. O primeiro namorado
Em 1972, já com 20 anos
conheceu um rapaz chamado
Jair, que foi seu primeiro
namorado.
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27. O primeiro namorado
Namoros, naquela época, eram diferentes dos namoros de hoje
em dia, em que tudo acontece muito rápido. Até que o namoro de
Luci foi relativamente rápido, em apenas três anos ela já estava de
véu e grinalda em frente à igreja aguardando ansiosamente para
concretizar seu sonho de se casar, ter filhos e ser feliz para sempre,
como nos contos de fadas.
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28. O casamento
Seu véu branco puro, representando
a virgindade que tanto guardara,
era um sonho se realizando...o
sonho de menina de ter sua família,
seus filhos e viver como as
princesas.
Será que as adolescentes de hoje
em dia ainda sonham o mesmo
sonho de Luci?
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29. O sonho se desfaz
Desse casamento de treze
anos Luci teve três filhos:
César, Marcelo e Luciane. E
tinha uma vida
relativamente feliz,
dependia financeira e
emocionalmente do
marido. Mas, aos poucos
Jair se afastou, resolveu
viver outros sonhos,
sonhos onde Luci não mais
cabia.
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30. O sonho se desfaz
Seu mundo desmoronou quando
soube a verdade, ele arrancou suas
roupas do armário e também os
sonhos de Luci, que agora teria que
refazer sua vida, construir outros
sonhos e manter-se viva.
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32. O sonho se desfaz
Fingia ser forte, pois
dela dependiam seus
três filhos, mas
durante a noite,
Como sair daquela situação que
a humilhava socialmente e a
tornava frágil?
De onde tirar forças para
continuar?
falando com Deus,
Como superar a vergonha de
chorava
ser uma mulher desquitada?
desesperadamente,
afinal dedicara toda
sua vida àquele
casamento.
Como sobreviveria ela e os
filhos?
Foi difícil digerir a atual
situação. Demorou um ano
para Luci acreditar que seria
agora uma mulher desquitada
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33. O sonho se desfaz
Sem chão, totalmente dilacerada
pela decepção, Luci pensa em
desistir, jogar a toalha, jamais
esperaria uma traição daquelas, ele
não só a traíra, mas desmantelara
sua realidade utópica e feliz.
Hoje, os valores mudaram, mas
naqueles tempos, diferente de hoje,
era feio para a sociedade, uma
mulher ser separada do marido, e
ela sofreu com essa humilhação.
Estava com 36 anos e 3 filhos
pequenos, também não estava
trabalhando, porque era desonroso
ao homem que sua mulher
trabalhasse fora, pois, era como se o
marido não fosse capaz de manter
sua família. Ao homem cabia
sustentar financeiramente a família,
e a mulher honrar ao marido, cuidar
dos filhos e trazer a casa asseada.
No entanto, teve ajuda da família
que sempre esteve ao seu lado,
nunca a desampararam, ajudavam
em orações e mantimentos,
alimentando seu corpo e alma.
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34. Forças para viver
Embora com muita tristeza, ela
que aprendera desde pequena
com seus pais a ter fé, levantou a
cabeça e passou a fazer pequenos
bicos para manter a família
vendia roupas novas e usadas,
bijuterias,
lingeries,
salgados,
vendia de tudo um pouco, vendia de
porta em porta, vendia na igreja,
para a família, todos ajudavam
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comprando um pouco
35. Um novo emprego
Luci então prestou um concurso público, e foi trabalhar de inspetora
de alunos na escola Walter Barreto, lembra que naquela época
olhava com encanto uma cartilha que tinha na capa um caminho
suave, com aquela repetição de expressões que nada significavam...
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36. Um novo
emprego
Assim como a
capa da cartilha,
seu
caminho
agora tomavam
um novo rumo,
empregada,
poderia refazer
de vez sua vida e
voltar a ser um
pouco feliz
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37. Um novo amor
Passados dez anos algo
surpreendente
aconteceu. Luci já havia
percebido, mas não
queria acreditar, aquele
homem tão charmoso,
que
a
olhava
insistentemente,
fazia
com que pensasse...que
abusado, não sabe que
estou separada e o amor
para
mim
morreu?
Nunca mais quero saber
de ninguém em minha
vida, não suportaria
sofrer novamente!
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38. Uma nova chance
Mas esse homem era
persistente, não desistiu,
durante seis meses, passava
por sua rua, sorria e lhe
cumprimentava.
Um
dia,
muito
sorrateiramente, ele armou
uma arapuca para Luci...
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40. Armei uma arapuca na beira da
estrada...
La ia ela trabalhar, quando, passando
em frente a igreja que frequentava, viu
uma sacola pendurada na grade do
portão, muito curiosa que era, pensou...
Meu Deus uma sacola...quem será que
deixou? O que será que tem? Vou ver...
Quando Luci estendeu a mão para pegar
o objeto, ouviu uma voz que vinha do
outro lado da rua.
- Hei, essa sacola é minha, deixe-a aí.
E se aproximou, era Alcides, aquele
homem insistente de olhar penetrante e
carinhoso, que insistia em lhe paquerar.
Luci tremeu, ficou tímida.
Onde já se viu sentir aquela empolgação
novamente?
Negou a si o direito de sentir a alegria
que lhe invadia o peito, virou a cara e
escondeu o sorriso, como se fosse
possível esconder o que declaramos no
olhar. Estava apaixonada, mas não
podia admitir, sentia medo e vergonha
de seus sentimentos...
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41. Segunda chance para o amor
Alcides,
por
estar
apaixonado, não desistiu,
insistentemente
forçava a
aproximação. Um dia, em um
congresso da igreja, Luci
vendia seus salgados para
ajudar na renda da família e
Alcides resolveu ajudá-la,
pegou seu tabuleiro de
salgados e saiu vendendo
com tamanha desenvoltura
que em pouco tempo tinha
vendido tudo, ele voltou e
lhe deu o dinheiro da venda e
assim,
definitivamente
selaram a amizade.
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42. Segunda chance para o amor
Hoje, Alcides é um
senhor
aposentado, mas
também é
vendedor de
queijos, no
entanto, mesmo
diante a correria do
dia a dia, não deixa
o tempo apagar a
luz dessa união...
sempre que
possível
surpreende sua
amada com flores
roubadas de um
jardim qualquer
...quer lembrá-la
do quanto é bom
estarem juntos e
acariciá-la com sua
dedicação e amor.
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43. Segunda chance para o
amor
Uma amizade que se
transformou em uma união
feliz. Hoje eles têm sete
netos que são a alegria da
casa. Adoram viajar pelo
Brasil para viver e reviver a
celebração de terem se
encontrado.
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