A autora analisa as notícias da imprensa que mostram o grande número de pessoas que são vítimas de indivíduos perversos e mentirosos. Estes indivíduos se recusam a viver frustrações e são capazes de atos ilegais ou agressivos para obter o que desejam, independentemente da lei, recorrendo a mentiras e crueldades. Ela conclui que não existe tratamento psicanalítico para a psicopatia, que só existe para aqueles que buscam um psicanalista, sendo o tratamento de ordem social e
1. ESTUDOS DE
PSICANÁLISE
ISSN - 0100-3437
Publicação do
Círculo Brasileiro de Psicanálise
Julho/2010 – Aracaju-Se
Número 33
Estudos de Psicanálise Aracaju-Se N. 33 P. 13 - 158 Julho / 2010
2. Indexada em:
CLASE (UNAM – México)
IndexPsi Periódicos (BVS – PSI) – www.bvs-psi.org.br
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
ANPPEP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
Esta revista é encaminhada como doação para todas as bibliotecas
da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia – ReBAP
Ficha Catalográfica
ESTUDOS DE PSICANÁLISE. Aracaju. Círculo Brasileiro de Psicanálise,
n. 33, jul., 2010. 158 p.
Semestral. ISSN: 0100-3437 – 28 x 21cm
1. Psicanálise – periódicos
3. Revista Estudos de Psicanálise
EDITORES DA REVISTA
Déborah Pimentel (CPS)
Ricardo Azevedo Barreto (CPS)
CONSELHO CONSULTIVO
Anchyses Jobim Lopes (CBP/RJ)
Carlos Antônio Andrade Mello (CPMG)
Carlos Pinto Corrêa (CPB)
Cibele Prado Barbieri (CPB)
Fernando Cesar Bezerra de Andrade (SPP)
Isabela Santoro Campanário (CPMG)
Luis Martinho Ferreira Maia (SPP)
Marcelo Wanderley Bouwman (CPP)
Noeli Reck Maggi (CPRS)
Philippe Bessoles (Paris 7 - França)
Stetina Trani de Meneses e Dacorso (CBP/RJ)
CONSELHO EDITORIAL
Cecília Tereza Nascimento Rodrigues (CPS)
Déborah Pimentel (CPS)
Maria das Graças Araújo (CPS)
Patrícia Aranda Garcia de Souza (CPS)
Ricardo Azevedo Barreto (CPS)
CAPA
Trabalho em tapeçaria
Título: Fim de sessão
Maria Aparecida Nascimento Dias
Psicóloga - Psicoterapia infantil
Imagem cedida pela autora
FOTOGRAFIA:
Sérgio Silva
ENDEREÇO DA REDAÇÃO
Praça Tobias Barreto, nº 510 - São José
Ed. Centro Médico Odontológico,
12º andar, sala 1208
CEP: 49015-130 Aracaju - Se
cbp_br@ig.com.br
www.cbp.org.br
PROJETO GRÁFICO
Valdinei do Carmo
EDITORAÇÃO DE TEXTO E IMAGEM
Antônio Almeida
REVISÃO
José Araújo Filho (UFS) - Português
Fernanda Gurgel Raposo - Inglês
4.
5. Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP
DIRETORIA
Presidente
Déborah Pimentel
Vice-presidente
Cleo Malmann
Primeira Secretária
Patrícia Aranda Garcia de Souza
Segunda Secretária
Maria das Graças Araújo
Primeira Tesoureira
Cecília Tereza Nascimento Rodrigues
Segunda Tesoureira
Patrícia Aranda Garcia de Souza
Editores da Revista
Déborah Pimentel e Ricardo Azevedo Barreto
Consultoria Administrativa e Diretoria Científica
Carlos Pinto Corrêa
Cibele Prado Barbieri
Maria Mazzarello Cotta Ribeiro
Anchyses Jobim Lopes
Revista Eletrônica e home-page
Cibele Prado Barbieri
Representante junto à Articulação das
Entidades Psicanalíticas Brasileiras
Anchyses Jobim Lopes
6.
7. Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP
INSTITUIÇÕES FILIADAS
Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro - CBP/RJ
Av. Nossa Senhora de Copacabana, 769/504 - Copacabana
CEP: 20050-002 - Rio de Janeiro - RJ
Tel: (21) 2236 0655 Fax: (21) 2236 0279
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Círculo Psicanalítico da Bahia - CPB
Av. Adhemar de Barros, 1156/101, Ed. Máster Center - Ondina
CEP: 40170-110 - Salvador - Ba
Tel /Fax: () 3245 6015
E-mail: circulopsi.ba@veloxmail.com.br
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Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG
R: Maranhão, 734/3º andar - Santa Efigênia
CEP: 30150-330 - Belo Horizonte - MG
Tel: (31) 3223 6115 Fax: (31) 3287 1170
E-mail: cpmg@cpmg.org.br
Site: www.cpmg.org.br
Círculo Psicanalítico de Pernambuco - CPP
R: Desembargador Martins Pereira, 165 - Rosarinho
CEP: 52050-220 - Recife - Pe
Tel: (81) 3242 2352 Fax: (81) 3242 2353
E-mail: circulopsicanaliticope@yahoo.com.br
Site: www.circulopsicanaliticope.com.br
Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul - CPRS
R: Senhor dos Passos, 235 / 1001 - Centro
CEP: 90020-180 - Porto Alegre - RS
Tel/Fax: (51) 3221 3292
E-mail: circulopsicanaliticors@gmail.com
Site: www.cbp.org.br/cprs
Círculo Psicanalítico de Sergipe - CPS
Praça Tobias Barreto, 510/1208 - São José Ed. Centro Médico Odontológico
CEP: 49015-130 - Aracaju - Se
Tel: (79) 3211 2055
E-mail: cps@infonet.com.br
Site: www.circulopsicanalitico-se.com.br
Sociedade Psicanalítica da Paraíba - SPP
Av. Presidente Epitácio Pessoa, 753 sl.803/804 - Bairro dos Estados
Ed. Central Parque
CEP: 58030-000 - João Pessoa - Pb
Tel/Fax: (83) 3247 4025
E-mail: sppb@uol.com.br
Site: www.sppb.com.br
8.
9. Sumário 11
13
Editorial
Psicopatia da vida cotidiana
Psychopath of everyday life
Déborah Pimentel
21 O ofício – quase impossível - do psicanalista
The job – almost impossible - of the psychoanalyst
Anchyses Jobim Lopes
33 Casa da árvore, um lugar para brincar e conversar:
uma proposta de atendimento coletivo para crianças
de zero a doze anos em comunidades carentes do Rio
de Janeiro e Niterói
Casa da Árvore, a place for talking and playing: a
collective treatment proposal for children from 0 to 12
years old in destitute communities in the cities of Rio de
Janeiro and Niterói
Beatriz de Souza Lima
49 O nome do pai e o laço social no Grande Sertão:
Veredas
The Name of the Father and the social bonds in “Grande
Sertão: Veredas”
Eliana Rodrigues Pereira Mendes
55 Questões sobre a psicopatologia do amor quotidiano
Questions about the psychopathology of everyday love
Isabela Santoro Campanário
61 Mídia e o espelho da masculinidade?
The media and the mirror of masculinity?
Júlio César Diniz Hoenisch
Carlos da Silva Cirino
75 Nachträglichkeit: leituras sobre o tempo na
metapsicologia e na clínica
Nachträglichkeit: readings about time in
metapsychology and clinic
Luis Maia
Fernando Cézar Bezerra de Andrade
91 O escorpião e o sapo: o quê da perversão
The scorpion and the frog: the point of perversion
Maria Beatriz Jacques Ramos
101 Das origens da sexualidade feminina ao feminino nas
origens da psicossexualidade humana
From the feminine sexuality to the feminine into the
human psychosexuality origin
Maria das Mêrces Maia Muribeca
10. 109 A clínica do traumatismo sexual: mediação e
desengajamento do traumático
The clinic of sexual trauma: mediation and trauma
disengagement
Philippe Bessoles
Marilúcia Lago
117 O que será: indagações da paixão
What will it be: investigations of passion
Miriam Elza Gorender
125 A patologização da normalidade
The pathologization of normality
Paulo Roberto Ceccarelli
137 Psicanálise e arte: o programa de humanização no
hospital São Lucas em Sergipe
Psychoanalysis and art: the humanization programme in
São Lucas hospital in Sergipe
Ricardo Azevedo Barreto
147 Psicanálise e crítica literária
Psychoanalysis, literature and literary criticism
Stetina Trani de Meneses e Dacorso
11. Editorial
O Círculo Brasileiro de Psicanálise fomenta uma convivência frutífera da hete-
rogeneidade do pensamento psicanalítico em seu meio. Não defendemos uma Psica-
nálise enclausurada e dogmática, mas um lugar para o psicanalista atento às proble-
máticas atuais.
Nossa perspectiva teórico-metodológica se reflete em nossas produções cien-
tíficas. Alcançamos com êxito e muito esforço nesta edição o número 33 da revista
Estudos de Psicanálise que – como um caleidoscópio – desenha uma pluralidade de
saberes e/ou práticas psicanalíticas de membros de nossa Federada e expoentes de
diferentes instituições de nosso país e do exterior.
Muito nos honra produzirmos, como editores da revista, no biênio vigente da
Diretoria do Círculo Brasileiro de Psicanálise, nosso segundo exemplar. Mais ainda,
por termos travado, como meta, a produção de dois periódicos por ano, com notável
qualidade técnico-científica, o que só se tornou possível com as valiosas contribuições
dos conselheiros de nossa publicação e dos profissionais que trabalham conosco na
consecução do projeto gráfico, da editoração de texto/imagem e da revisão sistemática
de linguagem.
