1) Um mandado de segurança foi proposto por vereadores contra o presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal;
2) Alega-se que o presidente da CPI conduziu as investigações de forma individual, sem submeter decisões aos demais membros;
3) Pede-se o sobrestamento das investigações e nulidade dos atos da CPI devido à ausência de colegialidade, conforme exigido pela Constituição.
1. 04/11/2019
Número: 0802419-23.2019.8.10.0039
Classe: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Órgão julgador: 1ª Vara de Lago da Pedra
Última distribuição : 17/09/2019
Valor da causa: R$ 1.000,00
Assuntos: Criação / Instalação / Prosseguimento / Encerramento
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
PJe - Processo Judicial Eletrônico
Partes Procurador/Terceiro vinculado
FRANCIVAL MOURA ROCHA (IMPETRANTE) CARLOS SERGIO DE CARVALHO BARROS (ADVOGADO)
MOISEIS GOMES DE ALMEIDA (IMPETRANTE) CARLOS SERGIO DE CARVALHO BARROS (ADVOGADO)
JULYFRAN FREIRES DE SOUSA (IMPETRADO)
Documentos
Id. Data da
Assinatura
Documento Tipo
25103
768
31/10/2019 11:43 Parecer de Mérito (MP) Parecer de Mérito (MP)
2. Processo nº. 0802419-23.2019.8.10.0039
Mandado de Segurança
Impetrantes: Francival Moura Rocha e Moiseis Gomes de Almeida.
Impetrado:Julyfran Freires de Sousa
MM. Juiz,
Trata-se de Mandado de Segurança por meio do qual os Impetrantes se insurgem contra ato supostamente
ilegal praticado por Julyfran Freires de Sousa, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito nº. 01/2019, através do qual busca
a concessão de ordem para, liminarmente, que seja determinado o sobrestamento das investigações da respectiva CPI e, no mérito,
seja concedido a ordem para reconhecer a nulidade dos atos investigatórios praticados pela autoridade coatora e encerramento da
CPI.
Sustenta que a Câmara Municipal de Lago da Pedra/MA instalou Comissão Parlamentar de Inquérito em, 08
de março de 2019, para apurar irregularidades praticadas pelo Chefe do poder executivo durante Procedimento Licitatório nº.
0501001/2018, cujo objeto foi locação de som, iluminação, gerador, banheiros químicos, ornamentos e outros serviços paras as
festividades carnavalescas de março de 2019, totalizando R$ 333.000,00 (trezentos e trinta e três mil reais)
Alega que a referida Comissão Parlamentar de Inquérito foi instituída com duração de 90 dias com a
possibilidade de prorrogação de 30 dias, contudo aduz que o Presidente da CPI conduziu as investigações por conta própria, não
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3. submetendo suas decisões aos demais membros da CPI, entre eles, os impetrantes, bem como, informou a inexistência de
cronograma de execução dos atos da Comissão, em desrespeito ao disposto no art. 159 e ss do diploma da Câmara Municipal, bem
como, determinou a inquirição de pessoas e requisitou documentos sem qualquer deliberação da comissão, realizando por sua
conta e risco, contrariando o disposto nos art. 46, inciso I e VII do Regimento Interno da Casa.
A inicial (id. 23558539) veio acompanhada da procuração ad judicia e documentos (ids. 23558550 até
23572531)
Quanto ao pedido de liminar, o juízo se reservou no direito de apreciar após as informações prestadas pela
autoridade coatora (id. 23652394).
O Município de Lago da Pedra foi intimado através de seu representante legal, gestor municipal, Laércio
Coelho Arruda (id. 23837328).
A autoridade coatora apresentou suas informações (id. 23907390).
É o relatório. Passa-se à análise do writ.
O Mandado de Segurança é uma garantia constitucional, prevista no art. 5.º, LXIX, da Carta Constitucional
Pátria, para proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com
abuso de poder, alguém sofrer violação (ou houver justo receio de sofrê-la) por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça.
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4. Diferente das demais ações, o Mandado de Segurança pressupõe, além dos requisitos ordinários, como
condições da ação e pressupostos processuais, a existência de direito líquido e certo do Impetrante. Isso porque, por sua própria
natureza, o rito do mandamusé célere, resumido, sem oportunidade para produção de provas ou maior dilação instrutória. A parte
interessada deve trazer, ab initio, todos os elementos que confirmam o direito invocado em juízo.
No tocante a legitimidade do presente, observa-se que os Impetrantes são vereadores e integrantes da
Comissão Parlamentar de Inquérito, conforme comprovam os documentos acostados em ids. 23558560, 23558560 e 23558562.
As comissões parlamentares de inquérito também chamadas de comissões especiais de investigação
legislativa possuem amplo poder investigatório devendo, sobretudo, serem constituídas mediante requerimento de um terço de
seus membros e versar sobre fato determinado com prazo certo.
Tais requisitos encontram-se dispostos no art. 58, §3º da Constituição Federal, abaixo informado:
“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias,
constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que
resultar sua criação”.
