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Curso de Formação Básica em Dinâmica dos Grupos
    Porto Alegre – RS
    Coordenação: Isabel Doval, Ana Sílvia Borgo



  Resistência: o que se faz com
       o que não se sabe?

            DANIELA FONTOURA DOMINGUES
             ISABELLE KARAM PUCCI DIAS
                  PATRÍCIA MARKUS
                TATIANA SCUR ZAMIN




SBDG – Caderno 98   Resistência: o que se faz com o que não se sabe?   1
Resumo – O presente trabalho consiste num estudo de caso sobre o fenômeno da resis-
tência, os desdobramentos, implicações e repercussões no processo de um grupo. O filme
“A Vida no Paraíso” serve como objeto desse estudo pelo fato de apresentar subsídios
que permitem a observação, investigação e levantamento de hipóteses acerca do tema. A
teoria Psicanalítica de Sigmund Freud e a teoria de W. Bion sobre grupos apresentam
uma abordagem ampla e consistente a respeito do processo de grupo que servem para
fundamentar o estudo que nos propusemos, de investigar a influência da autoridade no
modo como o grupo elabora a sua resistência.

Palavras-chave – Resistência. Processo de grupo. Influência da autoridade na resistên-
cia. Desenvolvimento de grupo.




              SBDG – Caderno 98   Resistência: o que se faz com o que não se sabe?   2
SUMÁRIO


1.      Introdução ...................................................................................................................4

2.      Justificativa .................................................................................................................4

3.      Foco.............................................................................................................................5

4.      Objetivos .....................................................................................................................5

5.      Metodologia ................................................................................................................5

6.      Revisão de literatura ...................................................................................................5

7.      Análise ......................................................................................................................11

8.      Considerações finais .................................................................................................18

Referências.........................................................................................................................19

Anexos ...............................................................................................................................20




                      SBDG – Caderno 98                Resistência: o que se faz com o que não se sabe?                                3
1      INTRODUÇÃO

        O presente trabalho consiste num estudo de caso sobre o fenômeno da resistência,
os desdobramentos, implicações e repercussões em um processo de grupo. O filme –“A
Vida no Paraíso” – serve como objeto desse estudo pelo fato de apresentar subsídios que
permitem a observação, investigação e levantamento de hipóteses acerca do tema.
        O trabalho desenvolvido está dividido em três partes: fundamentação teórica, in-
tegração/discussão do filme e conclusão. O suporte teórico utilizado norteou o rumo das
observações na medida em que ofereceu elementos facilitadores para a integração do ma-
terial.
        Foi escolhida como linha teórica a psicanálise, a partir de Freud e Bion. Optou-se
por este aporte teórico por considerarmos que tais autores apresentam uma abordagem
ampla e consistente a respeito do processo de grupo com o foco na resistência. Através do
entendimento freudiano foi possível compreender como surgiu o termo e como aconte-
cem as relações de autoridade, hierarquia, limites e que implicações têm no processo dos
grupos. Bion, por sua vez, ao trabalhar os supostos básicos e as conseqüências deste fe-
nômeno para a realização da tarefa, oferece recursos para o entendimento do que ocorre
na relação de um grupo com seu líder. Bion questiona e instiga a refletir sobre o que im-
pede que o grupo realize sua tarefa, como o grupo enfrenta as frustrações e de que forma
lida com a resistência.
        A hipótese que pretendemos testar com este estudo refere-se ao movimento que o
grupo faz para enfrentar e elaborar sua resistência: quando um integrante começa a expli-
citar sentimentos no grupo, esta atitude depende do facilitador, e esta atitude influencia a
todos os seus membros a fazerem o mesmo, isto é, colocarem o que sentem e assim, ex-
perimentando-se, revêem seus conteúdos antigos, causadores dos movimentos de resis-
tência podendo, finalmente, ressignificá-los.


2      JUSTIFICATIVA

        De acordo com as determinações do curso de formação em coordenadores de gru-
po pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos, o assunto escolhido partiu da ini-
ciativa de um subgrupo de formandos interessados em entender melhor o tema da resis-
tência.
        Em virtude do fenômeno da resistência estar presente desde o primeiro encontro
deste grupo de formação – sob diferentes formas e em diferentes momentos – trouxe à
discussão o sentido que tal fenômeno tem para os grupos. A força motivadora para a rea-
lização do presente estudo de caso, partiu do desejo dos formandos em entender qual par-
ticipação têm como membros de um grupo e como ocorre a resistência no processo do
mesmo. Ao longo da formação foi possível experimentarmos dificuldades e enfrentar
obstáculos na medida em que surgiram as tarefas a serem cumpridas.
        A partir da vivência do tema, aliado ao exercício do estudo de caso, é que foi pos-
sível levantar hipóteses e integrar a teoria à prática.




               SBDG – Caderno 98     Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     4
3      FOCO

       O foco do trabalho é compreender o fenômeno da resistência a partir das manifes-
tações observadas em um pequeno grupo.


4      OBJETIVOS

       O objetivo geral é proporcionar o entendimento da resistência e suas repercussões
em um processo de grupo através da análise de um filme.
       Os objetivos específicos são conceituar o fenômeno da resistência e suas manifes-
tações no comportamento dos membros do grupo, levantar hipóteses a respeito da obser-
vação deste fenômeno, identificar, compreender e relacionar a teoria ao material escolhi-
do e oportunizar o crescimento dos investigadores, enquanto sujeitos e agentes do fenô-
meno da resistência, como membros de um pequeno grupo.


5      METODOLOGIA

        O trabalho realizado utilizou o filme “A Vida no Paraíso” como instrumento de
análise e compreensão do fenômeno da resistência. A partir das relações dos membros de
um grupo entre si e com a figura de autoridade foram tomadas cenas e diálogos para ilus-
trar o que a teoria escolhida contempla sobre os movimentos deste grupo.
        As falas transcritas do filme na Discussão servem como suporte para ampliar a
compreensão do caso por meio de exemplos e descrição das cenas, dos personagens, do
contexto da trama.


6      REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

       Freud – o precursor

        Considerada a pedra angular da prática analítica, ainda hoje diferentes autores têm
estudado o fenômeno da resistência. Freud (1893) utiliza o termo resistência pela primei-
ra vez a partir do trabalho com suas pacientes histéricas em que tentava fazer vir à tona
lembranças esquecidas.
        Oriunda da palavra alemã widerstand em que wider significa “contra”, foi com-
preendida, a princípio, como obstáculo ao processo analítico. O termo resistência, por
longo tempo, foi empregado com uma conotação pejorativa. A própria terminologia utili-
zada para caracterizá-la, em épocas passadas (de certa forma, ainda persistindo no presen-
te), era impregnada de expressões típicas de ações militares, como se o trabalho analítico
fosse uma beligerância do paciente contra o analista e vice-versa.
        Na evolução dos seus estudos, Freud ampliou o conceito de resistência. Percebeu
que o fenômeno não se destinava somente à recordação de lembranças indesejáveis, mas
também contra a percepção de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgiam
deformados.


               SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     5
As resistências, segundo o Freud, são repetições de todas as operações defensivas
utilizadas pelo paciente em sua vida passada. Embora alguns aspectos de uma resistência
possam ser conscientes, uma parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente, sendo
que sua causa imediata é sempre evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou
vergonha. No final de um processo terapêutico analítico, descobrir-se-á que é o medo de
um estado traumático que a resistência está tentando evitar.
        Segundo Zimerman a resistência provém sempre do ego podendo ser consciente
ou inconsciente. Ela pode expressar-se por meio de emoções, atitudes, idéias, impulsos,
fantasias, linguagem, somatizações ou ações. Ou seja, todos os aspectos da vida mental
podem ter uma função de resistência e cada indivíduo possui um repertório próprio de
manifestações resistenciais expressas das formas menos objetivas às mais diretas, o que
demonstra a complexidade da questão.
        Ainda de acordo com Zimerman (1999), para Freud em “A interpretação dos so-
nhos”, os conceitos de resistência e de censura estão intimamente relacionados: a “censu-
ra” é para os sonhos aquilo que a “resistência” é para a associação livre. Neste trabalho,
em suas considerações sobre o esquecimento dos sonhos, Freud deixou postulado que
uma das regras da psicanálise é que tudo o que interrompe o progresso do trabalho psica-
nalítico é uma resistência.
        Estudando Bion, médico, psiquiatra e também psicanalista, estudioso dos fenôme-
nos grupais, entre outras contribuições, verifica-se que ao referir-se aos fenômenos ob-
servados nos diferentes grupos que trabalhou, ele utiliza-se de uma terminologia específi-
ca. O pensamento central de Bion (1970) é que em todo grupo dois grupos estão presen-
tes: o “grupo de trabalho” e o “grupo de suposição básica”. O grupo de trabalho é aquele
aspecto do funcionamento do grupo que tem a ver com a real tarefa do grupo. O grupo de
trabalho toma conhecimento de seu propósito e pode definir sua tarefa. A estrutura do
grupo é para alcançar a realização da tarefa. Os membros do grupo de trabalho cooperam
indivíduos e discretamente. Cada membro do grupo pertence a isto é sua escolha ver que
o propósito do grupo seja cumprido. Ele está então, com a tarefa do grupo, identificado
com seu interesse. O grupo de trabalho constantemente testa suas conclusões com um
espírito científico. Busca conhecimento, aprende por experiência e constantemente per-
gunta como pode alcançar melhor sua meta. Está claramente consciente da passagem de
tempo e dos processos de aprendizagem e desenvolvimento. Tem um paralelo com o ego
no indivíduo, no significado Freudiano, da pessoa racional e madura.
        Uma grande parte da teoria de Bion preocupa-se em saber por que os grupos não
se comportam do modo sensato descrito como sendo a característica do grupo de traba-
lho. O grupo de trabalho é só um aspecto do funcionamento do grupo. O outro aspecto é
o que Bion chama de o grupo de suposição básica. Essas suposições estão configuradas
por emoções intensas e de origem primitiva.
        De acordo com Grinberg (1973) ao citar Bion, os impulsos emocionais subjacen-
tes no grupo, as suposições básicas, expressam algo assim como fantasias grupais, de tipo
onipotente e mágico, relacionadas com o modo de obter os seus fins ou satisfazer seus
desejos. Esses impulsos, que se caracterizam pelo irracional de seu conteúdo, têm uma
força e uma realidade que se manifesta na conduta do grupo. As suposições básicas são
inconscientes e muitas vezes opostas às opiniões conscientes e racionais dos membros
que compõem o grupo.
        A partir do que foi formulado por Bion, Grinberg coloca no livro “Introdução às
Idéias de Bion” que todos os supostos básicos são estados emocionais tendentes a evitar a
frustração inerente ao aprendizado pela experiência, aprendizado que implica esforço, dor

               SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?    6
e contato com a realidade. Em “Experiência com grupos” (1970), Bion afirma que a par-
ticipação na atividade da suposição básica não exige treinamento, experiência ou desen-
volvimento mental. Ele diz:
                        Em contraste com a função do grupo de trabalho a atividade de suposi-
                        ção básica não faz sobre o indivíduo exigências de uma capacidade a
                        cooperar, mas depende de possuir aquele o que chamo de valência –
                        termo tomado de empréstimo à física para expressar a capacidade de
                        combinação instantânea e involuntária de um indivíduo com outro para
                        partilhar e atuar segundo uma suposição básica. A função do grupo de
                        trabalho acha-se sempre à mostra com uma – e apenas uma – suposição
                        básica. Embora a função do grupo de trabalho possa permanecer inalte-
                        rada, a suposição básica contemporânea que impregna suas atividades
                        pode mudar com freqüência; pode haver duas ou três modificações a
                        cada hora ou ser a mesma suposição básica por meses a fio (p. 141).
         Acrescenta ainda sobre o tema das suposições básicas que todas incluem a exis-
tência de um líder, embora no grupo de acasalamento o líder seja inexistente, isto é, futu-
ro. Este líder não precisa ser identificado com qualquer indivíduo do grupo; não necessita
ser nem mesmo uma pessoa, mas pode identificar-se com uma idéia ou um objeto inani-
mado. No grupo de dependência, o lugar de líder pode ser preenchido pela história do
grupo.
         Para Bion (1970) a primeira suposição básica é a de que o grupo se reúne a fim de
ser sustentado por um líder de quem depende para a nutrição, tanto material quanto espi-
ritual, e proteção. Neste primeiro suposto básico – chamado de dependência – o grupo
sustenta a convicção que está reunido para que alguém proveja a satisfação de todos os
seus desejos e necessidades, alguém de quem o grupo depende de forma absoluta, pois
seus membros agem como se eles não soubessem nada; como se fossem criaturas inade-
quadas ou imaturas. Neste estado emocional o grupo insiste que todas as explicações se-
jam extremamente simples; ninguém pode entender de alguma complexidade; ninguém
pode fazer qualquer coisa que seja difícil; mas o líder pode resolver todas as dificuldades,
só ele é capaz. Ele é idealizado como um tipo de deus que cuidará de suas crianças. O
líder é tentado para assumir este papel e ir junto com a suposição básica do grupo.
         O mesmo autor coloca que a segunda suposição básica é de que o grupo reuniu-se
para se preservar e que isto só pode ser feito lutando com alguém ou de alguma coisa ou
fugindo de alguém ou de algo. Ele está preparado para assumir qualquer das duas atitu-
des, indiferentemente. Bion chama este estado de luta-fuga; o líder aceito de um grupo
neste estado é aquele cujas exigências sobre o grupo são sentidas como concedendo opor-
tunidades para a fuga ou para a agressão e se fizer exigências que não sejam essas, será
ignorado. Conforme Grinberg (1973), sobre a teoria em questão, o objeto mau é externo,
e a única atividade defensiva diante dele consiste em destruí-lo (ataque) ou evitá-lo (fu-
ga). Este grupo de suposição básica é antiintelectual e hostil à idéia de auto-estudo; auto-
conhecimento pode ser visto como uma tolice introspectiva. Em um grupo cujo propósito
ou tarefa é o auto-estudo, o líder perceberá quando o grupo estiver operando na suposição
luta-fuga quando suas tentativas ou serão obstruídas por expressões de ódio contra todas
as coisas e introspectivo, ou por vários outros métodos de ausência. O grupo bate-papo,
conta histórias, chega tarde, está ausente ou se ocupa de inumeráveis atividades em torno
da tarefa.



