O editorial discute a irresponsabilidade fiscal de governadores que deixaram os cofres estaduais quase vazios ao fim de seus mandatos. A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê punições nesses casos, mas tem sido flexibilizada nas eleições, comprometendo a estabilidade econômica. O texto defende investigações e aplicação das sanções da lei para evitar novos maus exemplos.
1. Irresponsabilidade fiscal - Editorial
A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM),
encontrou os cofres de seu estado praticamente vazios ao tomar
posse no dia 1º de janeiro - existiam em caixa apenas R$611 mil. E
também uma considerável lista de pagamentos a fazer, alguns dos
quais inadiáveis, como transferências de parte da arrecadação de
ICMS aos municípios potiguares, quitação de uma parcela mensal
da dívida com a União, recolhimento a instituições financeiras de
prestações de empréstimos consignados que foram descontados da
folha de vencimentos dos servidores estaduais, etc. Sem dinheiro
em caixa, o Rio Grande do Norte ficou, então, inadimplente com a
União e com instituições financeiras, sendo que nesse último caso o
estado ainda pode ser acusado de apropriação indébita.
O mau exemplo de irresponsabilidade fiscal no Rio Grande do Norte
não é um caso isolado. Os governadores da Paraíba, Ricardo
Coutinho (PSB), do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e de
Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também encontraram os cofres
fazendários quase vazios.
No passado, o fenômeno era rotineiro. A política de terra arrasada
não poupava nem mesmo governantes que sucediam a aliados
políticos. Até que fosse possível restabelecer novo equilíbrio, os
serviços públicos se deterioravam, obrigando o governo federal a
intervir, na ajuda financeira a estados e prefeituras insolventes. Tal
quadro somente começou a mudar depois do Plano Real.
Entre as mudanças estruturais necessárias para pôr as finanças
públicas em ordem como um todo - condição essencial para
preservar o real -, o governo Fernando Henrique conseguiu que o
Congresso Nacional aprovasse a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF). Uma outra lei, complementar, instituiu processos criminais
contra governantes fiscalmente irresponsáveis. Mas a própria lei
2. original previu sanções políticas e administrativas a autoridades no
exercício do poder ou já fora dele. A União pode bloquear
transferências para cofres estaduais e municipais pelo
descumprimento da lei, e a Justiça pode declarar inelegíveis ex-
governantes fiscalmente irresponsáveis.
A economia brasileira cresceu significativamente em 2010, e a
carga tributária não diminuiu um décimo sequer. Não há qualquer
explicação razoável, portanto, para essa situação de cofres vazios,
a não ser uma farra de gastos motivada pelas eleições gerais de
outubro.
Como a Lei de Responsabilidade Fiscal é mais rigorosa e rígida no
último ano de mandato dos governantes (nenhuma despesa nova
pode ser autorizada com previsão de pagamento no exercício
seguinte sem que os recursos estejam previamente assegurados),
essa questão não pode passar em branco. Merece investigação e
cumprimento das sanções previstas na lei para que o mau exemplo
não se repita.
Se houver complacência com antigos governantes que
descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal, a conta sempre
acabará no Tesouro Nacional, obrigado a socorrer estados e
municípios insolventes de modo a que serviços públicos essenciais
não sejam paralisados.
Todo político governante se diz defensor da estabilidade
econômica. Caso a LRF vire letra morta, a estabilidade ruirá.