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“A LINGUAGEM NOS FAZ HUMANOS” - entrevista com Daniel Everett - publicada na revista
                          Veja em 7 de março de 2012.



         O linguista que contraria as teses de Noam Chomsky diz que o dom da fala não é
inato, mas produto das vantagens evolutivas da comunicação e dos valores culturais de cada
povo

          Professor da Universidade Bentley, em Boston, o americano Daniel Everett, originário
do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é um dos mais prestigiados linguistas e
etnólogos do mundo. Everett passa boa parte do ano em pesquisas de campo na tentativa der
obter resposta aos mistérios de como e por que o homem foi o único ser vivo a adquirir o dom
da fala e decifrar que mecanismos tornaram possível a conquista da linguagem. Em seu sexto
livro, Language: The Cultural Tool (Linguagem: a ferramenta cultural), que será lançado na
próxima semana nos Estados Unidos, Everett define a linguagem como um artefato criado e
moldado pela cultura, pela cognição e pelo instinto de se comunicar dos seres humanos. Ele
concluiu que a humanidade só sobreviveu em sua espinhosa caminhada evolutiva e chegou a
ter conseguido se equipar com a sua linguagem. Suas descobertas constituem um aberto
desafio à noção mais aceita até agora, de autoria de Noam Chomsky, segundo a qual
gramática, e portanto a linguagem, é um atributo físico inato do cérebro humano – teoria que
coloca todo o peso da especificidade humana na genética.

           Em seu livro, o senhor redefine o conceito de linguagem. O que essa abordagem tem
de novo? Durante cinco dé-cadas, os linguistas seguiram a teoria da gramática universal,
concebida por Noam Chomsky. De acordo com essa teoria, a gramática e a linguagem são
inatas ao ser humano e já vêm progra-madas no cérebro. Acho essa ideia ridícula. Nunca
houve provas de que existem estruturas em nosso cérebro ou em nosso DNA que nos
autorizem a dizer que a linguagem é hereditária. O célebre gene FOXP 2, que por um tempo foi
classificado como o gene da linguagem e prova da gramática universal, tem na verdade
múltiplas fun-ções. Ele atua no desenvolvimento dos pulmões, dos controles dos músculos da
face e define mais uma dezena de funções no organismo. O FOXP 2 tampouco é exclusivo do
homem. Os ratos, alguns pássaros e outros animais têm esse mesmo gene.

         Chomsky não deve ser levado a sério? A verdade é que Chomsky não é geneti-cista,
nunca fez pesquisas com biologia humana. Ele pôs de pé uma suposição ilusória e sem base
nas evidências cientificas. É óbvio que todas as ativi-dades humanas têm uma correspondência
no cérebro. Quando algu6m empu-nha, por exemplo, um revólver, ocorre a ativação de
determinadas regiões do cérebro cuja existência e função se de-vem a um ou mais genes. Isso
não quer dizer que nascemos com um gene para o uso de armas. Significa apenas que nos
valemos de nosso corpo e nosso cérebro para manipular essa ferramenta. O mesmo ocorre
com a linguagem. Ela é uma ferramenta criada por nós, que foi desenvolvida com o uso da
capacidade cerebral e corporal.
Definir a linguagem como uma ferramenta e colocá-la na mesma categoria de uma
arma não reduz sua complexidade? A linguagem não é apenas uma ferra-menta. Ela é a
ferramenta mais impor-tante do homem. É ela que nos faz hu-manos. Pela fala e, depois, pela
escrita, conseguimos formular pensamento e acumular conhecimento no decorrer das
gerações. Um cachorro não pode saber como era o seu bisavô. O homem é o único ser que
pode ter essa informação. Uma das maiores vantagens evolutivas da linguagem é a capacidade
de reconhecer que um semelhante tem um cérebro como o nosso e pode pen-sar, como nós. A
isso damos o nome de teoria da mente. Foi essa capacidade que nos possibilitou a
comunicação. No momento em que um homem raciocinou que o outro perto dele tinha uma
mente igual, chegou à brilhante conclusão de que “ele pode me entender”. Essa ideia básica,
fundamental, está presente até hoje em todas as formas humanas de expressão. Foi somente
a partir daí que conseguimos viver, plenamente em comunidade, que criamos a filosofia e a
matemática, que inventa-mos demais ferramentas e nos constituímos em uma humanidade.