               SBDG – Caderno 98     Resistência: o que se faz com o que não se sabe?      7
O terceiro suposto básico é o de acasalamento que se refere à crença coletiva e in-
consciente que quaisquer que sejam as dificuldades e problemas um fato futuro ou um ser
ainda por vir os solucionará. Bion diz que o sentimento de esperança é característico des-
se grupo de acasalamento e deve em si próprio ser tomado como prova de que esse grupo
se acha em existência mesmo quando parecem faltar provas. É ele próprio tanto precursor
da sexualidade como uma parte dela. Bion afirma:
                       Os sentimentos assim associados ao grupo de acasalamento encontram-
                       se no pólo oposto aos sentimentos de ódio, destrutividade ou desespero.
                       Para que os sentimentos de esperança sejam sustentados, é essencial que
                       o “líder” do grupo, diferentemente dos líderes do grupo de dependência
                       e do grupo de luta-fuga, seja futuro. Será uma pessoa ou uma idéia que
                       salvará o grupo – na realidade, dos sentimentos de ódio, destrutividade,
                       ou desespero de seu próprio grupo ou de outro – mas a fim de realizar
                       isso, evidentemente, a esperança messiânica nunca deve ser alcançada.
                       Apenas enquanto permanece sendo uma esperança, é que a esperança
                       persiste. A dificuldade é que, graças à racionalização da sexualidade
                       nascente do grupo, a premonição do sexo que intervém como esperança,
                       há uma tendência para o grupo de trabalho ser influenciado na direção
                       da criação de um Mestre, seja ele pessoa, idéia ou Utopia (Bion, p.
                       139).
        Para um efetivo funcionamento, as suposições básicas devem estar a serviço da ta-
refa. A tarefa é como um pai sério que olha em direção a um planejamento inteligente. As
suposições básicas são como as crianças brincalhonas ou assustadas que querem a satis-
fação imediata dos seus desejos. O que Bion enfatiza é que ambos existem, e que ambos
são necessários. O grupo de suposição básica, porém, existe sem esforço. O grupo de
trabalho requer toda a concentração, habilidade e organização das forças criativas que
podem ser reunidas. A capacidade de cooperação e esforço dos membros do grupo e isso
não se dá por valência e sim por um certo amadurecimento e treinamento para participar
dele. É um estado mental que implica contato com a realidade, tolerância à frustração,
controle de emoções; é análogo, em suas características, ao Ego como instância psíquica
descrita por Freud. Mas os indivíduos parecem temer serem subjugados pela suas valên-
cias no grupo; ou, de outra forma, temem ser subjugados pelas suposições básicas. Mas o
indivíduo em um grupo sempre não está convencido disto. Quando os indivíduos em um
grupo sentem que perderam ou estiveram a ponto de perder suas individualidades, podem
experimentar pânico. Isto não significa que o grupo desintegra, porque pode continuar
como um grupo de luta-fuga; mas significa que o indivíduo se sente ameaçado e muito
provavelmente regrida e manifeste expressões de resistência.
        Zimerman (2004) ao citar Bion – sob o ponto de vista clínico – coloca que embora
ele reconheça o caráter obstrutivo e maligno que representa para a evolução de alguma
análise o emprego de certas formas resistenciais, sua maneira prioritária de encará-las é
considerando que as resistências manifestas no curso da análise reproduzem a estrutura
caracterológica do ego do paciente. São um indicador fiel de como esse paciente se de-
fende e se comporta na vida real. Bion (1970) concebe a resistência como uma constru-
ção de ego do indivíduo para se defender dos perigos reais e imaginários, que lhe pare-
çam ameaçar. Ele ainda, sente um respeito saudável pelas capacidades das pessoas para
funcionar em um nível de trabalho. Bion pensa que os grupos que se encontraram para
estudar o próprio comportamento, a interpretação consistente das tendências de suposi-
ções básicas os trará gradualmente à consciência e diminuirá a ameaça. O paralelo aqui

               SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?         8
com a psicanálise, dos impulsos inconscientes está claro. Presumivelmente, quanto mais
consciência da suposição básica do grupo, mais a o grupo de trabalho pode emergir em
funcionamento efetivo.
       Neste momento vale ressaltar que todas as suposições básicas de Bion incluem a
existência de um líder, como já visto. Theodore Mills (1970), quando fala das relações
emocionais inconscientes entre membros do grupo, e em que uma pessoa tem um poder
superior indiscutível sobre os outros, cita a obra de Freud, “Totem e Tabu”, que faz refe-
rência à descrição da horda primitiva. O autor traz os principais aspectos da descrição do
autor:
                        O pai (e chefe) é onipotente e absolutamente narcisista. Seus desejos
                        pessoais são satisfeitos, sem consideração pelos outros. Dirige um ban-
                        do de filhos impotentes que dependem dele para proteção, mas que são
                        privados de todas as fontes de satisfação, entre as quais se inclui o sexo.
                        O chefe fica com todas as mulheres. É respeitado e odiado pelos filhos.
                        O desejo que estes têm de matá-lo é imobilizado, em primeiro lugar, pe-
                        lo medo de vingança no caso de um fracasso, e, em segundo lugar, pelo
                        medo e serem mortos pelo mais forte dos irmãos no caso de consegui-
                        rem matar o pai. As mulheres (que praticamente não são mencionadas
                        por Freud) aparentemente aceitam a superioridade masculina do chefe.
                        Medo, respeito, ódio, atração, onipotência, impotência, satisfação total,
                        privação total – essas são as emoções que, numa organização específica,
                        constituem a horda primitiva. A onipotência narcisista, de um lado, a
                        impotência narcisista, de outro, são seus aspectos fundamentais (p.
                        114).
        Assim, o Pai da Horda Primitiva protege e castiga. Os elementos do grupo o colo-
cam no lugar de ideal do eu, possibilitando a identificação entre si através do ideal, que é
comum a todos. As pessoas do grupo ficam coesas, ligadas entre si pela afetividade.
        “O homem sempre defenderá sua reivindicação individual contra a vontade do
grupo”. Com isto Freud (1929) diz que não é de bom agrado, por solidariedade que as
pessoas se submetem às leis do coletivo, tentarão sempre conseguir formas de se satisfa-
zerem sem ter de “pagar a conta” e principalmente, tentando situações e justificativas que
permitam escapar do severo, onisciente e onipresente censor interno. Alguns tentam sen-
tir-se narcisicamente melhor que os outros por seguirem regras e preceitos de forma rígi-
da, afastando de si o “incômodo” decorrente da percepção de que os “maus” não sofrem
conseqüências pelos seus atos e na maioria das vezes sentem-se melhor. Contudo, este
investimento narcísico não os deixa livre do mal estar decorrente das suas insatisfações,
tornando-os mais sádicos consigo mesmos e na mesma proporção, com o outro.
        Ainda a respeito do trabalho de Bion com grupos e dentro desta linha de análise
do coletivo, cabe ressaltar um dos aspectos acerca da dinâmica do processo grupal da
interação entre indivíduo, grupo e sociedade, para qual fundamentação Bion utiliza a psi-
cologia social. Para ele, a sociedade como grupo também apresenta fenômenos de suposi-
ção básica. Em seu crescimento, os grupos sociais resolveram em parte esse problema
delegando, por assim dizer, a determinados subgrupos, a função de contê-los e manipulá-
los. Bion (1970) chama grupo especializado de trabalho a essas organizações e institui-
ções. O fracasso de um desses subgrupos institucionalizados em conter eficazmente o
suposto básico – porque este se acha especialmente ativo, ou porque por algum motivo é
substituído por outro – provocará reações no subgrupo ou na sociedade da qual faz parte.
Produzir-se-á então uma nova e diferente estruturação, que poderá evoluir até a mudança

               SBDG – Caderno 98      Resistência: o que se faz com o que não se sabe?           9
ou então reativar as tendências a evitá-la. O conceito de grupo especializado de trabalho
proporciona uma nova perspectiva para a compreensão dos complexos fenômenos da
sociedade em geral.
         Bion coloca, segundo Zimerman, que um “gênio” (que em outros momentos ele
nomeia como “herói” ou “místico”) é aquele que por ser portador de uma idéia nova, re-
presenta uma ameaça de mudança catastrófica para a estabilidade do establishment (uma
cultura, uma instituição, um poder político, etc.) que está firmemente constituído e aceito
para certa época e lugar. Para enfrentar a ameaça do “gênio”, o establishment ou o segre-
ga (através da configuração de bode-expiatório) ou dá um jeito de absorvê-lo ou cooptá-
lo. O místico ou gênio, portador desta idéia nova, é sempre disruptivo para o grupo; o
Establishment trata de proteger o grupo dessa disrupção. O problema colocado pela rela-
ção entre o místico-gênio e a instituição tem uma configuração emocional que se repete
no curso da história de formas muito variadas. O místico necessita do establishment, e
este do místico-gênio; o grupo institucionalizado (grupo de trabalho) é tão essencial ao
desenvolvimento do indivíduo como este àquele.
         Segundo Bion (1970), o grupo precisa preservar sua coerência e identidade; esfor-
ços nesse sentido se manifestam em convenções, leis, cultura e linguagem. O místico
pode declarar-se revolucionário ou reivindicar que sua função é cumprir as leis, conven-
ções e destino de seu grupo. Bion, nesta obra, define o místico como concomitantemente
criativo ou destrutivo. Faz a distinção entre os dois extremos que coexistem na mesma
pessoa. Estas formulações extremas representam dois tipos: o místico “criativo”, que so-
licita formalmente adaptar-se às convenções do estabilishment que governa seu grupo, ou
mesmo preenchê-las; e o místico niilista, que destrói suas próprias criações. De fato, todo
gênio, místico ou messias, é ambas as coisas, desde que a natureza de suas contribuições
será seguramente destrutiva de certas leis, convenções cultura ou coerência de algum
grupo, ou de um subgrupo dentro de um grupo. A força disruptiva do místico-gênio fica
limitada pelo meio de comunicação através do qual se transmite sua mensagem; e depen-
derá da linguagem de êxito sua qualidade criativa e promotora de mudanças. O establi-
shment tem como uma de suas funções conseguir uma adequada contenção e representa-
ção da idéia nova, criativa ou genial, limitando em parte seu poder disruptivo e ao mesmo
tempo fazendo-a acessível aos membros do grupo que não são geniais.
         O relacionamento entre o grupo e o místico pertence a uma destas três categorias
comensal, simbiótico e parasítico. No relacionamento comensal os dois lados co-existem
e a existência de um é inofensiva à de outro. não há confrontação nem permuta, se bem
que esta possa produzir-se na medida em que a relação se modifique. No relacionamento
simbiótico existe uma confrontação que, em última análise, será benéfica para ambos: as
idéias do místico-gênio são analisadas e levadas em conta, suas contribuições geram hos-
tilidade ou benevolência e o resultado produz crescimento tanto ao místico-gênio como
no grupo, embora não se perceba esse crescimento sem certa dificuldade. As emoções
predominantes são amor, ódio e conhecimento. No relacionamento parasítico, onde a
inveja é o fator central, o produto da associação é a destruição e despojamento de ambos,
místico e grupo. A configuração recorrente nessas descrições é a de uma força explosiva
limitada por uma demarcação que tenta contê-la. No caso do grupo, a configuração se dá
entre o místico-gênio e o establishment, com suas funções de conter, expressar e institu-
cionalizar a idéia nova trazida por aquele, e proteger o grupo do poder disruptivo desta.