A história de nossa revista de quatro décadas e o alcance de nossas produções,
que chegam à totalidade da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia e
ultrapassam as fronteiras da brasilidade, exige-nos cada vez mais rigor científico. É o
que buscamos incessantemente.
Por outro lado, a beleza da Psicanálise nos motiva e permite enfrentar os desa-
fios e o mal-estar na civilização. A capa que reveste os instigantes textos que aqui se
encontram, portanto, não poderia ser menos do que encantadora, um convite ao ima-
ginário, a nos depararmos com as dualidades e profundezas da alma humana. Convite
esse que, de forma calorosa, reiteramos a todos os leitores deste acervo de escritos.
Déborah Pimentel e Ricardo Azevedo Barreto
Editores
12.
13. Psicopatia Da Vida Cotidiana1
Psychopath of everyday life
Déborah Pimentel2
Palavras-chave
Psicopatia, perversão, lei, tratamento.
Resumo
A autora faz uma análise das notícias veiculadas pela imprensa e a partir delas percebe-se o
grande número de pessoas que são vítimas de gente inescrupulosa e mentirosa e a dificuldade
que temos de identificar esses sujeitos perversos que gravitam ao nosso redor. São pessoas
que se recusam a viver frustrações e capazes de atrocidades e de recursos ilícitos ou agres-
sivos para alcançarem o que desejam a despeito da lei e que recorrem às mentiras, trapaças
e crueldades. A autora conclui que não existe uma resposta psicanalítica para os psicopatas,
pois ela só existe para um pedido daquele que se dirige a um psicanalista. O tratamento para
a psicopatia, se é que existe, é de ordem social e de caráter educativo.
O homem é a medida de todas as coisas. Vivemos uma terceira fase: a socieda-
Platão de do espetáculo, narcísica e perversa.
Palavras antes usuais, como solida-
Estou triste. Muito triste. Vi os homens de riedade e companheirismo, por exemplo,
perto. De muito perto. desapareceram do vocabulário e das rela-
Antoine de Saint-Exupéry ções do cotidiano. Os índices de violência
são crescentes, quer nas ruas, quer nas áreas
Houve um período em que a maioria privadas; reinam a intolerância e a insegu-
da população era bem neurótica. Para me- rança.
lhor definição, histérica. Estragavam tudo no Somos uma sociedade em que o sta-
melhor da festa para dormir com um gigante tus social e a imagem que o sujeito constrói
sentimento de culpa, cheios de ansiedade e e vende de si mesmo é que vão dizer da sua
de tranquilizantes. importância como sujeito. Há uma cultu-
Mais adiante a sociedade deprimiu e ra da mais valia, da Lei do Gérson, do le-
nunca se falou tanto, e se prescreveram tan- var vantagens em tudo, ser esperto. Valores
tos psicofármacos para a alegria dos labora- como honestidade, nobreza, generosidade,
tórios. amizade são ignorados ou tidos como atri-
Os tempos mudaram, e as manifesta- butos de pessoas bobas ou ingênuas.
ções psíquicas apresentam-se de forma vis- Talvez esta seja uma grande oportu-
tosa, quer no uso das drogas, no consumo nidade de dialogarmos com outras áreas do
exacerbado, no jogo patológico, no uso alie- conhecimento e oxalá, articularmos melhor
nante do computador, no culto ao corpo, nos nossos pensamentos entre a Lei e a Cultura,
transtornos alimentares, ou ainda nas trans- em um momento em que vivemos uma cri-
gressões e violência. se que denuncia a falência das instituições
1 Discurso proferido na abertura do XVIII Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise, dia 20 de maio de
2010 no Rio de Janeiro.
2 Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise para o Biênio 2008-2010. Editora da Revista Estudos de
Psicanálise. Doutoranda em Ciências da Saúde, curso do Núcleo de Pós-graduação em Medicina da Univer-
sidade Federal de Sergipe.
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010 13
14. Psicopatia da vida cotidiana
pilares da sociedade: família, igreja e gover- A Igreja Católica também tem sido,
no. nos últimos meses, a vedete de grande cons-
No seio familiar, protegem-se demais trangimento público e tenta, desarticulada e
os filhos, e se diz a eles apenas o que eles desajeitadamente, se redimir dos seus peca-
querem ouvir; os pais antecipam-se aos seus dos, porquanto, por décadas, as autoridades
desejos, não permitindo que aos filhos nada eclesiásticas têm sido omissas e até coniven-
falte. Gravíssimo pecado dos tempos atuais. tes com os padres pedófilos, que por sua vez,
Observem, pois, os filhos da atualidade. passam o dia falando no amor e temor às leis
Eles são esvaziados de desejos e de projetos. de Deus. São simulados.
Não sabem o que querem ser no futuro, não Há poucos dias, uma notícia na Folha
sabem o que vão fazer amanhã, não querem de São Paulo nos arrebatou pelo seu conte-
pensar. Estão insuportavelmente insatisfeitos, údo: um falso padre enganou fiéis por dois
se dizem infelizes e incompreendidos. anos com homilias impecáveis, realização
Quando frustrados, se são crianças, fa- de casamentos, batizados, missas e ouvindo
zem crise de birra, deitam no chão, gritam e confissões.
esperneiam e conseguem o que querem ime- É frequente assistirmos governantes
diatamente, principalmente se estão em pú- explicarem com naturalidade desvios de
blico, por saberem como constranger os pais. verbas públicas, caixa dois, mensalões, ma-
Desde muito pequenos aprendem rápido las de dinheiro, frutos de improbidades, cor-
como manipular os adultos, principalmente rupção e sonegação.
os que se sentem culpados pelo seu estilo de Há uma ausência de culpa ou remorso
vida: muito trabalho e pouca atenção aos fi- e total falta de constrangimento dessa tribo
lhos, que crescem cheios de presentes e pouca política, quando pegos em flagrante com
presença dos pais. Quando se tornam adultos, dinheiro nas cuecas e meias, ou mentindo,
são intolerantes às diferenças e se recusam a como certa candidata ao cargo de presiden-
viver frustrações; são capazes de atrocidades te da República que fraudou seu curriculum
e de recursos ilícitos ou agressivos para al- lattes, dizendo que era mestre e doutora sem
cançar o que desejam a despeito da lei e de ser uma coisa ou outra.
obstáculos de qualquer natureza. Recorrem Os políticos possuem, como bons psi-
às mentiras, trapaças, crueldades. copatas, um grande talento para distorcer as
Se abrirmos os jornais ou assistirmos regras, reinterpretar as leis a seu favor, ou as
ao noticiário da televisão com um novo reinventar e, simultaneamente, levantam a
olhar, facilmente perceberemos a extensão ética como bandeira e entram em movimen-
desse problema que é absolutamente estar- tos de combate à corrupção. Claro que nem
recedor. Senão, vejamos. todos os políticos são psicopatas, mas não
Há poucas semanas, nos noticiários, há dúvida de que psicopatas amam o poder
vimos a condenação dos pastores Estevam e e por isso se interessam tanto pela política.
Sonia Hernandes, líderes da igreja Renascer Definitivamente não há, aparentemen-
em Cristo, que deixaram de prestar contas te, mais nenhuma reserva ética e moral. So-
de uma das suas ONGs, mas que também brou muito pouco ou quase nada. Vivemos
vêm sendo processados por centenas de fi- em um mundo competitivamente selvagem
éis e pelo próprio Ministério Público por e sem lei, principalmente para muitos que
sonegação, fraudes e enriquecimento ilícito estão no poder e que manipulam as regras
às custas das doações dos seguidores de sua de acordo com as suas conveniências.
igreja. A dupla já cumpriu pena de prisão em Sem leis rígidas, a violência se torna
Miami por tentar ingressar nos Estados Uni- crescente, e, em contrapartida, a impuni-
dos com 56.000 dólares não declarados. dade em alguns segmentos torna-se uma
14 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010
15. Psicopatia da vida cotidiana
aberração e uma agressão ao bom-senso dos 31 anos criou dispositivos financeiros que
cidadãos do bem. arruinaram muitos clientes, principalmente
Estamos próximos ao período eleitoral viúvas ingênuas, em favor do banco, venden-
e, é assustador vermos a grande massa abso- do papéis que sabia serem podres, atitude
lutamente desinformada e manipulada e as- descrita por ele mesmo em e-mails confes-
sim capaz, pelo seu número de eleitores, de sionais para a namorada como monstruosi-
deflagrar resultados em troca de cestas bási- dade, mas que renderam muito para o banco
cas. É espúria a relação do governo federal e muitos bônus e prestígio para ele próprio.
com grupos rurais organizados que recebem Há de se desfiar um rosário de exem-
sua ajuda, aval, financiamento e leniência e plos sobre as psicopatias do cotidiano. Nunca
invadem terras produtivas, destroem, depre- se falou tanto em assédio moral e, mais recen-
dam e saqueiam propriedades privadas em temente em bullying, outra modalidade de as-
cenas de banditismo explícito. sédio caracterizada pela humilhação promo-
Na polícia, floresce um meio propício vida entre escolares, crianças e adolescentes,
para os psicopatas e talvez isso seja mais um que desestabiliza as vítimas, promovendo si-
ponto a ser estudado, pois não há procedi- nais de depressão, ansiedade, angústia, com
mentos para evitar que eles entrem nessa muitas lágrimas, medo e constrangimentos e
instituição, que é bastante atraente, por lhes com francos efeitos no corpo e na alma.
