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1. A PRÉ-HISTÓRIA: UM REMOTO PASSADO

                                             Concelho de Sintra

                                         ROTEIRO PRÉ-HISTÓRICO


                   N


                                                                            CONCELHG)   DE   t.4;..FRA




1-       Povoamento da
                             o
         praia das Maçãs    <-
                                    "f


2-       Estação da Pe- ()VJ

         nhc Lonqo       o
3 -      Povoamento de
         s.« Eufémia
4-       Dolmen da Pe-
         draErguida
5 -      Dolmen do Mon-
         te Abraão
    Escala         l!l 00 000
Caminho-de-Ferro
Estradas Nacionais
Estradas Municipais
Limites de Freguesia            .


                                              CONCE..HIQ   DE   C:ASCAtS
2. A PRÉ-HISTÓRIA SINTRENSE

2.1. O Monumento da Praia das Maçãs

     o monumento pré-histórico da Praia das Maçãs situa-se na pequena
estância balnear do mesmo nome, na freguesia de Colares. Assim, pas-
sando por Colares e pelo Banzão, entra-se na povoação da Praia das
Maçãs, encontrando-se o monumento a Leste, num outeiro de areia conhe-
cido localmente pelo "Outeiro das Mós".
     As primeiras notícias sobre o monumento datam da década de 20, da
responsabilidade de Luís Saavedra Machado, sendo constituídas apenas
por uma descrição e planta sumárias e - deve dizer-se - pouco correctas.
O conhecimento deste monumento cingir-se-ia, contudo, a essa primeira
notícia durante 40 anos, já que só em 1961os arqueólogos Veiga Ferreira,
Georges Zbyszewski e Vera Leisner começam a efectuar escavações siste-
máticas, daí resultando uma série de importantes artigos ao longo dos anos
60J.Pela primeira vez, é definida a arquitectura do monumento, que é então
definido como um "Tholos", composto por uma câmara principal. câmaras
intermédias e um corredor. Durante algum tempo pensou-se que essa seria
a configuração definitiva, mas na década de 70 concluiu-se, devido a estu-
dos levados a cabo por Cardim Ribeiro, que o corredor do "Tholos" tal como
então surgia, estava ainda incompleto. Esta constatação teve como conse-
quências novas campanhas arqueológicas, efectuadas no final da década
de 70,e que puseram a descoberto a totalidade do monumento.
     O conjunto sepulcral - que é uma necrópole característica           do
Neolítico e da Idade do Cobre nacional-      compõe-se de:
     - Uma primeira câmara ocidental com cerca de dois metros de diâ-
metro. Seria escavada na rocha e teria sido revestida por esteios de pedra.
     - Um pequeno corredor anexo de pouco mais de metro e meio de
comprimento e que dá acesso - num nível de pavimento ligeiramente
mais elevado - a um espaço intermédio entre a câmara ocidental - de
que já falámos - e o "tholos". Este pequeno corredor conserva ainda, no
lado sul. um muro de pedra.
     - O referido espaço intermédio, tranversal em relação à orientação
dominante, composto de um sector central e dois laterais.
     - O "tholos", a área mais importante do monumento, composta por
uma câmara tendencialmente circular, oscilando entre cinco metros a cinco
metros e meio de diâmetro. A câmara está construída dentro da argila e
possui muros de pedra -lajes      de calcário horizontalmente dispostos - a
toda a volta. Estes muros formam a parede da construção e assentam sobre
um solo de argila aplainada. No centro da câmara uma pequena cavidade
sugere a anterior existência de um pilar de madeira que suportaria o peso
do tecto. O revestimento desta câmara é passível de algumas especulaçõ-
es. Assim, crêem os arqueólogos que o tecto seria de madeira, possuindo
uma cobertura de falsa cúpula, como o sugere a inclinação das paredes
para o interior à medida que sobem em altura. Tal sistema - comum,
aliás, em construções deste tipo - permitiria então supor que só a laje de
fecho da cúpula seria suportada pelo pilar de madeira que atrás referimos.
     - O corredor do lado oriental. que possui cerca de três metros e meio
de comprimento. Apesar de não apresentar nenhuns muros laterais, os
arqueólogos que têm estudado o monumento estão convictos que eles
existiriam originalmente, tanto mais que alguns vestígios desses muros
são ainda visíveis. Sugerem os especialistas que a cobertura deste corre-
dor seria feita com lajes de pedra.                                   .
     - O átrio: foi o último espaço a ser descoberto e estudado. E uma
zona ampla que encurva para norte, aí desembocando naquilo que seria
a entrada. O átrio é uma zona que tem - na sua largura máxima - cerca
de dois metros, sendo mais larga que o corredor que acabámos de anali-
 sar. Contudo, na união com esse corredor, e também junto à entrada, o
átrio estreita. O átrio apresenta muros laterais de pedra, muros que dimi-
nuem de altura progressivamente,        desde o corredor até à entrada, na
qual se supõe que uma laje de pedra colocada na vertical - hoje partida


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                                             Planta e topografia   da área circundante   do monumento    (Tholos da Praia das Maçãs)




     e tombada - faria o seu fecho. Os arqueólogos avançam com a hipótese
     de que esse átrio estivesse coberto por materiais vários, facilmente
     degradáveis pelo tempo, ou que até não tivesse cobertura de todo.            .
          - Exterior a toda esta construção temos uma área a que os estudio-
     sos denominam de "tumulus". Situa-se próximo do átrio e está encostada
     ao muro norte, sendo constituída por uma camada de pedras de calcário
     de pequenas dimensões na maioria dos casos. A sua função seria a de
     consolidar exteriormente a construção do monumento, dos muros e das
     terras envolventes. Na parte sul do muro supõem os arqueólogos que
     exista uma área semelhante, contudo, a falta de trabalhos nesse local
     não permitem que se avance com conclusões mais concretas.
           Dum ponto de vista arquitectónico, o monumento da Praia das Maçãs
     pode-se dividir em duas contruções:
           - A primeira corresponde à câmara ocidental e às câmaras intermédias.
           - A segunda compreende a câmara do tholos, o corredor, o átrio e o
     tumulus.
           Ora, tal como se apresenta na actualidade (e refira-se que não se nos
     afigura muito provável que escavações futuras possam revelar muito
     mais), é consensual entre os diversos investigadores que todo este con-
     junto sepulcral apresenta diversos horizontes culturais. Assim, à primeira
     construção corresponde o primeiro horizonte cultural, pertencente à cultu-
     ra megalítica característica do Neolítico Médio/Final. No nosso país, são
     ainda exemplos deste horizonte cultural os hipogeus de Cabeço de
     Arruda e Alapraia ou os dólmens de Monte Abraão (que adiante observa-
     remos), para só citar exemplos existentes na Estremadura lusa. Cronolo-
     gicamente, tal corresponde a 3800/3500a.C.
           O segundo horizonte cultural abrange todo o conjunto da tholos. e
     crê-se que terá sido edificado no Neolítico Final ou de transição para o
     Calcolítico inicial, o que corresponde, cronologicamente, a 3500/3000a.C.
           Um terceiro horizonte cultural caracteriza-se por uma reocupação do
     tholos (excluindo o tumulus), sendo já característico do Calcolítico inicial.
     Os especialistas denominam tal horizonte por "horizonte calcário" ou por
     "horizonte da cerâmica importada". Em termos de cronologia tal corres-
     ponde, sensivelmente, a 3000/2700a.C.


                                                                                                                               3
Podemos ainda considerar um quarto horizonte cultural. correspon-
dendo já ao final do Calcolítico, visível através de alguns vestígios avul-
sos encontrados, e que os técnicos afirmam oriundos de uma intrusiva
reocupação do monumento.
     A todas estas considerações está estreitamente associado o espólio
encontrado, já que foi através dele que se puderam definir os próprios
horizontes culturais atrás discriminados.
     Do primeiro horizonte cultural temos vários elementos característicos
da cultura megalítica, tais como pontas de setas de base triangular-
-pedunculada, placas de xisto, taças carenadas, vasos hemisféricos e alfi-
netes de osso de cabeça canelada.
     Do segundo horizonte cultural (que contudo talvez possa ser conside-
rado como uma segunda fase do anterior) temos ainda algumas placas de
xisto, vasos elípticos e globulares, vasos com bordo denteado, taças care-
nadas, pontas de seta de base triangular-pedunculada          e algumas já de
base côncava.
     Do terceiro horizonte cultural faz parte um espólio composto por algu-
mas cerâmicas caneladas (que contudo não surgem no tumulus) uma quan-
tidade já apreciável de vasos de bordo extrovertido, potes, vasos em osso e
em calcá rio, ídolos cilíndricos e diversos objectos votivos em calcário.
     Finalmente, do quarto horizonte cultural. temos um punhal e pontas
de seta em cobre e cerâmica campaniforme.
     Infelizmente, nada há actualmente para ser visto no que toca a este
monumento. Se até há alguns anos era ele vísivel e o terreno estava
inclusivamente     protegido por uma cerca, na actualidade         está todo o
monumento soterrado. Esperemos que no futuro possa ser restaurado, que
menos não merece o concelho. Entretanto, é de referir que abundante
espólio do monumento retirado, bem como plantas e esboços, se encon-
tram visíveis no Museu Regional de Sintra, consolação - espera-se que
provisória - para o facto de o próprio monumento não estar visível.



2.2. O Monumento Chamado do Monge

    o  monumento pré-histórico denominado do "monge" situa-se nas proxi-
midades do convento de S.la Cruz da Serra, vulgarmente conhecido por
Convento dos Capuchos, mais exactamente, numa pequena estrada das cer-
canias deste convento, num local denominado de "Altodo Monge" (cota de 491
m), que de resto dá o nome ao monumento. A poucos metros encontra-se um
marco geodésico. Situa-se a uma altitude de 448 m, na vertente sul da serra,
junto à faixa costeira. Segundo alguns especialistas - como Isabel Ramos
Pereira -, será um dos mais interessantes de toda a península de Lisboa
    O monumento foi inicialmente        investigado   pelo geólogo Carlos
Ribeiro por volta de 1880, que dele deu sumária nota no 2.° volume dos
Estudos Pré-Históricos em Portugal. A partir daí, as referências ao monu-
mento são pouco frequentes, merecendo este, porém, alguma atenção já
no início da década de 30 do presente século, quando Félix Alves Pereira
lhe dedica algumas linhas no "Diário de Notícias" (5-6-1932e 3-7-1932),
mais tarde recolhidas em volume de estudos seus (ver Bibliografia).
    Este desinteresse, apenas pontualmente interrompido, tem tido refle-
xos na própria conservação do monumento, que actualmente se encontra
em adiantado estado de degradação. Note-se que, já em 1932,Félix Alves
Pereira chamava a atenção para tal problema.
    Estamos perante um túmulo de falsa cúpula - vulgarmente conheci-
do por "tholos" - cujo recinto, de forma aproximadamente regular, seria
mais baixo em relação ao pavimento circundante. O diâmetro desse
recinto é de sensivelmente 4,5 m. As paredes do monumento são formadas
por pedras desiguais assentes na horizontal. servindo a própria rocha do
solo de alicerce à construção. A altura das paredes é de cerca de 1,90m, e
as fiadas superiores das pedras indiciam um gradual avançamento para
o centro da construção, o que parece pressupor o fechamento em cúpula.
    A entrada deste monumento fazia-se por uma porta de que restam
actualmente duas pedras, também horizontalmente dispostas, no fundo
da primitiva parede. Essas duas pedras estavam separadas uma da outra
cerca de 70 em em esquadria da face interna, permitindo que se determi-
ne a espessura da parede em cerca de 1,10m. E de considerar a forte hipó-
tese de este monumento assim descrito ser coberto com terra, o que o
transformaria então numa mamoa.


4
o geólogo Carlos Ribeiro, que, como vimos, o explorou em finais da
década de 1880,avança, no seu citado estudo, com uma planta que aqui
descrevemos, e que foi também divulgada por Alves Pereira: o monumen-
to teria um recinto circular (hoje o único ainda visível), teria um vestíbulo
descoberto de forma irregular ladeado de paredes de pedra e, finalmente,
um pequeno corredor de ligação.
     Pelo espólio encontrado no local. asseveram os investigadores que o
monumento seria do Eneolítico ou Bronze I (o que corresponde, na Europa
Ocidental. a cerca de 2500a 1700a.C.).
     O espólio, não sendo muito abundante, tem todavia algum interesse e
é constituído por alguns pedaços de cerâmica grosseira feita sem roda de
oleiro, de que se destacam um prato de barro cozido, pequeno e grosso,
com periferia de aresta e com uma escavação funda no centro, ou ainda
vasos com 0,50 m de diâmetro na boca. Também um pequeno cone de oli-
gisto terroso que teria sido raspado para a extracção do pó vermelho com
que a banha de decoração era tingida, merece aqui destaque. Outros
objectos encontrados resumem-se a vários silexes que pressupõem o uso
de pedra polida, calhaus supostamente usados como percutores, e pouco
mais, já que a profanação que o monumento parece ter sofrido, antes das
- débeis - investigações que teve em muito o terá empobrecido.
     Infelizmente, o estado de degradação do monumento não permite
uma análise muito mais aprofundada. Qualquer visita ao local deverá ter
em conta tal realidade, sobretudo se for em visita de estudo escolar.
Ainda assim, é possível o acesso ao local e a observação do monumento,
o que é mais do que podemos dizer para (a maior) parte dos vestígios pré-
-históricos do município. Espólio está recolhido e disponível no Museu
Regional de Sintra e no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal.



2.3. O Monumento da Bela-Vista (Colares)

     O monumento pré-histórico da Bela-Vista situa-se em plena estrada
Colares-Sintra (também conhecida por Estrada Nova da Rainha), em plena
Quinta do Duque, hoje pertencente à Casa do Cadaval. não longe de
Monserrate. O facto de se situar em terreno privado não facilita a sua visita.
     As primeiras notícias deste monumento começaram a circular na
década de 50, quando vários investigadores se começaram a interessar
por ele, de entre os quais se destaca o arqueólogo Veiga Ferreira. O inte-
resse que este monumento desperta hoje em dia não parece ser muito, já
que só pontualmente tem sido alvo de atenção pelos media e pelos estu-
diosos, sendo reflexo disso o estado de degradação que atingiu.
     Estamos perante um monumento funerário construído (ou, pelo menos,
utilizado) pelo chamado "homem da cultura campaniforme" (fins do tercei-
ro milénio, início do segundo milénio a.C.). Basicamente, caracteriza-se por
ser constituído por uma cripta circular coberta e por um corredor que lhe dá
acesso, no que se assemelha a outros monumentos existentes no concelho
e que já vimos. Este monumento é construí do em granito mediante o apro-
veitamento de vários blocos, de molde a edificar-se uma "estrutura" arre-
dondada que servisse para a cripta principal. O mesmo tipo de técnica e de
aproveitamento foi usado para a edificação do corredor. Estes dois espaços
- cripta e corredor - formam, como já vimos, o essencial do corredor. Toda
a parede de grossos blocos, quer da cripta quer do corredor, foi revestida a
laje. De notar ainda que, de acordo com a opinião dos estudiosos, a pedra
cimeira do monumento resulta de uma das duas hipótese seguintes:
     1     Um aproveitamento posterior de uma pedra já tombada;
     2 - O transporte braçal ou por animais - presumivelmente bois -,
           sendo depois feita deslizar sobre toros de madeira devidamente
           unidos.
     Seja como for, pode hoje asseverar-se, portanto, que o monumento não
é de falsa cúpula, antes se encontra coberto por um bloco de pedra.
     Em redor do monumento há vestígios de um grande muro formando
blocos de vários tamanhos, sugerindo que uma muralha rodearia o recinto.
     No tocante aos vestígios encontrados no local. há a registar que são
de vários tipos. Em sílex encontraram-se lamelas, raspadeiras, lascas
residuais e lâminas; de quartzo encontraram-se lamelas, lascas residuais
e cristais; um machado de anfibolito; uma esfera de arremesso em basal-
to; um punhal em osso; um botão de marfim; uma ponta de lança e um


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fragmento de punhal em cobre; fitas laminadas em ouro; bocados de
vasos em cerâmica; vestígios humanos (dentes, vértebras e ossos); para
além de alguns achados avulsos, como contas (de calaíde, âmbar e cerâ-
mica) ou seixos (de quartzito ou quartzo).