             SBDG – Caderno 98     Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     10
7      ANÁLISE E DISCUSSÃO

       Escolhemos o filme “A Vida no Paraíso” como pano de fundo para o Trabalho de
Conclusão de Curso por tratar-se de um instrumento criativo a respeito do processo de
um pequeno grupo. Com o foco no fenômeno da resistência, o filme foi analisado a partir
de alguns diálogos e cenas representativos da teoria referenciada. Optamos em dividir o
que foi observado em dois momentos: (1) Análise da resistência do grupo durante sua
formação: Maestro Daniel Daréus e principais personagens do coral: Gabriella, Lena, Siv,
Tore, Arge, Inger, Holmfrid e Olga. (2) Análise da resistência da comunidade frente ao
maestro: “O que a comunidade fez com o que não sabia” (Stig e Conny).


        Sinopse do filme:
        Um maestro de sucesso internacional, acostumado à rotina estressante dos palcos,
de cerca de 40 anos, Daniel, interrompe inesperadamente sua carreira após sofrer um en-
farte, decide retornar à terra natal situada no norte da Suécia.
        No trajeto até a cidade começa a tomar contato com as sensações e as lembranças
da infância. Quando criança enfrentara resignadamente as agressões gratuitas de alguns
colegas da escola, que não entendiam e não aceitavam sua sensibilidade musical. Durante
estes episódios sua atitude era de passividade, ficando evidente a sensação de medo e
vulnerabilidade.
        Apesar de não ter claro, a princípio, o motivo do seu retorno, demonstra estar dis-
posto a realizar um sonho antigo – “criar uma música capaz de abrir o coração das pes-
soas”.
        Quando chega à pequena vila, mostra-se reticente ao contato com os moradores.
Sua fama logo cria um burburinho na cidade, fazendo dele objeto de curiosidade, fascina-
ção e desconfiança. Não demora muito para ser convidado a ajudar o coro da igreja. Re-
lutante a voltar ao “centro do palco”, acaba aceitando o convite e se surpreende com a
descoberta do entusiasmo que sentia pela música. O trabalho com o coro traz novas ami-
zades, mas também novos e velhos conflitos, assim como a descoberta do amor.

        Membros do coral e comunidade:
        Lena: moça solteira, com atitudes assertivas que namorou por três um médico que
foi a trabalho para a cidade, sendo este casado. Todos os moradores da cidade sabia de
sua condição, menos que ela que ficou sabendo disso no final de seu relacionamento.
Tem medo de ser enganada novamente.
        Gabriella: casada, mãe de dois filhos, apanha do marido. Tem medo de seu com-
panheiro mas não consegue larga-lo. Torna-se a voz principal do coral.
        Arnie: dono de uma loja na cidade, é o maior incentivador da participação de Da-
niel como regente do coral. Irmão de Holmifrid e dono de uma personalidade forte e
agressiva.
        Inger: esposa do pastor da cidade. É uma mulher passional, que reprime seus sen-
timentos e desejos por seu esposo pela rigidez e moralismo deste.
        Stig: pastor da cidade, considerado a autoridade moral maior da cidade. Guiado
por uma moral conservadora e rígida religiosa, não permite expressar seus verdadeiros
desejos e sentimentos pela esposa, tendo uma “tara” por revistas masculinas.
        Siv: ex-regente do coral, solteira, que alimenta um desejo de travar um relaciona-
mento amoroso com Daniel.

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Holmifrid: irmão de Arnie, que por anos sofreu de abuso moral pelo irmão e pelas
pessoas por seu peso. Sempre apresentou atitude cordata e passiva à violência vivida.
       Tore: rapaz portador de deficiência, que passa a integrar o coral, mostrando ter
uma voz excepcional.
       Olga: idosa, com problemas auditivos.
       Conny: esposo de Gabriella e é o mesmo rapaz que em menino agredia Daniel.


       1) O maestro e o coral:

        Daniel resiste ao convite de assistir ao ensaio do coral, mas acaba por ir. Quando é
flagrado no recinto, procura esquivar-se rapidamente. O grupo do coral, por sua vez, ma-
nifesta verbalmente as fantasias a respeito do “possível” olhar crítico do maestro, ao
mesmo tempo em que ficam fascinados com sua presença.

       Cena 1 – Suposição básica Dependência:
       Diálogo dos membros do grupo com o maestro:
       – Não somos profissionais. Mas poderíamos ser melhores.
       – Dentro de nossas limitações....
       Diálogo dos membros do grupo após a saída do maestro entre si:
       – Sonhei com a vinda dele...
       – Ele disse: No geral é muito bom!
       – Estas mesmas palavras?
       – No geral é muito bom! (repete)

        A partir destas falas e de acordo com as idéias de Bion, percebemos que o grupo
encontra-se no suposto básico de dependência frente à presença do maestro como figura
de autoridade. Nesta fase o grupo depende da aprovação, da satisfação de todas as neces-
sidades e desejos por parte do líder que deve suprir as expectativas do grupo. O grupo
considera-se sem potência, acreditando depender somente desta figura mágica do maestro
para tornar-los capazes.
        À medida que o tempo passa, Daniel aceita o convite para regente e começa a dar
sentido à sua participação e a definir seu papel neste coral: de observador começa a atuar
como maestro/ compositor/ treinador.
        Ele inicia uma série de atividades com o grupo e quando um trabalho corporal é
iniciado aparece a resistência, e assim, esta nova proposta do líder começa a incomodar e
gerar insegurança nos participantes. O grupo fica mobilizado e utiliza-se da fuga como
forma de diminuir a tensão. Quanto mais o grupo é dirigido ao trabalho corporal, cujo
objetivo do maestro era as pessoas buscarem harmonia, maior é a resistência expressa
através das gargalhadas e do diálogo paralelo. O grupo, desta forma, confronta a autori-
dade e sua resistência está. evidenciada pela dificuldade que os participantes têm em
harmonizar-se, ingressar na tarefa e realizá-la.

       Cena 2 – Suposição básica Fuga/Luta:
       Estão todos deitados no chão, próximos uns aos outros:
       (Risos)
       – Espero que ninguém nos veja... (risos)
       – A porta está trancada? (risos)

              SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?      12
– Estou pensando no pastor... (gargalhadas).

       A cena seguinte ilustra outro momento do suposto básico de fuga em que os per-
sonagens atuam pelo comportamento e verbalmente. Estão todos de mãos dadas e a tarefa
neste momento é todos acharem sua fonte, a sua essência. À medida que o maestro come-
ça a desenvolver os objetivos, o grupo tenta escapar da tarefa, desconsiderando o que está
sendo dito.

       Cena 3 – Suposição básica Fuga/Luta:
       Toca o celular de um participante e ele atende.
       Outro membro aproveita e come salgadinhos.
       – Pausa para o café. (pede um terceiro)
       – Café? Agora? Será que vocês não entenderam nada? (maestro)
       – Sabe, Daniel, isto tudo é tão novo para nós.... (outra participante)

        O maestro reage de forma autoritária e agressiva com os participantes, sendo ig-
norado pelo grupo, que foge indo preparar o café. Vale citar, que este café passa a ser,
posteriormente, incorporado como um hábito ao final dos trabalhos realizados pelo gru-
po. Desta forma, fica evidente que o maestro, mesmo com todas as suas novas idéias e
suas exigências, soube encontrar o equilíbrio com este grupo e suas rotinas, permitindo
que seus membros pudessem sentir-se menos ameaçados pelas novas propostas, podendo
encontrar um conforto em algo conhecido. Desta forma, menos autoritária e mais flexí-
vel, adaptável do maestro, pode-se supor que as resistências dos membros do grupo tor-
nar-se-ão menos salientes. Este dia de ensaio é finalizado com todos em círculo, abraços,
cantando individualmente, emitindo seu modo de cantar, sua individualidade, como soli-
citado pelo maestro.

        Cena 4 – Suposição básica de Dependência e Luta/Fuga:
        – Achem sua voz (maestro).
        Aparece Tore e começa a cantar. O grupo tira ele, que insiste em participar.
        – Ele não pode, é maluquinho, analfabeto, só vai causar problemas. Precisamos
ter critérios (Arne).
        – Acho que ele deve participar (Lena).
        – Tenho planos para o coral. Estou trabalhando duro (Arnie – acende um cigarro
e é pedido para ele ir fumar lá fora. Ele sai brabo e bate a porta).
        Siv vai atrás de Arne e argumenta, ao sair, que ele é muito dedicado ao grupo.

        Neste momento verifica-se os interesses individuais dos membros que impossibi-
litam e interferem na realização da tarefa. Ao ver que seu objetivo individual está amea-
çado, Arne propõe uma “luta” contra a ameaça externa representada por Tore. Em seu
idealismo, não verifica a potencialidade deste (que é confirmada ao final da cena) e busca
estabelecer critérios para a seleção do que seria membros “perfeitos” para seus planos,
comum à suposição básica de dependência onde os membros para serem aceitos devem
ser perfeitos justamente por não se sentirem capazes. Neste ponto consegue-se relacionar
a teoria de Bion que diz que o grupo de trabalho necessita ter claro qual a tarefa, o objeti-
vo a ser atingido, quando todos podem engajar-se de forma cooperativa na obtenção des-
te.


              SBDG – Caderno 98     Resistência: o que se faz com o que não se sabe?      13
Cena 5:
       Conny vem buscar Gabriella. Daniel tenta reagir mas é segurado por Arne.
       – Ele até já a prendeu.
       – Todos sabem que ele bate nela... (Lena).
       SILÊNCIO.
       – Eu já tentei falar com ela mas ela não ouve (Lena).
       – Por quê ela não se separa? (Olga)
       – Ele é capaz de tudo.
       Tore, assustado, começa a bater a cabeça na parede e defeca. Arne o ridiculari-
za.
       – Cale a boca, Arne (Lena).
       Siv defende Arne e Lena briga com ela. Depois, Lena vai cuidar de Tore.
       SILÊNCIO.
       Tore pede a Lena que diga “as três palavras”.
       – Eu te amo (Lena).

        Nesta cena é possível observar os movimentos de resistência individuais dos
membros do grupo, através dos silêncios. Todos são conscientes da situação de violência
doméstica sofrida por Gabriella, mas não tem condições de se manifestarem em relação a
ela. Ainda não está desenvolvido o clima de compartilhamento necessário a incentivar a
expressão de sentimentos. Somente isto é possível entre Lena e Tore, que nutrem afetos
sinceros um com o outro, pois ela o compreende e cuida dele. A partir deste momento,
Daniel começa a escrever uma música para Gabriella cantar.
        Mais adiante observamos um momento de luta que aponta para a postura de con-
fronto de um dos membros do grupo. Através do seguinte diálogo podemos constatar o
que Bion define como suposto básico de luta/fuga. O membro que manifesta esta oposi-
ção idealiza o maestro e tem desejos sexuais pelo o mesmo. A pessoa a quem ela critica
(Lena) é uma participante do grupo que tem demonstrado claramente seu interesse pelo
maestro. Assim, ao sentir-se ameaçada e insegura com a possibilidade de rejeição pelo
líder, busca incitar o grupo à luta para eliminar a “ameaça”. Como percebe não haver
concordância com sua posição, ela se exclui do grupo, não conseguindo superar-se e en-
frentar suas dificuldades, desta forma concretizando sua resistência e impossibilitando-se
de desenvolver-se.

        Cena 6 – Suposição básica Luta/Fuga:
        Ao perceber uma crítica de Siv feita à Lena durante o ensaio, Daniel pergunta:
        – Alguém aqui quer desabafar?
        – Eu gostaria de levantar uma questão. Sempre achei que o jeito de Lena não é
bom para o nosso coral. (Siv)
        Arne questiona ao que Siv responde que Daniel havia pedido franqueza.
        – Lena sai sábados à noite, contra a fé crista e isso preocupa a todos nós. Vamos
ignorar que tipo de vida ela vive?
        – Confesse que você está com ciúmes de Lena. (Arne)
        Siv sai e diz a Arne que ele devia se envergonhar de rir de uma mulher que ousa
ser franca.

      Na cena seguinte, é importante citar, pois mostra a postura de Daniel que vai mu-
dando e gerando no grupo a abertura necessária para expressão dos sentimentos e conse-

             SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     14
qüente quebra ou diminuição da resistência. Mas ainda assim, percebe-se a necessidade
de agradar o líder, ser amado por ele e aceito, características da suposição básica de de-
pendência, como será descrito a seguir:

       Cena 7 – Suposição básica de dependência e abertura:
       Ao falarem do concerto que eles apresentarão na comunidade, Daniel entrega a
música à Gabriella (vide anexo).
       SILÊNCIO.
       Ela diz que não pode cantar. Ele insiste:
       – Não acredito que não possa. Te escutei.
       – Por que está aqui (Gabriella a Daniel)?
       – Meu sonho é tocar e abrir o coração das pessoas com uma música. O que me
impediu foi que achava difícil amar as pessoas.
       – Não pense que não gosto de você. Todos te amam e eu gravo tudo que você diz
(Gabriella).