conferir poder e legitimidade para as suas Por vivermos em tempos modernos,
ações, não raro descritas pela mídia como de era cibernética, agora falamos também em
muita crueldade. cyberbullying: os agressores também es-
Existem empresas que têm essas carac- tão on-line. Como mais de dez milhões de
terísticas também, pois não respeitam acio- jovens brasileiros têm uma relação quase
nistas, sócios, funcionários, nem consumido- visceral com a internet, local de encontros
res e clientes. Organizações que burlam seus e bate-papos no MSN, Orkut, Facebook e
resultados para vender melhor as suas ações agora Twitter, os agressores, quando criam
na bolsa ou as que fraudam o peso de merca- falsos perfis ou comunidades especializadas
dorias, como as duas importantes fábricas de em agredir e denegrir, conseguem promo-
chocolates Lacta e Garoto, que foram autua- ver uma dor inexorável ao manchar uma
das no mês de maio deste ano pela Secretaria identidade e uma imagem ainda em cons-
de Direito Econômico do Ministério da Jus- trução. É o inferno cibernético.
tiça, por não avisarem aos consumidores que Precisamos, sem dúvida, revisitar
seus ovos de páscoa estavam pesando menos conceitos básicos que parecem perdidos:
do que os tamanhos anunciados e assim aufe- ética, empatia e tolerância; eles farão di-
riram importante lucro com estas manobras. ferença na nossa compreensão do mundo
Nas empresas, portanto, psicopatas es- moderno que traz como marca a psicopatia
tão instalados com sucesso. Eles possuem os da vida cotidiana.
principais atributos desejados pelos líderes Há alguns dias, vimos uma cena no
empresariais, como ambição, inteligência, noticiário que beira o inimaginável: uma
capacidade analítica e de liderança, carisma mulher sendo assaltada e lutando com o
e disposição para enfrentar desafios. bandido para defender sua bolsa dentro de
Muitos se sentem atraídos por ativida- uma delegacia, enquanto os policiais assis-
des de alto risco com perspectivas de altos tiam à cena e não moveram um único mús-
retornos. A Revista Veja do dia 5 de maio de culo, esboçando sequer um discreto gesto
2010 traz a história de Fabrice Tourre que tra- de impedimento da agressão.
balhava para o mais importante banco de Wall A violência dos dias atuais tanto pode
Street: Goldman Sachs. O jovem executivo de ser à luz do dia, nas ruas ou na delegacia,
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010 15
16. Psicopatia da vida cotidiana
explícita, como aquela protagonizada pela mos ou voltarmos a nos instrumentalizar de
ilustre promotora na intimidade de sua casa, forma adequada para estas reações.
onde torturava covardemente sua indefesa Quem sabe, os pais e professores não
filha adotiva de apenas dois anos de idade; poderiam ser mais bem instrumentados para
como aquela outra, não se sabe qual mais perceber, ainda nas crianças e adolescentes,
perversa, praticada pelo Estado omisso, em sinais precoces de transtornos de conduta:
que se veem crianças, adultos e velhos aban- mentiras, crueldade e frieza emocional com
donados nas ruas à própria sorte e privados ausência de culpa, transferência de respon-
de satisfações mínimas para uma existência sabilidades, postura de desafio com pais e
com dignidade e, por conseguinte, dos seus professores, vandalismo, fraudes, uso preco-
direitos como cidadãos, garantidos, parado- ce de álcool e drogas.
xalmente, por que não dizer, ironicamente, Sabe-se que a psicopatia não tem cura,
pela nossa Carta Magna. mas, quem sabe, se um olhar mais atento
O pior, entretanto, pasmem, nós es- não poderia ser útil, senão, de forma exa-
tamos entorpecidos diante dessas notícias e geradamente otimista, evitando um quadro
cenas brutais e assistimos a elas muitas vezes mais exacerbado de psicopatia na vida adul-
sem reação, sem afeto, sem nenhuma indig- ta, mas também, principalmente, protegen-
nação. E com essa capacidade perdida, já há do possíveis vítimas e evitando suas trágicas
algum tempo, na verdade, cremos que em- e nefastas ações.
botamos também a capacidade reflexiva. É a Nem sempre os psicopatas são identi-
mídia, repetindo exaustivamente relatos dos ficados, depende muito do grau de psicopa-
dramas familiares e cenas de barbárie, como tia, se baixa, moderada ou grave. Muitas ve-
as que envolvem o goleiro Bruno que mandou zes, convive-se com eles no cotidiano, pois
assassinar a sua ex namorada com requintes nem todos se transformam em marginais ou
de crueldade, que cria em nós um efeito de assassinos, e levam uma vida aparentemente
comoção, que não sabemos ser natural ou ar- normal, exercendo seu grande poder de se-
tificial. dução, manipulando, traindo, tirando van-
A violência e a vida foram banali- tagens e fragilizando os mais vulneráveis,
zadas. A maldade dança sob nossos olhos em relacionamentos predatórios com quem
ininterruptamente e se maquia e se masca- cruzam pelo caminho e que podem tornar-
ra de diversas formas, de sorte que para os se presas fáceis do seu gozo perverso.
que tomam conhecimento dela, quer como Existem também aqueles que se trans-
testemunhas oculares, quer nos noticiários, formam em homicidas ou, pior, serial killers.
seus efeitos são inócuos e é aceita como algo Não faltam exemplos. O mais recente foi há
natural do cotidiano. Entretanto ela é devas- três meses, um fato de grande comoção e re-
tadora para quem é a vítima, a ponto de o percussão social. Mediante o regime de pro-
sujeito, em certas circunstâncias, não mais se gressão de pena, um benefício foi concedido
equilibrar, e fenecer, morrer. ao pedreiro Admar que trazia Jesus no nome,
No reino animal, o homem é o único assassino confesso de seis jovens de Luziânia
capaz de matar e tem inclusive o requinte de (GO), e que cumpria pena por crime de pe-
planejar a morte de outros de sua espécie, dofilia. Por ter bom comportamento, o juiz
movido por retaliação, ambição, conveniên- decidiu pela soltura, mesmo havendo um pe-
cia, pela incapacidade de gerenciar as dife- dido da promotora do caso para um segun-
renças ou por mero prazer. do exame criminológico. Ele foi liberado e
Uma das perguntas que podemos nos voltou a matar. Ato contínuo e tardio, dia 15
fazer é se de alguma sorte não poderíamos de abril de 2010, o Ministro da Justiça, Luiz
resgatar a nossa capacidade de nos indignar- Paulo Barreto, defendeu a realização obriga-
16 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010
17. Psicopatia da vida cotidiana
tória de exames criminológicos com avaliação to a estuprar”. Perversa, portanto, é a lei que
ampla da capacidade para convivência social, quer tratar os diferentes de forma igual aos
antes da soltura de presos que apresentem dis- demais e que deixa a sociedade desprotegi-
túrbios de comportamento, evitando riscos da. Parece que passou da hora de se rever
para a segurança da sociedade. a lei para crimes hediondos. Da psicopatia
A psiquiatra forense Hilda Morana foi não se pode esperar cura, redenção ou rea-
a Brasília em 2004 tentar convencer deputa- bilitação social.
dos a criar prisões especiais para psicopatas. O Ministro da Justiça reconhece que
Conseguiu fazer a ideia virar um projeto de as pulseiras eletrônicas também não resol-
lei, que não foi aprovado. Parece que se faz vem o problema, mas podem ser uma fer-
necessária a comoção nacional diante de um ramenta importante na fase de reintegração
novo crime que poderia ter sido evitado para (que não deveria existir) e liberdade condi-
que se force o endurecimento da lei. cional. Preso novamente, Admar de Jesus,
As nações que fazem o diagnóstico dos morreu na prisão em condições pouco es-
marginais reclusos têm a reincidência dos cri- clarecedoras. Possivelmente foi punido pela
minosos diminuída em dois terços, uma vez lei dos presos, que abominam pedófilos e
que mantêm mais psicopatas longe das ruas. estupradores. Lá a lei é dura e invariavel-
Se tivesse havido a aplicação de algum mente é aplicada.
sistema de segurança, com exames e até pul- Enfim, a psicopatia cotidiana está aí,
seiras eletrônicas, após a soltura desses de- está aqui, ao nosso redor, e é muitas vezes
linquentes, quem sabe, teriam sido evitadas imperceptível e passa-se a conviver com
novas vítimas. ela. Disfarçados, os psicopatas vivem suas
Apesar de a origem da palavra psicopatia vidas quer como cândidos religiosos, bons
vir do grego (psyche = mente e pathos = doen- políticos, quer como amantes encantadores
ça) ela não é considerada uma doença mental. e amigos queridos, entretanto simultanea-
O Ministro da Justiça parece saber que os psi- mente arruínam emocional, física ou finan-
copatas não são loucos e, portanto, imputáveis, ceiramente os incautos que a eles se asso-
pois essas pessoas não apresentam nenhum ciam, profissional ou pessoalmente.