2.4. A Estação da Penha Verde

     As primeiras notícias sobre a estação da Penha Verde remontam a
1949,quando Veiga Ferreira e Georges Zbyszewski encontraram no local,
à superfície, numerosos fragmentos de cerâmica e pequenas lajes calcá-
rias. Após várias campanhas e investigações, os primeiros relatórios
sobre o achado e espólio foram divulgados já em 1957.A estação situa-se
entre Seteais e Monserrate, fronteira à chamada Quinta do Vale do Anjo,
num cabeço rochoso isolado com cota de 360m.
     As escavações até agora efectuadas revelaram a existência de dois
"edifícios" e um silo. O primeiro edifício é constituído por uma construção
semelhante a um "tholos". Circular, tem um diâmetro interno de 2,5 m e
uma espessura de paredes de 0,6 m. As paredes são compostas por fiadas
sucessivas de delgadas lajes de calcário, enquanto o chão foi aplanado e
todas as cavidades das paredes preenchidas por saibro. O facto de não se
ter encontrado no tholos quer restos de inumação quer quaisquer vestí-
gios humanos, e o facto de o solo não apresentar marcas de revolvimento
que permitissem supor enterramentos, indiciam estar-se em presença,
não de um monumento de teor funerário, mas de um local de habitação.
     O segundo edifício a ser descoberto possui igualmente uma planta
redonda e está também coberto de pedras. Seria um silo utilizado para
armazenamento de comida. O fundo desse silo está escavado no granito,
e na parte superior situa-se um muro formado por fiadas de lajes calcá-
rias destinadas - crê-se - a suportar uma falsa cúpula. No exterior do
silo, e segundo os investigadores, os seus utilizadores matariam e assa-
riam bois, carneiros e cabras, cuja carne seria depois conservada envolta
em cinzas dentro do silo.
     O terceiro edifício assemelha-se ao primeiro, sendo constituído por
fiadas de pequenas lajes calcárias sobrepostas. O seu diâmetro interior é
de 2,50 m e o muro tem uma largura de 0,60 m. Possui ainda um corredor
de entrada com um comprimento de 1,80m e 0,50m de largura.
     O espólio é variado e inclui:
     - Indústria do osso - fragmentos de cabo de instrumentos e de
espátulas, furadores, fragmentos de alfinetes, uma falange de boi usada
como ídolo e fragmentos de javali com igual fim.
     - Indústria lítica - vários vestígios de sílex (pontas de seta, frag-
mentos de punhal, raspadeiras, lascas, lâminas e pedaços de foice).
     - Indústria do cobre - duas lâminas de punhal.
     - Cerâmica - centenas de fragmentos de cerâmica lisa e vestígios
variados de cerâmica ornamentada incisa e de tipo campaniforme.
     - Outros - machados de anfibolito, enxó, calhaus percutores, mó de
granito, pilões de mós, fragmentos de rocha corante, contas, alfinete em
ouro, fragmentos de grês e ocres vários para pintura.
     As conclusões permitem asseverar que se está perante uma estação
onde a chamada "cultura do vaso campaniforme" se associou com uma
cultura caracterizada pela chamada "cerâmica incisn". O ponto, todavia,
mais curioso para o observador comum reside no facto de se estar peran-
te edifícios para habitação e não de monumentos tumulares.



2.5. O Povoado Neolítico de s.ta Eufémia

    O povoado neolítico de S.ta Eufémia (vulgarmente conhecido por
Castro de S.ta Eufémia) situa-se no monte do mesmo nome em plena fre-
guesia de S. Pedro de Sintra. As primeiras notícias deste povoado foram
divulgadas por Félix Alves Pereira no "Diário de Notícias", no início da
década de trinta. Campanhas arqueológicas mais sistemáticas, levadas
a cabo a partir de 1973,permitiram um conhecimento mais pormenorizado
do local.


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                     /




I - Estação Arqueológica:     Z -   Terraplanagem:   3 -   Sondagem:   4 -    Ermida de   s.la   Eufémia:   5-   Instalações   dos Serviços
Florestais: 6 - Banhos Santos.




     Na realidade,    estamos perante      um castro utilizado  no Neolí-
tico/Calcolítico (Idade do Cobre - 4000 a.C.) e com posterior utilização
por povos celtas da denominada "Cultura de Alpiarça". Esta denomina-
ção é devida a um tipo específico e característico de cerâmica, a chama-
da "cerâmica de Alpiarça". No local. foram ainda encontrados variados
vestígios romanos o que sugere claramente a possibilidade de uma utili-
zação posterior. Tais vestígios datam da época republicana (século II a.C.).
Ainda perto do local de S.ta Eufémia, num sítio denominado por Monte
Seguro, foi descoberto um prolongamento desta estação arqueológica,
com alguma ocupação do solo e alguns vestígios.
     A estação arqueológica de S.ta Eufémia ocupa uma área em declive
de aproximadamente 25 000 mZ, situando-se numa zona de disjunção do
batolito granítico de Sintra com os calcários metamórficos de S. Pedra.
Notam-se, na encosta, alguns muros de suporte escalonados e sensivel-
mente paralelos, constituindo-se assim plataformas que serviriam para a
construção de habitações. Não existem, porém, vestígios monumentais de
qualquer espécie, seja casas, muros ou caminhos, se exceptuarmos um
caminho lajeado, possivelmente romano, e, entretanto, destruído e alca-
troado.
     A situação geográfica deste povoado oferecia boas possibilidades
estratégicas para os seus habitantes. Os grandes grupos de penedos gra-
níticos favoreciam a defesa, enquanto a aptidão agrícola dos terrenos a
sul e a fartura de águas da serra permitia boas condições de vida e condi-
ções logísticas de apreciável qualidade.
     Não obstante a inexistência de vestígios monumentais, como se viu,
verifica-se ainda assim uma apreciável quantidade de vestígios de índo-
le diversa, de que são exemplo lascas de quartzo, fragmentos de mó e de
sílex, contas de vidro e restos de cerâmica (bordos de vasos e de taças,
bocais de ânfora romanos).
     Se para alguns monumentos anteriores tivemos a oportunidade de
referir que o seu estado de conservação seria pouco motivador para os
discentes, é de referir que tal problema atinge aqui o paroxismo. Na ver-
dade, para um leigo ou mesmo para um estudioso menos especializado
em temática pré-histórica, nada haverá aqui para "ser visto". O local.
que, segundo alguns mais entusiastas, seria "o primeiro esboço de assen-
tamento humano em Sintrc". é actualmente uma área que poderá revelar
vestígios avulsos em futuras campanhas e talvez apenas isso, já que em
termos de monumentalidade nada haverá a ser registado. Esses vestígios
estão entretanto depositados      e referenciados   no Museu Regional de
Sintra, quer para o Neolítico, quer para a romanidade.


                                                                                                                                       7
2.6. A Necrópole Neolítica do Vale de S. Martinho

     A necrópole neolítica chamada do Vale de S. Martinho situa-se nas
cercanias    da vila de Sintra, no bairro comummente conhecido por
Estefânia, mais precisamente no seguimento da Rua José Antunes dos
Santos, entre as estradas que seguem para Colares e para Mafra (via
Laurel).
     Se bem que as primeiras notícias datem de 1880,só em 1896é que se
começa a efectuar um trabalho de investigação minimanente aceitável
levado a cabo pelo engenheiro Maximiano Apolinário, ao serviço do
Museu Etnográfico Português, e sob a supervisão de Leite de Vasconcelos.
Já neste século, na década de trinta, o estudioso Félix Alves Pereira dedi-
cou alguma atenção ao monumento, reflectindo-se tal interesse em vários
artigos citados na bibliografia que apresentamos.
     Estes trabalhos e estudos permitiram uma análise do monumento,
que pode ser descrito como um conjunto de duas sepulturas cupuliformes
(hipogeus) datados do Neolítico Final coincidindo com a Idade do Cobre
(cerca de 4000 a.C.). De acordo com aquilo que actualmente pode ser visto
(e que infelizmente não é muito), a estrutura destes dois hipogeus asse-
melha-se ao monumento da Bela-Vista (Colares) que atrás abordámos.
Ambos os hipogeus foram feitos com pedra da região. Registe-se, por
curiosidade, que numa das construções o tecto abateu, permitindo então
observar os vestígios humanos inumados em posição fetal.
     O vestígio mais importante aqui encontrado foi uma enxó (machado)
votiva, que actualmente se encontra depositada no Museu de Arqueo-
logia em Belém.
     Infelizmente, e mais uma vez, o estado de degradação do monumento
não permite que o observemos com total fidelidade.




2.7. O Povoado Neolítico da Catrivana

    O povoado neolítico daCatrivana situa-se na freguesia de S. João das
Lampas, mais exactamente nas proximidades da vila da Assafora, na
margem esquerda da ribeira da Samarra.
    O início da exploração data de 1950, sob a responsabilidade          de
Prescott Vicente e Cunha Serrão, já que a toponímia do local (Catrivana)
sugeriria aos investigadores etimologias célticas. Oito anos mais tarde,
começariam campanhas arqueológicas sistemáticas que de algum modo
confirmariam as suspeitas dos arqueólogos. Na verdade, encontraram aí
uma estação situada num ponto elevado, cujas encostas muito pedrego-
sas caem sobre a margem de um curso de água (ribeira de Samarra), e
cujas características e espólio encontrado sugerem um povoado neolítico
de meados ou finais do 4.0 milénio a.C.
    Contudo, não se descobriu qualquer vestígio humano ao nível de
monumentos (casas, muros, acessos, etc.). Em contrapartida, descobriram-
-se vestígios significativos de cerâmica (inúmeros fragmentos sem deco-
ração), pequenos machados de diorito e anfibolito, um furador de osso e
peças avulsas (lâminas de sílex e lascas de qucntzito), vestígios que estão
também depositados no Museu Regional de Sintra. Perto deste povoado,
na margem esquerda da elevação, descobriu-se uma estação luso-roma-
na, provavelmente uma necrópole.




                                                                              Catrivana: exemplo de espólio (ma-
                                                                              chados líticos)




8
2.8. As Pinturas Rupestres do Magoito

     As pinturas rupestres, pelo pitoresco que representam mas sobretudo
pelo significado e mistérios de que estão imbuídas, são particularmente
atractivas para o público em geral e para o público juvenil em particular.
Por isso, seria interessante a análise das pinturas rupestres que há pou-
cos anos têm vindo a ser estudadas no lugar de Pedras Negras, 11 km a
NNE do cabo da Roca e junto ao Magoito. Esta localização não surpreende
quem a região conheça em termos arqueológicos, já que perto se situam,
por exemplo, as estações de Casal dos Pianos - ricas em vestígios roma-
nos e posteriores - ou os concheiros do Magoito - datados do Paleolítico
Superior ou do Mesolítico -, entre outras de que daremos atempadamen-
te notícia. Toda a região circundante das grutas é assim um pólo de uma
muito antiga ocupação humana e pródiga em património.
     As pinturas rituais e prato-históricas    de que agora daremos uma
breve resenha foram descobertos em Maio de 1985, e investigadas pelo
arqueólogo sintrense Elvio Melim de Sousa e pelo arquitecto e especialis-
ta Mário Varela Gomes. As pinturas estão representadas em dois blocos
líticos de natureza arenosa que durante largo tempo estiveram soterra-
das, o que muito contribuiu para a sua razoável conservação. No primeiro
bloco temos representados:
     - Uma figura antropomórfica masculina de braços erguidos e com os
genitais bem representados.      Tem uma altura de 41 em e uma largura
máxima de 31 em.
        Um sulco curvilíneo.
        Dois círculos radiados de 26 em de diâmetro e oito raios cada.
        Uma cruz latina rodeada de oito pontos, medindo 22 em por 18cm.
        Várias linhas e traços, ora paralelos, ora isolados.
     Por seu turno, no segundo bloco podem ser observados vários sulcos
verticais rematados por depressões circulares.
     A interpretação destes dois blocos sugere o seguinte: a figura antro-
pomórfica do primeiro bloco representaria um orante, enquanto os círcu-
los simbolizariam o sol em diversas posições; por seu turno, as linhas
paralelas representariam as ondas do mar, a cruz seria uma estrela, o
sulco seria a linha da costa, enquanto que as linhas avulsas simboliza-
riam o horizonte. O segundo bloco apresentaria o círculo astral relaciona-
do com o anterior bloco, podendo ser até - muito provavelmente - um
fragmento desse mesmo bloco.
     Segundo os especialistas, as gravuras enquadrar-se-iam numa tradi-
ção cultural regionaL que remontaria a épocas claramente pré-históricas,
e que se situariam na Idade do Bronze e do Ferro - 3000 a 2500 anos -,
prolongando-se até épocas tardias da ocupação romana, passando então
a assumir características oficiais.
     Infelizmente, o desfecho deste espólio é desanimador. Há alguns
meses, alguém, munido de picareta e pela calada da noite, destruiu com-
pletamente as pedras e as respectivas gravuras. Um misto de ignorância
de interesses insuspeitos estarão na origem de mais um crime de lesa-
-património, entretanto sob investigação policial. A reconstituição das
pedras e desenhos não se afigura íácil. já que a natureza arenosa das
pedras o dificulta. Contudo, ressalve-se que se podem observar registos
fotográficos importantes destas pinturas rupestres no Museu Regional de
Sintra.




                                                                             9
2.9. Dólmen da «Pedra Erguida»

            Perto da localidade da Terrugem. a sudoeste. num local denominado
        por Meirames. descobriu o arqueólogo Prescott Vicente. em 1950. os pri-
        meiros sinais de um monumento pré-histórico. As investigações. que em
        1973prosseguiriam. trouxeram à luz um dólmen a que desde logo se cha-
        mou «da Pedra Erguida» ou também «das Pedras Altas». «Pedras da
        Granja» e «Meirumes».
            No essencial. este monumento é composto por dois esteios - e pelos
        restos de outros -. e por alguns aglomerados de pedras dispostos por"
        forma a evocar o contorno da mamoa. Os esteios mediam - do solo ao
        topo - uma altura de 2.07 m e 2.70 m. possuindo a mamoa um diâmetro
        de 50 m.
            Foram no local encontrados alguns vestígios humanos - sobretudo
        ossos - e alguma cerâmica campaniforme. depositados. entretanto. no
        Museu Regional de Sintra. O adiantado estado de degradação do monu-
        mento não permite infelizmente uma análise mais detalhada        deste
        dólmen.




                                                                                                I
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                                                                                                         ,


             b

        «Pedra Erquido»: a) Planta sumária e esquema da projectada escavação: b) Apontamento
        sobre a forma e dimensões dos esteios (reprodução de apontamentos  registados no cader-
        no de campo do autor).



        10



   '
2.10. A Estação Eneolítica de Negrais

     Um pouco mais a norte, nas cercanias da povoação de Negrais (extre-
mo norte do concelho), situa-se um outro povoado que foi explorado a par-
tir de 1950pelos arqueólogos Prescott Vicente e Cunha Serrão.
     Este povoado, cuja ocupação humana parece datar de cerca de 4000a.C.,
caracteriza-se por um conjunto de dois recintos principais distando setecen-
tos metros um do outro. Escavando a cerca de 40/60em de profundidade des-
cobriram os investigadores alguns materiais, de que se destacam fragmen-
tos de cerâmica, lâminas de sílex e material lítico disperso, visíveis no
Museu Regional de Sintra. Crê-se que a estação poderá ainda fornecer mais
alguns dados se houver entretanto futuras explorações. Contudo, a ausên-
cia, mais uma vez, de vestígios monumentais, confere ao local um aspecto
não muito atraente para visitas de estudo integradas em âmbito escolar.



2.11. O Castro Eneolítico de 01elas

    As primeiras informações sobre o castro remontam a 1878,produzidas
por Carlos Ribeiro. Entre 1952 e 1957, Cunha Serrão e Prescott Vicente
levaram entretanto a cabo as primeiras investigações. O castro situa-se
na actual freguesia de Almargem do Bispo, no cume do monte de Olelas.
    Trata-se de uma estação complexa, sobretudo pela variedade de
locais arqueológicos, que inclui três grutas necrópoles, seis jazidas de
superfície, muralhas defensivas e monumentos de carácter funerário.
Contudo, deste largo espólio, somente dois edifícios foram postos a des-
coberto, sendo esses que iremos abordar.
    O primeiro edifício é composto por uma câmara funerária circular e por
um corredor diferenciado. A câmara tem um diâmetro interno de 3,90 m. O
corredor mede cerca de 2,30 m de comprimento sendo a largura média de
0,80m. Quer o corredor quer a câmara são formados por grandes blocos de
calcário, enquanto os interstícios e os buracos da construção são tapados
por pequenas pedras e terra. Note-se que a espessura das paredes é de
cerca de 80 em, Existe a possibilidade de o edifício ter possuído cúpula.
    O segundo edifício não é substancialmente diverso, mas possui uma
particularidade interessante: a sua planta não é arredondada mas elípti-
ca, sendo o eixo maior de 4,10 m e o eixo menor de 2,40 m; as paredes têm
uma espessura de 1,40m.
    O espólio do local, até agora conhecido, é variado. Inclui:
    - Material lítico - armas e utensílios de sílex, dez pontas de seta,
lâminas delgadas, raspaà.ores, furadores, lamelas, instrumentos de pedra
polida, botões.
        Osso - furador.
    - Metal - furado r.
    - Objectos de culto ou magia - descobriu-se no local um pequeno
vaso de calcário, representando um suíno. Possuí 13 em de comprimento e
tem uma concavidade oval no topo. Encontraram-se ainda dentes de javali
e de porco, para além de caninos e presas de felinos. Aconselhamos mais
uma vez o visionamento do espólio no Museu Regional de Sintra, onde
está depositado e - como é timbre deste museu - bem referenciado.