         Chomsky tem poder político, O senhor não receia tê-lo como desafeto? Durante meu
pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, fui vizinho de sala de Chomsky. Até
nos dá-vamos bem, já que eu ainda não tinha publicado minhas ideias contrárias à sua teoria.
Há alguns anos, quando sua mulher morreu mandei-lhe uma mensagem de pêsames,
destacando ainda que, apesar de nossas diferenças, eu reconhecia sua importância para o
mundo acadêmico. Chomsky respondeu com simpatia, agradecendo. Mas publicamente agiu
com rispidez, chamando-me de charlatão em uma entrevista. Isso me marcou muito porque
mostra bem que tipo de pessoa ele é. Acredito que Chomsky só tenha con-seguido esse poder
que tem hoje de falar o que quiser mesmo mentiras, por sua atuação política, criticando os
Estados Unidos. Graças a esse proseli-tismo, ganhou uma leva de seguidores e ergueu-se um
muro de defesa em tomo dele. Recebo cartas desaforadas e e-mails violentos por discordar
dele. Mas não posso deixar de defender o que acho correto.

          Por que a linguagem deu origem a tantos idiomas? Nossas línguas são resultado de
uma combinação de três fatores: a “capacidade cognitiva do homem, a cultura dos povos e o
que as sociedades querem comunicar”. Nosso corpo estabelece os limites de como nos
expres-samos, a cultura define como falamos; e lemos e a vontade de nos comunicar-mos
determina o que queremos dizer. É uma relação dinâmica. Cada uma dessas peças influencia
as outras.

          Como o senhor chegou a essa idéia? Ela fica evidente ao analisarmos como são
estruturadas frases em diferentes idiomas. Uma frase em português com o verbo “dar”, ou em
inglês com o correspondente, ”give”, não por acaso tem três elementos: a pessoa que executa
ai ação, a ação e o receptor da ação. É possível somar outros elementos a esses. Em vez de
dizer apenas “João deu o livro a Maria”, podemos falar “Pedro disse que seu João deu o livro
para a irmã de Maria dá-lo a Maria”.

          Na língua dos piraãs tribo com a qual vivi na Amazônia, só a primeira frase é possível.
Para esses índios, uma frase sempre se encerra em si mesma. A linguagem piraã se vaIe de
sufixos que chancelam o grau de veracidade do está sendo dito. São três sufixos: um informa
que “eu vi isso com meus próprios olhos”, outro revela que “alguém me contou isso” e um
terceiro atesta que “eu digo isso com base em evidências”. Se você perguntar a um piraã:
“João deu o livro para Maria?”, ele responderá “híai”. Híaí não é um sim. Significa que ele
ouviu de alguém que o livro foi entregue. Esse cuidado é reflexo de um valor cultural
especial-mente caro aos píraãs, Para eles, é indispensável que o interlocutor apresen-te provas
do que está afirmando. Os píraãs têm outras estruturas que são re-sultado claro da influência
da cultura. Eles não conhecem os números. Só conseguem mensurar as quantidades e os
volumes em pouco ou muito. Para eles, saber contar claramente não seria uma vantagem
evolutiva. Identificar com precisão cada animal e árvore da floresta era decisivo e, como
resultado, os píraãs desenvolveram um complexo e vasto vocabulário sobre isso.

          Que influências da cultura o senhor identificou o português falado no Brasil ? O
brasileiro usa muito a palavra jeito, que não possui correspondente em inglês, nem na maioria
das outras línguas. Um brasileiro diz: “Esse é o jeito brasileiro”. Isso não tem tradução para o
inglês. Se um americano quiser dizer a mesma coisa, terá de construir uma sentença bem mais
longa. A pala­vra “jeito” é usada com muitas outras acepções em português, que não existem
em inglês. A palavra “malandragem” também requer malabarismos linguísticos complexos
para ser vertida para outro idioma. Para aprender a língua de um povo, é preciso
com-preender sua cultura. A grande maioria dos lingüistas não se dá ao trabalho de ir a campo
e se satisfaz estudando documentos em seus escritórios. Dessas torres de marfim é que
surgem ideias mirabolantes como as de Chomsky, sem evidências con-cretas a embasá-las.

