O documento discute a importância da linguagem e da expressão para comunidades marginalizadas. Em três frases, o documento apresenta poemas que exploram as vozes de mulheres negras ao longo das gerações e sua luta por liberdade através da linguagem. Também discute o direito fundamental de escrita e leitura para todos e como a literatura feita por pessoas do povo quebra estereótipos. Por fim, reflete sobre reinventar a língua portuguesa de forma a representar melhor experiências e pensamentos locais.
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Como?
Por quê?
Linguagem e Expressão
Para quê?
O que significa?
Importa?
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Vozes-mulheres
(Conceição Evaristo)
A voz de minha bisavó ecoou
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
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4. Universidade das Quebradas
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
(Cadernos negros, vol. 13, São Paulo, 1990, p. 32-33)
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O que eu tenho pontuado é isso: é o direito da escrita e da leitura que o povo pede, que o povo
demanda. É um direito de qualquer um, escrevendo ou não segundo as normas cultas da língua. É
um direito que as pessoas também querem exercer. Então Carolina Maria de Jesus não tinha
nenhuma dificuldade de dizer, de se afirmar como escritora. (…) E quando mulheres do povo como
Carolina, como minha mãe, como eu, nos dispomos a escrever, eu acho que a gente está rompendo
com o lugar que normalmente nos é reservado, né? A mulher negra, ela pode cantar, ela pode
dançar, ela pode cozinhar, ela pode se prostituir, mas escrever, não, escrever é uma coisa… é um
exercício que a elite julga que só ela tem esse direito. (…) Então eu gosto de dizer isso: escrever, o
exercício da escrita, é um direito que todo mundo tem. Como o exercício da leitura, como o exercício
do prazer, como ter uma casa, como ter a comida (…). A literatura feita pelas pessoas do povo, ela
rompe com o lugar pré-determinado.”
Conceição Evaristo. Trecho de entrevista concedida a Bárbara Araújo (Blogueiras Feministas) em 30 de set. de 2010.
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Perguntas à Língua Portuguesa
Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas
a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós,
moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o
assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é
o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é
desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são?
Se a Vida tem é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o
mundo mutuamente se desobedecem.
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7. Universidade das Quebradas
(...)
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a
língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um
pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Texto de Mia Couto escrito para o site Ciberdúvidas da língua portuguesa (11/04/1997).
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