2.12. O Dólmen do Monte Abraão

    Situado na freguesia de Queluz-Belas, o dólmen do Monte Abraão faz
parte de um conjunto megalítico bastante conhecido no concelho - e até
fora dele - e de que fazem também parte, para além deste monumento, o
conjunto de antas de Belas, os dólmens de Pedra dos Mouros e da Estria.
As primeiras notícias sobre este dólmen e sobre os monumentos circun-
dantes datam de finais do século XIX, sendo da responsabilidade         do
arqueólogo Carlos Ribeiro (in «Notícia de algumas estações e monumen-
tos pré-históricos». Lisboa, 1880).Então, e pela primeira vez, chegou este
conjunto monumental ao conhecimento público, sendo logo em 1910consi-
derado «Monumento Nacional». Isto, apesar de o vasto conjunto estar já
então danificado por depradações anteriores, segundo Carlos Ribeiro.


                                                                               11
Nada foi saqueado - que nada havia de "valor" para os saqueadores -
mas muito foi destruído.
    Do conjunto megalítico destaca-se       o dólmen chamado do Monte
Abraão, por ser o maior das Antas de Belas. É composto por uma câmara
poligonal a poente, com galeria anexa que se estende a nascente. A
câmara tem cerca de 3,5 m de diâmetro sendo formada por oito lajes,
enquanto que o corredor possui oito metros de comprimento por dois de
largura, o que dá um total de quase 12metros de comprimento global.
    As lajes, por seu turno, podem ir até aos cinco metros de altura (qua-
tro a descoberto e um enterrado no solo), não tendo curiosamente sido
edificadas de molde a permitir o assentamento de uma laje transversal
superior. Na verdade, uma dessas lajes foi inclinada de modo a formar
uma espécie de toldo de cobertura, o que confere ao conjunto uma certa
originalidade. Ainda sobre as lajes, há a registar - de acordo com o estu-
do da sua constituição - que foram trazidas de várias centenas de
metros a norte.
    Todo o conjunto apresenta uma característica interessante: nada do
local - nem características do solo ou pedras - foi aproveitado para a
edificação deste dólmen, ao contrário do verificado noutros sítios - como
Colares. As lajes foram trazidas das cercanias, e o solo foi aplanado e
preparado para a edificação do dólmen através do alisamento do solo e
do nivelamento de saliências.
     Do vasto conjunto de vestígios descobertos salientam-se facas, pontas
de flecha e de lança (tudo em sílex), facas de quartzo, machados e raspa-
dores de pedra, amuletos em ardósia, objectos fragmentados (vasos e pra-
tos em cerâmica) e inúmeros restos humanos (ossos e 1340dentes).
     Pela sua relativa monumentalidade, pelo sofrível estado de conserva-
ção, por se tratar do maior dólmen do conjunto das antas de Belas, este
monumento merece uma visita sobretudo de cariz didáctico, eventual-
mente (se faltar tempo para mais trajectos) em detrimento de outros
monumentos aqui antes apresentados        e cujo interesse para os alunos
parece escasso.
3. A OCUPAÇÃO ROMANA: O MONTE SAGRADO

     A presença romana na região sintrense teve alguma importância,
como de resto tivemos oportunidade        de verificar quando abordámos
alguns povoados neolíticos de posterior reocupação pelos romanos. Por
se situar dentro dos chamados "Campos Olisíponensis". a região sintren-
se gozava do direito de município romano. Esta região, que os historiado-
res denominam de "Zona W" do Município Olisiponense, estendia-se do
cabo da Roca (Promontório Sacro), ao lugar de Paço das Ilhas, quatro qui-
lómefros a norte da Ericeira, onde a população se dispersava em inúme-
ras villae de cariz latifundiário     (ver, mais adiante,    o exemplo de
Almoçageme), usufruindo de uma economia rural e de exploração do sub-
solo.
     A relativamente larga cópia de vestígios encontrados nesta região
acompanham - fácil é supô-lo - as tendências gerais da ocupação. Na
"Zona W" do Município Olisiponense,        a grande maioria dos achados
situa-se numa área em torno da povoação de S. Miguel de Odrinhas, não
obstante terem sido encontrados vestígios em mais de quarenta pontos
diferentes do concelho.                                           ,
     Quanto à área da serra propriamente dita, onde mais tarde se fixaria
a vila de Sintra, essa era tida como "Mons Sacer" (Monte Sagrado), e con-
tituiria uma reminiscência de velhos cultos célticos e turdetanos. Os vá-
rios escritores latinos que escreveram sobre a região sintrense dão conta
desse fascínio pela Serra, tida como santuário de cultos lunares. Plínio,
Varrão, Ptolomeu, Estrabão, Marciano de Heracleia e Sílvio Itálico dão de
tal culto o seu, testemunho, narrando o último - nas "Púniccs" - a lenda
de que o vento da serra de Sintra seria tão fértil que emprenhava as
éguas, que assim geravam cavalos pequenos e velozes. Registe-se contu-
do que a lenda não era original, pois para vários lugares fertéis se encon-
tram variações deste tema.
     A atestar porém de forma mais exemplar a sacralização da zona de
Sintra aquando da ocupação romana - reminiscência provável de anti-
gos cultos célticos - temos as notícias que nos últimos anos têm vindo a
lume relacionadas com um templo de cultos lunares e solares. De facto, o
arqueólogo e historiador Cardim Ribeiro dá como provável a prática anti-
ga de cultos astrais - que poderiam prolongar-se até ao século XVI -
realizados na foz do rio de Colares. Aí existiria um templo dedicado ao sol
e à lua, cujas inscrições foram descritas por Valentim de Fernandes (tipó-
grafo alemão da corte de D. João II e de D. Manuel), por André de Resende
(na sua obra «Antiquitatibus Lusitcmiue»), por frei Bernardo de Brito (na
«Monarchia Lusitcmo») e por Francisco de Holanda (em «Na fábrica que
falece às portas de Lisboo»). Segundo estes autores, o monumento seria
composto por várias colunas em círculo, contendo uma inscrição que
dizia:

  "SOU. AETERNO/CHRISTO. IESV./ET./GLORIOSAE. VIR/GINI.
MARIAE.NUSIPPO ./DEDICAVIT."

    Estas descrições do monumento e da sua epigrafia, se bem que algu-
mas de carácter duvidoso - sobretudo as de Holanda -, despertaram o
óbvio interesse dos investigadores pela sua situação. Contudo, e para
além da sua provável localização - junto à costa, no Alto da Vigia - e de
esparsos vestígios - dois fustes de mármore fragmentados com 42 em de
diâmetro -, nada mais se descobriu de tal monumento. Campanhas
arqueológicas entretanto sugeridas poderão permitir novos desenvolvi-
mentos, já que, actualmente, muito pouco há a mostrar a quem estiver
interessado na sua observação. Em todo o caso, é de esperar por futuros
desenvolvimentos deste possível monumento.




                                                                              13
4. OCUPAÇÃO                ROMANA SINTRENSE

4.1. A Barragem Romana de Belas

    «Ora se Lisboa tem a presunção de ser a maior e mais nobre cidade
do mundo (...). como não tem água para beber a gente (da cidade)?
Também Vossa Alteza deve de trazer a Lisboa AGUA LIVRE,que de duas
léguas dela trouxeram os romanos a ela por condutas debaixo da terra
subterrâneas, furando muitos montes e com muito gasto e trabalho (...).»

     Assim escrevia Francisco de Rolanda a D. Sebastião em 1571(na obra
«Da fábrica que falece à cidade de Lisboo»), comentcmdo os problemas de
abastecimento de água à capital. A referência à Agua Livre trazida pelos
antigos romanos alerta-nos para o facto de ter existido uma conduta que
traria a água dos arrabaldes. Ora, de acordo com aquilo que actualmente
sabemos dos dados quer da arqueologia quer da documentação, a barra-
gem romana inicial formar-se-ia na zona de Belas, carreando a água até
à porta de S.loAndré, na Costa do Castelo. Desconhece-se o destino dessa
barragem romana que abastecia Olissipo. Sabe-se apenas que no sé-
culo XVI (como se vê em Hokmdc), mais não era que uma longínqua recor-
dação, nada mais restando dela que escassos troços - quer da albufeira
inicial quer do aqueduto que carreava as águas.
     Hoje, dos vestígios monumentais ainda visíveis, dois têm sido objecto
de algum estudo: a bcrrcrqern de Belas e o aqueduto que, dela saindo,
passava pela Amadora. E a primeira que irá merecer a nossa atenção.
     Vestígios da barragem romana de Belos são ainda localizáveis na
Estrada Caneças-Belas, perto da Quinta da Agua Livre (quilómetro 16.423
da E. N. n.? 250). Visível é uma arruinada muralha separada da estrada
por um pequeno ribeiro, sendo tal muralha o que resta da barragem aí
edificada no século III e que servia, como vimos, para a formação da
albufeira de onde um aqueduto (de que é possível observar parte do troço
na Amadora, junto ao Bairro da Mina) levava a água para Lisboa. A
sobrevivente muralha da albufeira em Belas, tem o comprimento máximo
de 15,5 m, por 8 m de altura máxima e 7 m de espessura máxima. As
pedras que a constituíam - e constituem ainda - eram irregulares e de
tamanho variável. ligadas por argamassa feita com cal. areia fina e
pedaços de cerâmica comum. Os paramentos da muralha estão revesti-
dos com pedra obtida no local. A albufeira assim formada podia armaze-
nar até 125000 metros cúbicos de água provenientes dos abundantes cau-
dais locais, de onde se destacava uma nascente que (de acordo com cál-
culos elaborados      por engenheiros   seiscentistas)   brotava cerca de
360 litros por minuto. A albufeira ficava a cerca de 10 km de Lisboa em
linha recta.
     Desconhece-se quando deixou a albufeira de ter serventia. Como se
observou, no século XVI mais não era que uma referência longínqua.
Intenções de D. Sebastião e de Filipe II (com a visita deste às ruínas) para
a reconstrução do aqueduto em nada resultaram, já que só em 1728se ini-
ciaram as obras tendentes à erecção de um aqueduto. A barragem foi
então tida por desnecessária, dada a abundância de pequenas nascentes
que foi possível captar pelo caminho. Desta altura são as construções que
também podem ser vistas actualmente na barragem de Belas, nomeada-
mente os ventiladores e os «ccstellc».




14
CORTE     A·       A




                                                                                                                                      !':

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                                      Barragem Romana-vestígios subsistentes;           Barragem Romana-   troços destruidos;   Modernas construções


                       Estradas   e caminhos;            . Muros;   ~    • Curso   de   ágUa";   Em .   Entulhos




                                                                                                                                                 15
4.2. A «Villae» de S.to André de Almoçageme

       De entre os vestígios romanos encontrados na região sintrense - e até
  na região do chamado Município Olisiponense - a «Villae »de S.IO        André
  de Almoçageme destaca-se pela importância do seu espólio, pelo seu his-
  torial e pelas potencialidades que encerra em termos de achados futuros.
       A «villae» foi descoberta em 1905,mas só a partir de 1985tem vindo a ser
  alvo de campanhas crqueolóqiccs consequentes e acompanhadas por espe-
  cialistas, de que se destacam Elvio Melim de Sousa e Cardim Ribeiro. Até ao
  momento em que este roteiro é escrito, estão já explorados mais de 1000m2, o
  que mesmo assim representa cerca de metade da previsível área total da
  «villce», Tal estimativa permite, aos arqueólogos que têm trabalhado nas
  campanhas, calcular que a «villae» estará totalmente explorada num prazo
  de cerca de cinco anos. Para salvaguarda         dos trabalhos, a Câmara
  Municipal de Sintra adquiriu já os terrenos onde a «villce- está inserida.
       Estamos perante uma «villue. do Baixo Império ou - numa hipótese
  menos provável ainda que teoricamente possível - uma «villae» mais
  remota com reaproveitamento posterior. Se bem que não se saiba ao certo
  quando deixou de ser explorada, pode-se considerar a hipótese - se bem
  que muito incerta - de que tal possa ter ocorrido em meados do século V.
. A «villce», de grandes dimensões, era uma propriedade rural que incluía
  terras de aptidão agrícola e um conjunto de edifícios relativamente vasto,
  onde se inseria a residência do proprietário, os balneários, o alojamento
  de trabalhadores      e outras dependências  avulsas, como lagares, arma-
  zéns, celeiros, estábulos ou olaria.
       Porém, alguns factos entretanto descobertos permitem avançar a
  hipótese de que estamos perante uma «villae» com características           sui
  generis, e que não esgotaria as suas potencialidades         numa «simples»
  propriedade de exploração agrícola. Assim, e contrariamente            ao que
  seria de pressupor numa estrutura deste tipo, nota-se que:

      1 - A «villae» foi erguida em território sagrado do «Mons Lunae», o
 que é um facto verdadeiramente fora do comum.
      2 - A olaria situa-se no interior da própria «villae», facto muito raro
 em termos gerais, e único até no território português.
      3 - Foram encontrados vestígios de estatuária imperial de feição
 deificante.
      4 - Bastante perto da propriedade, encontraram-se vestígios de um
 templo de cultos solares e lunares e, muito possivelmente, dedicado a cul-
 tos imperiais. Segundo alguns estudiosos, este templo estaria associado à
 «villae», num primeiro momento sob o governo do imperador Septímio
 Severo (193-211), mais tarde sob o imperador Aureliano (270-275).
                  e

      Deste conjunto de factos resulta lícito que se avance com a hipótese
 de estarmos perante não uma «villae» comum e dentro dos habituais mol-
 des deste tipo de estrutura, mas mais de um entreposto destinado a aco-
 lher funcionários desse templo anexo, garantindo simultaneamente a sua
 subsistência. Tal tese surge consideravelmente reforçada se se puser em
 causa a ideia do seu abandono em meados da quinta centúria - o que,
 como se viu, é somente uma hipótese duvidosa. De facto, crê-se que após
 a queda do Império Romano do Ocidente, continuaram              a chegar a
 S.lo André de Almoçageme ânforas provindas do Mediterrâneo Oriental
 transportando vinho carismático utilizado no sacramento da Eucaristia.
 Ora, esta constatação permite - com cautelas, mas com alguma consis-
 tência - avançar a hipótese de haver uma continuidade de utilização
 mítico-religiosa.
      Entretanto, os vestígios que ao longo das campanhas têm sido des-
 cobertos atestam, mais uma vez, a importância desta «vilkre». De entre o
 espólio descoberto salienta-se:
      - Sepulturas - É de realçar uma sepultura infantil de inumação,
 constituída por dois ímbrices sobrepostos e em posição invertida um em
 relação ao outro, de molde a formar uma caixa fechada nos topos por
 fragmentos de tijolo, e lateralmente acunhada por outros fragmentos de
 tijolo para que se mantivesse firme. Tem cerca de 65 em por 20 em. Esta
 sepultura encerra um esqueleto de criança de cerca de três meses, inumc-
 do em posição fetal.
      - Banquetas de tijolos - Três séries de tijolos sobrepostos de modo a
 formar uma elevação paralelepipédica       de 30 em de altura por 60 em de


 16
comprimento. Pressupõe-se que seria a base onde assentaria uma está-
tua.
     - Tanques - Dois tanques. juntamente com muros de planta semi-
circular. Pensa-se que seria o centro ajardinado de um peristilo. isto é.
uma espécie de claustro com o qual comunicavam diversas secções.
     - Cerâmica - Foram encontrados diversos exemplares anfóricos.
na sua maioria de mesa e de transporte de pasta de peixe.
     - Moeda - Inúmeras moedas foram encontradas no local. sendo um
terço dos exemplares do século III e dois terços do século IV.
     - Objectos em pedra - O exemplar mais significativo encontrado
foi um almofariz em calcário.
     - Objectos de adorno - De entre os vários objectos encontrados.
salientam-se contas de vidro. um anel em gema. várias lucernas e alfine-
tes em osso.
     - Mosaicos - Foram encontrados cinco mosaicos policromados.
sendo o maior conjunto de «tapetes de pedra» descobertos em toda a
região de Lisboa. Revelam nítida influência africana e são constituídos
por tessatos (pequenos cubos de calcário pintado) que cobrem todo o piso
de três salas. A decoração destes mosaicos é constituída principalmente
por lágrimas. tranças. flores estilizadas e motivos geométricos. Os mosai-
cos são vermelhos e amarelos. tendo sido feitos. segundo crêem os
arqueólogos. por artesãos locais.
     Se bem que as investigações e campanhas estejam ainda longe de
estar concluídas. e poderem escavações posteriores acrescentar novos
dados ou traçar pistas diferentes. o que está já a descoberto é suficiente
para que se considere esta «villae» como um dos mais interessantes - se
não mesmo o mais interessante - vestígios da romanidade em território
sintrense. Muito do espólio entretanto descoberto - sobretudo cerâmica-
é visível no Museu Regional de Sintra.