         Como foi a sua convivência e a de sua família com os piraãs? Às vezes, foi
conturbada. Em três ocasiões, fui ameaçado de morte. A mais séria delas se ori-ginou de
minhas desavenças com um barqueiro com quem eu vinha insistindo que ele deveria pagar
pelo trabalho dos índios, em vez de dar bebidas a eles em troca dos serviços prestados. O
barqueiro, então, ofereceu uma es-pingarda nova como prêmio para o piraã que me matasse.
Em uma noite ou-vi um Índio bêbado gritando: “Não tenho medo, vou matar os americanos”.
Eu corri na direção de onde vinham os gritos e encontrei um grupo de piraãs armados de
espingardas e flechas. Re-colhi as armas deles. Depois tranquei minha família em um
armazém. Alguns chegaram a atirar flechas em minha casa, que foi invadida enquanto não
estávamos lá. No dia seguinte, eles vieram pedir desculpas.

          O senhor chegou ao Brasil, em 1977, como missionário evangélico. Hoje, é ateu. O
que fez o fez abandonar a fé? Eu era ateu até os 17 anos. Vim de uma família conturbada do
interior da Califórnia. Meu pai era alcoólatra, minha mãe morreu aos 29 anos e minha
madrasta se matou. Eu tinha uma banda de rock e usava drogas. Nesse tempo comecei a
namorar uma menina de uma família de missionários. Aos 18 anos, casei-me com ela e me
converti. Passei a acredi-tar em tudo o que está na Bíblia. A Bí-blia afirma que quem não
acredita em Deus vai para o inferno. Como eu não queria que as pessoas fossem condena-das
ao fogo eterno, virei missionário. Passei por treinamento nas florestas do México e me formei
em linguística. Depois, fui escalado pela igreja para trabalhar na Amazônia, com os piraãs, O
governo brasileiro dificultava a en-trada de americanos na floresta, e a so-lução que achei para
superar esse obs-táculo foi matricular-me no mestrado na Unicamp, em Campinas. Por cinco
anos tentei pregar a Bíblia na selva. Dois fatores me fizeram desistir da ca-tequização e da fé.
Primeiro, o contato intenso com o mundo acadêmico, que é assimétrico ao dos missionários.
Se-gundo, a relação com os índios. Quando trabalhava com afinco na tradução da Bíblia para o
piraã, comecei a ter dúvidas sobre o significado daquilo tu-do. Os índios me perguntavam
coisas como ”Você viu Jesus?”. Quando eu disse que não o conhecia pessoalmente, eles
chegaram à conclusão óbvia: “Você nunca Viu esse Jesus e fala sobre ele”. Bastou aquilo para
entender que havia algo de estranho no fato de aquela tribo primitiva ser muito mais exigente
do que eu, uma mente do Primeiro Mundo, com a exibição de evidências científicas para
embasar afirmações.



Isso mudou sua vida? Um dia, um piraã me disse: “Nós gostamos de vo­cê, mas sua mensagem
nada significa para nós”. Eu passei a me questionar cada vez mais intensamente se não es-tava
tentando impor a eles uma maneira diferente de ver o mundo sem sequer poder lhes dar uma
explicação lógica para isso. Em paralelo, comecei a per-ceber que aqueles ensinamentos não
fa-ziam mais sentido para mim mesmo. Em 1984, quando fui trabalhar no MIT, eu já me
transformara em um ateu. Nesse tempo, meus serviços como mis-sionário se tomaram uma
fachada para o que realmente me interessava, que eram os estudos de linguistica. Anos mais
tarde, na Inglaterra, onde fui pr0-fessor da Universidade de Mancbester, revelei finalmente à
minha esposa que havia perdido a fé. Eu disse a ela que, para mim, Jesus, se existiu mesmo, foi
apenas uma pessoa boa, mas não o filho de Deus. Eu me senti livre, dono da-quela liberdade
de alguém que conse-gue superar suas crenças e se sente, en-tão, honesto consigo mesmo .



Isso afetou a relação com a sua esposa e seus filhos? Minha mulher pediu o divórcio e, quando
nos separamos, disse que voltaria para mim se eu acei-tasse Cristo. Meus filhos ficaram sem
falar comigo por muito tempo. Recen-temente, eles voltaram a conviver comigo, mas ainda
com reservas.