        Há outros picos de tensão em que a emoção é colocada de forma violenta. Quando
Holmfrid, num acesso de raiva e choro, conta como se sente há 35 anos em virtude dos
maus-tratos verbais que ouve do irmão, abre-se uma nova possibilidade. Neste exemplo
percebe-se um movimento de luta e fuga que o porta-voz do grupo, neste momento, utili-
za-se para expressar raiva e dor. Importante verificar que o movimento do líder de ex-
pressar-se e mais este momento de tensão de Holmfrid, que permitiu a expressão de um
sentimento antigo reprimido, possibilitou que todos pudessem se repensar em mudar de
atitude, como o fez Gabriella. Eis a cena:

         Cena 8:
         No grupo, Gabriella chora. Arne a provoca pois todos os ingressos já foram ven-
didos.
         – Cale-se (Daniel).
         – Mas ela podia se esforçar (Arne).
         Holmfrid, vendo a agressão do irmão, quebra uma cadeira e o ataca verbalmen-
te:
       – Seu canalha! Cansei de você sempre dizer “gordinho isso, gordinho aquilo”.
Vocês se divertiam também há 35 anos gozando de mim (dirigindo-se aos outros partici-
pantes)!
       Ele chora e Inger o ampara.
       SILÊNCIO.
       Gabriella pega a folha, troca olhares com Holmfrid e sorriem um para o outro.
Todo o grupo sorri. Ela decide cantar.

        A mudança gerada é transformadora. Após a apresentação do concerto, Holmfrid
se emociona pois foi elogiado por duas pessoas. Ele passa a se perceber e se ver merece-
dor de reconhecimentos.

         Cena 9 – Suposição básica Luta/Fuga e Grupo de Trabalho:
         Arne comunica ao grupo que este está inscrito num concurso de corais, na Áus-
tria


               SBDG – Caderno 98   Resistência: o que se faz com o que não se sabe?    15
– Chegou hoje pelo correio. Está em alemão, vou traduzir. O coral está inscrito
no concurso de corais...
       – Estaremos lá (diz um dos membros).
       – Eu nunca estive fora do país (fala outro – todos ficam eufóricos)!
       – Vocês não sabem no que estão se metendo... (maestro)
       – Por quê? Você tem medo?
       – Não tenho medo! Vocês não podem competir no canto. (maestro)
       – Estamos prontos agora! (Arne)
       – Vocês não podem competir, a idéia é louca, não acredito nisso...
       – Como você sabe que não devemos ir à Áustria? (Olga)
       – Como pode afirmar? (Lena)
       Após decidir:
       – E já que vamos nos apresentar que seja diferente, algo nunca visto antes. (Da-
niel)

        Pela cena descrita acima e do diálogo do maestro com os membros do grupo, per-
cebe-se que este é um momento relevante e novo. O grupo manifesta que está pronto e
valoriza o que foi feito até então; quer enfrentar o desafio de apresentar-se em outro país
e competir O grupo de trabalho, conforme o entendimento de Bion, requer de seus mem-
bros capacidade de cooperação e esforço. É um estado mental que implica contato com a
realidade, tolerância à frustração, c de suposto básico e do grupo de trabalho determinam
um conflito permanente e recorrente dentro do grupo. Este conflito pode formular-se co-
mo idéia nova e o grupo; entre o grupo de trabalho e o de suposto básico, por exemplo.
Bion afirma que o indivíduo como pessoa dentro do grupo de trabalho está exposto ao
inevitável componente de solidão, isolamento, e dor associados ao crescimento e evolu-
ção. Neste momento Daniel está enfrentando seus próprios dilemas e dores frente à pos-
sibilidade de reviver estes momentos tão dolorosos de sua vida profissional – sua rigidez
excessiva, seu perfeccionismo, sua solidão, por isso resiste à idéia do concurso. Mas
quando questionado, também tem sua possibilidade de refletir, pois o caminho vivido
com o grupo já permitiu que as resistências pudessem ser superadas. E neste momento, é
possível haver uma possibilidade real de crescimento e mudança. O grupo já estava traba-
lhando com grupo de trabalho, pensando seus processos enquanto trabalhavam frente a
um objetivo comum. Já haviam superado as resistências através da expressão sincera de
seus sentimentos e aceitação destes pelos outros membros. Assim, já estão prontos para
realmente mudar e fazer diferente.
        O que foi dito neste último parágrafo faz sentido também na penúltima cena do
filme em que o grupo todo consegue realizar a tarefa, apesar da ausência do maestro. A
motivação, a união de esforços e o enfrentamento dos obstáculos permitiram ao grupo
aproveitar as oportunidades e desfrutar das conquistas.

       Cena 10 – Grupo de Trabalho:
       O coral se apresenta para a platéia, na Áustria, e quando se vê sem seu líder, eles
próprios coordenam sua apresentação, cada um fazendo a sua parte, tocando o coração
de todos os presentes ao espetáculo, objetivo inicial de seu maestro.

      Este morre, ao som da música do grupo do qual também fez parte, que transfor-
mou e foi transformado, integrando assim, toda e qualquer dor e sofrimento, livre, po-
dendo nesta expressão verdadeira serem, figurativamente, todas as suas resistências vivi-

             SBDG – Caderno 98     Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     16
das resgatadas, pois na cena final do filme, Daniel encontra e abraça, no mesmo campo
de sua infância, sua criança interior.


         2) “O que a comunidade fez com o que não sabia”:

        A comunidade em que o filme se passa parece estar estruturada em cima de valo-
res ortodoxos e rígidos. Pelo fato de ser um pequeno vilarejo num país nórdico, o cenário
de inverno acentua o clima frio. A distância das pessoas, apesar do tamanho do local, fica
evidente pela maneira como os moradores se comportam diante dos dramas vividos por
alguns personagens.
        Isolados e sem contato, poucas eram as oportunidades de reunião. Estas ficavam
restritas ao coral na igreja (supervisionada pelo pastor da cidade). Com a chegada do ma-
estro toda a comunidade é afetada, os primeiros sintomas aparecem no comportamento
dos moradores.
        A resistência à presença desse estranho despertou de início curiosidade e descon-
fiança. Depois, a ira e a fúria tomaram conta dos principais representantes da autoridade
do local.
        Quanto às fantasias acerca do maestro podemos constatar no grupo manifestações
idealizadas a respeito do líder, conforme Mills (1970), onde o chefe, neste caso Daniel,
representa a autoridade que tem o saber, que desperta os mais diferentes sentimentos e
serve de parâmetro para os participantes. Além de ser figura ameaçadora e invejada, don-
de surge o desejo de destruição deste objeto. O seguinte diálogo exemplifica.

         Cena 1:
         O pastor, até sua chegada, figura de autoridade da comunidade, questiona o ma-
estro:
       – Por que você está aqui? Todos aqui se apaixonaram por você... Você sabe... Eu
gravo tudo o que você diz... (tom de ameça)

        As fantasias, que a figura do maestro instigou em alguns moradores, provocaram
conflitos no relacionamento dos casais e na estabilidade das instituições: Gabriella sepa-
ra-se do marido, que vai preso ao ser denunciado por violência doméstica; Inger decide
separar-se de Stig, o pastor, pois ele não compreende seus desejos e necessidades, man-
tendo em sua postura rígida e conservadora; os jovens aderem à igreja através da partici-
pação do coral; um de seus membros se declara a uma outra participante, após anos de
amor silencioso, vindo os dois a namorarem; o pastor, que se vê como protetor da cultura
local contra Daniel e conspira contra o maestro fazendo com este seja despedido da fun-
ção de regente fazendo com que a igreja se esvazie e com que o grupo se mobilize a ir
ensaiar na casa de Daniel, levando este pastor ao total desespero. Este “pai” se vê odiado
por seus “filhos” – membros da congregação – e entra em desespero. Também esta dor,
permite a ele vir a repensar sua postura narcísica e suas escolhas, demonstrando a relação
simbiotica entre o establishment (pastor) e o místico-gênio (o maestro).
        A comunidade resiste com intensidade à mudança de rotina, aos desejos expressa-
dos, ao medo enfrentado. A polarização entre o bem e o mal, certo e errado, produziu
uma força no grupo capaz de romper valores e crenças. O caos originou uma nova forma
de organização. O pequeno grupo desta comunidade assumiu riscos e transgrediu. A co-
munidade nunca mais foi a mesma. O grupo também não.

              SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?    17
8      CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Resistência: o que se faz com o que não se sabe – tema do trabalho de conclusão
de curso da SBDG – oportunizou a integração do aporte teórico e a compreensão do fe-
nômeno a partir do filme “A vida no Paraíso”. A trajetória dos personagens em um pe-
queno grupo serviu como pano de fundo ao estudo de caso. Dentro de um universo rico
em relações, num contexto particular, foi possível investigar, levantar hipóteses e apro-
fundar aspectos relevantes da história de um grupo e as manifestações resistências aí pre-
sentes.
        O trabalho foi construído com o intuito de promover momentos reflexivos e inte-
grativos tomando como ponto de partida a experiência dos indivíduos enquanto sujeitos
em formação pela SBDG. Tanto a escolha do assunto abordado, quanto a forma e o mate-
rial foram decididos em conjunto com o objetivo de abarcar a diversidade e os interesses
da equipe.
        Por tratar-se de um filme, as possibilidades de interpretação e entendimento am-
pliaram também as possibilidades de discussão. Sob inúmeros aspectos procuramos –
como espectadores e críticos – apurar o olhar para a linguagem do cinema sem perder o
foco no tema da resistência. Buscar o sentido não somente das palavras, mas do conteúdo
das imagens provavelmente tenha sido o maior desafio na composição do trabalho.
        Inicialmente destacamos o nome do filme: A Vida no Paraíso.
        Remetendo a uma atmosfera idílica, caracterizada pela ausência de conflitos, con-
tradições e limites a proposta do enredo pareceu, a princípio, descolada do título. A apa-
rente incongruência – entre a vida no paraíso e o dia-a-dia das pessoas naquele conjunto
de relações – provocou uma série de dúvidas e questões. Foi possível, somente durante o
desenrolar da trama, perceber o emaranhado de situações e emoções em que os persona-
gens estavam envolvidos e as conseqüências para o processo do grupo. A vida no Paraíso,
a partir de então, se tornou plausível e cheia de significado.
        A reunião em torno de um coral e a relação de todos com o maestro – e entre si –
formaram uma rede de ligações que deu sentido ao drama. O funcionamento do grupo – a
partir da relação com a autoridade e o movimento deste para a realização da tarefa – ficou
claro à medida que o processo de resistência tornou-se evidente. O grupo ao aliviar-se da
tensão através dos supostos básicos, evitou realizar a tarefa de se desenvolver, até o mo-
mento em que conseguiu tomar consciência da própria resistência. Uma vez reconhecidos
e elaborados os conteúdos antes inconscientes, causadores de tensão e ansiedade, tornou-
se desnecessária a resistência. Aqueles conteúdos deixaram de ser evitados e foram inte-
grados ao processo consciente do grupo, oportunizando ao grupo utilizar esse conheci-
mento para o seu desenvolvimento.
        Pode-se verificar que além do reconhecimento e manejo da resistência pelo maes-
tro (figura de autoridade), utilizando a música, a voz, potencial de cada um e de todos,
como meio de auto-expressão, reconhecimento e diferenciação, não depende só dele o
desenvolvimento do grupo, mas principalmente as condições deste grupo de responder a
este estímulo, pela confiança que é capaz de experimentar. Pelo risco que se dispõe e
possue condições de acessar o seu desconhecido, a explicitar o não-dito e resignificar
suas experiências passadas e sentimentos.
        A manifestação dos sentimentos foi realizada por meio da expressão direta. Al-
guns membros falaram abertamente o que sentiam; nas situações de crise outros partici-
pantes foram desafiados a falar o que os incomodava, o que encorajou os demais partici-
pantes e deflagrou um processo de mudança. Entretanto, a possibilidade de resignificar e

             SBDG – Caderno 98    Resistência: o que se faz com o que não se sabe?     18
deixar de investir energia na resistência foi possível pela mudança e crescimento que já
tinha ocorrido em cada integrante, por sua motivação e condições para crescer e se de-
senvolver.
       O passado – como um “elo perdido” – deixou de ser o entrave para o crescimento
e tornou-se uma ponte valiosa para a compreensão do presente.. Os personagens em um
processo de experimentação e criação – num espaço coletivo e individual ao mesmo tem-
po – conseguiram se reconhecer como capazes. Desta forma, o grupo potencializou-se,
como fica evidenciado, quando sentiu-se seguro o suficiente para enfrentar uma nova
situação da qual precisariam agir com autonomia. No instante da apresentação, mesmo
sem seu líder presente, sua força se manifestou contagiando a todos os presentes.
       A “vida no paraíso” significa poder viver seu potencial na realidade presente, com
confiança para experimenta-se e experimentar a realidade.