4.3. O Fontanário de Armés

     Na povoação de Armés. encontra-se um fontanário romano de interes-
se. contendo uma inscrição epigráfica digna de referência. O fontanário
encontra-se actualmente três metros abaixo do nível do solo e para ele se
desce por uma escadaria. E constituído por uma caixa de planta rectan-
gular formada por vários monolitos de mármore aparelhados; as paredes
laterais e posterior erguem-se marcadamente em relação à parede ante-
rior. servindo esta apenas de parapeito. Tal sugere. com alguma clareza.
que o monumento terá sofrido algumas modificações posteriores. Uma
laje contendo a inscrição epigráfica encima o conjunto. supondo-se que
terá sido recuada em relação à sua posição original para facilitar o aces-
so à água do depósito. O normal afluxo de água ao fontanário era (e é)
canalizado de uma nascente próxima. garantindo um abastecimento
constante.
     As dimensões deste fontanário são as seguintes:
         Comprimento: 213 em.
         Altura das paredes posterior e laterais: 211 em.
         Altura da parede anterior: 151cm.
         Profundidade horizontal do conjunto: 139em,
         Altura total do conjunto com o depósito: 231em.
         Laje epigrafada-    Comprimento: 206.5em - Espessura: 17em,

    A laje epigrafada   que encima o conjunto contém a seguinte inscrição:

   -   L.IVLIVS.MAELO.CAVDIC.FLAM.DIVI.AVG.DSF

   A esta inscrição corresponde o seguinte desenvolvimento:

   -   Líucíus). IVLIVS.MAELO.CAVDIC(us).FLAM(en).DIVI.AVG(usti)

   E a seguinte tradução:

    - Lúcio Júlio MeIo Cnudico. flâmine do Divino Auqusto. fez à sua
custa. (Flâmine: sacerdote romano geralmente de [úpiter ou Marte e even-
tualmente de outros deuses.)


                                                                             17
Da análise da inscrição epigráfica deste fontanário, concluem os
arqueólogos que ele teria sido erigido pela personagem descrita (Lúcio
Júlio MeIo Caudico) ao imperador Augusto (27 a.C-14 a.C.), abrindo-se
assim a possibilidade de o fontanário - bem como as suas águas - ter
carácter sacralizado. Ora, esta perspectiva remete para a possibilidade
de na região do Município Olisiponense persistir o "culto das águas"
associado ao próprio culto imperial. como já tem várias vezes salientado
o arqueólogo Cardim Ribeiro, não só para este como para outros monu-
mentos (ver a Barragem Romana de Belas). De salientar que o fontanário
se situa numa zona onde se encontram por vezes vestígios - sobretudo
romanos - que estão depositados no Museu Regional de Sintra.


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                      ""
Reconstituição teórica




18
4.4. A Plataforma de Pianos

     A área arqueologicamente     conhecida por «Plataforma de Pianos»
compreende uma zona limitada a norte pela ribeira da Samarra e a sul
pela ribeira da Mata, estendendo-se entre ambas uma área de 4,5 km de
comprimento. Tal área, ainda que não alcance no seu ponto mais alto
valores superiores a 120m, é dotada, de acordo com os especialistas, de
características próprias e de uma altitude média específica, que não só a
individualizam como permitem que receba o topónimo de «Plataforma de
Pianos».
     É esta plataforma que irá agora ser objecto da nossa atenção, já que o
grande número de vestígios encontrados e a antiga ocupação humana
fazem dela um ponto de interesse para a história do concelho em geral, e
para a ocupação romana em particular.
     Nos arredores da plataforma foram encontrados alguns testemunhos
do Paleolítico Médio (30 000 a 50 000 anos), sobretudo a norte, na região
litoral da Assafora, e a sul, perto da praia do Magoito. Também do
Paleolítico Superior (9000 a.C.) foram encontrados vestígios no Magoito.
Decorridos cerca de 6000 anos, encontramos vestígios de um habitat neo-
calcolítico implantado na região da Pedranta. Povos já resultantes da
chamada Revolução Neolítica, e portanto praticando uma economia muito
mais de produção que de recolecção, servem-se sobretudo das partes
mais altas da plataforma, deixando as áreas baixas - menos férteis -
para necrópole.
     A época, porém, mais fértil em vestígios arqueológicos e que pressu-
põe, portanto, uma mais intensiva ocupação humana é a da ocupação
romana, que neste caso começa por meados do século I a.C. Da vasta
plêiade de vestígios desta época deixados, interessam-nos mais os ar-
queológicos e menos os (de acordo com Cardim Ribeiro, cujas conclusões
seguimos para esta área) geográficos e os toponímicos.
     Os mais importantes vestígios arqueológicos compreendem túmulos
monumentais, geralmente epigrafados. Muitos foram registados e lidos
(nem sempre sem mácula interpretativa) pelos interessados rencscentís-
tas que muito contribuíram - como a seguir veremos em Odrinhas -
para um melhor conhecimento desta zona. O mais importante está descri-
to por Cardim Ribeiro num estudo que efectuou na década de 1980 no
«Jornal de Sintra» (vide Bibliografia). Outros vestígios incluem cipos,
como o descoberto em 1955,de secção arciforme e depositado no museu
de Odrinhas, onde permanece sob o número LXXV, cujas características
                                                     e
monumentais o individualizam sobremaneira, não obstante alguma dete-
rioração.
     Estes dois vestígios permitem supor a existência de um conjunto rela-
tivamente abundante de monumentos funerários reveladores do uso ritu-
al de práticas crematórias.
     Ainda relacionada com a prática de cremação, encontra-se a necrópo-
le romana descoberta em 1978 na plataforma de Pianos, cujo espólio se
encontra depositado no Museu Regional de Sintra. A necrópole era com-
posta por duas sepulturas, apresentando       a primeira um comprimento
máximo de quase 2 m e uma largura máxima de 80 em, tendo sido encon-
tradas perto duas «ollcre» (vasos) servindo de urnas cinerárias e três
ungentários cerâmicos em forma de gota, aparentemente datados do sécu-
lo I d.C. A segunda sepultura era inferior nas suas dimensões à primeira, e
tinha integrada uma outra «ollne». Ainda associados a estas duas sepultu-
ras, foram encontrados dois copos e um prato, para além de outros vestí-
gios como telhas, quer «imbrices» (curvas) quer «tegulae» (planas).
     Necrópoles de inumação (e não de cremação, como as anteriores)
foram igualmente descobertas, nomeadamente na parcela de terra conhe-
cida por «Cerrado de Torres», onde foram descobertas três sepulturas,
contendo vestígios interessantes, que incluíam (para além dos respecti-
vos esqueletos, claro) moedas do século III d.C., e um anel de ouro no qual
se encontra ainda engastada uma pedra rectangular verde e opaca. De
acordo com os especialistas que a esta região se têm dedicado, a necró-
pole de inumação teve a sua fase de utilização entre o século IV d.C. e o
 século VI a.C. Outras necrópoles de inumação foram também descobertas
um pouco por toda a parte da Plataforma de Pianos, sobretudo no qua-
drante nordeste, entre o Fetal e o Casal de Pianos, mais exactamente
numa série de terrenos localmente conhecidos por «Pombal» (sepultura
aparentemente rectangular de lajes irregulares e com espólio osteológico
constituído por um só esqueleto), «Parede Bem Feita» (notícia de sepultu-


                                                                              19
ras várias ainda não devidamente investigadas), «Covas» (notícias de
várias sepulturas compostas por lajes de cobertura, de parede e de fundo)
e em «Terreno do Milho Miúdo» (referência a uma urna de chumbo, possi-
velmente datada do século III d.C., mas ainda não devidamente estuda-
da). Registe-se, todavia, que estas urnas destes terrenos carecem de
investigação mais cuidada.
     Também vestígios arquitectónicos têm vindo a ser descobertos nesta
plataforma. Merecem aqui especial realce os restos de um forno encontra-
do ao lado da estrada que une a Tojeira ao Casal de Pianos, alguns
metros atrás da respectiva capela. Os especicrlistcrs têm ainda algumas
dúvidas na sua datação, aventando a possibilidade de o localizar duran-
te a ocupação romana ou mesmo mais tardiamente. O forno é de planta
rectangular e as três paredes visíveis não comportam abertura, pelo que
falta a boca do dito forno; é visível ainda um conjunto de seis arcos para-
lelos de volta perfeita, constituídos por compridas aduelas, arcos esses
que penetram nas paredes laterais do monumento. O forno, que está actu-
almente reduzido a fornalhas e grelha, tem um comprimento global interi-
or de 2,6 m, uma largura interior de 1,9 m e uma altura (das aduelas de
cada arco) de 45 em.
     Entre os materiais líticos de construção, entretanto descobertos na
zona em estudo, destaca-se um fragmento de fuste de coluna em mármo-
re, romano ou tardo-romano, de 80 em de altura por 33 em de diâmetro, e
que está actualmente no Museu Arqueológico de Odrinhas (n.? LXXVI).
     Muitos outros materiais e vestígios avulsos têm vindo a ser detecta-
dos, nomeadamente telhas e tijolos de vário tipo, não olvidando inúmeras
vasilhas e ânforas (muitas das quais poderão ser observadas no Museu
de Odrinhus), «rnoloe» (genericamente, mós de moinho manual rotativo) e
moedas (nomeadamente um «direme» árabe de prata).
     A abundância de vestígios encontrados (muitos dos quais estão tam-
bém no Museu Regional de Sintra e não apenas para a época romana), a
sua relativa importância, originalidade e interesse, sugerem uma aten-
ção particular a esta região e a possíveis desenvolvimentos futuros. Se
bem que não seja fácil a visita in loco aos locais referenciados, sugerimos
quer a leitura dos estudos já feitos na área, quer a visita ao Museu
Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, coluna vertebral e eixo fulcral da
arqueologia concelhia. Dele, aliás, falaremos em seguida.



4.5. O Museu de S. Miguel de Odrinhas
     e Área Circundante

     O Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, situado na pequena
vila do mesmo nome - sensivelmente a meio caminho na estrada Sintra-
Ericeira -, constitui-se como uma etapa essencial deste roteiro referente à
ocupação romana. E se outros argumentos não fossem encontrados para
defender esta ideia, bastará dizer que este museu é - a par com Idanha-a-
Nova - o que detém o mais importante acervo nacional de epigrafia latina.
Mesmo num contexto peninsular, a qualidade e quantidade do seu espólio
só é ultrapassado pelas colecções existentes em Mérida e Tarragona.
     Já no século XVI. Garcia de Resende e Francisco de Rolanda procede-
ram à primeira recolha e descrição conhecidas de inscrições lapidares da
região onde se veio a instalar, no nosso século, o museu. Em 1949,desen-
volveram-se no local as primeiras escavações sistemáticas, desde logo
pondo a descoberto um valioso espólio que ao longo dos anos tem vindo a
ser aumentado. A inauguração oficial do museu data de 13 de Junho de
1955,contendo nessa altura oitenta e duas peças, número que tem vindo a
crescer consideravelmente ao longo dos anos. As peças que actualmente
constituem o espólio do museu provêm, na sua maior parte, das imedia-
ções, sobretudo Terrugem, Montelavar, S. João das Lampas, Faião,
Alvarinhos, etc., sendo de realçar, para a romanidade, o grande número
de inscrições lapidares e de túmulos. Não pretendemos, de forma alguma,
individualizar alguma(s) das inscrições epigráficas que em Odrinhas
podem ser encontradas. A sua quantidade e qualidade permite que seja o
próprio visitante, com o auxílio pronto dos funcionários, a derramar a sua
atenção sobre as inscrições que desejar. Contudo, e por não caber muito
no âmbito deste roteiro reproduzir tais transcrições lapidares, achamos
útil remeter para os vários estudos citados na Bibliografia e que longa-
mente estudam muitas das peças neste museu depositadas.


20
A localização do museu - no centro de uma multiplicidade de vestí-
gios da época romana - permite, aliás, supor a existência, na área, de
uma povoação romana de razoável importância, quiçá uma das mais
importantes da região. As mais de oitenta inscrições provenientes do
Faião, a análise de algumas vergas de porta encontradas nesse sítio, e o
facto de tais vergas apontarem para a existência de uma igreja (século ví)
nessa localidade, levam a supor a existência no Faião de um núcleo
urbano de certa importância para a romanidade e pós-romanidade, até à
ocupação muçulmana. Esta probabilidade merece que sobre ela nos dete-
nhamos um pouco. De facto, no início da década de noventa, o arqueólogo
Cardim Ribeiro, ao analisar quatro vergas de porta descobertas no Faião
datadas da primeira metade do século e depositadas no museu, avançou
a hipótese de se estar perante não quatro vergas avulsas de diferentes
edifícios - como até então se pensava -, mas de quatro vergas proveni-
entes do mesmo edifício. Tratar-se-ia das quatro vergas de cada uma das
portas de uma igreja paleo-cristã de planta cruciforme. O templo teria no
extremo de um dos braços a porta principal. sobre o qual se situaria a
verga que tem a inscrição - ainda hoje visível: «Esta é a porta do
Senhor.» No braço esquerdo ou direito do templo, situar-se-ia a segunda
porta (e segunda verga) consagrada a S. João, e no braço oposto a verga
consagrada      a S. Miguel (ainda hoje patrono e orago do local) e a
S.loAdriano Mártir. Finalmente, no extremo contrário ao da entrada prin-
cipal (no braço da planta onde se situaria o altar), ficaria a última verga
de porta consagrada a S.la Maria. Ora, a aparente importância deste tem-
plo permite, como se disse, pressupor estar-se perante uma povoação de
importância, provavelmente uma «vicus», isto é, uma entidade urbana
dotada de características próprias, e que seria, provavelmente, a maior
do Município romano lisboeta logo a seguir a Olissipo. Recorde-se que os
municípios romanos eram entidades diversas dos actuais municípios,
com mais território - o lisboeta ia até Torres Vedras, englobando toda a
área oeste da Estremadura - e mais autonomia.
     Dois outros dados entretanto analisados permitem supor da impor-
tância da «vicus» romana do Faião. Em primeiro lugar, a probabilidade
de se identificar essa «vicus» com a povoação romana de Chretina ou
Chrestina, referenciada no século II da nossa era por Cláudio Ptolomeu
(matemático, astrónomo e geógrafo de Alexandria); em segundo lugar, o
facto de se poder associar à povoação de Faião-Chretina o famoso bispo
Ildefonso de Toledo (século VII), já que uma lápide com um excerto de uma
proclamação sua foi também aí encontrada, estando igualmente deposi-
tada no Museu. Outros vestígios da muito provável Chretina estão depo-
sitados no Museu Regional de Sintra.
     A importância destes achados é reforçada com o facto de se desco-
nhecer, para a Europa, quaisquer conjuntos de vergas semelhantes, já
que só para o Médio Oriente se conhece algo de parecido. Ora, tal poderá
pressupor CLue introdução do cristianismo na zona se terá processado
                 a
através da Asia Menor, resultado das intensas trocas comerciais e cultu-
rais que o ocidente peninsular em geral e a região sintrense em parti-
cular estabeleciam com tal região.
     Assim, o povoado-vicus de Faião-Chretina ter-se-ia afirmado como a
principal localidade de toda a zona até à ocupação árabe, tendo-se então
o eixo da vida local deslocado para a emergente vila de Sintra, até aí não
mais que local de esparsa e pouco significativa ocupação humana.
     Ainda para o período da ocupação romana, merecem referência, em
Odrinhas, as várias «tesselae» e os mosaicos romanos existentes no local.
para além de uma interessante construção absidal do século III d.C., até
há poucos anos identificada como a ábside de um templo paleo-cristão.
No final da década de 1950,trabalhos efectuados no local por Fernando
de Almeida permitiram uma descrição do monumento, que foi então des-
crito como um edifício de planta redonda, já sem tecto e bastante danifi-
cado, construído com pedras da região dispostas horizontalmente em fi-
leiras paralelas. No seguimento dessas escavações resultou claro que a
planta apresentava algumas peculiaridades. Assim, a essa ábside cir-
cular seguir-se-iam dois nichos circulares - um em cada extremidade
dos muros - e uma grande nave rectangular. Apesar da prudência de
Fernando de Almeida, que não afirma peremptoriamente estar-se perante
uma ábside de templo paleo-cristão ou romano, o facto é que se populari-
zou essa ideia - já anteriormente aventada, de resto -, e que, em abono
da verdade pouco mais tem em seu sustento que a simples suposição. Só
há poucos anos é que se começou a ventilar a possibilidade de tal ábside
mais não ser que parte de uma «villae» romana existente na região, mais


                                                                              21
provavelmente parte de uma «oecus». isto é, um salão nobre para recep-
ções, onde o senhor da casa recebia os familiares e protegidos, os libertos
e as visitas de qualidade.
    A romanidade - e não apenas, sem dúvida - está de resto bem
documentada no museu, onde ainda poderão ser encontrados outros tes-
temunhos que, numa primeira análise, se não esperariam encontrar. É o
caso dos sarcófagos etruscos trazidos de Monserrate. Se bem que não
sejam originários da região sintrense - e difícil seria se o fossem -
foram os três sarcófagos expostos no museu trazidos do parque de
Monserrate em 1986,após terem sofrido danos durante as cheias de 1983.
Tal acidente - que os responsáveis       culturais do concelho há muito
temiam e para o qual haviam já, em vão, avisado - fez com que fossem
depositados nos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Sintra (átrio
do Turismo de Sintro), ao mesmo tempo que se procedia ao seu restauro.
Os sarcófagos são constituídos por três caixotões rectangulares, tapados
por estátuas jacentes representando o defunto, e possuem ainda baixos-
-relevos reproduzindo cenas bélicas e mitológicas. Inscrições permitem
identificá-los como pertencentes à «qens» Vipinana, família pertencente
à classe dos proprietários agrícolas. São feitos na pedra vulcânica fre-
quentemente usada na produção dos sarcófagos da necrópole etrusca de
Tarquínia (actual Toscânia), e datam de cerca de 300/250a.C.
     Se bem que não seja ainda claro o processo pelo qual teriam chegado
a Portugal - mais exactamente a Sintra -, duas hipóteses se perfilam
como mais prováveis. Uma tese sustenta que os túmulos teriam sido com-
prados por Francis Cook - antigo proprietário de Monserrate - em Roma
em meados do século passado; outra crê que teriam sido adquiridos por
Cook não em Roma, mas na costa sintrense, na sequência de um naufrá-
gio de um navio que levava peças de Itália para o Museu Britânico. Seja
como for, com a sua integração no complexo museológico de Odrinhas,
estes sarcófagos - cuja raridade é indiscutível - terão terminado o seu
centenário percurso. Não obstante provirem de fora do concelho, não qui-
semos deixar de referir este espólio único de um mundo etrusco que a
romanidade substituiu.
     O museu 'de Odrinhas é, consequentemente, um ponto obrigatório de
paragem para qualquer roteiro romano na região sintrense. O espólio
guardado (quer no local quer no Museu Regional de Sintra), a sua organi-
zação e a orientação dos técnicos presentes, permitem assegurar uma
visita didacticamente útil. Para o local estão ainda previstas importantes
remodelações que visam dotá-lo de novos serviços e de um complexo
museológico que albergará não só o espólio já depositado, mas também
um Gabinete de Estudos de Arqueologia e um Museu Etnográfico.