sofrimento mental, nem sofrem de alucinações Existem múltiplas teorias e explica-
ou qualquer tipo de desorientação. ções acerca da gênese da psicopatia, incluin-
Os psicopatas sabem o que estão fa- do aquelas sobre as quais nós, psicanalistas,
zendo, têm ampla consciência dos atos que sabemos tão bem discorrer e que dizem
praticam e não sentem nenhuma culpa ou respeito às questões do romance familiar,
remorso por nenhuma maldade feita. Eles o nome do pai e o meio cultural, mas, em
sabem distinguir as diversas nuances da rea- tempos de francos avanços nos estudos ge-
lidade, sabem o que é certo e o que é errado, néticos, não podemos ignorar outras con-
ou que é bom e ruim, sabem reconhecer a lei tribuições inclusive as que apontam altera-
e, se a transgridem, é pelo simples prazer de ções do sistema límbico, área responsável
fazê-lo: é de sua natureza. pelas emoções justificando a racionalização
A experiência do judiciário revela tam- e a frieza desses indivíduos. Para os neuro-
bém que psicopatas são reincidentes, e devem logistas, a organização e sinapses do cérebro
ficar reclusos para sempre, para a segurança de um psicopata são estruturalmente dife-
da sociedade, a despeito das leis brasileiras rentes dos de uma pessoa normal. No ano
que não permitem que alguém cumpra mais 2000, dois neurocientistas, o neuropsiquia-
de trinta anos de reclusão. Muitos psicopatas tra Ricardo de Oliveira-Souza e o neurolo-
dizem de forma desafiadora, despudorada e gista Jorge Moll Neto, identificaram, através
escancarada: “se me soltar, volto a matar, vol- de ressonância magnética, as partes do cé-
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010 17
18. Psicopatia da vida cotidiana
rebro ativadas quando as pessoas fazem jul- final de uma análise, espera-se que o sujeito
gamentos morais. possa perceber, no seu sofrimento, a parte de
A maioria dos voluntários ativou uma gozo que o compromete. O que muda não é o
área chamada Brodmann 10 ao responder sintoma, nem tampouco é o sofrimento, mas
às perguntas. Esses mesmos pesquisadores, a posição subjetiva, e isso vai na contramão
cinco anos depois, repetiram o experimento da psicoterapia. Assim, conclui-se que quem
com pessoas diagnosticadas como psicopatas tem algo a fazer nas instituições é a psica-
e verificaram que elas ativavam menos essa nálise como uma teoria e forma de refletir e
área cerebral, ratificando que os sujeitos com entender os processos, e não os psicanalistas,
transtornos dessa natureza são incompetentes como bem apregoa Jean-Jacques Rassial. De-
para sentir o que é certo e o que é errado. finitivamente, não existe uma resposta psica-
Do nosso lado, verificamos, como psi- nalítica para os psicopatas, ela só existe para
canalistas, que a lei paterna, ou o Nome-do- um pedido daquele que se dirige a um psica-
pai, dá consistência simbólica à linguagem e nalista. O tratamento para a psicopatia, se é
tem como função inaugurar o social através que existe, é de ordem social e, portanto, não
da separação mãe-filho, o que favorece a en- é terapêutico e, sim, educativo.
trada do sujeito no mundo das representa- A psicanálise não é capaz de modificar
ções simbólicas, ou seja, a criança vai ter que a natureza humana, mas talvez possa revelar
colocar alguma coisa no lugar da ausência da possibilidades para essas inclinações pouco
mãe, fazendo articulações e substituições de nobres.
ordem simbólica. Na psicopatia, o que falha Banalizar a violência é, de alguma
não é o pai simbólico nem o pai imaginário, sorte, preservá-la ativa, diluindo simboli-
mas o pai real. Nome-do-Pai é o não fundan- camente seus efeitos daninhos e de alguma
te, o primeiro, o inicial, é o pai que diz não. O forma não se comprometendo com suas ma-
pai real é, por conseguinte, este que diz não nifestações. Não podemos nos esconder em
para permitir que exista o nome. frases feitas: “violência é da natureza do ho-
A perversão é a maneira como um su- mem” e sucumbirmos a sua virulência.
jeito, na sua relação com o outro, recusa a im- Vale a pena lembrar Freud, que nos diz
possibilidade de um gozo infinito e completo. que a violência não é resultado da constru-
Considerando que o discurso do pai é aquele ção social, mas é fundante: existimos como
que organiza o Édipo na constituição do su- grupo social a partir do assassinato do pai
pereu edípico, e o discurso do mestre é o que da horda primitiva. Existimos e nos organi-
organiza o Édipo na constituição do supereu zamos a partir de um ato violento. Violento,
cultural, percebemos que o psicopata não faz é verdade, mas também justo e necessário,
a passagem do discurso do pai para o discur- pois deu um basta ao gozo ilimitado do pai,
so do mestre, que parecem contraditórios e criando um código de ética que gravita em
requerem dele uma escolha: um ou outro. E, torno da culpa e no qual ficou estabelecido
se na psicopatia o que falha é o supereu cul- também que matar não era mais legítimo ou
tural, a primeira resposta deve ser, portanto, permitido. Violência e poder estão no DNA
institucional. A razão específica disso é que as da lei fundante da civilização.
instituições, assim como as psicoterapias têm A cultura terá que se haver com es-
um projeto bem definido, que é o ideal de sas questões. Na atual sociedade, na qual há
normalização e que não tem nada em comum uma busca da satisfação a qualquer preço e o
com a psicanálise que praticamos na nossa ser sucumbe ao ter, percebemos uma grande
clínica, que não quer normalizar ninguém. valorização da satisfação da pulsão, favore-
No final de uma terapia, espera-se que cendo um gozo sem limite que impede uma
haja uma mudança do quadro patológico. No genuína relação afetiva com o objeto e que
18 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010
19. Psicopatia da vida cotidiana
significa um crescente desligamento dos va- manteiga mais frescos, flores em minha jane-
lores éticos e morais. la e algumas belas árvores em frente à minha
Os psicanalistas não têm fórmulas má- porta; e, se Deus quiser tornar completa a mi-
gicas ou saídas. Em um momento em que a nha felicidade, me concederá a alegria de ver
sociedade busca nova ordem de valores, talvez seis ou sete de meus inimigos enforcados nes-
a psicanálise possa colaborar com orientações sas árvores. Antes da morte deles, eu, tocado
por ser capaz de explicar a subjetividade e o em meu coração, lhes perdoarei todo o mal
não-todo-racional que compõem o sujeito. que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade,
Talvez os psicanalistas tenham algo a perdoar os inimigos - mas não antes de terem
dizer e dividir suas reflexões com as demais sido enforcados.
áreas do saber, exercitando a sua dimensão
antropológica, buscando possibilidades de Encerramos fazendo nossas as pala-
melhor compreender os laços sociais em vras de Bion em uma entrevista de 1992:
uma interlocução interdisciplinar com edu- “leva-se um longo tempo para que alguém
cadores, filósofos, antropólogos, sociólogos, saiba o pouco que sabe e um tempo mais
assistentes sociais, profissionais do Direito, longo ainda para que esse alguém saiba o
cientistas políticos e outros mais, inclusive muito que é saber sobre esse tão pouco”.
com os profissionais do mundo financeiro, Construamos juntos um pouco desse
pois o poder desejado pelos psicopatas tem saber.
importante interface com a economia. Mas
lembremos: certamente aqui não se trata Keywords
de psicanálise clínica. Por outro lado, exis- Psychopath, perversion, law, treatment.
tem perversões e perversões, e havemos de
considerar essa psicopatia do cotidiano, essa Abstract
perversão comum, e reconhecer que ela diz The author makes an analysis of news related
respeito em graus diversos a qualquer um. by the press and from them we see the large
Propomos uma nova distribuição dos number of people who are victims of unscru-
papéis dentro de uma nova responsabilidade pulous people and liars and the difficulty we
do sujeito, poderíamos dizer ainda, respon- have to identify these perverse individuals
sabilidade pelo destino do coletivo. Parece who gravitate around us. They refuse to live
que a única possibilidade de produzir sujei- frustrations and they are capable of atroci-
tos capazes de identificar o que devem ao co- ties. They use illegal or aggressive resources
letivo é a condição de que antes tenham eles in order to achieve what they want regardless
próprios sido introduzidos pelo coletivo à of the law and they resort to lying, cheating
condição humana via educação. and cruelty. The author concludes that there
Uma coisa é certa, é preciso falar des- is no psychotherapy response to psychopaths,
sa violência que impera no cotidiano, e até, because it only exists for a demand that it is
quem sabe, elaborar a violência que nos fun- directed to a psychoanalyst. The treatment
da, e isso talvez possa ser feito nos tornando for psychopaths, if it exists, has a social and
responsáveis por um caminho simbólico para an educational character.
a violência que habita em cada sujeito. Freud,
para ilustrar isso em 1930, no seu texto Mal-
estar na civilização, cita o poeta Heine:
Minha disposição é a mais pacífica. Os meus
desejos são: uma humilde cabana com um teto
de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010 19
20. Psicopatia da vida cotidiana
Tramitação
Recebido: 31/05/2010
Aprovado: 14/06/2010
Nome do autor responsável:
Déborah Pimentel
Endereço: Praça Tobias Barreto
510/1212. Bairro São José.
CEP: 49015-130. Aracaju-SE
Fone: (79) 3214 1948
E-mail: deborah@infonet.com.br
20 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.13-20 – Julho. 2010
21. O ofício – quase impossível – do psicanalista
The job – almost impossible - of the psychoanalyst
Anchyses Jobim Lopes1
Palavras-chave
Reparação, cisão, clima incestual, resto inanalisável.
Resumo
A escolha do ofício de psicanalista: sublimação e reparação maníaca. Cisão e perda na relação
terapêutica. Quebra de ética: casos mais sutis. O clima incestual no divã. Manipulação de pa-
cientes sob o disfarce de técnicas mais modernas ou humanas. O resto de análise e a escolha
do ofício psicanalítico.
Na Instituição Psicanalítica a produção cípios clássicos em uso. Mais que mantê-los
científica se faz sobre os restos inanalisáveis, - eles constituem a salvaguarda ética da psi-
fazendo desses traços secretos uma condição canálise e de sua eficácia terapêutica - trata-
de formação permanente. se de aperfeiçoá-los.