        REFERENCIAS

BION, W. R. Experiência com grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1970.
FREUD, S. Estudos sobre a histeria. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1968. v. 2.
       . (1929). O mal estar na civilização. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 21.
GRINBERG, L.; SOR, D.; BIANCHEDI, E. T. Introdução às idéias de Bion. Rio de Janeiro: Imago,
1973.
MILLES, T. A sociologia dos pequenos grupos. São Paulo: Pioneira, 1970.
ZIMERMAN, D. Bion – da teoria à prática. Porto Alegre: Artmed, 2004.
       . Fundamentos psicanalíticos – teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1999.




               SBDG – Caderno 98       Resistência: o que se faz com o que não se sabe?            19
ANEXO

Música cantada por GABRIELA

Agora que a vida me pertence
Me resta pouco tempo na terra
E meu desejo me trouxe até aqui.
Tudo que perdi.
Tudo que ganhei.
Ainda assim fui eu que escolhi.
Minha crença estava além das palavras
Me mostraram um pouco
Do céu que nunca vi.
Quero sentir que estou viva
Todos os dias da minha existência.
Vou viver como desejo.
Quero sentir que estou viva
Sabendo que fui boa.

Nunca esqueci quem eu sou
Só deixei adormecido.
Talvez nunca tenha tido a chance
De querer estar viva.
Só o que quero é ser feliz
Sendo eu mesma.
Ser forte e livre
Para ver o dia surgir das trevas.
Estou aqui
E a minha vida pertence somente a mim.
E o céu que pensei estar ali
Vou descobrir aqui em algum lugar.
Quero sentir
Que vivi a minha vida!!