                                                                              q~
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Roteiro histórico da pré-história à romanidade

  • 1. 1. A PRÉ-HISTÓRIA: UM REMOTO PASSADO Concelho de Sintra ROTEIRO PRÉ-HISTÓRICO N CONCELHG) DE t.4;..FRA 1- Povoamento da o praia das Maçãs <- "f 2- Estação da Pe- ()VJ nhc Lonqo o 3 - Povoamento de s.« Eufémia 4- Dolmen da Pe- draErguida 5 - Dolmen do Mon- te Abraão Escala l!l 00 000 Caminho-de-Ferro Estradas Nacionais Estradas Municipais Limites de Freguesia . CONCE..HIQ DE C:ASCAtS
  • 2. 2. A PRÉ-HISTÓRIA SINTRENSE 2.1. O Monumento da Praia das Maçãs o monumento pré-histórico da Praia das Maçãs situa-se na pequena estância balnear do mesmo nome, na freguesia de Colares. Assim, pas- sando por Colares e pelo Banzão, entra-se na povoação da Praia das Maçãs, encontrando-se o monumento a Leste, num outeiro de areia conhe- cido localmente pelo "Outeiro das Mós". As primeiras notícias sobre o monumento datam da década de 20, da responsabilidade de Luís Saavedra Machado, sendo constituídas apenas por uma descrição e planta sumárias e - deve dizer-se - pouco correctas. O conhecimento deste monumento cingir-se-ia, contudo, a essa primeira notícia durante 40 anos, já que só em 1961os arqueólogos Veiga Ferreira, Georges Zbyszewski e Vera Leisner começam a efectuar escavações siste- máticas, daí resultando uma série de importantes artigos ao longo dos anos 60J.Pela primeira vez, é definida a arquitectura do monumento, que é então definido como um "Tholos", composto por uma câmara principal. câmaras intermédias e um corredor. Durante algum tempo pensou-se que essa seria a configuração definitiva, mas na década de 70 concluiu-se, devido a estu- dos levados a cabo por Cardim Ribeiro, que o corredor do "Tholos" tal como então surgia, estava ainda incompleto. Esta constatação teve como conse- quências novas campanhas arqueológicas, efectuadas no final da década de 70,e que puseram a descoberto a totalidade do monumento. O conjunto sepulcral - que é uma necrópole característica do Neolítico e da Idade do Cobre nacional- compõe-se de: - Uma primeira câmara ocidental com cerca de dois metros de diâ- metro. Seria escavada na rocha e teria sido revestida por esteios de pedra. - Um pequeno corredor anexo de pouco mais de metro e meio de comprimento e que dá acesso - num nível de pavimento ligeiramente mais elevado - a um espaço intermédio entre a câmara ocidental - de que já falámos - e o "tholos". Este pequeno corredor conserva ainda, no lado sul. um muro de pedra. - O referido espaço intermédio, tranversal em relação à orientação dominante, composto de um sector central e dois laterais. - O "tholos", a área mais importante do monumento, composta por uma câmara tendencialmente circular, oscilando entre cinco metros a cinco metros e meio de diâmetro. A câmara está construída dentro da argila e possui muros de pedra -lajes de calcário horizontalmente dispostos - a toda a volta. Estes muros formam a parede da construção e assentam sobre um solo de argila aplainada. No centro da câmara uma pequena cavidade sugere a anterior existência de um pilar de madeira que suportaria o peso do tecto. O revestimento desta câmara é passível de algumas especulaçõ- es. Assim, crêem os arqueólogos que o tecto seria de madeira, possuindo uma cobertura de falsa cúpula, como o sugere a inclinação das paredes para o interior à medida que sobem em altura. Tal sistema - comum, aliás, em construções deste tipo - permitiria então supor que só a laje de fecho da cúpula seria suportada pelo pilar de madeira que atrás referimos. - O corredor do lado oriental. que possui cerca de três metros e meio de comprimento. Apesar de não apresentar nenhuns muros laterais, os arqueólogos que têm estudado o monumento estão convictos que eles existiriam originalmente, tanto mais que alguns vestígios desses muros são ainda visíveis. Sugerem os especialistas que a cobertura deste corre- dor seria feita com lajes de pedra. . - O átrio: foi o último espaço a ser descoberto e estudado. E uma zona ampla que encurva para norte, aí desembocando naquilo que seria a entrada. O átrio é uma zona que tem - na sua largura máxima - cerca de dois metros, sendo mais larga que o corredor que acabámos de anali- sar. Contudo, na união com esse corredor, e também junto à entrada, o átrio estreita. O átrio apresenta muros laterais de pedra, muros que dimi- nuem de altura progressivamente, desde o corredor até à entrada, na qual se supõe que uma laje de pedra colocada na vertical - hoje partida 2
  • 3. -2 _1 ~o __ o 1 2 m ", ~_.. - Planta e topografia da área circundante do monumento (Tholos da Praia das Maçãs) e tombada - faria o seu fecho. Os arqueólogos avançam com a hipótese de que esse átrio estivesse coberto por materiais vários, facilmente degradáveis pelo tempo, ou que até não tivesse cobertura de todo. . - Exterior a toda esta construção temos uma área a que os estudio- sos denominam de "tumulus". Situa-se próximo do átrio e está encostada ao muro norte, sendo constituída por uma camada de pedras de calcário de pequenas dimensões na maioria dos casos. A sua função seria a de consolidar exteriormente a construção do monumento, dos muros e das terras envolventes. Na parte sul do muro supõem os arqueólogos que exista uma área semelhante, contudo, a falta de trabalhos nesse local não permitem que se avance com conclusões mais concretas. Dum ponto de vista arquitectónico, o monumento da Praia das Maçãs pode-se dividir em duas contruções: - A primeira corresponde à câmara ocidental e às câmaras intermédias. - A segunda compreende a câmara do tholos, o corredor, o átrio e o tumulus. Ora, tal como se apresenta na actualidade (e refira-se que não se nos afigura muito provável que escavações futuras possam revelar muito mais), é consensual entre os diversos investigadores que todo este con- junto sepulcral apresenta diversos horizontes culturais. Assim, à primeira construção corresponde o primeiro horizonte cultural, pertencente à cultu- ra megalítica característica do Neolítico Médio/Final. No nosso país, são ainda exemplos deste horizonte cultural os hipogeus de Cabeço de Arruda e Alapraia ou os dólmens de Monte Abraão (que adiante observa- remos), para só citar exemplos existentes na Estremadura lusa. Cronolo- gicamente, tal corresponde a 3800/3500a.C. O segundo horizonte cultural abrange todo o conjunto da tholos. e crê-se que terá sido edificado no Neolítico Final ou de transição para o Calcolítico inicial, o que corresponde, cronologicamente, a 3500/3000a.C. Um terceiro horizonte cultural caracteriza-se por uma reocupação do tholos (excluindo o tumulus), sendo já característico do Calcolítico inicial. Os especialistas denominam tal horizonte por "horizonte calcário" ou por "horizonte da cerâmica importada". Em termos de cronologia tal corres- ponde, sensivelmente, a 3000/2700a.C. 3
  • 4. Podemos ainda considerar um quarto horizonte cultural. correspon- dendo já ao final do Calcolítico, visível através de alguns vestígios avul- sos encontrados, e que os técnicos afirmam oriundos de uma intrusiva reocupação do monumento. A todas estas considerações está estreitamente associado o espólio encontrado, já que foi através dele que se puderam definir os próprios horizontes culturais atrás discriminados. Do primeiro horizonte cultural temos vários elementos característicos da cultura megalítica, tais como pontas de setas de base triangular- -pedunculada, placas de xisto, taças carenadas, vasos hemisféricos e alfi- netes de osso de cabeça canelada. Do segundo horizonte cultural (que contudo talvez possa ser conside- rado como uma segunda fase do anterior) temos ainda algumas placas de xisto, vasos elípticos e globulares, vasos com bordo denteado, taças care- nadas, pontas de seta de base triangular-pedunculada e algumas já de base côncava. Do terceiro horizonte cultural faz parte um espólio composto por algu- mas cerâmicas caneladas (que contudo não surgem no tumulus) uma quan- tidade já apreciável de vasos de bordo extrovertido, potes, vasos em osso e em calcá rio, ídolos cilíndricos e diversos objectos votivos em calcário. Finalmente, do quarto horizonte cultural. temos um punhal e pontas de seta em cobre e cerâmica campaniforme. Infelizmente, nada há actualmente para ser visto no que toca a este monumento. Se até há alguns anos era ele vísivel e o terreno estava inclusivamente protegido por uma cerca, na actualidade está todo o monumento soterrado. Esperemos que no futuro possa ser restaurado, que menos não merece o concelho. Entretanto, é de referir que abundante espólio do monumento retirado, bem como plantas e esboços, se encon- tram visíveis no Museu Regional de Sintra, consolação - espera-se que provisória - para o facto de o próprio monumento não estar visível. 2.2. O Monumento Chamado do Monge o monumento pré-histórico denominado do "monge" situa-se nas proxi- midades do convento de S.la Cruz da Serra, vulgarmente conhecido por Convento dos Capuchos, mais exactamente, numa pequena estrada das cer- canias deste convento, num local denominado de "Altodo Monge" (cota de 491 m), que de resto dá o nome ao monumento. A poucos metros encontra-se um marco geodésico. Situa-se a uma altitude de 448 m, na vertente sul da serra, junto à faixa costeira. Segundo alguns especialistas - como Isabel Ramos Pereira -, será um dos mais interessantes de toda a península de Lisboa O monumento foi inicialmente investigado pelo geólogo Carlos Ribeiro por volta de 1880, que dele deu sumária nota no 2.° volume dos Estudos Pré-Históricos em Portugal. A partir daí, as referências ao monu- mento são pouco frequentes, merecendo este, porém, alguma atenção já no início da década de 30 do presente século, quando Félix Alves Pereira lhe dedica algumas linhas no "Diário de Notícias" (5-6-1932e 3-7-1932), mais tarde recolhidas em volume de estudos seus (ver Bibliografia). Este desinteresse, apenas pontualmente interrompido, tem tido refle- xos na própria conservação do monumento, que actualmente se encontra em adiantado estado de degradação. Note-se que, já em 1932,Félix Alves Pereira chamava a atenção para tal problema. Estamos perante um túmulo de falsa cúpula - vulgarmente conheci- do por "tholos" - cujo recinto, de forma aproximadamente regular, seria mais baixo em relação ao pavimento circundante. O diâmetro desse recinto é de sensivelmente 4,5 m. As paredes do monumento são formadas por pedras desiguais assentes na horizontal. servindo a própria rocha do solo de alicerce à construção. A altura das paredes é de cerca de 1,90m, e as fiadas superiores das pedras indiciam um gradual avançamento para o centro da construção, o que parece pressupor o fechamento em cúpula. A entrada deste monumento fazia-se por uma porta de que restam actualmente duas pedras, também horizontalmente dispostas, no fundo da primitiva parede. Essas duas pedras estavam separadas uma da outra cerca de 70 em em esquadria da face interna, permitindo que se determi- ne a espessura da parede em cerca de 1,10m. E de considerar a forte hipó- tese de este monumento assim descrito ser coberto com terra, o que o transformaria então numa mamoa. 4
  • 5. o geólogo Carlos Ribeiro, que, como vimos, o explorou em finais da década de 1880,avança, no seu citado estudo, com uma planta que aqui descrevemos, e que foi também divulgada por Alves Pereira: o monumen- to teria um recinto circular (hoje o único ainda visível), teria um vestíbulo descoberto de forma irregular ladeado de paredes de pedra e, finalmente, um pequeno corredor de ligação. Pelo espólio encontrado no local. asseveram os investigadores que o monumento seria do Eneolítico ou Bronze I (o que corresponde, na Europa Ocidental. a cerca de 2500a 1700a.C.). O espólio, não sendo muito abundante, tem todavia algum interesse e é constituído por alguns pedaços de cerâmica grosseira feita sem roda de oleiro, de que se destacam um prato de barro cozido, pequeno e grosso, com periferia de aresta e com uma escavação funda no centro, ou ainda vasos com 0,50 m de diâmetro na boca. Também um pequeno cone de oli- gisto terroso que teria sido raspado para a extracção do pó vermelho com que a banha de decoração era tingida, merece aqui destaque. Outros objectos encontrados resumem-se a vários silexes que pressupõem o uso de pedra polida, calhaus supostamente usados como percutores, e pouco mais, já que a profanação que o monumento parece ter sofrido, antes das - débeis - investigações que teve em muito o terá empobrecido. Infelizmente, o estado de degradação do monumento não permite uma análise muito mais aprofundada. Qualquer visita ao local deverá ter em conta tal realidade, sobretudo se for em visita de estudo escolar. Ainda assim, é possível o acesso ao local e a observação do monumento, o que é mais do que podemos dizer para (a maior) parte dos vestígios pré- -históricos do município. Espólio está recolhido e disponível no Museu Regional de Sintra e no Museu dos Serviços Geológicos de Portugal. 2.3. O Monumento da Bela-Vista (Colares) O monumento pré-histórico da Bela-Vista situa-se em plena estrada Colares-Sintra (também conhecida por Estrada Nova da Rainha), em plena Quinta do Duque, hoje pertencente à Casa do Cadaval. não longe de Monserrate. O facto de se situar em terreno privado não facilita a sua visita. As primeiras notícias deste monumento começaram a circular na década de 50, quando vários investigadores se começaram a interessar por ele, de entre os quais se destaca o arqueólogo Veiga Ferreira. O inte- resse que este monumento desperta hoje em dia não parece ser muito, já que só pontualmente tem sido alvo de atenção pelos media e pelos estu- diosos, sendo reflexo disso o estado de degradação que atingiu. Estamos perante um monumento funerário construído (ou, pelo menos, utilizado) pelo chamado "homem da cultura campaniforme" (fins do tercei- ro milénio, início do segundo milénio a.C.). Basicamente, caracteriza-se por ser constituído por uma cripta circular coberta e por um corredor que lhe dá acesso, no que se assemelha a outros monumentos existentes no concelho e que já vimos. Este monumento é construí do em granito mediante o apro- veitamento de vários blocos, de molde a edificar-se uma "estrutura" arre- dondada que servisse para a cripta principal. O mesmo tipo de técnica e de aproveitamento foi usado para a edificação do corredor. Estes dois espaços - cripta e corredor - formam, como já vimos, o essencial do corredor. Toda a parede de grossos blocos, quer da cripta quer do corredor, foi revestida a laje. De notar ainda que, de acordo com a opinião dos estudiosos, a pedra cimeira do monumento resulta de uma das duas hipótese seguintes: 1 Um aproveitamento posterior de uma pedra já tombada; 2 - O transporte braçal ou por animais - presumivelmente bois -, sendo depois feita deslizar sobre toros de madeira devidamente unidos. Seja como for, pode hoje asseverar-se, portanto, que o monumento não é de falsa cúpula, antes se encontra coberto por um bloco de pedra. Em redor do monumento há vestígios de um grande muro formando blocos de vários tamanhos, sugerindo que uma muralha rodearia o recinto. No tocante aos vestígios encontrados no local. há a registar que são de vários tipos. Em sílex encontraram-se lamelas, raspadeiras, lascas residuais e lâminas; de quartzo encontraram-se lamelas, lascas residuais e cristais; um machado de anfibolito; uma esfera de arremesso em basal- to; um punhal em osso; um botão de marfim; uma ponta de lança e um 5