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A linguagem nos faz humanos - entrevista com linguista Daniel Everett

  • 1. “A LINGUAGEM NOS FAZ HUMANOS” - entrevista com Daniel Everett - publicada na revista Veja em 7 de março de 2012. O linguista que contraria as teses de Noam Chomsky diz que o dom da fala não é inato, mas produto das vantagens evolutivas da comunicação e dos valores culturais de cada povo Professor da Universidade Bentley, em Boston, o americano Daniel Everett, originário do Massachusetts Institute of Technology (MIT), é um dos mais prestigiados linguistas e etnólogos do mundo. Everett passa boa parte do ano em pesquisas de campo na tentativa der obter resposta aos mistérios de como e por que o homem foi o único ser vivo a adquirir o dom da fala e decifrar que mecanismos tornaram possível a conquista da linguagem. Em seu sexto livro, Language: The Cultural Tool (Linguagem: a ferramenta cultural), que será lançado na próxima semana nos Estados Unidos, Everett define a linguagem como um artefato criado e moldado pela cultura, pela cognição e pelo instinto de se comunicar dos seres humanos. Ele concluiu que a humanidade só sobreviveu em sua espinhosa caminhada evolutiva e chegou a ter conseguido se equipar com a sua linguagem. Suas descobertas constituem um aberto desafio à noção mais aceita até agora, de autoria de Noam Chomsky, segundo a qual gramática, e portanto a linguagem, é um atributo físico inato do cérebro humano – teoria que coloca todo o peso da especificidade humana na genética. Em seu livro, o senhor redefine o conceito de linguagem. O que essa abordagem tem de novo? Durante cinco dé-cadas, os linguistas seguiram a teoria da gramática universal, concebida por Noam Chomsky. De acordo com essa teoria, a gramática e a linguagem são inatas ao ser humano e já vêm progra-madas no cérebro. Acho essa ideia ridícula. Nunca houve provas de que existem estruturas em nosso cérebro ou em nosso DNA que nos autorizem a dizer que a linguagem é hereditária. O célebre gene FOXP 2, que por um tempo foi classificado como o gene da linguagem e prova da gramática universal, tem na verdade múltiplas fun-ções. Ele atua no desenvolvimento dos pulmões, dos controles dos músculos da face e define mais uma dezena de funções no organismo. O FOXP 2 tampouco é exclusivo do homem. Os ratos, alguns pássaros e outros animais têm esse mesmo gene. Chomsky não deve ser levado a sério? A verdade é que Chomsky não é geneti-cista, nunca fez pesquisas com biologia humana. Ele pôs de pé uma suposição ilusória e sem base nas evidências cientificas. É óbvio que todas as ativi-dades humanas têm uma correspondência no cérebro. Quando algu6m empu-nha, por exemplo, um revólver, ocorre a ativação de determinadas regiões do cérebro cuja existência e função se de-vem a um ou mais genes. Isso não quer dizer que nascemos com um gene para o uso de armas. Significa apenas que nos valemos de nosso corpo e nosso cérebro para manipular essa ferramenta. O mesmo ocorre com a linguagem. Ela é uma ferramenta criada por nós, que foi desenvolvida com o uso da capacidade cerebral e corporal.
  • 2. Definir a linguagem como uma ferramenta e colocá-la na mesma categoria de uma arma não reduz sua complexidade? A linguagem não é apenas uma ferra-menta. Ela é a ferramenta mais impor-tante do homem. É ela que nos faz hu-manos. Pela fala e, depois, pela escrita, conseguimos formular pensamento e acumular conhecimento no decorrer das gerações. Um cachorro não pode saber como era o seu bisavô. O homem é o único ser que pode ter essa informação. Uma das maiores vantagens evolutivas da linguagem é a capacidade de reconhecer que um semelhante tem um cérebro como o nosso e pode pen-sar, como nós. A isso damos o nome de teoria da mente. Foi essa capacidade que nos possibilitou a comunicação. No momento em que um homem raciocinou que o outro perto dele tinha uma mente igual, chegou à brilhante conclusão de que “ele pode me entender”. Essa ideia básica, fundamental, está presente até hoje em todas