Carta de Princípios do Círculo O Centro de Atendimento Psicanalíti-
Brasileiro de Psicanálise co (CAP) do Círculo Brasileiro de Psicaná-
lise (CBP-RJ) constitui uma forma de clíni-
ca social, atendendo a preços muito abaixo
[...] a formação compõe-se de um tripé: do usual. Recebeu 299 (duzentos e noventa
análise pessoal, teoria e prática clínica super- e nove) pacientes em pouco mais de quatro
visionada, sendo o primeiro item o mais im- anos (17/11/2005 a 18/3/2010). Com a pro-
portante. Igrejas ou universidades não podem posta de que todos os pacientes estejam em
exigir ou garantir uma análise pessoal [...] supervisão coletiva ou individual, é exclu-
Maria Mazzarello Cotta Ribeiro e sivo para tratamento pelos Candidatos do
Anchyses Jobim Lopes Curso de Formação Psicanalítica. Através
do CAP, mais de duas dezenas de candida-
tos realizaram parte de sua prática clínica
INTRODUÇÃO: supervisionada.
O RETORNO À CLÍNICA Enquanto o trabalho em uma insti-
tuição psicanalítica permanecer no campo
Preceitos como neutralidade, abstinên- das aulas e seminários, por mais que temas
cia, sem conselhos ou tapinhas no ego para clínicos sejam escolhidos, mais parece-
muitos se trata de uma ortodoxia fria e ob- rá uma reunião de chefs de cuisine discu-
soleta. Será? E como concorrer com o festival tindo tratados de culinária. Mas, quando
de terapias intervencionistas ou receitas da uma instituição psicanalítica toma a deci-
auto-ajuda tão em moda? Mantendo os prin- são política de sentar à mesa, investir em
1 Psicanalista e Membro Efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise- Seção Rio de Janeiro, Médico e Bacharel
em Filosofia pela UFRJ, Mestre em Medicina (Psiquiatria) e em Filosofia pela UFRJ, Doutor em Filosofia
pela UFRJ, Prof. Adjunto de Psicologia da UNESA; Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise-Seção
Rio de Janeiro, ex-Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise.
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010 21
22. O ofício - quase impossível - do psicanalista
sua clínica social, em supervisões coletivas ESCOLHA DO OFÍCIO
e na apresentação de casos clínicos, sobre- De acordo com uma perspectiva freu-
vém uma azia crônica. Mal-estar para o diana, a sublimação seria um dos meca-
qual o único remédio eficaz é reviver todo nismos fundamentais para a compreensão
o nascimento da clínica psicanalítica. Para de todas as escolhas profissionais. Por uma
surpresa de alguns, por mais que os textos ótica kleiniana, a sublimação, conceito tão
tenham sido lidos, na prática reencontramos valorizado e tão mal explicado na obra de
que os fundamentos dos Artigos Sobre Técni- Sigmund Freud, teria por base a reparação
ca de Freud (1978, xii) são todos válidos. E dos objetos primários. Na passagem da po-
extremamente necessários. Através do CAP, sição esquizoparanoide para a posição de-
permanentemente redescobre-se que os pre- pressiva, com a integração do objeto bom
ceitos encontrados por Freud, no início da e do objeto mau em um único objeto, com
Psicanálise, originaram-se de muita tentati- o reconhecimento de que o objeto amado é
va e erro, de desastres clínicos e de alguns o mesmo que foi odiado e atacado, preva-
impensáveis sucessos terapêuticos. lecendo a pulsão de vida sobre a pulsão de
Simultaneamente, o aumento no nú- morte, a reparação surge para minorar o
mero de membros efetivos, que dobrou sentimento de culpa. Tal como o dito popu-
no período de dez anos, fez ressurgir ou lar: a criança morde e assopra. Com a cons-
agudizar a dispepsia institucional crônica tatação de que o objeto é um só, cai-se no
de que todas as instituições psicanalíticas dilema primeiro para que se mantenham
sofrem, o que também nos leva a repensar todas as relações internas e externas: a re-
a questão da clínica, e de seus efeitos cola- velação íntima para cada um de nós da tão
terais, no seio da política institucional. Da decantada ambivalência universal dos seres
discussão dos tratados teóricos já nascem humanos. Ambivalência: um dos conceitos
acerbas, ou melhor, neuróticas, discussões. fundamentais para a compreensão de todo
Mas as discussões sobre uma clínica efeti- o pensamento de Sigmund Freud e sua visão
va conduzem tanto a propostas perversas trágica da natureza humana. A descoberta
de abandono dos princípios clínicos bási- de que o objeto amado foi também odiado
cos de Freud, quanto ao outro extremo, à e atacado torna-se um dos grandes motivos
dificuldade também perversa de aceitar-se do sentimento de culpa. A integração do eu e
a diferença, a de que há tantas psicanáli- da percepção do mundo na posição depres-
ses quanto analistas e pacientes. Tornou-se siva também conduz a apreensão do tempo
patente durante as supervisões que o afas- em seu sentido mais usual: passado, presen-
tamento da técnica e da ética estava estrei- te e futuro. E agora não há como desfazer os
tamente correlacionado com a análise pes- ataques do passado. Nem como evitar que
soal dos candidatos. eventuais ataques sejam feitos no futuro.
O efeito do manjar psicanalítico, tanto Surge, então, o cuidar dos objetos primários
para os terapeutas quanto para a instituição, e a necessidade de procurar por novos obje-
mais se parece com a sequela dos alimentos tos, para os quais agora os ataques possam
defumados: deliciosos, mas devem ser inge- ser menores, uma preocupação maior, tanto
ridos com parcimônia e cautela, pois pos- para evitar a agressão, como para minorar
suem todos os hidrocarbonetos canceríge- as agressões feitas pelos objetos secundários
nos do cigarro. E do charuto. contra si mesmos.
Iniciemos pelo princípio: algumas re- A integração dos objetos parciais em
flexões do por que se escolhe ser psicanalista. um objeto único conduz ao sentimento de
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23. O ofício - quase impossível - do psicanalista
que não são coisas para minha satisfação, inato, um perigoso deslize biologizante de
mas seres humanos. Apenas dessa forma sua teoria. Para Klein as primeiras repara-
ocorre a passagem para identificar-se ao ou- ções são maníacas: basta um desejo onipo-
tro e sua diferença. Aqui estamos na verten- tente da criança e pouca ou nenhuma ação
te positiva da ética kantiana (KANT, 1974), concreta para consertar. Assim é o reino
a proposta iluminista de uma ética: racio- das fadas e dos duendes, e o da maior parte
nal, universal e igualitária. É verdade que da religião. A integração crescente do eu e
esta proposta, ao longo da história, como da realidade interna, paralela à integração
bem foi estudada por Horkheimer e Adorno crescente da percepção da realidade exter-
(1989) (e que inspiraram Lacan [1986]), re- na, conduz à percepção de quão ineficaz é
velou seu outro lado, ou sua deturpação, em a reparação maníaca. Mas é um processo
algo desumano, mecânico e sádico. Mas de- longo. Falar em onipotência, em posição
vemos propor um retorno a Kant, em que o esquizoparanoide é falar em uma era em
preceito básico da ética é o reconhecimento que predomina o narcisismo infantil. Já na
da alteridade, de que o outro não é apenas posição depressiva, esse narcisismo tem de
um meio para obter meus fins, mas de que ser desinflado. Ou também podemos laca-
também se trata de pessoa com sentimen- nianamente complementar, que, sendo o
tos e necessidades, um fim em si mesmo. Só imaginário a fonte especular do narcisismo,
assim se pode dizer: coloquei-me na pele de tem de haver a predominância gradual do
alguém. Esse colocar-se dentro da pele de simbólico. De qualquer modo, Klein e La-
alguém, que fundamenta o imperativo cate- can concordariam que as feridas narcísicas
górico kantiano, que podemos compreender são inevitáveis.
psicanaliticamente através da identificação, A observação e a prática mostram que
e sem o qual a transferência seria impossí- aqueles que se dirigem a escolhas profissio-
vel. Tanto quanto o supereu, que o próprio nais na esfera terapêutica precisam inter-
Freud afirmou ser herdeiro do imperativo namente realizar mais reparações internas
categórico, ambos são criaturas híbridas. e externas do que aqueles que optam por
Ambos, Freud e Kant, demonstraram que, ocupações mais saudáveis. Desde os aca-
sem uma internalização amorosa da lei, se- dêmicos de Medicina que frequentemente
ríamos sociopatas. desejam curar o câncer (quando não desco-
Para a Sra. Klein, esse zelo, essa cura brir a cura definitiva), passando pelos estu-
do outro (cura - palavra latina, dentre outros dantes de Psicologia, ávidos por teorias que
sentidos, para cuidado, encargo, inquieta- englobem tudo desde o fio de cabelo até o
ção amorosa, guarda, vigília) não cai do céu último axônio da medula, indo aos psicana-
instantaneamente. Não se passa da posição listas que “explicam tudo” (o que é adjudi-
esquizoparanoide para a depressiva num pis- cado a Freud, para quem era bem diferente
car de olhos. Logo não se passa à reparação acreditar na tese de que tudo poderia algum
instantaneamente. Um longo processo, em dia ser compreendido e não na crença de
que a pulsão de vida deve predominar sobre que pessoalmente poderia elucidar tudo).
a de morte, conduz desde mecanismos ne- Não nos esqueçamos de: terapeutas ocu-
cessários, mas ainda pouco eficazes, esquizo- pacionais, enfermeiros, arteterapeutas, etc.
paranoides, aos depressivos. Talvez por que Dito em kleinianês, as escolhas profissionais
não tenha sido possível a Freud um insight nas áreas terapêuticas são frequentemente
maior na natureza complexa da sublimação, fundamentadas em projetos de reparação
frequentemente ele a coloque como um dom maníaca. O fato é que todos os sistemas
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010 23
24. O ofício - quase impossível - do psicanalista
religiosos, e mesmo os filosóficos em sua CISÃO E PERDA
maioria, tiveram em sua origem, e têm até o
Os mecanismos esquizoparanoides
presente, por função, socorrer o ser humano
são necessários para a psique saudável duran-
diante do desamparo e da angústia da mor-
te toda vida. A cisão do eu, tão cara a Freud
te, do sofrimento da doença e da injustiça.