  • 6. fragmento de punhal em cobre; fitas laminadas em ouro; bocados de vasos em cerâmica; vestígios humanos (dentes, vértebras e ossos); para além de alguns achados avulsos, como contas (de calaíde, âmbar e cerâ- mica) ou seixos (de quartzito ou quartzo). 2.4. A Estação da Penha Verde As primeiras notícias sobre a estação da Penha Verde remontam a 1949,quando Veiga Ferreira e Georges Zbyszewski encontraram no local, à superfície, numerosos fragmentos de cerâmica e pequenas lajes calcá- rias. Após várias campanhas e investigações, os primeiros relatórios sobre o achado e espólio foram divulgados já em 1957.A estação situa-se entre Seteais e Monserrate, fronteira à chamada Quinta do Vale do Anjo, num cabeço rochoso isolado com cota de 360m. As escavações até agora efectuadas revelaram a existência de dois "edifícios" e um silo. O primeiro edifício é constituído por uma construção semelhante a um "tholos". Circular, tem um diâmetro interno de 2,5 m e uma espessura de paredes de 0,6 m. As paredes são compostas por fiadas sucessivas de delgadas lajes de calcário, enquanto o chão foi aplanado e todas as cavidades das paredes preenchidas por saibro. O facto de não se ter encontrado no tholos quer restos de inumação quer quaisquer vestí- gios humanos, e o facto de o solo não apresentar marcas de revolvimento que permitissem supor enterramentos, indiciam estar-se em presença, não de um monumento de teor funerário, mas de um local de habitação. O segundo edifício a ser descoberto possui igualmente uma planta redonda e está também coberto de pedras. Seria um silo utilizado para armazenamento de comida. O fundo desse silo está escavado no granito, e na parte superior situa-se um muro formado por fiadas de lajes calcá- rias destinadas - crê-se - a suportar uma falsa cúpula. No exterior do silo, e segundo os investigadores, os seus utilizadores matariam e assa- riam bois, carneiros e cabras, cuja carne seria depois conservada envolta em cinzas dentro do silo. O terceiro edifício assemelha-se ao primeiro, sendo constituído por fiadas de pequenas lajes calcárias sobrepostas. O seu diâmetro interior é de 2,50 m e o muro tem uma largura de 0,60 m. Possui ainda um corredor de entrada com um comprimento de 1,80m e 0,50m de largura. O espólio é variado e inclui: - Indústria do osso - fragmentos de cabo de instrumentos e de espátulas, furadores, fragmentos de alfinetes, uma falange de boi usada como ídolo e fragmentos de javali com igual fim. - Indústria lítica - vários vestígios de sílex (pontas de seta, frag- mentos de punhal, raspadeiras, lascas, lâminas e pedaços de foice). - Indústria do cobre - duas lâminas de punhal. - Cerâmica - centenas de fragmentos de cerâmica lisa e vestígios variados de cerâmica ornamentada incisa e de tipo campaniforme. - Outros - machados de anfibolito, enxó, calhaus percutores, mó de granito, pilões de mós, fragmentos de rocha corante, contas, alfinete em ouro, fragmentos de grês e ocres vários para pintura. As conclusões permitem asseverar que se está perante uma estação onde a chamada "cultura do vaso campaniforme" se associou com uma cultura caracterizada pela chamada "cerâmica incisn". O ponto, todavia, mais curioso para o observador comum reside no facto de se estar peran- te edifícios para habitação e não de monumentos tumulares. 2.5. O Povoado Neolítico de s.ta Eufémia O povoado neolítico de S.ta Eufémia (vulgarmente conhecido por Castro de S.ta Eufémia) situa-se no monte do mesmo nome em plena fre- guesia de S. Pedro de Sintra. As primeiras notícias deste povoado foram divulgadas por Félix Alves Pereira no "Diário de Notícias", no início da década de trinta. Campanhas arqueológicas mais sistemáticas, levadas a cabo a partir de 1973,permitiram um conhecimento mais pormenorizado do local. 6
  • 7. ! , <, i / I - Estação Arqueológica: Z - Terraplanagem: 3 - Sondagem: 4 - Ermida de s.la Eufémia: 5- Instalações dos Serviços Florestais: 6 - Banhos Santos. Na realidade, estamos perante um castro utilizado no Neolí- tico/Calcolítico (Idade do Cobre - 4000 a.C.) e com posterior utilização por povos celtas da denominada "Cultura de Alpiarça". Esta denomina- ção é devida a um tipo específico e característico de cerâmica, a chama- da "cerâmica de Alpiarça". No local. foram ainda encontrados variados vestígios romanos o que sugere claramente a possibilidade de uma utili- zação posterior. Tais vestígios datam da época republicana (século II a.C.). Ainda perto do local de S.ta Eufémia, num sítio denominado por Monte Seguro, foi descoberto um prolongamento desta estação arqueológica, com alguma ocupação do solo e alguns vestígios. A estação arqueológica de S.ta Eufémia ocupa uma área em declive de aproximadamente 25 000 mZ, situando-se numa zona de disjunção do batolito granítico de Sintra com os calcários metamórficos de S. Pedra. Notam-se, na encosta, alguns muros de suporte escalonados e sensivel- mente paralelos, constituindo-se assim plataformas que serviriam para a construção de habitações. Não existem, porém, vestígios monumentais de qualquer espécie, seja casas, muros ou caminhos, se exceptuarmos um caminho lajeado, possivelmente romano, e, entretanto, destruído e alca- troado. A situação geográfica deste povoado oferecia boas possibilidades estratégicas para os seus habitantes. Os grandes grupos de penedos gra- níticos favoreciam a defesa, enquanto a aptidão agrícola dos terrenos a sul e a fartura de águas da serra permitia boas condições de vida e condi- ções logísticas de apreciável qualidade. Não obstante a inexistência de vestígios monumentais, como se viu, verifica-se ainda assim uma apreciável quantidade de vestígios de índo- le diversa, de que são exemplo lascas de quartzo, fragmentos de mó e de sílex, contas de vidro e restos de cerâmica (bordos de vasos e de taças, bocais de ânfora romanos). Se para alguns monumentos anteriores tivemos a oportunidade de referir que o seu estado de conservação seria pouco motivador para os discentes, é de referir que tal problema atinge aqui o paroxismo. Na ver- dade, para um leigo ou mesmo para um estudioso menos especializado em temática pré-histórica, nada haverá aqui para "ser visto". O local. que, segundo alguns mais entusiastas, seria "o primeiro esboço de assen- tamento humano em Sintrc". é actualmente uma área que poderá revelar vestígios avulsos em futuras campanhas e talvez apenas isso, já que em termos de monumentalidade nada haverá a ser registado. Esses vestígios estão entretanto depositados e referenciados no Museu Regional de Sintra, quer para o Neolítico, quer para a romanidade. 7
  • 8. 2.6. A Necrópole Neolítica do Vale de S. Martinho A necrópole neolítica chamada do Vale de S. Martinho situa-se nas cercanias da vila de Sintra, no bairro comummente conhecido por Estefânia, mais precisamente no seguimento da Rua José Antunes dos Santos, entre as estradas que seguem para Colares e para Mafra (via Laurel). Se bem que as primeiras notícias datem de 1880,só em 1896é que se começa a efectuar um trabalho de investigação minimanente aceitável levado a cabo pelo engenheiro Maximiano Apolinário, ao serviço do Museu Etnográfico Português, e sob a supervisão de Leite de Vasconcelos. Já neste século, na década de trinta, o estudioso Félix Alves Pereira dedi- cou alguma atenção ao monumento, reflectindo-se tal interesse em vários artigos citados na bibliografia que apresentamos. Estes trabalhos e estudos permitiram uma análise do monumento, que pode ser descrito como um conjunto de duas sepulturas cupuliformes (hipogeus) datados do Neolítico Final coincidindo com a Idade do Cobre (cerca de 4000 a.C.). De acordo com aquilo que actualmente pode ser visto (e que infelizmente não é muito), a estrutura destes dois hipogeus asse- melha-se ao monumento da Bela-Vista (Colares) que atrás abordámos. Ambos os hipogeus foram feitos com pedra da região. Registe-se, por curiosidade, que numa das construções o tecto abateu, permitindo então observar os vestígios humanos inumados em posição fetal. O vestígio mais importante aqui encontrado foi uma enxó (machado) votiva, que actualmente se encontra depositada no Museu de Arqueo- logia em Belém. Infelizmente, e mais uma vez, o estado de degradação do monumento não permite que o observemos com total fidelidade. 2.7. O Povoado Neolítico da Catrivana O povoado neolítico daCatrivana situa-se na freguesia de S. João das Lampas, mais exactamente nas proximidades da vila da Assafora, na margem esquerda da ribeira da Samarra. O início da exploração data de 1950, sob a responsabilidade de Prescott Vicente e Cunha Serrão, já que a toponímia do local (Catrivana) sugeriria aos investigadores etimologias célticas. Oito anos mais tarde, começariam campanhas arqueológicas sistemáticas que de algum modo confirmariam as suspeitas dos arqueólogos. Na verdade, encontraram aí uma estação situada num ponto elevado, cujas encostas muito pedrego- sas caem sobre a margem de um curso de água (ribeira de Samarra), e cujas características e espólio encontrado sugerem um povoado neolítico de meados ou finais do 4.0 milénio a.C. Contudo, não se descobriu qualquer vestígio humano ao nível de monumentos (casas, muros, acessos, etc.). Em contrapartida, descobriram- -se vestígios significativos de cerâmica (inúmeros fragmentos sem deco- ração), pequenos machados de diorito e anfibolito, um furador de osso e peças avulsas (lâminas de sílex e lascas de qucntzito), vestígios que estão também depositados no Museu Regional de Sintra. Perto deste povoado, na margem esquerda da elevação, descobriu-se uma estação luso-roma- na, provavelmente uma necrópole. Catrivana: exemplo de espólio (ma- chados líticos) 8
  • 9. 2.8. As Pinturas Rupestres do Magoito As pinturas rupestres, pelo pitoresco que representam mas sobretudo pelo significado e mistérios de que estão imbuídas, são particularmente atractivas para o público em geral e para o público juvenil em particular. Por isso, seria interessante a análise das pinturas rupestres que há pou- cos anos têm vindo a ser estudadas no lugar de Pedras Negras, 11 km a NNE do cabo da Roca e junto ao Magoito. Esta localização não surpreende quem a região conheça em termos arqueológicos, já que perto se situam, por exemplo, as estações de Casal dos Pianos - ricas em vestígios roma- nos e posteriores - ou os concheiros do Magoito - datados do Paleolítico Superior ou do Mesolítico -, entre outras de que daremos atempadamen- te notícia. Toda a região circundante das grutas é assim um pólo de uma muito antiga ocupação humana e pródiga em património. As pinturas rituais e prato-históricas de que agora daremos uma breve resenha foram descobertos em Maio de 1985, e investigadas pelo arqueólogo sintrense Elvio Melim de Sousa e pelo arquitecto e especialis- ta Mário Varela Gomes. As pinturas estão representadas em dois blocos líticos de natureza arenosa que durante largo tempo estiveram soterra- das, o que muito contribuiu para a sua razoável conservação. No primeiro bloco temos representados: - Uma figura antropomórfica masculina de braços erguidos e com os genitais bem representados. Tem uma altura de 41 em e uma largura máxima de 31 em. Um sulco curvilíneo. Dois círculos radiados de 26 em de diâmetro e oito raios cada. Uma cruz latina rodeada de oito pontos, medindo 22 em por 18cm. Várias linhas e traços, ora paralelos, ora isolados. Por seu turno, no segundo bloco podem ser observados vários sulcos verticais rematados por depressões circulares. A interpretação destes dois blocos sugere o seguinte: a figura antro- pomórfica do primeiro bloco representaria um orante, enquanto os círcu- los simbolizariam o sol em diversas posições; por seu turno, as linhas paralelas representariam as ondas do mar, a cruz seria uma estrela, o sulco seria a linha da costa, enquanto que as linhas avulsas simboliza- riam o horizonte. O segundo bloco apresentaria o círculo astral relaciona- do com o anterior bloco, podendo ser até - muito provavelmente - um fragmento desse mesmo bloco. Segundo os especialistas, as gravuras enquadrar-se-iam numa tradi- ção cultural regionaL que remontaria a épocas claramente pré-históricas, e que se situariam na Idade do Bronze e do Ferro - 3000 a 2500 anos -, prolongando-se até épocas tardias da ocupação romana, passando então a assumir características oficiais. Infelizmente, o desfecho deste espólio é desanimador. Há alguns meses, alguém, munido de picareta e pela calada da noite, destruiu com- pletamente as pedras e as respectivas gravuras. Um misto de ignorância de interesses insuspeitos estarão na origem de mais um crime de lesa- -património, entretanto sob investigação policial. A reconstituição das pedras e desenhos não se afigura íácil. já que a natureza arenosa das pedras o dificulta. Contudo, ressalve-se que se podem observar registos fotográficos importantes destas pinturas rupestres no Museu Regional de Sintra. 9
  • 10. 2.9. Dólmen da «Pedra Erguida» Perto da localidade da Terrugem. a sudoeste. num local denominado por Meirames. descobriu o arqueólogo Prescott Vicente. em 1950. os pri- meiros sinais de um monumento pré-histórico. As investigações. que em 1973prosseguiriam. trouxeram à luz um dólmen a que desde logo se cha- mou «da Pedra Erguida» ou também «das Pedras Altas». «Pedras da Granja» e «Meirumes». No essencial. este monumento é composto por dois esteios - e pelos restos de outros -. e por alguns aglomerados de pedras dispostos por" forma a evocar o contorno da mamoa. Os esteios mediam - do solo ao topo - uma altura de 2.07 m e 2.70 m. possuindo a mamoa um diâmetro de 50 m. Foram no local encontrados alguns vestígios humanos - sobretudo ossos - e alguma cerâmica campaniforme. depositados. entretanto. no Museu Regional de Sintra. O adiantado estado de degradação do monu- mento não permite infelizmente uma análise mais detalhada deste dólmen. I I I I a I I L I I I I %..lS": I I I I , I , ....;,-, ••. __ '""'A .••••.. -"-.. ••• ~ , 2.-~~ , b «Pedra Erquido»: a) Planta sumária e esquema da projectada escavação: b) Apontamento sobre a forma e dimensões dos esteios (reprodução de apontamentos registados no cader- no de campo do autor). 10 '
  • 11. 2.10. A Estação Eneolítica de Negrais Um pouco mais a norte, nas cercanias da povoação de Negrais (extre- mo norte do concelho), situa-se um outro povoado que foi explorado a par- tir de 1950pelos arqueólogos Prescott Vicente e Cunha Serrão. Este povoado, cuja ocupação humana parece datar de cerca de 4000a.C., caracteriza-se por um conjunto de dois recintos principais distando setecen- tos metros um do outro. Escavando a cerca de 40/60em de profundidade des- cobriram os investigadores alguns materiais, de que se destacam fragmen- tos de cerâmica, lâminas de sílex e material lítico disperso, visíveis no Museu Regional de Sintra. Crê-se que a estação poderá ainda fornecer mais alguns dados se houver entretanto futuras explorações. Contudo, a ausên- cia, mais uma vez, de vestígios monumentais, confere ao local um aspecto não muito atraente para visitas de estudo integradas em âmbito escolar. 2.11. O Castro Eneolítico de 01elas As primeiras informações sobre o castro remontam a 1878,produzidas por Carlos Ribeiro. Entre 1952 e 1957, Cunha Serrão e Prescott Vicente levaram entretanto a cabo as primeiras investigações. O castro situa-se na actual freguesia de Almargem do Bispo, no cume do monte de Olelas. Trata-se de uma estação complexa, sobretudo pela variedade de locais arqueológicos, que inclui três grutas necrópoles, seis jazidas de superfície, muralhas defensivas e monumentos de carácter funerário. Contudo, deste largo espólio, somente dois edifícios foram postos a des- coberto, sendo esses que iremos abordar. O primeiro edifício é composto por uma câmara funerária circular e por um corredor diferenciado. A câmara tem um diâmetro interno de 3,90 m. O corredor mede cerca de 2,30 m de comprimento sendo a largura média de 0,80m. Quer o corredor quer a câmara são formados por grandes blocos de calcário, enquanto os interstícios e os buracos da construção são tapados por pequenas pedras e terra. Note-se que a espessura das paredes é de cerca de 80 em, Existe a possibilidade de o edifício ter possuído cúpula. O segundo edifício não é substancialmente diverso, mas possui uma particularidade interessante: a sua planta não é arredondada mas elípti- ca, sendo o eixo maior de 4,10 m e o eixo menor de 2,40 m; as paredes têm uma espessura de 1,40m. O espólio do local, até agora conhecido, é variado. Inclui: - Material lítico - armas e utensílios de sílex, dez pontas de seta, lâminas delgadas, raspaà.ores, furadores, lamelas, instrumentos de pedra polida, botões. Osso - furador. - Metal - furado r. - Objectos de culto ou magia - descobriu-se no local um pequeno vaso de calcário, representando um suíno. Possuí 13 em de comprimento e tem uma concavidade oval no topo. Encontraram-se ainda dentes de javali e de porco, para além de caninos e presas de felinos. Aconselhamos mais uma vez o visionamento do espólio no Museu Regional de Sintra, onde está depositado e - como é timbre deste museu - bem referenciado. 2.12. O Dólmen do Monte Abraão Situado na freguesia de Queluz-Belas, o dólmen do Monte Abraão faz parte de um conjunto megalítico bastante conhecido no concelho - e até fora dele - e de que fazem também parte, para além deste monumento, o conjunto de antas de Belas, os dólmens de Pedra dos Mouros e da Estria. As primeiras notícias sobre este dólmen e sobre os monumentos circun- dantes datam de finais do século XIX, sendo da responsabilidade do arqueólogo Carlos Ribeiro (in «Notícia de algumas estações e monumen- tos pré-históricos». Lisboa, 1880).Então, e pela primeira vez, chegou este conjunto monumental ao conhecimento público, sendo logo em 1910consi- derado «Monumento Nacional». Isto, apesar de o vasto conjunto estar já então danificado por depradações anteriores, segundo Carlos Ribeiro. 11