      SBDG – Caderno 98   Resistência: o que se faz com o que não se sabe?   20

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  • 1. Curso de Formação Básica em Dinâmica dos Grupos Porto Alegre – RS Coordenação: Isabel Doval, Ana Sílvia Borgo Resistência: o que se faz com o que não se sabe? DANIELA FONTOURA DOMINGUES ISABELLE KARAM PUCCI DIAS PATRÍCIA MARKUS TATIANA SCUR ZAMIN SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 1
  • 2. Resumo – O presente trabalho consiste num estudo de caso sobre o fenômeno da resis- tência, os desdobramentos, implicações e repercussões no processo de um grupo. O filme “A Vida no Paraíso” serve como objeto desse estudo pelo fato de apresentar subsídios que permitem a observação, investigação e levantamento de hipóteses acerca do tema. A teoria Psicanalítica de Sigmund Freud e a teoria de W. Bion sobre grupos apresentam uma abordagem ampla e consistente a respeito do processo de grupo que servem para fundamentar o estudo que nos propusemos, de investigar a influência da autoridade no modo como o grupo elabora a sua resistência. Palavras-chave – Resistência. Processo de grupo. Influência da autoridade na resistên- cia. Desenvolvimento de grupo. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 2
  • 3. SUMÁRIO 1. Introdução ...................................................................................................................4 2. Justificativa .................................................................................................................4 3. Foco.............................................................................................................................5 4. Objetivos .....................................................................................................................5 5. Metodologia ................................................................................................................5 6. Revisão de literatura ...................................................................................................5 7. Análise ......................................................................................................................11 8. Considerações finais .................................................................................................18 Referências.........................................................................................................................19 Anexos ...............................................................................................................................20 SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 3
  • 4. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste num estudo de caso sobre o fenômeno da resistência, os desdobramentos, implicações e repercussões em um processo de grupo. O filme –“A Vida no Paraíso” – serve como objeto desse estudo pelo fato de apresentar subsídios que permitem a observação, investigação e levantamento de hipóteses acerca do tema. O trabalho desenvolvido está dividido em três partes: fundamentação teórica, in- tegração/discussão do filme e conclusão. O suporte teórico utilizado norteou o rumo das observações na medida em que ofereceu elementos facilitadores para a integração do ma- terial. Foi escolhida como linha teórica a psicanálise, a partir de Freud e Bion. Optou-se por este aporte teórico por considerarmos que tais autores apresentam uma abordagem ampla e consistente a respeito do processo de grupo com o foco na resistência. Através do entendimento freudiano foi possível compreender como surgiu o termo e como aconte- cem as relações de autoridade, hierarquia, limites e que implicações têm no processo dos grupos. Bion, por sua vez, ao trabalhar os supostos básicos e as conseqüências deste fe- nômeno para a realização da tarefa, oferece recursos para o entendimento do que ocorre na relação de um grupo com seu líder. Bion questiona e instiga a refletir sobre o que im- pede que o grupo realize sua tarefa, como o grupo enfrenta as frustrações e de que forma lida com a resistência. A hipótese que pretendemos testar com este estudo refere-se ao movimento que o grupo faz para enfrentar e elaborar sua resistência: quando um integrante começa a expli- citar sentimentos no grupo, esta atitude depende do facilitador, e esta atitude influencia a todos os seus membros a fazerem o mesmo, isto é, colocarem o que sentem e assim, ex- perimentando-se, revêem seus conteúdos antigos, causadores dos movimentos de resis- tência podendo, finalmente, ressignificá-los. 2 JUSTIFICATIVA De acordo com as determinações do curso de formação em coordenadores de gru- po pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos, o assunto escolhido partiu da ini- ciativa de um subgrupo de formandos interessados em entender melhor o tema da resis- tência. Em virtude do fenômeno da resistência estar presente desde o primeiro encontro deste grupo de formação – sob diferentes formas e em diferentes momentos – trouxe à discussão o sentido que tal fenômeno tem para os grupos. A força motivadora para a rea- lização do presente estudo de caso, partiu do desejo dos formandos em entender qual par- ticipação têm como membros de um grupo e como ocorre a resistência no processo do mesmo. Ao longo da formação foi possível experimentarmos dificuldades e enfrentar obstáculos na medida em que surgiram as tarefas a serem cumpridas. A partir da vivência do tema, aliado ao exercício do estudo de caso, é que foi pos- sível levantar hipóteses e integrar a teoria à prática. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 4
  • 5. 3 FOCO O foco do trabalho é compreender o fenômeno da resistência a partir das manifes- tações observadas em um pequeno grupo. 4 OBJETIVOS O objetivo geral é proporcionar o entendimento da resistência e suas repercussões em um processo de grupo através da análise de um filme. Os objetivos específicos são conceituar o fenômeno da resistência e suas manifes- tações no comportamento dos membros do grupo, levantar hipóteses a respeito da obser- vação deste fenômeno, identificar, compreender e relacionar a teoria ao material escolhi- do e oportunizar o crescimento dos investigadores, enquanto sujeitos e agentes do fenô- meno da resistência, como membros de um pequeno grupo. 5 METODOLOGIA O trabalho realizado utilizou o filme “A Vida no Paraíso” como instrumento de análise e compreensão do fenômeno da resistência. A partir das relações dos membros de um grupo entre si e com a figura de autoridade foram tomadas cenas e diálogos para ilus- trar o que a teoria escolhida contempla sobre os movimentos deste grupo. As falas transcritas do filme na Discussão servem como suporte para ampliar a compreensão do caso por meio de exemplos e descrição das cenas, dos personagens, do contexto da trama. 6 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Freud – o precursor Considerada a pedra angular da prática analítica, ainda hoje diferentes autores têm estudado o fenômeno da resistência. Freud (1893) utiliza o termo resistência pela primei- ra vez a partir do trabalho com suas pacientes histéricas em que tentava fazer vir à tona lembranças esquecidas. Oriunda da palavra alemã widerstand em que wider significa “contra”, foi com- preendida, a princípio, como obstáculo ao processo analítico. O termo resistência, por longo tempo, foi empregado com uma conotação pejorativa. A própria terminologia utili- zada para caracterizá-la, em épocas passadas (de certa forma, ainda persistindo no presen- te), era impregnada de expressões típicas de ações militares, como se o trabalho analítico fosse uma beligerância do paciente contra o analista e vice-versa. Na evolução dos seus estudos, Freud ampliou o conceito de resistência. Percebeu que o fenômeno não se destinava somente à recordação de lembranças indesejáveis, mas também contra a percepção de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgiam deformados. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 5
  • 6. As resistências, segundo o Freud, são repetições de todas as operações defensivas utilizadas pelo paciente em sua vida passada. Embora alguns aspectos de uma resistência possam ser conscientes, uma parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente, sendo que sua causa imediata é sempre evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou vergonha. No final de um processo terapêutico analítico, descobrir-se-á que é o medo de um estado traumático que a resistência está tentando evitar. Segundo Zimerman a resistência provém sempre do ego podendo ser consciente ou inconsciente. Ela pode expressar-se por meio de emoções, atitudes, idéias, impulsos, fantasias, linguagem, somatizações ou ações. Ou seja, todos os aspectos da vida mental podem ter uma função de resistência e cada indivíduo possui um repertório próprio de manifestações resistenciais expressas das formas menos objetivas às mais diretas, o que demonstra a complexidade da questão. Ainda de acordo com Zimerman (1999), para Freud em “A interpretação dos so- nhos”, os conceitos de resistência e de censura estão intimamente relacionados: a “censu- ra” é para os sonhos aquilo que a “resistência” é para a associação livre. Neste trabalho, em suas considerações sobre o esquecimento dos sonhos, Freud deixou postulado que uma das regras da psicanálise é que tudo o que interrompe o progresso do trabalho psica- nalítico é uma resistência. Estudando Bion, médico, psiquiatra e também psicanalista, estudioso dos fenôme- nos grupais, entre outras contribuições, verifica-se que ao referir-se aos fenômenos ob- servados nos diferentes grupos que trabalhou, ele utiliza-se de uma terminologia específi- ca. O pensamento central de Bion (1970) é que em todo grupo dois grupos estão presen- tes: o “grupo de trabalho” e o “grupo de suposição básica”. O grupo de trabalho é aquele aspecto do funcionamento do grupo que tem a ver com a real tarefa do grupo. O grupo de trabalho toma conhecimento de seu propósito e pode definir sua tarefa. A estrutura do grupo é para alcançar a realização da tarefa. Os membros do grupo de trabalho cooperam indivíduos e discretamente. Cada membro do grupo pertence a isto é sua escolha ver que o propósito do grupo seja cumprido. Ele está então, com a tarefa do grupo, identificado com seu interesse. O grupo de trabalho constantemente testa suas conclusões com um espírito científico. Busca conhecimento, aprende por experiência e constantemente per- gunta como pode alcançar melhor sua meta. Está claramente consciente da passagem de tempo e dos processos de aprendizagem e desenvolvimento. Tem um paralelo com o ego no indivíduo, no significado Freudiano, da pessoa racional e madura. Uma grande parte da teoria de Bion preocupa-se em saber por que os grupos não se comportam do modo sensato descrito como sendo a característica do grupo de traba- lho. O grupo de trabalho é só um aspecto do funcionamento do grupo. O outro aspecto é o que Bion chama de o grupo de suposição básica. Essas suposições estão configuradas por emoções intensas e de origem primitiva. De acordo com Grinberg (1973) ao citar Bion, os impulsos emocionais subjacen- tes no grupo, as suposições básicas, expressam algo assim como fantasias grupais, de tipo onipotente e mágico, relacionadas com o modo de obter os seus fins ou satisfazer seus desejos. Esses impulsos, que se caracterizam pelo irracional de seu conteúdo, têm uma força e uma realidade que se manifesta na conduta do grupo. As suposições básicas são inconscientes e muitas vezes opostas às opiniões conscientes e racionais dos membros que compõem o grupo. A partir do que foi formulado por Bion, Grinberg coloca no livro “Introdução às Idéias de Bion” que todos os supostos básicos são estados emocionais tendentes a evitar a frustração inerente ao aprendizado pela experiência, aprendizado que implica esforço, dor SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 6
  • 7. e contato com a realidade. Em “Experiência com grupos” (1970), Bion afirma que a par- ticipação na atividade da suposição básica não exige treinamento, experiência ou desen- volvimento mental. Ele diz: Em contraste com a função do grupo de trabalho a atividade de suposi- ção básica não faz sobre o indivíduo exigências de uma capacidade a cooperar, mas depende de possuir aquele o que chamo de valência – termo tomado de empréstimo à física para expressar a capacidade de combinação instantânea e involuntária de um indivíduo com outro para partilhar e atuar segundo uma suposição básica. A função do grupo de trabalho acha-se sempre à mostra com uma – e apenas uma – suposição básica. Embora a função do grupo de trabalho possa permanecer inalte- rada, a suposição básica contemporânea que impregna suas atividades pode mudar com freqüência; pode haver duas ou três modificações a cada hora ou ser a mesma suposição básica por meses a fio (p. 141). Acrescenta ainda sobre o tema das suposições básicas que todas incluem a exis- tência de um líder, embora no grupo de acasalamento o líder seja inexistente, isto é, futu- ro. Este líder não precisa ser identificado com qualquer indivíduo do grupo; não necessita ser nem mesmo uma pessoa, mas pode identificar-se com uma idéia ou um objeto inani- mado. No grupo de dependência, o lugar de líder pode ser preenchido pela história do grupo. Para Bion (1970) a primeira suposição básica é a de que o grupo se reúne a fim de ser sustentado por um líder de quem depende para a nutrição, tanto material quanto espi- ritual, e proteção. Neste primeiro suposto básico – chamado de dependência – o grupo sustenta a convicção que está reunido para que alguém proveja a satisfação de todos os seus desejos e necessidades, alguém de quem o grupo depende de forma absoluta, pois seus membros agem como se eles não soubessem nada; como se fossem criaturas inade- quadas ou imaturas. Neste estado emocional o grupo insiste que todas as explicações se- jam extremamente simples; ninguém pode entender de alguma complexidade; ninguém pode fazer qualquer coisa que seja difícil; mas o líder pode resolver todas as dificuldades, só ele é capaz. Ele é idealizado como um tipo de deus que cuidará de suas crianças. O líder é tentado para assumir este papel e ir junto com a suposição básica do grupo. O mesmo autor coloca que a segunda suposição básica é de que o grupo reuniu-se para se preservar e que isto só pode ser feito lutando com alguém ou de alguma coisa ou fugindo de alguém ou de algo. Ele está preparado para assumir qualquer das duas atitu- des, indiferentemente. Bion chama este estado de luta-fuga; o líder aceito de um grupo neste estado é aquele cujas exigências sobre o grupo são sentidas como concedendo opor- tunidades para a fuga ou para a agressão e se fizer exigências que não sejam essas, será ignorado. Conforme Grinberg (1973), sobre a teoria em questão, o objeto mau é externo, e a única atividade defensiva diante dele consiste em destruí-lo (ataque) ou evitá-lo (fu- ga). Este grupo de suposição básica é antiintelectual e hostil à idéia de auto-estudo; auto- conhecimento pode ser visto como uma tolice introspectiva. Em um grupo cujo propósito ou tarefa é o auto-estudo, o líder perceberá quando o grupo estiver operando na suposição luta-fuga quando suas tentativas ou serão obstruídas por expressões de ódio contra todas as coisas e introspectivo, ou por vários outros métodos de ausência. O grupo bate-papo, conta histórias, chega tarde, está ausente ou se ocupa de inumeráveis atividades em torno da tarefa. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 7
  • 8. O terceiro suposto básico é o de acasalamento que se refere à crença coletiva e in- consciente que quaisquer que sejam as dificuldades e problemas um fato futuro ou um ser ainda por vir os solucionará. Bion diz que o sentimento de esperança é característico des- se grupo de acasalamento e deve em si próprio ser tomado como prova de que esse grupo se acha em existência mesmo quando parecem faltar provas. É ele próprio tanto precursor da sexualidade como uma parte dela. Bion afirma: Os sentimentos assim associados ao grupo de acasalamento encontram- se no pólo oposto aos sentimentos de ódio, destrutividade ou desespero. Para que os sentimentos de esperança sejam sustentados, é essencial que o “líder” do grupo, diferentemente dos líderes do grupo de dependência e do grupo de luta-fuga, seja futuro. Será uma pessoa ou uma idéia que salvará o grupo – na realidade, dos sentimentos de ódio, destrutividade, ou desespero de seu próprio grupo ou de outro – mas a fim de realizar isso, evidentemente, a esperança messiânica nunca deve ser alcançada. Apenas enquanto permanece sendo uma esperança, é que a esperança persiste. A dificuldade é que, graças à racionalização da sexualidade nascente do grupo, a premonição do sexo que intervém como esperança, há uma tendência para o grupo de trabalho ser influenciado na direção da criação de um Mestre, seja ele pessoa, idéia ou Utopia (Bion, p. 139). Para um efetivo funcionamento, as suposições básicas devem estar a serviço da ta- refa. A tarefa é como um pai sério que olha em direção a um planejamento inteligente. As suposições básicas são como as crianças brincalhonas ou assustadas que querem a satis- fação imediata dos seus desejos. O que Bion enfatiza é que ambos existem, e que ambos são necessários. O grupo de suposição básica, porém, existe sem esforço. O grupo de trabalho requer toda a concentração, habilidade e organização das forças criativas que podem ser reunidas. A capacidade de cooperação e esforço dos membros do grupo e isso não se dá por valência e sim por um certo amadurecimento e treinamento para participar dele. É um estado mental que implica contato com a realidade, tolerância à frustração, controle de emoções; é análogo, em suas características, ao Ego como instância psíquica descrita por Freud. Mas os indivíduos parecem temer serem subjugados pela suas valên- cias no grupo; ou, de outra forma, temem ser subjugados pelas suposições básicas. Mas o indivíduo em um grupo sempre não está convencido disto. Quando os indivíduos em um grupo sentem que perderam ou estiveram a ponto de perder suas individualidades, podem experimentar pânico. Isto não significa que o grupo desintegra, porque pode continuar como um grupo de luta-fuga; mas significa que o indivíduo se sente ameaçado e muito provavelmente regrida e manifeste expressões de resistência. Zimerman (2004) ao citar Bion – sob o ponto de vista clínico – coloca que embora ele reconheça o caráter obstrutivo e maligno que representa para a evolução de alguma análise o emprego de certas formas resistenciais, sua maneira prioritária de encará-las é considerando que as resistências manifestas no curso da análise reproduzem a estrutura caracterológica do ego do paciente. São um indicador fiel de como esse paciente se de- fende e se comporta na vida real. Bion (1970) concebe a resistência como uma constru- ção de ego do indivíduo para se defender dos perigos reais e imaginários, que lhe pare- çam ameaçar. Ele ainda, sente um respeito saudável pelas capacidades das pessoas para funcionar em um nível de trabalho. Bion pensa que os grupos que se encontraram para estudar o próprio comportamento, a interpretação consistente das tendências de suposi- ções básicas os trará gradualmente à consciência e diminuirá a ameaça. O paralelo aqui SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 8
