Informação incorrecta: a finança, o pari passu e a argentina
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A Finança, o pari passu e a Argentina
Recentemente e sem surpresa, a Suprema Corte dos
Estados Unidos rejeitou o recurso apresentado
pelo governo argentino que afirmava não estar em
condições de pagar os 1.3 biliões de Dólares aos fundos
especulativos na posse dos Títulos de Estado do País sul-
americano.
A presidente Cristina Kirchner, inicialmente, falou aos
Argentinos afirmando que a Nação não pode pagar todas
as dívidas no prazo de duas semanas, conforme exigido
pelo Supremo Tribunal Federal, definindo estas pressões
como uma "extorsão".
Depois, a mesma Kirchner tentou uma negociação com os
fundos, exigindo, todavia, condições de pagamento justas.
O sinal da Corte Suprema confirma quanto já visto na Europa com os Países em dívida: tudo tem que ser
pago, com respectivos juros, custe o que custar. E pouco importa se isso pode provocar o empobrecimento
dos cidadãos, a perda de serviços, de direitos: a Finança fala mais alto, sempre, e tem a lei do seu lado.
A presidente também alertou sobre os "abutres", "os que pairam" sobre a Argentina não só em termos
financeiros, mas também "sobre os recursos naturais", especialmente sobre as grandes reservas de
hidrocarbonetos. Doutro lado, este é o objectivo último: a alta finança internacional está ansiosa para entrar
na Argentina e impor o seu diktat. A Finança é a arma com a qual entrar no País, entrar na posse dos
recursos e alimentar mais uma vez a mesma Finança.
Para isso, os hedge funds pretendem o valor total dos Títulos argentinos, adquiridos durante os anos 90,
antes do País entrar em default (em 2002), e, em seguida, pôr em prática um programa de reestruturação da
dívida.
O que é interessante realçar é a forma como nasceu a dívida argentina.
O grande impulsionador neste sentido foi a administração de Carlos Menem, que implementou uma política
fortemente neoliberal em consonância com os ditames do Fundo Monetário Internacional e da finanças
internacional. Menem realizou uma longa série de privatizações do sector público (90% do inteiro sector foi
vendido a preços de saldo), com custos sociais particularmente elevados (700 mil trabalhadores demitidos).
Mais tarde, em 1994, Menem foi até New York para assinar o Fiscal Agreement Agency (FAA) com o Bankers
Trust local. O FAA regula os pagamentos dos Títulos na posse dos fundos de investimentos (os
especuladores) mas com duas particularidades:
reconhece que os tribunais dos Estados Unidos têm jurisdição sobre o assunto (excluindo assim as leis
argentinas)
os advogados da Argentina incluíram uma cláusula pari passu, isso é: a Argentina não pode forçar
2. alguns especuladores a participar em eventuais reestruturações da Dívida (como aquela de 2005 e
2010, por exemplo).
Pior ainda, a cláusula pari passu foi interpretada pelos tribunais norte-americanos como se Argentina tivesse
apenas duas alternativas: ou pagar todos os seus Títulos ou nenhum deles. Na prática fica excluída a
possibilidade de pagar apenas aqueles que colaboraram com a reestruturação e ignorar ou renegociar o
resto.
Cárlos Menem
A situação tornou-se ainda mais grave com o sucessor de Menem, Fernando de la Rua, que cortou os gastos
sociais e provocou uma forte agitação popular com a decisão de limitar os levantamentos bancários.
Chegando no limiar do novo milénio, a Argentina estava com mais da metade (54%) da população na
pobreza e totalmente à mercê da Finança internacional.
Mas com a eleição dos Kirchner, as coisas têm mudado completamente. Nestor Kirchner, vindo das fileiras da
facção à esquerda do movimento peronista, promoveu uma política social radical, que reduziu a pobreza (de
54% para 20%) e o desemprego (24% para 7%), iniciando também o processo de renegociação da Dívida.
Após a morte de Nestor, a esposa Cristina melhorou a situação, também com o lançamento de uma nova
abordagem baseada na ampliação dos direitos sociais e civis.
Agora, o mercado financeiro internacional exige que a Argentina pague a política nefasta implementada por
um dos seus próprios "fantoches" (Menem, claro), o que exigiria uma nova era de lágrimas e sangue, um
retorno aos dias escuros que pareciam afastados.
Se o acórdão da Suprema Corte for legítimo no nível formal, é decididamente injusto no plano social e
humano, chamando novamente a Argentina a ser uma vítima das políticas neoliberais decretadas por
governos e homens já condenados pela História e punidos pelo povo nas urnas.
Ipse dixit.
3. Fontes: Vox, The Washington Post, New York Times, Wikipedia (versão inglesa), Pandorando,