  • 12. Nada foi saqueado - que nada havia de "valor" para os saqueadores - mas muito foi destruído. Do conjunto megalítico destaca-se o dólmen chamado do Monte Abraão, por ser o maior das Antas de Belas. É composto por uma câmara poligonal a poente, com galeria anexa que se estende a nascente. A câmara tem cerca de 3,5 m de diâmetro sendo formada por oito lajes, enquanto que o corredor possui oito metros de comprimento por dois de largura, o que dá um total de quase 12metros de comprimento global. As lajes, por seu turno, podem ir até aos cinco metros de altura (qua- tro a descoberto e um enterrado no solo), não tendo curiosamente sido edificadas de molde a permitir o assentamento de uma laje transversal superior. Na verdade, uma dessas lajes foi inclinada de modo a formar uma espécie de toldo de cobertura, o que confere ao conjunto uma certa originalidade. Ainda sobre as lajes, há a registar - de acordo com o estu- do da sua constituição - que foram trazidas de várias centenas de metros a norte. Todo o conjunto apresenta uma característica interessante: nada do local - nem características do solo ou pedras - foi aproveitado para a edificação deste dólmen, ao contrário do verificado noutros sítios - como Colares. As lajes foram trazidas das cercanias, e o solo foi aplanado e preparado para a edificação do dólmen através do alisamento do solo e do nivelamento de saliências. Do vasto conjunto de vestígios descobertos salientam-se facas, pontas de flecha e de lança (tudo em sílex), facas de quartzo, machados e raspa- dores de pedra, amuletos em ardósia, objectos fragmentados (vasos e pra- tos em cerâmica) e inúmeros restos humanos (ossos e 1340dentes). Pela sua relativa monumentalidade, pelo sofrível estado de conserva- ção, por se tratar do maior dólmen do conjunto das antas de Belas, este monumento merece uma visita sobretudo de cariz didáctico, eventual- mente (se faltar tempo para mais trajectos) em detrimento de outros monumentos aqui antes apresentados e cujo interesse para os alunos parece escasso.
  • 13. 3. A OCUPAÇÃO ROMANA: O MONTE SAGRADO A presença romana na região sintrense teve alguma importância, como de resto tivemos oportunidade de verificar quando abordámos alguns povoados neolíticos de posterior reocupação pelos romanos. Por se situar dentro dos chamados "Campos Olisíponensis". a região sintren- se gozava do direito de município romano. Esta região, que os historiado- res denominam de "Zona W" do Município Olisiponense, estendia-se do cabo da Roca (Promontório Sacro), ao lugar de Paço das Ilhas, quatro qui- lómefros a norte da Ericeira, onde a população se dispersava em inúme- ras villae de cariz latifundiário (ver, mais adiante, o exemplo de Almoçageme), usufruindo de uma economia rural e de exploração do sub- solo. A relativamente larga cópia de vestígios encontrados nesta região acompanham - fácil é supô-lo - as tendências gerais da ocupação. Na "Zona W" do Município Olisiponense, a grande maioria dos achados situa-se numa área em torno da povoação de S. Miguel de Odrinhas, não obstante terem sido encontrados vestígios em mais de quarenta pontos diferentes do concelho. , Quanto à área da serra propriamente dita, onde mais tarde se fixaria a vila de Sintra, essa era tida como "Mons Sacer" (Monte Sagrado), e con- tituiria uma reminiscência de velhos cultos célticos e turdetanos. Os vá- rios escritores latinos que escreveram sobre a região sintrense dão conta desse fascínio pela Serra, tida como santuário de cultos lunares. Plínio, Varrão, Ptolomeu, Estrabão, Marciano de Heracleia e Sílvio Itálico dão de tal culto o seu, testemunho, narrando o último - nas "Púniccs" - a lenda de que o vento da serra de Sintra seria tão fértil que emprenhava as éguas, que assim geravam cavalos pequenos e velozes. Registe-se contu- do que a lenda não era original, pois para vários lugares fertéis se encon- tram variações deste tema. A atestar porém de forma mais exemplar a sacralização da zona de Sintra aquando da ocupação romana - reminiscência provável de anti- gos cultos célticos - temos as notícias que nos últimos anos têm vindo a lume relacionadas com um templo de cultos lunares e solares. De facto, o arqueólogo e historiador Cardim Ribeiro dá como provável a prática anti- ga de cultos astrais - que poderiam prolongar-se até ao século XVI - realizados na foz do rio de Colares. Aí existiria um templo dedicado ao sol e à lua, cujas inscrições foram descritas por Valentim de Fernandes (tipó- grafo alemão da corte de D. João II e de D. Manuel), por André de Resende (na sua obra «Antiquitatibus Lusitcmiue»), por frei Bernardo de Brito (na «Monarchia Lusitcmo») e por Francisco de Holanda (em «Na fábrica que falece às portas de Lisboo»). Segundo estes autores, o monumento seria composto por várias colunas em círculo, contendo uma inscrição que dizia: "SOU. AETERNO/CHRISTO. IESV./ET./GLORIOSAE. VIR/GINI. MARIAE.NUSIPPO ./DEDICAVIT." Estas descrições do monumento e da sua epigrafia, se bem que algu- mas de carácter duvidoso - sobretudo as de Holanda -, despertaram o óbvio interesse dos investigadores pela sua situação. Contudo, e para além da sua provável localização - junto à costa, no Alto da Vigia - e de esparsos vestígios - dois fustes de mármore fragmentados com 42 em de diâmetro -, nada mais se descobriu de tal monumento. Campanhas arqueológicas entretanto sugeridas poderão permitir novos desenvolvi- mentos, já que, actualmente, muito pouco há a mostrar a quem estiver interessado na sua observação. Em todo o caso, é de esperar por futuros desenvolvimentos deste possível monumento. 13
  • 14. 4. OCUPAÇÃO ROMANA SINTRENSE 4.1. A Barragem Romana de Belas «Ora se Lisboa tem a presunção de ser a maior e mais nobre cidade do mundo (...). como não tem água para beber a gente (da cidade)? Também Vossa Alteza deve de trazer a Lisboa AGUA LIVRE,que de duas léguas dela trouxeram os romanos a ela por condutas debaixo da terra subterrâneas, furando muitos montes e com muito gasto e trabalho (...).» Assim escrevia Francisco de Rolanda a D. Sebastião em 1571(na obra «Da fábrica que falece à cidade de Lisboo»), comentcmdo os problemas de abastecimento de água à capital. A referência à Agua Livre trazida pelos antigos romanos alerta-nos para o facto de ter existido uma conduta que traria a água dos arrabaldes. Ora, de acordo com aquilo que actualmente sabemos dos dados quer da arqueologia quer da documentação, a barra- gem romana inicial formar-se-ia na zona de Belas, carreando a água até à porta de S.loAndré, na Costa do Castelo. Desconhece-se o destino dessa barragem romana que abastecia Olissipo. Sabe-se apenas que no sé- culo XVI (como se vê em Hokmdc), mais não era que uma longínqua recor- dação, nada mais restando dela que escassos troços - quer da albufeira inicial quer do aqueduto que carreava as águas. Hoje, dos vestígios monumentais ainda visíveis, dois têm sido objecto de algum estudo: a bcrrcrqern de Belas e o aqueduto que, dela saindo, passava pela Amadora. E a primeira que irá merecer a nossa atenção. Vestígios da barragem romana de Belos são ainda localizáveis na Estrada Caneças-Belas, perto da Quinta da Agua Livre (quilómetro 16.423 da E. N. n.? 250). Visível é uma arruinada muralha separada da estrada por um pequeno ribeiro, sendo tal muralha o que resta da barragem aí edificada no século III e que servia, como vimos, para a formação da albufeira de onde um aqueduto (de que é possível observar parte do troço na Amadora, junto ao Bairro da Mina) levava a água para Lisboa. A sobrevivente muralha da albufeira em Belas, tem o comprimento máximo de 15,5 m, por 8 m de altura máxima e 7 m de espessura máxima. As pedras que a constituíam - e constituem ainda - eram irregulares e de tamanho variável. ligadas por argamassa feita com cal. areia fina e pedaços de cerâmica comum. Os paramentos da muralha estão revesti- dos com pedra obtida no local. A albufeira assim formada podia armaze- nar até 125000 metros cúbicos de água provenientes dos abundantes cau- dais locais, de onde se destacava uma nascente que (de acordo com cál- culos elaborados por engenheiros seiscentistas) brotava cerca de 360 litros por minuto. A albufeira ficava a cerca de 10 km de Lisboa em linha recta. Desconhece-se quando deixou a albufeira de ter serventia. Como se observou, no século XVI mais não era que uma referência longínqua. Intenções de D. Sebastião e de Filipe II (com a visita deste às ruínas) para a reconstrução do aqueduto em nada resultaram, já que só em 1728se ini- ciaram as obras tendentes à erecção de um aqueduto. A barragem foi então tida por desnecessária, dada a abundância de pequenas nascentes que foi possível captar pelo caminho. Desta altura são as construções que também podem ser vistas actualmente na barragem de Belas, nomeada- mente os ventiladores e os «ccstellc». 14
  • 15. CORTE A· A !': .. II li ~-" jJ ----!j--- H r r A ESCALA 1: 40 Barragem Romana-vestígios subsistentes; Barragem Romana- troços destruidos; Modernas construções Estradas e caminhos; . Muros; ~ • Curso de ágUa"; Em . Entulhos 15
  • 16. 4.2. A «Villae» de S.to André de Almoçageme De entre os vestígios romanos encontrados na região sintrense - e até na região do chamado Município Olisiponense - a «Villae »de S.IO André de Almoçageme destaca-se pela importância do seu espólio, pelo seu his- torial e pelas potencialidades que encerra em termos de achados futuros. A «villae» foi descoberta em 1905,mas só a partir de 1985tem vindo a ser alvo de campanhas crqueolóqiccs consequentes e acompanhadas por espe- cialistas, de que se destacam Elvio Melim de Sousa e Cardim Ribeiro. Até ao momento em que este roteiro é escrito, estão já explorados mais de 1000m2, o que mesmo assim representa cerca de metade da previsível área total da «villce», Tal estimativa permite, aos arqueólogos que têm trabalhado nas campanhas, calcular que a «villae» estará totalmente explorada num prazo de cerca de cinco anos. Para salvaguarda dos trabalhos, a Câmara Municipal de Sintra adquiriu já os terrenos onde a «villce- está inserida. Estamos perante uma «villue. do Baixo Império ou - numa hipótese menos provável ainda que teoricamente possível - uma «villae» mais remota com reaproveitamento posterior. Se bem que não se saiba ao certo quando deixou de ser explorada, pode-se considerar a hipótese - se bem que muito incerta - de que tal possa ter ocorrido em meados do século V. . A «villce», de grandes dimensões, era uma propriedade rural que incluía terras de aptidão agrícola e um conjunto de edifícios relativamente vasto, onde se inseria a residência do proprietário, os balneários, o alojamento de trabalhadores e outras dependências avulsas, como lagares, arma- zéns, celeiros, estábulos ou olaria. Porém, alguns factos entretanto descobertos permitem avançar a hipótese de que estamos perante uma «villae» com características sui generis, e que não esgotaria as suas potencialidades numa «simples» propriedade de exploração agrícola. Assim, e contrariamente ao que seria de pressupor numa estrutura deste tipo, nota-se que: 1 - A «villae» foi erguida em território sagrado do «Mons Lunae», o que é um facto verdadeiramente fora do comum. 2 - A olaria situa-se no interior da própria «villae», facto muito raro em termos gerais, e único até no território português. 3 - Foram encontrados vestígios de estatuária imperial de feição deificante. 4 - Bastante perto da propriedade, encontraram-se vestígios de um templo de cultos solares e lunares e, muito possivelmente, dedicado a cul- tos imperiais. Segundo alguns estudiosos, este templo estaria associado à «villae», num primeiro momento sob o governo do imperador Septímio Severo (193-211), mais tarde sob o imperador Aureliano (270-275). e Deste conjunto de factos resulta lícito que se avance com a hipótese de estarmos perante não uma «villae» comum e dentro dos habituais mol- des deste tipo de estrutura, mas mais de um entreposto destinado a aco- lher funcionários desse templo anexo, garantindo simultaneamente a sua subsistência. Tal tese surge consideravelmente reforçada se se puser em causa a ideia do seu abandono em meados da quinta centúria - o que, como se viu, é somente uma hipótese duvidosa. De facto, crê-se que após a queda do Império Romano do Ocidente, continuaram a chegar a S.lo André de Almoçageme ânforas provindas do Mediterrâneo Oriental transportando vinho carismático utilizado no sacramento da Eucaristia. Ora, esta constatação permite - com cautelas, mas com alguma consis- tência - avançar a hipótese de haver uma continuidade de utilização mítico-religiosa. Entretanto, os vestígios que ao longo das campanhas têm sido des- cobertos atestam, mais uma vez, a importância desta «vilkre». De entre o espólio descoberto salienta-se: - Sepulturas - É de realçar uma sepultura infantil de inumação, constituída por dois ímbrices sobrepostos e em posição invertida um em relação ao outro, de molde a formar uma caixa fechada nos topos por fragmentos de tijolo, e lateralmente acunhada por outros fragmentos de tijolo para que se mantivesse firme. Tem cerca de 65 em por 20 em. Esta sepultura encerra um esqueleto de criança de cerca de três meses, inumc- do em posição fetal. - Banquetas de tijolos - Três séries de tijolos sobrepostos de modo a formar uma elevação paralelepipédica de 30 em de altura por 60 em de 16
  • 17. comprimento. Pressupõe-se que seria a base onde assentaria uma está- tua. - Tanques - Dois tanques. juntamente com muros de planta semi- circular. Pensa-se que seria o centro ajardinado de um peristilo. isto é. uma espécie de claustro com o qual comunicavam diversas secções. - Cerâmica - Foram encontrados diversos exemplares anfóricos. na sua maioria de mesa e de transporte de pasta de peixe. - Moeda - Inúmeras moedas foram encontradas no local. sendo um terço dos exemplares do século III e dois terços do século IV. - Objectos em pedra - O exemplar mais significativo encontrado foi um almofariz em calcário. - Objectos de adorno - De entre os vários objectos encontrados. salientam-se contas de vidro. um anel em gema. várias lucernas e alfine- tes em osso. - Mosaicos - Foram encontrados cinco mosaicos policromados. sendo o maior conjunto de «tapetes de pedra» descobertos em toda a região de Lisboa. Revelam nítida influência africana e são constituídos por tessatos (pequenos cubos de calcário pintado) que cobrem todo o piso de três salas. A decoração destes mosaicos é constituída principalmente por lágrimas. tranças. flores estilizadas e motivos geométricos. Os mosai- cos são vermelhos e amarelos. tendo sido feitos. segundo crêem os arqueólogos. por artesãos locais. Se bem que as investigações e campanhas estejam ainda longe de estar concluídas. e poderem escavações posteriores acrescentar novos dados ou traçar pistas diferentes. o que está já a descoberto é suficiente para que se considere esta «villae» como um dos mais interessantes - se não mesmo o mais interessante - vestígios da romanidade em território sintrense. Muito do espólio entretanto descoberto - sobretudo cerâmica- é visível no Museu Regional de Sintra. 4.3. O Fontanário de Armés Na povoação de Armés. encontra-se um fontanário romano de interes- se. contendo uma inscrição epigráfica digna de referência. O fontanário encontra-se actualmente três metros abaixo do nível do solo e para ele se desce por uma escadaria. E constituído por uma caixa de planta rectan- gular formada por vários monolitos de mármore aparelhados; as paredes laterais e posterior erguem-se marcadamente em relação à parede ante- rior. servindo esta apenas de parapeito. Tal sugere. com alguma clareza. que o monumento terá sofrido algumas modificações posteriores. Uma laje contendo a inscrição epigráfica encima o conjunto. supondo-se que terá sido recuada em relação à sua posição original para facilitar o aces- so à água do depósito. O normal afluxo de água ao fontanário era (e é) canalizado de uma nascente próxima. garantindo um abastecimento constante. As dimensões deste fontanário são as seguintes: Comprimento: 213 em. Altura das paredes posterior e laterais: 211 em. Altura da parede anterior: 151cm. Profundidade horizontal do conjunto: 139em, Altura total do conjunto com o depósito: 231em. Laje epigrafada- Comprimento: 206.5em - Espessura: 17em, A laje epigrafada que encima o conjunto contém a seguinte inscrição: - L.IVLIVS.MAELO.CAVDIC.FLAM.DIVI.AVG.DSF A esta inscrição corresponde o seguinte desenvolvimento: - Líucíus). IVLIVS.MAELO.CAVDIC(us).FLAM(en).DIVI.AVG(usti) E a seguinte tradução: - Lúcio Júlio MeIo Cnudico. flâmine do Divino Auqusto. fez à sua custa. (Flâmine: sacerdote romano geralmente de [úpiter ou Marte e even- tualmente de outros deuses.) 17
  • 18. Da análise da inscrição epigráfica deste fontanário, concluem os arqueólogos que ele teria sido erigido pela personagem descrita (Lúcio Júlio MeIo Caudico) ao imperador Augusto (27 a.C-14 a.C.), abrindo-se assim a possibilidade de o fontanário - bem como as suas águas - ter carácter sacralizado. Ora, esta perspectiva remete para a possibilidade de na região do Município Olisiponense persistir o "culto das águas" associado ao próprio culto imperial. como já tem várias vezes salientado o arqueólogo Cardim Ribeiro, não só para este como para outros monu- mentos (ver a Barragem Romana de Belas). De salientar que o fontanário se situa numa zona onde se encontram por vezes vestígios - sobretudo romanos - que estão depositados no Museu Regional de Sintra. .-.:::"_--------- --------~---~--~-----~---~~-~~----- -- -- . j t 1 I i 1 "" Reconstituição teórica 18