(1978, xxi, xxiii), principalmente em alguns
Mesmo numa era em que a ciência falha em
de seus últimos escritos, não estabelece ape-
ocupar parte dessa função, não se justifica
nas uma fonte para as perversões. Para Klein
o messianismo manifesto ou disfarçado de
a cisão é patológica quando permanente, seja
muitos terapeutas, principalmente no caso
por não ter ocorrido o predomínio dos me-
dos psicanalistas. Muito menos suas crenças
canismos da posição depressiva, ou por uma
na associação com terapias alternativas, eso-
regressão à posição esquizoparanoide. Existe
terismos ou na mistura de psicologias com
a cisão permanente que origina o fetichismo,
religião. No caso da psicanálise, em sua cren-
um dos conceitos básicos para a compreen-
ça da terapia pela palavra, não é ético que se
são das perversões. A importância das cisões,
confunda o trabalho por meio do simbóli-
reversíveis ou não, constitui um conceito clí-
co com propostas ancoradas no imaginário.
nico essencial também para o entendimento
Principalmente se relembrarmos a função
das psicoses. Mas pode-se defender a ideia de
do imaginário no espelho e como receptácu-
uma cisão benigna, parcialmente reversível,
lo do narcisismo, no reforço do pensamento
na vida diária e na prática profissional. Ao se-
mágico e onipotente.
parar o intelectual do afetivo, o eu-realidade
Um analista ainda muito ungido de
do eu-prazer, a cisão permite que a realida-
seu narcisismo pode configurar um preda-
de seja fria e desapaixonadamente percebi-
dor terapêutico. O messianismo, e a asso-
da. Isolando-se a angústia podemos tomar a
ciação com práticas ancoradas no imagi-
conduta mais útil em momentos de perigo e
nário, são inevitavelmente potencializados
manter a racionalidade quando decisões im-
pela maior arma psicanalítica: a transfe-
portantes devem ser tomadas. Pela cisão uma
rência. Todo paciente possui problemas
parte do eu é sustentada como mero observa-
com sua imago paterna, logo o analista será
dor de si mesmo e do mundo.
empossado principalmente, e ainda mais
Nenhuma das atividades na esfera
no início da análise, como pai imaginário.
terapêutica poderia ser exercida sem uma
A investitura pelo suposto saber ocupa o
grande tendência do profissional para a ci-
lugar de um desejo falho, o de um pai que
são. Um cirurgião em segundos pode ter
tudo saiba, que tudo possa, que tudo salve:
de tomar decisões dramáticas e executá-las
o lugar de Deus. Por isso é necessário que
com uma frieza impecável, deixando de lado
o terapeuta, em sua análise pessoal, tenha
que sob seu bisturi está um ser humano. E
padecido de uma boa dose de feridas em
Freud gostava de comparar a terapêutica
seu narcisismo. Concordamos com Quinet
psicanalítica com o procedimento cirúrgi-
(2009, p. 121):
co. O analista tem o dilema de ter de trans-
O analista em sua análise deve ter experimen- ferir, mas ao mesmo tempo manter um eu
tado a destituição narcísica e deve poder refa- observador implacável. Simultaneamente
zer a terceira revolução copernicana, descrita deixar se envolver e não se envolver pelo
por Freud, na qual o homem não é senhor paciente significa mantê-lo em certo tipo
em sua própria casa, descascando uma a uma de fetichização, na qual não se pode negar
como uma cebola suas identificações imaginá- a castração, tal como na defesa maníaca e
rias que constituem sua persona, seu little me. nas verdadeiras perversões, mas que, à se-
melhança do paciente de Freud (xxi, p.152)
24 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010
25. O ofício - quase impossível - do psicanalista
atraído por mulheres com um certo brilho no Relatos profissionais da área de en-
nariz (em alemão: Glanz auf der Nase), foca e fermagem ou de profissionais que cuidam
posiciona a visão do analista, colocando toda de pacientes idosos ou terminais, por ve-
realidade inter e intrassubjetiva entre parên- zes expõem que a frieza, da qual muitas
teses, dando-lhe o dom de supervalorizar o vezes são acusados, também possui outra
que passa por insignificante e desapercebido. motivação: as sucessivas perdas. O pouco
Caso contrário, o analista tem seu trabalho ou não envolvimento, para muitos, é o que
paralisado: pela angústia do paciente, por permite o cuidar de pessoas com as quais
todos os disfarces da resistência, pelas moti- se sabe que o relacionamento inevitavel-
vações para ganhos primários e secundários mente terá um fim próximo e irreversível.
dos sintomas e, mesmo, pela pura manipula- Neste, porém, temos o reflexo de outra
ção por pacientes pouco escrupulosos. das características do ofício de analista.
Outro exemplo, se o analista se dei- Apesar de opiniões contrárias, o analista
xar conduzir (ou melhor, seduzir), pelo que será sempre o ex-analista. Isso quer dizer:
é dito, esquece da importância de observar a possibilidade de um convívio social ou
como é dito. Não se consegue notar os atos institucional é sempre limitada, artificial
falhos, o duplo sentido dos significantes, a ou francamente desaconselhável. Por me-
predominância de palavras-chave no campo lhor que seja trabalhada a transferência,
semântico. Assim, se, como o sultão Xariar, de ambas as partes, é inumano acreditar
das Mil e uma Noites, o analista ficar com- em uma elaboração completa. Além do
pletamente deslumbrado pelas estórias de fato de que todo analista conhece fatos e
sua Xerazade, não vai conseguir matar a cha- fantasias do paciente que não foram con-
rada de sua neurose. Isto é, sem cisão, ou se tadas a nenhuma outra pessoa. A relação
transfere demais ou de menos. analista/paciente difere completamente de
Claro que a importância da cisão e da qualquer outra, social ou institucional. E
fetichização com o trabalho analítico implica é um caminho sem volta. O que implica
graves riscos. Todo fetiche constitui um obje- que, mesmo em uma análise que dure dez
to idealizado. O terapeuta também se coloca anos ou mais, o caminho do paciente é ao
a serviço da idealização e fetichização pelo mundo e aos outros. Distante ou próximo,
paciente. Condição que pode ser útil ao iní- o fim do trabalho analítico é sempre a meta
cio da terapia. Mas, em médio prazo, deve-se desejável. E justamente, quando bem reali-
lembrar sempre que a cisão benigna pode de- zada, a análise conduz sempre a seu fim ir-
generar em um processo tipicamente esqui- reversível, sobretudo se acreditarmos que
zoparanoide, e que idealização, além do nar- uma nova terapia ou uma re-análise futura
cisismo incluído, constitui uma clássica de- deveria ser feita com outro profissional. A
fesa maníaca. O analisando pode agudizar o clínica analítica, ao mesmo tempo em que
pai idealizado e superegoico transferindo ao implica um investimento afetivo do tera-
analista, numa figura ainda mais narcísica, o peuta, maior do que em qualquer outra
lugar no imaginário de Deus e do fetiche. E, modalidade de clínica, também implica
tal o fetichista de carteirinha, o analista tam- perdas maiores que em qualquer outra.
bém pode permanentemente desumanizar Aqui, derivados da cisão ou de mecanis-
todo o resto do paciente em detrimento de mos independentes como o controle, o
suas teorias e crenças, reduzindo-o ao certo triunfo ou o desprezo pelo paciente ocor-
brilho no nariz. A frieza transitória de uma rem para minorar a perda. Controle, triun-
situação cirúrgica torna-se a frieza perma- fo ou desprezo, nomeava assim a Sra. Klein
nente do perverso. as defesas maníacas.
Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010 25
26. O ofício - quase impossível - do psicanalista
O NÃO LUGAR DO GOZO vidade de outros modos de gozo, aparente-
mente menores. A experiência trazida pelo
Ao longo do tempo, o setting deve relato de leigos, por alunos e candidatos à
deixar de ser lugar de gozo do sintoma do formação, também em supervisões indivi-
paciente. Se o paciente apresenta direta- duais ou coletivas, subscreve outro lado da
mente o sintoma na consulta ao início do questão, tão grave quanto o abuso sexual.
tratamento, ou se passar a fazê-lo através da Escreve Simon (2009, p.198): “Pela minha
neurose de transferência, desfazer o sinto- experiência, os pacientes, são com mais fre-
ma, ou a transferência, é desfazer o gozo. quência, explorados por dinheiro que por
Do mesmo modo, é eticamente inadmissí- sexo”. Cremos que poucos analistas expe-
vel que seja local de gozo do terapeuta. A rientes discordariam. Também foi feito o
satisfação do terapeuta teria de advir do relato, em reuniões do Movimento de Ar-
pagamento em dinheiro e do regojizo pelo ticulação das Entidades Psicanalíticas, de
sucesso profissional. Teoricamente, porque que a primeira sugestão do aparelhamento
uma quantia exagerada como pagamen- psicanalítico de pastores tenha sido feita na
to também pode ser gerada por um dese- década de 80 do século passado pela igreja
jo perverso de gozo. E, para completar, as evangélica mais famosa por sua avidez pelo
motivações que conduziram o terapeuta a lucro e pelo poder político, assim como por
sua escolha profissional, como vimos, ul- seu descomunal patrimônio. Quanto ao
trapassam muito a necessidade concreta de problema da convivência institucional den-
um ganha-pão. Grande parte do prazer do tro das sociedades psicanalíticas, a possibi-
terapeuta está em reparar, através dos ou- lidade de exploração política é igualmente
tros, seus próprios objetos internos. Como observável. Não que haja, na maioria dos
tudo o mais quantitativamente exagerado, casos, uma intenção direta de dolo. Salvo
o prazer terapêutico, derivado da sobra daqueles que podemos rotular predadores
da análise pessoal, também pode ser ou se terapêuticos.