as formas humanas de expressão. Foi somente a partir daí que conseguimos viver, plenamente em comunidade, que criamos a filosofia e a matemática, que inventa-mos demais ferramentas e nos constituímos em uma humanidade. Chomsky tem poder político, O senhor não receia tê-lo como desafeto? Durante meu pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, fui vizinho de sala de Chomsky. Até nos dá-vamos bem, já que eu ainda não tinha publicado minhas ideias contrárias à sua teoria. Há alguns anos, quando sua mulher morreu mandei-lhe uma mensagem de pêsames, destacando ainda que, apesar de nossas diferenças, eu reconhecia sua importância para o mundo acadêmico. Chomsky respondeu com simpatia, agradecendo. Mas publicamente agiu com rispidez, chamando-me de charlatão em uma entrevista. Isso me marcou muito porque mostra bem que tipo de pessoa ele é. Acredito que Chomsky só tenha con-seguido esse poder que tem hoje de falar o que quiser mesmo mentiras, por sua atuação política, criticando os Estados Unidos. Graças a esse proseli-tismo, ganhou uma leva de seguidores e ergueu-se um muro de defesa em tomo dele. Recebo cartas desaforadas e e-mails violentos por discordar dele. Mas não posso deixar de defender o que acho correto. Por que a linguagem deu origem a tantos idiomas? Nossas línguas são resultado de uma combinação de três fatores: a “capacidade cognitiva do homem, a cultura dos povos e o que as sociedades querem comunicar”. Nosso corpo estabelece os limites de como nos expres-samos, a cultura define como falamos; e lemos e a vontade de nos comunicar-mos determina o que queremos dizer. É uma relação dinâmica. Cada uma dessas peças influencia as outras. Como o senhor chegou a essa idéia? Ela fica evidente ao analisarmos como são estruturadas frases em diferentes idiomas. Uma frase em português com o verbo “dar”, ou em inglês com o correspondente, ”give”, não por acaso tem três elementos: a pessoa que executa ai ação, a ação e o receptor da ação. É possível somar outros elementos a esses. Em vez de dizer apenas “João deu o livro a Maria”, podemos falar “Pedro disse que seu João deu o livro para a irmã de Maria dá-lo a Maria”. Na língua dos piraãs tribo com a qual vivi na Amazônia, só a primeira frase é possível. Para esses índios, uma frase sempre se encerra em si mesma. A linguagem piraã se vaIe de sufixos que chancelam o grau de veracidade do está sendo dito. São três sufixos: um informa que “eu vi isso com meus próprios olhos”, outro revela que “alguém me contou isso” e um terceiro atesta que “eu digo isso com base em evidências”. Se você perguntar a um piraã:
  • 3. “João deu o livro para Maria?”, ele responderá “híai”. Híaí não é um sim. Significa que ele ouviu de alguém que o livro foi entregue. Esse cuidado é reflexo de um valor cultural especial-mente caro aos píraãs, Para eles, é indispensável que o interlocutor apresen-te provas do que está afirmando. Os píraãs têm outras estruturas que são re-sultado claro da influência da cultura. Eles não conhecem os números. Só conseguem mensurar as quantidades e os volumes em pouco ou muito. Para eles, saber contar claramente não seria uma vantagem evolutiva. Identificar com precisão cada animal e árvore da floresta era decisivo e, como resultado, os píraãs desenvolveram um complexo e vasto vocabulário sobre isso. Que influências da cultura o senhor identificou o português falado no Brasil ? O brasileiro usa muito a palavra jeito, que não possui correspondente em inglês, nem na maioria das outras línguas. Um brasileiro diz: “Esse é o jeito brasileiro”. Isso não tem tradução para o inglês. Se um americano quiser dizer a mesma coisa, terá de construir uma sentença bem mais longa. A pala­vra “jeito” é usada com muitas outras acepções em português, que não existem em inglês. A palavra “malandragem” também requer malabarismos linguísticos complexos para ser vertida para outro idioma. Para aprender a língua de um povo, é preciso com-preender sua cultura. A grande maioria dos lingüistas não se dá ao trabalho de ir a