  • 19. 4.4. A Plataforma de Pianos A área arqueologicamente conhecida por «Plataforma de Pianos» compreende uma zona limitada a norte pela ribeira da Samarra e a sul pela ribeira da Mata, estendendo-se entre ambas uma área de 4,5 km de comprimento. Tal área, ainda que não alcance no seu ponto mais alto valores superiores a 120m, é dotada, de acordo com os especialistas, de características próprias e de uma altitude média específica, que não só a individualizam como permitem que receba o topónimo de «Plataforma de Pianos». É esta plataforma que irá agora ser objecto da nossa atenção, já que o grande número de vestígios encontrados e a antiga ocupação humana fazem dela um ponto de interesse para a história do concelho em geral, e para a ocupação romana em particular. Nos arredores da plataforma foram encontrados alguns testemunhos do Paleolítico Médio (30 000 a 50 000 anos), sobretudo a norte, na região litoral da Assafora, e a sul, perto da praia do Magoito. Também do Paleolítico Superior (9000 a.C.) foram encontrados vestígios no Magoito. Decorridos cerca de 6000 anos, encontramos vestígios de um habitat neo- calcolítico implantado na região da Pedranta. Povos já resultantes da chamada Revolução Neolítica, e portanto praticando uma economia muito mais de produção que de recolecção, servem-se sobretudo das partes mais altas da plataforma, deixando as áreas baixas - menos férteis - para necrópole. A época, porém, mais fértil em vestígios arqueológicos e que pressu- põe, portanto, uma mais intensiva ocupação humana é a da ocupação romana, que neste caso começa por meados do século I a.C. Da vasta plêiade de vestígios desta época deixados, interessam-nos mais os ar- queológicos e menos os (de acordo com Cardim Ribeiro, cujas conclusões seguimos para esta área) geográficos e os toponímicos. Os mais importantes vestígios arqueológicos compreendem túmulos monumentais, geralmente epigrafados. Muitos foram registados e lidos (nem sempre sem mácula interpretativa) pelos interessados rencscentís- tas que muito contribuíram - como a seguir veremos em Odrinhas - para um melhor conhecimento desta zona. O mais importante está descri- to por Cardim Ribeiro num estudo que efectuou na década de 1980 no «Jornal de Sintra» (vide Bibliografia). Outros vestígios incluem cipos, como o descoberto em 1955,de secção arciforme e depositado no museu de Odrinhas, onde permanece sob o número LXXV, cujas características e monumentais o individualizam sobremaneira, não obstante alguma dete- rioração. Estes dois vestígios permitem supor a existência de um conjunto rela- tivamente abundante de monumentos funerários reveladores do uso ritu- al de práticas crematórias. Ainda relacionada com a prática de cremação, encontra-se a necrópo- le romana descoberta em 1978 na plataforma de Pianos, cujo espólio se encontra depositado no Museu Regional de Sintra. A necrópole era com- posta por duas sepulturas, apresentando a primeira um comprimento máximo de quase 2 m e uma largura máxima de 80 em, tendo sido encon- tradas perto duas «ollcre» (vasos) servindo de urnas cinerárias e três ungentários cerâmicos em forma de gota, aparentemente datados do sécu- lo I d.C. A segunda sepultura era inferior nas suas dimensões à primeira, e tinha integrada uma outra «ollne». Ainda associados a estas duas sepultu- ras, foram encontrados dois copos e um prato, para além de outros vestí- gios como telhas, quer «imbrices» (curvas) quer «tegulae» (planas). Necrópoles de inumação (e não de cremação, como as anteriores) foram igualmente descobertas, nomeadamente na parcela de terra conhe- cida por «Cerrado de Torres», onde foram descobertas três sepulturas, contendo vestígios interessantes, que incluíam (para além dos respecti- vos esqueletos, claro) moedas do século III d.C., e um anel de ouro no qual se encontra ainda engastada uma pedra rectangular verde e opaca. De acordo com os especialistas que a esta região se têm dedicado, a necró- pole de inumação teve a sua fase de utilização entre o século IV d.C. e o século VI a.C. Outras necrópoles de inumação foram também descobertas um pouco por toda a parte da Plataforma de Pianos, sobretudo no qua- drante nordeste, entre o Fetal e o Casal de Pianos, mais exactamente numa série de terrenos localmente conhecidos por «Pombal» (sepultura aparentemente rectangular de lajes irregulares e com espólio osteológico constituído por um só esqueleto), «Parede Bem Feita» (notícia de sepultu- 19
  • 20. ras várias ainda não devidamente investigadas), «Covas» (notícias de várias sepulturas compostas por lajes de cobertura, de parede e de fundo) e em «Terreno do Milho Miúdo» (referência a uma urna de chumbo, possi- velmente datada do século III d.C., mas ainda não devidamente estuda- da). Registe-se, todavia, que estas urnas destes terrenos carecem de investigação mais cuidada. Também vestígios arquitectónicos têm vindo a ser descobertos nesta plataforma. Merecem aqui especial realce os restos de um forno encontra- do ao lado da estrada que une a Tojeira ao Casal de Pianos, alguns metros atrás da respectiva capela. Os especicrlistcrs têm ainda algumas dúvidas na sua datação, aventando a possibilidade de o localizar duran- te a ocupação romana ou mesmo mais tardiamente. O forno é de planta rectangular e as três paredes visíveis não comportam abertura, pelo que falta a boca do dito forno; é visível ainda um conjunto de seis arcos para- lelos de volta perfeita, constituídos por compridas aduelas, arcos esses que penetram nas paredes laterais do monumento. O forno, que está actu- almente reduzido a fornalhas e grelha, tem um comprimento global interi- or de 2,6 m, uma largura interior de 1,9 m e uma altura (das aduelas de cada arco) de 45 em. Entre os materiais líticos de construção, entretanto descobertos na zona em estudo, destaca-se um fragmento de fuste de coluna em mármo- re, romano ou tardo-romano, de 80 em de altura por 33 em de diâmetro, e que está actualmente no Museu Arqueológico de Odrinhas (n.? LXXVI). Muitos outros materiais e vestígios avulsos têm vindo a ser detecta- dos, nomeadamente telhas e tijolos de vário tipo, não olvidando inúmeras vasilhas e ânforas (muitas das quais poderão ser observadas no Museu de Odrinhus), «rnoloe» (genericamente, mós de moinho manual rotativo) e moedas (nomeadamente um «direme» árabe de prata). A abundância de vestígios encontrados (muitos dos quais estão tam- bém no Museu Regional de Sintra e não apenas para a época romana), a sua relativa importância, originalidade e interesse, sugerem uma aten- ção particular a esta região e a possíveis desenvolvimentos futuros. Se bem que não seja fácil a visita in loco aos locais referenciados, sugerimos quer a leitura dos estudos já feitos na área, quer a visita ao Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, coluna vertebral e eixo fulcral da arqueologia concelhia. Dele, aliás, falaremos em seguida. 4.5. O Museu de S. Miguel de Odrinhas e Área Circundante O Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, situado na pequena vila do mesmo nome - sensivelmente a meio caminho na estrada Sintra- Ericeira -, constitui-se como uma etapa essencial deste roteiro referente à ocupação romana. E se outros argumentos não fossem encontrados para defender esta ideia, bastará dizer que este museu é - a par com Idanha-a- Nova - o que detém o mais importante acervo nacional de epigrafia latina. Mesmo num contexto peninsular, a qualidade e quantidade do seu espólio só é ultrapassado pelas colecções existentes em Mérida e Tarragona. Já no século XVI. Garcia de Resende e Francisco de Rolanda procede- ram à primeira recolha e descrição conhecidas de inscrições lapidares da região onde se veio a instalar, no nosso século, o museu. Em 1949,desen- volveram-se no local as primeiras escavações sistemáticas, desde logo pondo a descoberto um valioso espólio que ao longo dos anos tem vindo a ser aumentado. A inauguração oficial do museu data de 13 de Junho de 1955,contendo nessa altura oitenta e duas peças, número que tem vindo a crescer consideravelmente ao longo dos anos. As peças que actualmente constituem o espólio do museu provêm, na sua maior parte, das imedia- ções, sobretudo Terrugem, Montelavar, S. João das Lampas, Faião, Alvarinhos, etc., sendo de realçar, para a romanidade, o grande número de inscrições lapidares e de túmulos. Não pretendemos, de forma alguma, individualizar alguma(s) das inscrições epigráficas que em Odrinhas podem ser encontradas. A sua quantidade e qualidade permite que seja o próprio visitante, com o auxílio pronto dos funcionários, a derramar a sua atenção sobre as inscrições que desejar. Contudo, e por não caber muito no âmbito deste roteiro reproduzir tais transcrições lapidares, achamos útil remeter para os vários estudos citados na Bibliografia e que longa- mente estudam muitas das peças neste museu depositadas. 20
  • 21. A localização do museu - no centro de uma multiplicidade de vestí- gios da época romana - permite, aliás, supor a existência, na área, de uma povoação romana de razoável importância, quiçá uma das mais importantes da região. As mais de oitenta inscrições provenientes do Faião, a análise de algumas vergas de porta encontradas nesse sítio, e o facto de tais vergas apontarem para a existência de uma igreja (século ví) nessa localidade, levam a supor a existência no Faião de um núcleo urbano de certa importância para a romanidade e pós-romanidade, até à ocupação muçulmana. Esta probabilidade merece que sobre ela nos dete- nhamos um pouco. De facto, no início da década de noventa, o arqueólogo Cardim Ribeiro, ao analisar quatro vergas de porta descobertas no Faião datadas da primeira metade do século e depositadas no museu, avançou a hipótese de se estar perante não quatro vergas avulsas de diferentes edifícios - como até então se pensava -, mas de quatro vergas proveni- entes do mesmo edifício. Tratar-se-ia das quatro vergas de cada uma das portas de uma igreja paleo-cristã de planta cruciforme. O templo teria no extremo de um dos braços a porta principal. sobre o qual se situaria a verga que tem a inscrição - ainda hoje visível: «Esta é a porta do Senhor.» No braço esquerdo ou direito do templo, situar-se-ia a segunda porta (e segunda verga) consagrada a S. João, e no braço oposto a verga consagrada a S. Miguel (ainda hoje patrono e orago do local) e a S.loAdriano Mártir. Finalmente, no extremo contrário ao da entrada prin- cipal (no braço da planta onde se situaria o altar), ficaria a última verga de porta consagrada a S.la Maria. Ora, a aparente importância deste tem- plo permite, como se disse, pressupor estar-se perante uma povoação de importância, provavelmente uma «vicus», isto é, uma entidade urbana dotada de características próprias, e que seria, provavelmente, a maior do Município romano lisboeta logo a seguir a Olissipo. Recorde-se que os municípios romanos eram entidades diversas dos actuais municípios, com mais território - o lisboeta ia até Torres Vedras, englobando toda a área oeste da Estremadura - e mais autonomia. Dois outros dados entretanto analisados permitem supor da impor- tância da «vicus» romana do Faião. Em primeiro lugar, a probabilidade de se identificar essa «vicus» com a povoação romana de Chretina ou Chrestina, referenciada no século II da nossa era por Cláudio Ptolomeu (matemático, astrónomo e geógrafo de Alexandria); em segundo lugar, o facto de se poder associar à povoação de Faião-Chretina o famoso bispo Ildefonso de Toledo (século VII), já que uma lápide com um excerto de uma proclamação sua foi também aí encontrada, estando igualmente deposi- tada no Museu. Outros vestígios da muito provável Chretina estão depo- sitados no Museu Regional de Sintra. A importância destes achados é reforçada com o facto de se desco- nhecer, para a Europa, quaisquer conjuntos de vergas semelhantes, já que só para o Médio Oriente se conhece algo de parecido. Ora, tal poderá pressupor CLue introdução do cristianismo na zona se terá processado a através da Asia Menor, resultado das intensas trocas comerciais e cultu- rais que o ocidente peninsular em geral e a região sintrense em parti- cular estabeleciam com tal região. Assim, o povoado-vicus de Faião-Chretina ter-se-ia afirmado como a principal localidade de toda a zona até à ocupação árabe, tendo-se então o eixo da vida local deslocado para a emergente vila de Sintra, até aí não mais que local de esparsa e pouco significativa ocupação humana. Ainda para o período da ocupação romana, merecem referência, em Odrinhas, as várias «tesselae» e os mosaicos romanos existentes no local. para além de uma interessante construção absidal do século III d.C., até há poucos anos identificada como a ábside de um templo paleo-cristão. No final da década de 1950,trabalhos efectuados no local por Fernando de Almeida permitiram uma descrição do monumento, que foi então des- crito como um edifício de planta redonda, já sem tecto e bastante danifi- cado, construído com pedras da região dispostas horizontalmente em fi- leiras paralelas. No seguimento dessas escavações resultou claro que a planta apresentava algumas peculiaridades. Assim, a essa ábside cir- cular seguir-se-iam dois nichos circulares - um em cada extremidade dos muros - e uma grande nave rectangular. Apesar da prudência de Fernando de Almeida, que não afirma peremptoriamente estar-se perante uma ábside de templo paleo-cristão ou romano, o facto é que se populari- zou essa ideia - já anteriormente aventada, de resto -, e que, em abono da verdade pouco mais tem em seu sustento que a simples suposição. Só há poucos anos é que se começou a ventilar a possibilidade de tal ábside mais não ser que parte de uma «villae» romana existente na região, mais 21
  • 22. provavelmente parte de uma «oecus». isto é, um salão nobre para recep- ções, onde o senhor da casa recebia os familiares e protegidos, os libertos e as visitas de qualidade. A romanidade - e não apenas, sem dúvida - está de resto bem documentada no museu, onde ainda poderão ser encontrados outros tes- temunhos que, numa primeira análise, se não esperariam encontrar. É o caso dos sarcófagos etruscos trazidos de Monserrate. Se bem que não sejam originários da região sintrense - e difícil seria se o fossem - foram os três sarcófagos expostos no museu trazidos do parque de Monserrate em 1986,após terem sofrido danos durante as cheias de 1983. Tal acidente - que os responsáveis culturais do concelho há muito temiam e para o qual haviam já, em vão, avisado - fez com que fossem depositados nos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Sintra (átrio do Turismo de Sintro), ao mesmo tempo que se procedia ao seu restauro. Os sarcófagos são constituídos por três caixotões rectangulares, tapados por estátuas jacentes representando o defunto, e possuem ainda baixos- -relevos reproduzindo cenas bélicas e mitológicas. Inscrições permitem identificá-los como pertencentes à «qens» Vipinana, família pertencente à classe dos proprietários agrícolas. São feitos na pedra vulcânica fre- quentemente usada na produção dos sarcófagos da necrópole etrusca de Tarquínia (actual Toscânia), e datam de cerca de 300/250a.C. Se bem que não seja ainda claro o processo pelo qual teriam chegado a Portugal - mais exactamente a Sintra -, duas hipóteses se perfilam como mais prováveis. Uma tese sustenta que os túmulos teriam sido com- prados por Francis Cook - antigo proprietário de Monserrate - em Roma em meados do século passado; outra crê que teriam sido adquiridos por Cook não em Roma, mas na costa sintrense, na sequência de um naufrá- gio de um navio que levava peças de Itália para o Museu Britânico. Seja como for, com a sua integração no complexo museológico de Odrinhas, estes sarcófagos - cuja raridade é indiscutível - terão terminado o seu centenário percurso. Não obstante provirem de fora do concelho, não qui- semos deixar de referir este espólio único de um mundo etrusco que a romanidade substituiu. O museu 'de Odrinhas é, consequentemente, um ponto obrigatório de paragem para qualquer roteiro romano na região sintrense. O espólio guardado (quer no local quer no Museu Regional de Sintra), a sua organi- zação e a orientação dos técnicos presentes, permitem assegurar uma visita didacticamente útil. Para o local estão ainda previstas importantes remodelações que visam dotá-lo de novos serviços e de um complexo museológico que albergará não só o espólio já depositado, mas também um Gabinete de Estudos de Arqueologia e um Museu Etnográfico. q~ t 22