  • 9. com a psicanálise, dos impulsos inconscientes está claro. Presumivelmente, quanto mais consciência da suposição básica do grupo, mais a o grupo de trabalho pode emergir em funcionamento efetivo. Neste momento vale ressaltar que todas as suposições básicas de Bion incluem a existência de um líder, como já visto. Theodore Mills (1970), quando fala das relações emocionais inconscientes entre membros do grupo, e em que uma pessoa tem um poder superior indiscutível sobre os outros, cita a obra de Freud, “Totem e Tabu”, que faz refe- rência à descrição da horda primitiva. O autor traz os principais aspectos da descrição do autor: O pai (e chefe) é onipotente e absolutamente narcisista. Seus desejos pessoais são satisfeitos, sem consideração pelos outros. Dirige um ban- do de filhos impotentes que dependem dele para proteção, mas que são privados de todas as fontes de satisfação, entre as quais se inclui o sexo. O chefe fica com todas as mulheres. É respeitado e odiado pelos filhos. O desejo que estes têm de matá-lo é imobilizado, em primeiro lugar, pe- lo medo de vingança no caso de um fracasso, e, em segundo lugar, pelo medo e serem mortos pelo mais forte dos irmãos no caso de consegui- rem matar o pai. As mulheres (que praticamente não são mencionadas por Freud) aparentemente aceitam a superioridade masculina do chefe. Medo, respeito, ódio, atração, onipotência, impotência, satisfação total, privação total – essas são as emoções que, numa organização específica, constituem a horda primitiva. A onipotência narcisista, de um lado, a impotência narcisista, de outro, são seus aspectos fundamentais (p. 114). Assim, o Pai da Horda Primitiva protege e castiga. Os elementos do grupo o colo- cam no lugar de ideal do eu, possibilitando a identificação entre si através do ideal, que é comum a todos. As pessoas do grupo ficam coesas, ligadas entre si pela afetividade. “O homem sempre defenderá sua reivindicação individual contra a vontade do grupo”. Com isto Freud (1929) diz que não é de bom agrado, por solidariedade que as pessoas se submetem às leis do coletivo, tentarão sempre conseguir formas de se satisfa- zerem sem ter de “pagar a conta” e principalmente, tentando situações e justificativas que permitam escapar do severo, onisciente e onipresente censor interno. Alguns tentam sen- tir-se narcisicamente melhor que os outros por seguirem regras e preceitos de forma rígi- da, afastando de si o “incômodo” decorrente da percepção de que os “maus” não sofrem conseqüências pelos seus atos e na maioria das vezes sentem-se melhor. Contudo, este investimento narcísico não os deixa livre do mal estar decorrente das suas insatisfações, tornando-os mais sádicos consigo mesmos e na mesma proporção, com o outro. Ainda a respeito do trabalho de Bion com grupos e dentro desta linha de análise do coletivo, cabe ressaltar um dos aspectos acerca da dinâmica do processo grupal da interação entre indivíduo, grupo e sociedade, para qual fundamentação Bion utiliza a psi- cologia social. Para ele, a sociedade como grupo também apresenta fenômenos de suposi- ção básica. Em seu crescimento, os grupos sociais resolveram em parte esse problema delegando, por assim dizer, a determinados subgrupos, a função de contê-los e manipulá- los. Bion (1970) chama grupo especializado de trabalho a essas organizações e institui- ções. O fracasso de um desses subgrupos institucionalizados em conter eficazmente o suposto básico – porque este se acha especialmente ativo, ou porque por algum motivo é substituído por outro – provocará reações no subgrupo ou na sociedade da qual faz parte. Produzir-se-á então uma nova e diferente estruturação, que poderá evoluir até a mudança SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 9
  • 10. ou então reativar as tendências a evitá-la. O conceito de grupo especializado de trabalho proporciona uma nova perspectiva para a compreensão dos complexos fenômenos da sociedade em geral. Bion coloca, segundo Zimerman, que um “gênio” (que em outros momentos ele nomeia como “herói” ou “místico”) é aquele que por ser portador de uma idéia nova, re- presenta uma ameaça de mudança catastrófica para a estabilidade do establishment (uma cultura, uma instituição, um poder político, etc.) que está firmemente constituído e aceito para certa época e lugar. Para enfrentar a ameaça do “gênio”, o establishment ou o segre- ga (através da configuração de bode-expiatório) ou dá um jeito de absorvê-lo ou cooptá- lo. O místico ou gênio, portador desta idéia nova, é sempre disruptivo para o grupo; o Establishment trata de proteger o grupo dessa disrupção. O problema colocado pela rela- ção entre o místico-gênio e a instituição tem uma configuração emocional que se repete no curso da história de formas muito variadas. O místico necessita do establishment, e este do místico-gênio; o grupo institucionalizado (grupo de trabalho) é tão essencial ao desenvolvimento do indivíduo como este àquele. Segundo Bion (1970), o grupo precisa preservar sua coerência e identidade; esfor- ços nesse sentido se manifestam em convenções, leis, cultura e linguagem. O místico pode declarar-se revolucionário ou reivindicar que sua função é cumprir as leis, conven- ções e destino de seu grupo. Bion, nesta obra, define o místico como concomitantemente criativo ou destrutivo. Faz a distinção entre os dois extremos que coexistem na mesma pessoa. Estas formulações extremas representam dois tipos: o místico “criativo”, que so- licita formalmente adaptar-se às convenções do estabilishment que governa seu grupo, ou mesmo preenchê-las; e o místico niilista, que destrói suas próprias criações. De fato, todo gênio, místico ou messias, é ambas as coisas, desde que a natureza de suas contribuições será seguramente destrutiva de certas leis, convenções cultura ou coerência de algum grupo, ou de um subgrupo dentro de um grupo. A força disruptiva do místico-gênio fica limitada pelo meio de comunicação através do qual se transmite sua mensagem; e depen- derá da linguagem de êxito sua qualidade criativa e promotora de mudanças. O establi- shment tem como uma de suas funções conseguir uma adequada contenção e representa- ção da idéia nova, criativa ou genial, limitando em parte seu poder disruptivo e ao mesmo tempo fazendo-a acessível aos membros do grupo que não são geniais. O relacionamento entre o grupo e o místico pertence a uma destas três categorias comensal, simbiótico e parasítico. No relacionamento comensal os dois lados co-existem e a existência de um é inofensiva à de outro. não há confrontação nem permuta, se bem que esta possa produzir-se na medida em que a relação se modifique. No relacionamento simbiótico existe uma confrontação que, em última análise, será benéfica para ambos: as idéias do místico-gênio são analisadas e levadas em conta, suas contribuições geram hos- tilidade ou benevolência e o resultado produz crescimento tanto ao místico-gênio como no grupo, embora não se perceba esse crescimento sem certa dificuldade. As emoções predominantes são amor, ódio e conhecimento. No relacionamento parasítico, onde a inveja é o fator central, o produto da associação é a destruição e despojamento de ambos, místico e grupo. A configuração recorrente nessas descrições é a de uma força explosiva limitada por uma demarcação que tenta contê-la. No caso do grupo, a configuração se dá entre o místico-gênio e o establishment, com suas funções de conter, expressar e institu- cionalizar a idéia nova trazida por aquele, e proteger o grupo do poder disruptivo desta. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 10
  • 11. 7 ANÁLISE E DISCUSSÃO Escolhemos o filme “A Vida no Paraíso” como pano de fundo para o Trabalho de Conclusão de Curso por tratar-se de um instrumento criativo a respeito do processo de um pequeno grupo. Com o foco no fenômeno da resistência, o filme foi analisado a partir de alguns diálogos e cenas representativos da teoria referenciada. Optamos em dividir o que foi observado em dois momentos: (1) Análise da resistência do grupo durante sua formação: Maestro Daniel Daréus e principais personagens do coral: Gabriella, Lena, Siv, Tore, Arge, Inger, Holmfrid e Olga. (2) Análise da resistência da comunidade frente ao maestro: “O que a comunidade fez com o que não sabia” (Stig e Conny). Sinopse do filme: Um maestro de sucesso internacional, acostumado à rotina estressante dos palcos, de cerca de 40 anos, Daniel, interrompe inesperadamente sua carreira após sofrer um en- farte, decide retornar à terra natal situada no norte da Suécia. No trajeto até a cidade começa a tomar contato com as sensações e as lembranças da infância. Quando criança enfrentara resignadamente as agressões gratuitas de alguns colegas da escola, que não entendiam e não aceitavam sua sensibilidade musical. Durante estes episódios sua atitude era de passividade, ficando evidente a sensação de medo e vulnerabilidade. Apesar de não ter claro, a princípio, o motivo do seu retorno, demonstra estar dis- posto a realizar um sonho antigo – “criar uma música capaz de abrir o coração das pes- soas”. Quando chega à pequena vila, mostra-se reticente ao contato com os moradores. Sua fama logo cria um burburinho na cidade, fazendo dele objeto de curiosidade, fascina- ção e desconfiança. Não demora muito para ser convidado a ajudar o coro da igreja. Re- lutante a voltar ao “centro do palco”, acaba aceitando o convite e se surpreende com a descoberta do entusiasmo que sentia pela música. O trabalho com o coro traz novas ami- zades, mas também novos e velhos conflitos, assim como a descoberta do amor. Membros do coral e comunidade: Lena: moça solteira, com atitudes assertivas que namorou por três um médico que foi a trabalho para a cidade, sendo este casado. Todos os moradores da cidade sabia de sua condição, menos que ela que ficou sabendo disso no final de seu relacionamento. Tem medo de ser enganada novamente. Gabriella: casada, mãe de dois filhos, apanha do marido. Tem medo de seu com- panheiro mas não consegue larga-lo. Torna-se a voz principal do coral. Arnie: dono de uma loja na cidade, é o maior incentivador da participação de Da- niel como regente do coral. Irmão de Holmifrid e dono de uma personalidade forte e agressiva. Inger: esposa do pastor da cidade. É uma mulher passional, que reprime seus sen- timentos e desejos por seu esposo pela rigidez e moralismo deste. Stig: pastor da cidade, considerado a autoridade moral maior da cidade. Guiado por uma moral conservadora e rígida religiosa, não permite expressar seus verdadeiros desejos e sentimentos pela esposa, tendo uma “tara” por revistas masculinas. Siv: ex-regente do coral, solteira, que alimenta um desejo de travar um relaciona- mento amoroso com Daniel. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 11
  • 12. Holmifrid: irmão de Arnie, que por anos sofreu de abuso moral pelo irmão e pelas pessoas por seu peso. Sempre apresentou atitude cordata e passiva à violência vivida. Tore: rapaz portador de deficiência, que passa a integrar o coral, mostrando ter uma voz excepcional. Olga: idosa, com problemas auditivos. Conny: esposo de Gabriella e é o mesmo rapaz que em menino agredia Daniel. 1) O maestro e o coral: Daniel resiste ao convite de assistir ao ensaio do coral, mas acaba por ir. Quando é flagrado no recinto, procura esquivar-se rapidamente. O grupo do coral, por sua vez, ma- nifesta verbalmente as fantasias a respeito do “possível” olhar crítico do maestro, ao mesmo tempo em que ficam fascinados com sua presença. Cena 1 – Suposição básica Dependência: Diálogo dos membros do grupo com o maestro: – Não somos profissionais. Mas poderíamos ser melhores. – Dentro de nossas limitações.... Diálogo dos membros do grupo após a saída do maestro entre si: – Sonhei com a vinda dele... – Ele disse: No geral é muito bom! – Estas mesmas palavras? – No geral é muito bom! (repete) A partir destas falas e de acordo com as idéias de Bion, percebemos que o grupo encontra-se no suposto básico de dependência frente à presença do maestro como figura de autoridade. Nesta fase o grupo depende da aprovação, da satisfação de todas as neces- sidades e desejos por parte do líder que deve suprir as expectativas do grupo. O grupo considera-se sem potência, acreditando depender somente desta figura mágica do maestro para tornar-los capazes. À medida que o tempo passa, Daniel aceita o convite para regente e começa a dar sentido à sua participação e a definir seu papel neste coral: de observador começa a atuar como maestro/ compositor/ treinador. Ele inicia uma série de atividades com o grupo e quando um trabalho corporal é iniciado aparece a resistência, e assim, esta nova proposta do líder começa a incomodar e gerar insegurança nos participantes. O grupo fica mobilizado e utiliza-se da fuga como forma de diminuir a tensão. Quanto mais o grupo é dirigido ao trabalho corporal, cujo objetivo do maestro era as pessoas buscarem harmonia, maior é a resistência expressa através das gargalhadas e do diálogo paralelo. O grupo, desta forma, confronta a autori- dade e sua resistência está. evidenciada pela dificuldade que os participantes têm em harmonizar-se, ingressar na tarefa e realizá-la. Cena 2 – Suposição básica Fuga/Luta: Estão todos deitados no chão, próximos uns aos outros: (Risos) – Espero que ninguém nos veja... (risos) – A porta está trancada? (risos) SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 12
  • 13. – Estou pensando no pastor... (gargalhadas). A cena seguinte ilustra outro momento do suposto básico de fuga em que os per- sonagens atuam pelo comportamento e verbalmente. Estão todos de mãos dadas e a tarefa neste momento é todos acharem sua fonte, a sua essência. À medida que o maestro come- ça a desenvolver os objetivos, o grupo tenta escapar da tarefa, desconsiderando o que está sendo dito. Cena 3 – Suposição básica Fuga/Luta: Toca o celular de um participante e ele atende. Outro membro aproveita e come salgadinhos. – Pausa para o café. (pede um terceiro) – Café? Agora? Será que vocês não entenderam nada? (maestro) – Sabe, Daniel, isto tudo é tão novo para nós.... (outra participante) O maestro reage de forma autoritária e agressiva com os participantes, sendo ig- norado pelo grupo, que foge indo preparar o café. Vale citar, que este café passa a ser, posteriormente, incorporado como um hábito ao final dos trabalhos realizados pelo gru- po. Desta forma, fica evidente que o maestro, mesmo com todas as suas novas idéias e suas exigências, soube encontrar o equilíbrio com este grupo e suas rotinas, permitindo que seus membros pudessem sentir-se menos ameaçados pelas novas propostas, podendo encontrar um conforto em algo conhecido. Desta forma, menos autoritária e mais flexí- vel, adaptável do maestro, pode-se supor que as resistências dos membros do grupo tor- nar-se-ão menos salientes. Este dia de ensaio é finalizado com todos em círculo, abraços, cantando individualmente, emitindo seu modo de cantar, sua individualidade, como soli- citado pelo maestro. Cena 4 – Suposição básica de Dependência e Luta/Fuga: – Achem sua voz (maestro). Aparece Tore e começa a cantar. O grupo tira ele, que insiste em participar. – Ele não pode, é maluquinho, analfabeto, só vai causar problemas. Precisamos ter critérios (Arne). – Acho que ele deve participar (Lena). – Tenho planos para o coral. Estou trabalhando duro (Arnie – acende um cigarro e é pedido para ele ir fumar lá fora. Ele sai brabo e bate a porta). Siv vai atrás de Arne e argumenta, ao sair, que ele é muito dedicado ao grupo. Neste momento verifica-se os interesses individuais dos membros que impossibi- litam e interferem na realização da tarefa. Ao ver que seu objetivo individual está amea- çado, Arne propõe uma “luta” contra a ameaça externa representada por Tore. Em seu idealismo, não verifica a potencialidade deste (que é confirmada ao final da cena) e busca estabelecer critérios para a seleção do que seria membros “perfeitos” para seus planos, comum à suposição básica de dependência onde os membros para serem aceitos devem ser perfeitos justamente por não se sentirem capazes. Neste ponto consegue-se relacionar a teoria de Bion que diz que o grupo de trabalho necessita ter claro qual a tarefa, o objeti- vo a ser atingido, quando todos podem engajar-se de forma cooperativa na obtenção des- te. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 13