transformar em algo perverso quando em O mesmo autor menciona que a maio-
sua busca de gozo. Devem-se franzir ligei- ria das quebras de ética começa de forma
ramente as sobrancelhas quando se escuta insidiosa, principalmente “entre a cadeira
de alguém, que é paciente, algo como ter e a porta” (SIMON, 2009, p.199). Algumas
tido uma sessão ótima porque meu analista perguntas aparentemente inofensivas pelos
jogou um monte de verdades na minha cara. pacientes, outras respostas supostamente
E também quando algum candidato ou co- anódinas pelo analista, mas que revelam
lega relata algo como eu não sabia que era gostos pessoais. À parte sugestões de to-
tão divertido tratar crianças. dos os tipos pelo terapeuta, seja no setting,
Quando a quebra da ética é menciona- seja fora dele. Opiniões políticas sortidas
da, ou é suposta a passagem de informações reveladas pelo analista. Um passo além e
confidenciais a terceiros, ou quase sempre a solicitação de pequenos favores. No caso
se pensa em uma relação sexual. Usemos o de vínculos institucionais, comentários so-
chavão - rios de tinta foram escritos - para bre problemas da sociedade psicanalítica e
assinalar a questão da quebra de ética na re- sobre colegas, ou até a indução de que se
lação analista/paciente. Além da bibliogra- tome determinada posição partidária. Ou
fia psicanalítica, muitos livros e filmes utili- seja, todos aqueles pequenos comentários
zaram o tema, mas quase sempre se atendo sociais aos quais a não resposta fica pare-
ao ato sexual. O que não pode ofuscar a gra- cendo falta de educação ou uma ortodoxia
26 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010
27. O ofício - quase impossível - do psicanalista
técnica exagerada. Mas não o é. Transferên- mais se o analista, ao mesmo tempo, ocu-
cia, resistência, regressão, Édipo, não desa- pa o lugar de professor na formação psi-
parecem pelo simples ato mecânico de se canalítica (merece lembrança a proposta
levantar do divã ou de uma cadeira. Pede- inicial do CBP-RJ, de que os professores
se a devolução ou compra de um livro, de não podiam ser analistas dos candidatos e
doces e salgados, uma pequena arrumação vice-versa, proposta que, em longo prazo,
em algo do consultório, uma conversa social mostrou-se inviável). Alunos e professo-
após a sessão, uma pequena extensão desta res, análises à parte. E deixar-se o jargão
para poder se opinar melhor, talvez mar- psicanalítico de lado. Todo jargão simpli-
car a sessão após o último paciente, quem fica o diálogo entre os pares de uma co-
sabe é ainda melhor em um lugar fora da munidade científica, mas se constitui de
neutralidade do setting, por exemplo, um reducionismos e chavões. Uma tarefa fun-
barzinho. Caso o exemplo seja um tanto ca- damental do analista é embarcar no campo
ricatural, temos a gravíssima afirmação de semântico dos pacientes, sejam candidatos
Simon (2009, p.199): ou não. Sem dar o valor de significado a
palavras abstrusas e usar os próprios ter-
Os estudos também mostram que a revelação mos que o paciente utiliza no vocabulário
de informações pessoais por parte do terapeu- de sua vida cotidiana. Aliás, fato que não
ta para o paciente, em particular de fantasias constitui qualquer novidade trazida pela
sexuais e de sonhos, está correlacionada com psicanálise. Já no ensino médico se apren-
uma transgressão sexual futura. dia a usar o máximo possível as palavras
e expressões do paciente, entender através
É direito dos pacientes atuar como Xe- delas suas queixas e, através delas, tentar
razade: na forma e no conteúdo, o discurso explicar o tratamento. Usar termos técni-
da sedução. No caso do analista, é sua fun- cos com pacientes, além de ser pedante,
ção primária estabelecer os limites. Tem-se é perigoso. Seja para médicos ou outros
de reconhecer que pequenos comentários profissionais, para os que desconhecem a
pessoais, a revelação de gostos e preferências, área psi, ou para colegas e futuros colegas
posições políticas, além de inibir os pacientes analistas, é útil e bom lembrar, como o faz
de manifestar opiniões opostas, também es- Hirigoyen (2009, p.116) que:
tabelecem uma sutil ponte para criar nos pa-
cientes imagens do terapeuta. Imagens cuja Um outro procedimento verbal habitual nos
tendência é serem investidas narcisicamente, perversos é o de utilizar uma linguagem téc-
ao auxílio da transferência e da idealização. nica, abstrata, dogmática, para levar o outro
O manejo da linguagem é arte do ofício psi- a considerações que ele não compreende, e
canalítico, mas também do de políticos e per- para as quais não ousa pedir explicações, por
versos. O analista sabe que o suposto saber medo de passar por imbecil.
com que é investido é uma espécie de farsa a
ser usada no bom sentido. Os pacientes não O CLIMA INCESTUAL
possuem esse conhecimento. Ou, quando, no
caso de candidatos já em formação psicanalí- A dúvida se o trauma infantil foi real
tica, eles o possuem e pela transferência, pas- ou apenas fantasiado, ou uma combinação
sam a deixar de lado sua racionalidade. de ambos, atormentou Freud durante a
O conhecimento teórico igualmente primeira década de suas descobertas. Em
pode ser mais uma arma de sedução. Ainda realidade, tratou-se de um fantasma que
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28. O ofício - quase impossível - do psicanalista
nunca deixou de afligi-lo e que foi revivido Em outro polo, podemos rotular de
em suas discussões com Ferenczi. Discus- incestual um clima em que a intimidade en-
são atualíssima, quando da descoberta, nas tre pais ou cuidadores e a criança ou o ado-
últimas décadas, de que a incidência do lescente é utilizado de forma abusiva, uma
abuso sexual infantil e do incesto é muito cumplicidade doentia. Neste caso, ocorre
mais extensa do que o próprio Freud su- uma transgressão permanente da fronteira
punha há um século. Assim como no caso entre relações de parentesco e relações so-
de que a perda da ética, por uma posição ciais, em que os adultos, não suportando
de gozo do terapeuta, é mais frequente seus problemas e angústias, tratam os filhos
por abuso monetário que sexual, também como se fossem adultos, amigos íntimos e
se deve pensar que o trauma não precisa até suplentes de cônjuge.
ter se originado de um contato físico con- A aproximação ocorrida nas últimas
creto, mas de todo um clima que podemos décadas entre pais e seus substitutos e fi-
denominar de incestual. Escreve Hirigoyen lhos, pela qual a psicanálise teve um gran-
(2009, p.60): de mérito, tem seu lado negativo em que
muitas vezes se perde a noção de que pai ou
O incestual é um clima: um clima em que sopra mãe, e melhor amigo(a) ou amigos(as) dos
um vento de incesto sem que haja incesto. É o filhos, ou deles mesmos, são funções dife-
que eu chamaria de incesto soft. Não há nada rentes. Dois exemplos quase caricaturais: a
juridicamente condenável, mas a violência per- mãe que trata o filho como confidente ín-
versa está presente, sem sinais aparentes. timo de seus problemas afetivos e sexuais,
ou até como suplente do ex-marido; o pai
Claro que este clima se torna mais que incentiva e acompanha voyeuristica-
ou menos patogênico na medida em que é mente as primeiras experiências sexuais e
potencializado pela situação edípica e pelas afetivas dos filhos. Consideram-se incestu-
fantasias primevas. Englobam-se como in- ais esses e todos os casos em que se nega
cestuais várias condutas. Num polo, a ero- ser o relacionamento parental, e familiar
tização exagerada na primeira infância, na em graus mais distantes, carregado de tin-
direção de uma sexualidade genital e fálica tas edípicas exageradas. Justamente o prin-
e não daquela perversa polimorfa da crian- cipal motivo para a necessidade de amigos,
ça. O que pode ocorrer por estímulos físicos e outros relacionamentos fora do núcleo
diretos ou, o que é muito mais comum nos familiar, é a sua função exogâmica. A apa-
dias atuais, pelos estímulos visuais e sonoros rente camaradagem ou intimidade, que
da mídia. Há diferença entre o tesão adulto e muitas vezes em realidade encobre condu-
ternura infantil (sem a qual os adultos tam- tas transgressivas entre pais e filhos, dife-
bém não vivem). Como escreveu Ferenczi re do trabalho de: se preocupar, mas sem
(1999, p.300, tradução do autor): exagerar na ansiedade transmitida; infor-
mar, mas sem cair no pornográfico; vigiar
(...) na verdade as crianças não querem, de
e escoltar discretamente dando à criança e,
fato, não podem ficar sem ternura (...) se mais
principalmente, ao adolescente a sensação
amor e amor de um tipo diferente do que elas
de que está sendo livre, mas dando espaço
precisam é forçado sobre as crianças no esta-
para sua intimidade e experiências sexuais;
do da ternura, pode conduzir a conseqüências
mas, acima de tudo não transmitir em exa-
patológicas do mesmo modo que a frustração
gero suas próprias angústias e fantasias se-
ou a retirada do amor (...).