campo e se satisfaz estudando documentos em seus escritórios. Dessas torres de marfim é que surgem ideias mirabolantes como as de Chomsky, sem evidências con-cretas a embasá-las. Como foi a sua convivência e a de sua família com os piraãs? Às vezes, foi conturbada. Em três ocasiões, fui ameaçado de morte. A mais séria delas se ori-ginou de minhas desavenças com um barqueiro com quem eu vinha insistindo que ele deveria pagar pelo trabalho dos índios, em vez de dar bebidas a eles em troca dos serviços prestados. O barqueiro, então, ofereceu uma es-pingarda nova como prêmio para o piraã que me matasse. Em uma noite ou-vi um Índio bêbado gritando: “Não tenho medo, vou matar os americanos”. Eu corri na direção de onde vinham os gritos e encontrei um grupo de piraãs armados de espingardas e flechas. Re-colhi as armas deles. Depois tranquei minha família em um armazém. Alguns chegaram a atirar flechas em minha casa, que foi invadida enquanto não estávamos lá. No dia seguinte, eles vieram pedir desculpas. O senhor chegou ao Brasil, em 1977, como missionário evangélico. Hoje, é ateu. O que fez o fez abandonar a fé? Eu era ateu até os 17 anos. Vim de uma família conturbada do interior da Califórnia. Meu pai era alcoólatra, minha mãe morreu aos 29 anos e minha madrasta se matou. Eu tinha uma banda de rock e usava drogas. Nesse tempo comecei a namorar uma menina de uma família de missionários. Aos 18 anos, casei-me com ela e me converti. Passei a acredi-tar em tudo o que está na Bíblia. A Bí-blia afirma que quem não acredita em Deus vai para o inferno. Como eu não queria que as pessoas fossem condena-das ao fogo eterno, virei missionário. Passei por treinamento nas florestas do México e me formei em linguística. Depois, fui escalado pela igreja para trabalhar na Amazônia, com os piraãs, O governo brasileiro dificultava a en-trada de americanos na floresta, e a so-lução que achei para superar esse obs-táculo foi matricular-me no mestrado na Unicamp, em Campinas. Por cinco anos tentei pregar a Bíblia na selva. Dois fatores me fizeram desistir da ca-tequização e da fé. Primeiro, o contato intenso com o mundo acadêmico, que é assimétrico ao dos missionários. Se-gundo, a relação com os índios. Quando trabalhava com afinco na tradução da Bíblia para o piraã, comecei a ter dúvidas sobre o significado daquilo tu-do. Os índios me perguntavam
  • 4. coisas como ”Você viu Jesus?”. Quando eu disse que não o conhecia pessoalmente, eles chegaram à conclusão óbvia: “Você nunca Viu esse Jesus e fala sobre ele”. Bastou aquilo para entender que havia algo de estranho no fato de aquela tribo primitiva ser muito mais exigente do que eu, uma mente do Primeiro Mundo, com a exibição de evidências científicas para embasar afirmações. Isso mudou sua vida? Um dia, um piraã me disse: “Nós gostamos de vo­cê, mas sua mensagem nada significa para nós”. Eu passei a me questionar cada vez mais intensamente se não es-tava tentando impor a eles uma maneira diferente de ver o mundo sem sequer poder lhes dar uma explicação lógica para isso. Em paralelo, comecei a per-ceber que aqueles ensinamentos não fa-ziam mais sentido para mim mesmo. Em 1984, quando fui trabalhar no MIT, eu já me transformara em um ateu. Nesse tempo, meus serviços como mis-sionário se tomaram uma fachada para o que realmente me interessava, que eram os estudos de linguistica. Anos mais tarde, na Inglaterra, onde fui pr0-fessor da Universidade de Mancbester, revelei finalmente à minha esposa que havia perdido a fé. Eu disse a ela que, para mim, Jesus, se existiu mesmo, foi apenas uma pessoa boa, mas não o filho de Deus. Eu me senti livre, dono da-quela liberdade de alguém que conse-gue superar suas crenças e se sente, en-tão, honesto consigo mesmo . Isso afetou a relação com a sua esposa e seus filhos? Minha mulher pediu o divórcio e, quando nos separamos, disse que voltaria para mim se eu acei-tasse Cristo. Meus filhos ficaram sem falar comigo por muito tempo. Recen-temente, eles voltaram a conviver comigo, mas ainda com reservas.