  • 14. Cena 5: Conny vem buscar Gabriella. Daniel tenta reagir mas é segurado por Arne. – Ele até já a prendeu. – Todos sabem que ele bate nela... (Lena). SILÊNCIO. – Eu já tentei falar com ela mas ela não ouve (Lena). – Por quê ela não se separa? (Olga) – Ele é capaz de tudo. Tore, assustado, começa a bater a cabeça na parede e defeca. Arne o ridiculari- za. – Cale a boca, Arne (Lena). Siv defende Arne e Lena briga com ela. Depois, Lena vai cuidar de Tore. SILÊNCIO. Tore pede a Lena que diga “as três palavras”. – Eu te amo (Lena). Nesta cena é possível observar os movimentos de resistência individuais dos membros do grupo, através dos silêncios. Todos são conscientes da situação de violência doméstica sofrida por Gabriella, mas não tem condições de se manifestarem em relação a ela. Ainda não está desenvolvido o clima de compartilhamento necessário a incentivar a expressão de sentimentos. Somente isto é possível entre Lena e Tore, que nutrem afetos sinceros um com o outro, pois ela o compreende e cuida dele. A partir deste momento, Daniel começa a escrever uma música para Gabriella cantar. Mais adiante observamos um momento de luta que aponta para a postura de con- fronto de um dos membros do grupo. Através do seguinte diálogo podemos constatar o que Bion define como suposto básico de luta/fuga. O membro que manifesta esta oposi- ção idealiza o maestro e tem desejos sexuais pelo o mesmo. A pessoa a quem ela critica (Lena) é uma participante do grupo que tem demonstrado claramente seu interesse pelo maestro. Assim, ao sentir-se ameaçada e insegura com a possibilidade de rejeição pelo líder, busca incitar o grupo à luta para eliminar a “ameaça”. Como percebe não haver concordância com sua posição, ela se exclui do grupo, não conseguindo superar-se e en- frentar suas dificuldades, desta forma concretizando sua resistência e impossibilitando-se de desenvolver-se. Cena 6 – Suposição básica Luta/Fuga: Ao perceber uma crítica de Siv feita à Lena durante o ensaio, Daniel pergunta: – Alguém aqui quer desabafar? – Eu gostaria de levantar uma questão. Sempre achei que o jeito de Lena não é bom para o nosso coral. (Siv) Arne questiona ao que Siv responde que Daniel havia pedido franqueza. – Lena sai sábados à noite, contra a fé crista e isso preocupa a todos nós. Vamos ignorar que tipo de vida ela vive? – Confesse que você está com ciúmes de Lena. (Arne) Siv sai e diz a Arne que ele devia se envergonhar de rir de uma mulher que ousa ser franca. Na cena seguinte, é importante citar, pois mostra a postura de Daniel que vai mu- dando e gerando no grupo a abertura necessária para expressão dos sentimentos e conse- SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 14
  • 15. qüente quebra ou diminuição da resistência. Mas ainda assim, percebe-se a necessidade de agradar o líder, ser amado por ele e aceito, características da suposição básica de de- pendência, como será descrito a seguir: Cena 7 – Suposição básica de dependência e abertura: Ao falarem do concerto que eles apresentarão na comunidade, Daniel entrega a música à Gabriella (vide anexo). SILÊNCIO. Ela diz que não pode cantar. Ele insiste: – Não acredito que não possa. Te escutei. – Por que está aqui (Gabriella a Daniel)? – Meu sonho é tocar e abrir o coração das pessoas com uma música. O que me impediu foi que achava difícil amar as pessoas. – Não pense que não gosto de você. Todos te amam e eu gravo tudo que você diz (Gabriella). Há outros picos de tensão em que a emoção é colocada de forma violenta. Quando Holmfrid, num acesso de raiva e choro, conta como se sente há 35 anos em virtude dos maus-tratos verbais que ouve do irmão, abre-se uma nova possibilidade. Neste exemplo percebe-se um movimento de luta e fuga que o porta-voz do grupo, neste momento, utili- za-se para expressar raiva e dor. Importante verificar que o movimento do líder de ex- pressar-se e mais este momento de tensão de Holmfrid, que permitiu a expressão de um sentimento antigo reprimido, possibilitou que todos pudessem se repensar em mudar de atitude, como o fez Gabriella. Eis a cena: Cena 8: No grupo, Gabriella chora. Arne a provoca pois todos os ingressos já foram ven- didos. – Cale-se (Daniel). – Mas ela podia se esforçar (Arne). Holmfrid, vendo a agressão do irmão, quebra uma cadeira e o ataca verbalmen- te: – Seu canalha! Cansei de você sempre dizer “gordinho isso, gordinho aquilo”. Vocês se divertiam também há 35 anos gozando de mim (dirigindo-se aos outros partici- pantes)! Ele chora e Inger o ampara. SILÊNCIO. Gabriella pega a folha, troca olhares com Holmfrid e sorriem um para o outro. Todo o grupo sorri. Ela decide cantar. A mudança gerada é transformadora. Após a apresentação do concerto, Holmfrid se emociona pois foi elogiado por duas pessoas. Ele passa a se perceber e se ver merece- dor de reconhecimentos. Cena 9 – Suposição básica Luta/Fuga e Grupo de Trabalho: Arne comunica ao grupo que este está inscrito num concurso de corais, na Áus- tria SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 15
  • 16. – Chegou hoje pelo correio. Está em alemão, vou traduzir. O coral está inscrito no concurso de corais... – Estaremos lá (diz um dos membros). – Eu nunca estive fora do país (fala outro – todos ficam eufóricos)! – Vocês não sabem no que estão se metendo... (maestro) – Por quê? Você tem medo? – Não tenho medo! Vocês não podem competir no canto. (maestro) – Estamos prontos agora! (Arne) – Vocês não podem competir, a idéia é louca, não acredito nisso... – Como você sabe que não devemos ir à Áustria? (Olga) – Como pode afirmar? (Lena) Após decidir: – E já que vamos nos apresentar que seja diferente, algo nunca visto antes. (Da- niel) Pela cena descrita acima e do diálogo do maestro com os membros do grupo, per- cebe-se que este é um momento relevante e novo. O grupo manifesta que está pronto e valoriza o que foi feito até então; quer enfrentar o desafio de apresentar-se em outro país e competir O grupo de trabalho, conforme o entendimento de Bion, requer de seus mem- bros capacidade de cooperação e esforço. É um estado mental que implica contato com a realidade, tolerância à frustração, c de suposto básico e do grupo de trabalho determinam um conflito permanente e recorrente dentro do grupo. Este conflito pode formular-se co- mo idéia nova e o grupo; entre o grupo de trabalho e o de suposto básico, por exemplo. Bion afirma que o indivíduo como pessoa dentro do grupo de trabalho está exposto ao inevitável componente de solidão, isolamento, e dor associados ao crescimento e evolu- ção. Neste momento Daniel está enfrentando seus próprios dilemas e dores frente à pos- sibilidade de reviver estes momentos tão dolorosos de sua vida profissional – sua rigidez excessiva, seu perfeccionismo, sua solidão, por isso resiste à idéia do concurso. Mas quando questionado, também tem sua possibilidade de refletir, pois o caminho vivido com o grupo já permitiu que as resistências pudessem ser superadas. E neste momento, é possível haver uma possibilidade real de crescimento e mudança. O grupo já estava traba- lhando com grupo de trabalho, pensando seus processos enquanto trabalhavam frente a um objetivo comum. Já haviam superado as resistências através da expressão sincera de seus sentimentos e aceitação destes pelos outros membros. Assim, já estão prontos para realmente mudar e fazer diferente. O que foi dito neste último parágrafo faz sentido também na penúltima cena do filme em que o grupo todo consegue realizar a tarefa, apesar da ausência do maestro. A motivação, a união de esforços e o enfrentamento dos obstáculos permitiram ao grupo aproveitar as oportunidades e desfrutar das conquistas. Cena 10 – Grupo de Trabalho: O coral se apresenta para a platéia, na Áustria, e quando se vê sem seu líder, eles próprios coordenam sua apresentação, cada um fazendo a sua parte, tocando o coração de todos os presentes ao espetáculo, objetivo inicial de seu maestro. Este morre, ao som da música do grupo do qual também fez parte, que transfor- mou e foi transformado, integrando assim, toda e qualquer dor e sofrimento, livre, po- dendo nesta expressão verdadeira serem, figurativamente, todas as suas resistências vivi- SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 16
  • 17. das resgatadas, pois na cena final do filme, Daniel encontra e abraça, no mesmo campo de sua infância, sua criança interior. 2) “O que a comunidade fez com o que não sabia”: A comunidade em que o filme se passa parece estar estruturada em cima de valo- res ortodoxos e rígidos. Pelo fato de ser um pequeno vilarejo num país nórdico, o cenário de inverno acentua o clima frio. A distância das pessoas, apesar do tamanho do local, fica evidente pela maneira como os moradores se comportam diante dos dramas vividos por alguns personagens. Isolados e sem contato, poucas eram as oportunidades de reunião. Estas ficavam restritas ao coral na igreja (supervisionada pelo pastor da cidade). Com a chegada do ma- estro toda a comunidade é afetada, os primeiros sintomas aparecem no comportamento dos moradores. A resistência à presença desse estranho despertou de início curiosidade e descon- fiança. Depois, a ira e a fúria tomaram conta dos principais representantes da autoridade do local. Quanto às fantasias acerca do maestro podemos constatar no grupo manifestações idealizadas a respeito do líder, conforme Mills (1970), onde o chefe, neste caso Daniel, representa a autoridade que tem o saber, que desperta os mais diferentes sentimentos e serve de parâmetro para os participantes. Além de ser figura ameaçadora e invejada, don- de surge o desejo de destruição deste objeto. O seguinte diálogo exemplifica. Cena 1: O pastor, até sua chegada, figura de autoridade da comunidade, questiona o ma- estro: – Por que você está aqui? Todos aqui se apaixonaram por você... Você sabe... Eu gravo tudo o que você diz... (tom de ameça) As fantasias, que a figura do maestro instigou em alguns moradores, provocaram conflitos no relacionamento dos casais e na estabilidade das instituições: Gabriella sepa- ra-se do marido, que vai preso ao ser denunciado por violência doméstica; Inger decide separar-se de Stig, o pastor, pois ele não compreende seus desejos e necessidades, man- tendo em sua postura rígida e conservadora; os jovens aderem à igreja através da partici- pação do coral; um de seus membros se declara a uma outra participante, após anos de amor silencioso, vindo os dois a namorarem; o pastor, que se vê como protetor da cultura local contra Daniel e conspira contra o maestro fazendo com este seja despedido da fun- ção de regente fazendo com que a igreja se esvazie e com que o grupo se mobilize a ir ensaiar na casa de Daniel, levando este pastor ao total desespero. Este “pai” se vê odiado por seus “filhos” – membros da congregação – e entra em desespero. Também esta dor, permite a ele vir a repensar sua postura narcísica e suas escolhas, demonstrando a relação simbiotica entre o establishment (pastor) e o místico-gênio (o maestro). A comunidade resiste com intensidade à mudança de rotina, aos desejos expressa- dos, ao medo enfrentado. A polarização entre o bem e o mal, certo e errado, produziu uma força no grupo capaz de romper valores e crenças. O caos originou uma nova forma de organização. O pequeno grupo desta comunidade assumiu riscos e transgrediu. A co- munidade nunca mais foi a mesma. O grupo também não. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 17
  • 18. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Resistência: o que se faz com o que não se sabe – tema do trabalho de conclusão de curso da SBDG – oportunizou a integração do aporte teórico e a compreensão do fe- nômeno a partir do filme “A vida no Paraíso”. A trajetória dos personagens em um pe- queno grupo serviu como pano de fundo ao estudo de caso. Dentro de um universo rico em relações, num contexto particular, foi possível investigar, levantar hipóteses e apro- fundar aspectos relevantes da história de um grupo e as manifestações resistências aí pre- sentes. O trabalho foi construído com o intuito de promover momentos reflexivos e inte- grativos tomando como ponto de partida a experiência dos indivíduos enquanto sujeitos em formação pela SBDG. Tanto a escolha do assunto abordado, quanto a forma e o mate- rial foram decididos em conjunto com o objetivo de abarcar a diversidade e os interesses da equipe. Por tratar-se de um filme, as possibilidades de interpretação e entendimento am- pliaram também as possibilidades de discussão. Sob inúmeros aspectos procuramos – como espectadores e críticos – apurar o olhar para a linguagem do cinema sem perder o foco no tema da resistência. Buscar o sentido não somente das palavras, mas do conteúdo das imagens provavelmente tenha sido o maior desafio na composição do trabalho. Inicialmente destacamos o nome do filme: A Vida no Paraíso. Remetendo a uma atmosfera idílica, caracterizada pela ausência de conflitos, con- tradições e limites a proposta do enredo pareceu, a princípio, descolada do título. A apa- rente incongruência – entre a vida no paraíso e o dia-a-dia das pessoas naquele conjunto de relações – provocou uma série de dúvidas e questões. Foi possível, somente durante o desenrolar da trama, perceber o emaranhado de situações e emoções em que os persona- gens estavam envolvidos e as conseqüências para o processo do grupo. A vida no Paraíso, a partir de então, se tornou plausível e cheia de significado. A reunião em torno de um coral e a relação de todos com o maestro – e entre si – formaram uma rede de ligações que deu sentido ao drama. O funcionamento do grupo – a partir da relação com a autoridade e o movimento deste para a realização da tarefa – ficou claro à medida que o processo de resistência tornou-se evidente. O grupo ao aliviar-se da tensão através dos supostos básicos, evitou realizar a tarefa de se desenvolver, até o mo- mento em que conseguiu tomar consciência da própria resistência. Uma vez reconhecidos e elaborados os conteúdos antes inconscientes, causadores de tensão e ansiedade, tornou- se desnecessária a resistência. Aqueles conteúdos deixaram de ser evitados e foram inte- grados ao processo consciente do grupo, oportunizando ao grupo utilizar esse conheci- mento para o seu desenvolvimento. Pode-se verificar que além do reconhecimento e manejo da resistência pelo maes- tro (figura de autoridade), utilizando a música, a voz, potencial de cada um e de todos, como meio de auto-expressão, reconhecimento e diferenciação, não depende só dele o desenvolvimento do grupo, mas principalmente as condições deste grupo de responder a este estímulo, pela confiança que é capaz de experimentar. Pelo risco que se dispõe e possue condições de acessar o seu desconhecido, a explicitar o não-dito e resignificar suas experiências passadas e sentimentos. A manifestação dos sentimentos foi realizada por meio da expressão direta. Al- guns membros falaram abertamente o que sentiam; nas situações de crise outros partici- pantes foram desafiados a falar o que os incomodava, o que encorajou os demais partici- pantes e deflagrou um processo de mudança. Entretanto, a possibilidade de resignificar e SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 18
  • 19. deixar de investir energia na resistência foi possível pela mudança e crescimento que já tinha ocorrido em cada integrante, por sua motivação e condições para crescer e se de- senvolver. O passado – como um “elo perdido” – deixou de ser o entrave para o crescimento e tornou-se uma ponte valiosa para a compreensão do presente.. Os personagens em um processo de experimentação e criação – num espaço coletivo e individual ao mesmo tem- po – conseguiram se reconhecer como capazes. Desta forma, o grupo potencializou-se, como fica evidenciado, quando sentiu-se seguro o suficiente para enfrentar uma nova situação da qual precisariam agir com autonomia. No instante da apresentação, mesmo sem seu líder presente, sua força se manifestou contagiando a todos os presentes. A “vida no paraíso” significa poder viver seu potencial na realidade presente, com confiança para experimenta-se e experimentar a realidade. REFERENCIAS BION, W. R. Experiência com grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1970. FREUD, S. Estudos sobre a histeria. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1968. v. 2. . (1929). O mal estar na civilização. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 21. GRINBERG, L.; SOR, D.; BIANCHEDI, E. T. Introdução às idéias de Bion. Rio de Janeiro: Imago, 1973. MILLES, T. A sociologia dos pequenos grupos. São Paulo: Pioneira, 1970. ZIMERMAN, D. Bion – da teoria à prática. Porto Alegre: Artmed, 2004. . Fundamentos psicanalíticos – teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1999. SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 19
  • 20. ANEXO Música cantada por GABRIELA Agora que a vida me pertence Me resta pouco tempo na terra E meu desejo me trouxe até aqui. Tudo que perdi. Tudo que ganhei. Ainda assim fui eu que escolhi. Minha crença estava além das palavras Me mostraram um pouco Do céu que nunca vi. Quero sentir que estou viva Todos os dias da minha existência. Vou viver como desejo. Quero sentir que estou viva Sabendo que fui boa. Nunca esqueci quem eu sou Só deixei adormecido. Talvez nunca tenha tido a chance De querer estar viva. Só o que quero é ser feliz Sendo eu mesma. Ser forte e livre Para ver o dia surgir das trevas. Estou aqui E a minha vida pertence somente a mim. E o céu que pensei estar ali Vou descobrir aqui em algum lugar. Quero sentir Que vivi a minha vida!! SBDG – Caderno 98 Resistência: o que se faz com o que não se sabe? 20