xuais, que serão sempre vivenciadas como
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29. O ofício - quase impossível - do psicanalista
incestuosas pelos filhos. Com o agravante ma sessão e mesmo de que volte; um dia não
de que essas fantasias sexuais colocam a voltará nunca mais. Dentre os motivos que
criança ou adolescente a serviço do desejo podem causar ou acentuar o clima inces-
do adulto e inibem aquelas fantasias que se- tual entre pais ou substitutos e filhos, está
riam próprias deles mesmos e de sua idade. a incapacidade de aceitar a perda e a pró-
Difere da pedofilia explícita e da sedução pria depressão. Reparar os objetos internos
de menores prevista no código penal, mas através dos filhos ou substitutos implica o
o cerne da ética kantiana também é negado, reconhecimento de que a própria infância e
e se instrumentaliza o outro como coisa a juventude ficaram para trás. Se todo pacien-
serviço de si mesmo. te coloca o terapeuta como pai e mãe, para
o analista ele é sempre uma espécie de filho
O CLIMA INCESTUAL NA TERAPIA ou filha. A situação transferencial repete o
mesmo sentimento de ameaça da ausência
O clima incestual pode ser criado e re- futura. A incapacidade de aceitar esse sen-
vivido em qualquer terapia. A crítica contra timento, associada à fantasia de que, em se
a neutralidade psicanalítica como algo anti- tornando colega, o paciente estará sempre
quado frequentemente serve de justificativa presente e sua falta nunca será sentida, le-
para tratamentos mais modernos, em que vam a um clima de promíscua intimida-
o terapeuta se coloque ao lado do paciente. de. Mas, como acontece na vida real, não
À parte muitos casos em que a neutralida- adianta que o filho adulto seja feliz e bem
de encobre a incapacidade técnica, deve-se sucedido: o bebê gordinho foi embora para
pensar duas vezes quando se fala de frieza, sempre e, pior, sempre se casa com quem
indiferença ou apatia do analista. Fornecer não se escolhe.
opiniões pessoais sobre assunto como polí- Portanto, as escolhas dos pacientes
tica e instituição, contar de sua vida pessoal, ao longo da análise são outro problema.
falar de suas crenças e esperanças. Seria mui- Mesmo no mais ortodoxo psicanalista
ta ingenuidade não perceber que, no setting, corre o sangue de um possível terapeuta
toda informação objetiva é acompanhada de de ego. As escolhas dos pacientes muitas
fantasia inconsciente, e já vimos que se trata vezes abalam a tão decantada neutralida-
de uma forma de sedução. Tenha o paciente de analítica (especialmente no caso das
passado ou não por ele em sua infância ou opções sexuais). Já correu também muita
adolescência, surge o clima incestual. Além tinta sobre o perigo da análise de ego em
do que, se o analista sabe que não é a mãe sua tentativa de moldar o paciente tendo
ou o pai verdadeiro, muito mais deve saber o analista em sua suposta sanidade men-
que não é o melhor amigo ou companheiro tal como modelo identificatório, e insistir
de bar. Por sua ancoragem na cisão benigna no terrível: eu sei o que é melhor para você.
do eu, a análise é a mais íntima das relações, O problema do modelo é que se trata do
num grau que o melhor amigo ou o compa- eu ideal do terapeuta. E, em se tratando
nheiro de bar não podem ser e, ao mesmo de eu ideal, caímos novamente na questão
tempo, uma relação mais artificial e distante do narcisismo e do imaginário. Caímos no
que a de um cirurgião e seu paciente na mesa reforço superegóico, no lado negro e cas-
de operação. trador do supereu, e também nas fantasias
Outro complicador é o eternamente e fantasmas do terapeuta. À semelhança
presente sentimento de perda: não há garan- dos pais que, por sua angústia e depressão
tia alguma de que o paciente volte na próxi- jogam suas fantasias e condutas sexuais
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30. O ofício - quase impossível - do psicanalista
sobre os filhos, a transmissão excessiva des- aceitas, temos ainda de pensar em suas va-
sas fantasias e fantasmas, que sempre ocor- riantes. A mais frequente é a mistura de
re em algum grau, também cria um clima esoterismo e psicanálise, em que crenças
incestual. E deixa-se de estar a serviço do pessoais e transferência são embrulhadas
desejo do paciente para se estar a serviço do junto com aconselhamento e auto-ajuda.
desejo do terapeuta. Ao contrário do intervencionismo explíci-
Pode-se pensar, num primeiro mo- to do comportamentalismo, que se realiza
mento, que o prejuízo ao paciente advém em um contexto terapêutico muito diferen-
apenas porque, “quando você tempera os te, temos: o amável e modernoso terapeuta
rigores da análise com doses criteriosas de new-age, que pode ir de crenças orientais
bondade e amabilidade, retira a liberdade ao espiritismo; a bondosa beata, que asso-
do paciente, pois é você quem decide o que é cia seu certificado de teologia com um de
melhor para ele” (MALCOLM, 2005, p.86). pseudopsicanálise; a psicanalista revolta-
A realidade é mais perversa. A construção da com sua instituição, que passa metade
do clima incestual no setting, pela desculpa da sessão falando de política institucional.
de técnicas menos ortodoxas que mascaram Todos fidedignamente recriam o trauma
práticas intervencionistas, recria o trauma do clima incestual. Pensando bem, Anna
do clima incestual da infância. Lembrando Freud e Hartmann eram melhores.
que o paciente é, por criação do analista e
direito próprio, um regredido e um edípico CONCLUSÃO:
acentuado, sua resposta não será a de um RESTOS E SUBLIMAÇÃO
adulto, mas a de uma criança dependente
da ternura do adulto. Em grau mais leve, a Se o desejo de se tornar analista surge
criança tentará sempre se moldar às solici- durante uma análise, trata-se de um sinto-
tações do adulto. Citando novamente Fe- ma. Sem esse sintoma, neurótico, até meio
renczi em seu mais famoso artigo (FEREN- psicótico, se tornar analista apenas calculan-
CZI, 1999, p.294, tradução do autor): do na ponta do lápis o ganho financeiro e a
reputação profissional, trata-se de um sinto-
Cheguei à conclusão de que os pacientes pos- ma perverso, por não estar ancorado na an-
suem uma sensibilidade extraordinariamente siedade e na culpa, apenas na satisfação do
refinada para as vontades, tendências, capri- ego e do narcisismo. Além de também ser
chos, simpatias e antipatias de seu analista uma má decisão em termos financeiros, hoje
[...] ao invés de contradizerem o analista ou também é um pouco duvidosa no que tange
o acusarem por seus erros e cegueira, os pa- a reputação.
cientes se identificam eles próprios com ele O fato de o CBP-RJ constituir uma
[...]. instituição ancorada em uma predominân-
cia absoluta de analistas leigos permite al-
Num grau mais patológico, cria-se gumas constatações. Médicos e psicólogos,
ou recria-se uma sedução não menos grave à parte de qual especialidade ou corrente
que a de uma relação sexual concreta, com o sigam, possuem os problemas de onipotên-
agravante de que o terapeuta permanece im- cia e sentimento de culpa, de sublimação e
pune diante do código de ética profissional e reparação que discutimos no início.
da legislação criminal. Mas, tendo acompanhado dezenas
Se hoje as condutas intervencionistas de candidatos leigos em formação, obser-
de Anna Freud ou Heinz Hartmann, e toda vamos algumas vezes que o sintoma de se
a escola de psicologia do ego, não são mais querer ser analista simplesmente desapa-
30 Estudos de Psicanálise – Aracaju – n. 33 – p.21-32 – Julho. 2010
31. O ofício - quase impossível - do psicanalista
rece. O candidato chega à saudável con- Referências
clusão de que deve continuar em análise e
permanecer em sua profissão de origem.
Em alguns outros casos, o recalque ganha CÍRCULO BRASILEIRO DE PSICANÁLISE. Esta-
a vez, o sintoma dá lugar a outro mais gra- tuto - Carta de princípios. Estudos de Psicanálise, Rio
ve, e o candidato abandona a formação e a de Janeiro, n. 29, p. 13, set. 2006.
análise. Apenas em uma percentagem, tal-
FERENCZI, S. Confusion of tongues between adults
vez de um terço dos candidatos iniciais, o
and the child (The language of tenderness and of
sintoma seja ainda mais grave, indicando
passion) [1933]. In:____. Selected writings. Penguin
que restos provavelmente inanalisáveis im-
Books,1999.
pelem o candidato até o final da formação.
Chegamos à conclusão de que uma FREUD, S. Fetichism. In: ____. The standard edition
ligeira ansiedade e um sentimento de cul- of the complete psychological works of Sigmund Freud,
pa não tratável, junto com a cronificação de xxi. London: The Hogarth Press and the Institute of
uma necessidade de sublimação e reparação, Psycho-Analysis, 1978.
associadas à incapacidade de completa desti- FREUD, S. Papers on technique. In ____. The stan-
tuição narcísica, assim como uma recorren- dard edition of the complete psychological works of
te cisão do eu, constituem requisitos indis- Sigmund Freud, xii. London : The Hogarth Press and
pensáveis para a efetivação do desejo de ser the Institute of Psycho-Analysis, 1978.
analista. O que pode dar subsídio para um
bom terapeuta, mas, sem dúvida, uma per- FREUD, S. Splitting of the ego in the process of de-
fence. In: ____. The standard edition of the complete
sonalidade complicada para o convívio ins-
psychological works of Sigmund Freud, xxiii. London:
titucional.
The Hogarth Press and the Institute of Psycho-Ana-
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Keywords
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SIMON, R.I. Homens maus fazem o que homens bons
sonham. Porto Alegre: Artmed, 2009.
Tramitação
Recebido: 06/04/2010
Aprovado: 23/06/2010
Nome do autor responsável:
Anchyses Jobim Lopes
End: Rua Marechal Mascarenhas de Morais
132 ap. 308
Copacabana
CEP: 22030-040. Rio de Janeiro - RJ
Fone: (21) 2549 5298
E-mail: anchyses@terra.com.br
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