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
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5. Tratando-se de Poder Municipal, o Regimento Interno da Câmara Municipal de Lago da Pedra é claro
ao dispor que
Art.41. A Câmara Municipal, a requerimento de um terço de seus membros, constituirá Comissão
Parlamentar de Inquérito para apuração de fato determinado por prazo definido.
§1°- Considera-se fato determinado do acontecimento de relevante interesse para vida pública e
ordem constitucional legal, econômica e social do Município, que estiver caracterizado do
requerimento de constituição de comissão parlamentar de inquérito.
§2°- Dependerá de deliberação do plenário a criação da comissão parlamentar de inquérito, se o
respectivo requerimento não estiver subscrito por 1/3 (um terço) dos membros da Câmara.
§4°- O prazo de funcionamento de comissão parlamentar de inquérito será de 90(noventa) dias,
prorrogáveis por mais 30(trinta) dias
Nesse diapasão, as comissões no âmbito municipal devem respeitar o modelo federal, visto que as normas
dispostas na Constituição Federal é norma de observância obrigatória, em respeito ao princípio federativo disposto no art. 1º da
CF.
De início, observa-se que a CPI intitulada como CPI do carnaval, diante dos documentos constantes dos
autos observa que esta versa sobre fato certo e obedeceu ao quórum previsto. O objeto da irresignação é, portanto, a realização de
deliberação individual do Presidente da Comissão em detrimento do colegiado e quanto ao prazo de funcionamento.
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6. Como se sabe, as Comissões Parlamentares de Inquérito são órgãos colegiados, os quais possuem
prerrogativas e direitos independentes das prerrogativas e poderes inerentes aos demais membros de forma individual. Logo, os
poderes conferidos a CPI, isto é, na qualidade de órgãos colegiados, não se confundem com àqueles conferidos aos membros de
forma individual.
Da leitura da ata lavrada no dia 14/06/2019 (id. 23558565) observa-se que o Impetrado determinou oitivas
de testemunhas, conforme se observa dos convites juntados, todavia não houve comprovação que o referido requerimento tenha
sido aprovado pelo Colegiado.
É que dos autos, verificou-se que tanto os Impetrantes como os demais vereadores foram surpreendidos com
a informação relatada em sessão pelo Impetrado. Veja-se que o poder de investigar foi deferido a CPI com a participação de todos
os seus membros e, embora o presidente deva adotar os procedimentos subsequentes, não significa dizer que deve ser realizada de
maneira unitária, de forma autônoma.
Sobre o assunto, o STF já consignou que “o princípio da colegialidade constitui requisito essencial à
validade e eficácia dos atos decisórios emanados de qualquer CPI”.
“O princípio da colegialidade traduz diretriz de fundamental importância na regência das deliberações tomadas por qualquer CPI,
notadamente quando esta, no desempenho de sua competência investigatória, ordena a adoção de medidas restritivas de direitos,
como aquelas que importam na revelação (disclosure) das operações financeiras ativas e passivas de qualquer pessoa. A legitimidade
do ato de quebra do sigilo bancário, além de supor a plena adequação de tal medida ao que prescreve a Constituição, deriva da
necessidade de a providência em causa respeitar, quanto à sua adoção e efetivação, o princípio da colegialidade, sob pena de essa
deliberação reputar-se nula.[MS 24.817, rel. min. Celso de Mello, j. 3-2-2005, P, DJE de 6-11-2009.]
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7. “O PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE CONDICIONA A EFICÁCIA DAS DELIBERAÇÕES DE QUALQUER COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (…). 10 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que
institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13338837. MS 34864 MC / DF – O princípio da colegialidade traduz diretriz
de fundamental importância na regência das deliberações tomadas por qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, notadamente
quando esta, no desempenho de sua competência investigatória, ordena a adoção de medidas restritivas de direitos (…). O necessário
respeito ao postulado da colegialidade qualifica-se como pressuposto de validade e de legitimidade das deliberações parlamentares,
especialmente quando estas – adotadas no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito – implicam ruptura, sempre excepcional, da
esfera de intimidade das pessoas. (…).” (MS 23.669-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Esse entendimento – que põe em
evidência o significado político-jurídico do princípio da colegialidade e que lhe acentua o caráter subordinante da eficácia das
deliberações parlamentares – reflete-se no magistério da doutrina (ODACIR KLEIN, “Comissões Parlamentares de Inquérito – A
Sociedade e o Cidadão”, p. 64/68, item n. 10, 1999, Fabris Editor; JOSÉ NILO DE CASTRO, “A CPI Municipal”, p. 91 e 98, itens
ns. 7 e 9, 3ª ed., 2000, Del Rey; OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, “CPI ao Pé da Letra”, p. 49/50, item n. 49, 2001,
Millennium; PEDRO PAULO DE REZENDE PORTO FILHO, “Quebra de Sigilo pelas Comissões Parlamentares de Inquérito”, p.
101/102 e 105/107, 2008, Fórum, v.g.), valendo referir, no ponto, ante a sua extrema pertinência, a lição de JOSÉ LUIZ MÔNACO
DA SILVA (“Comissões Parlamentares de Inquérito”, p. 55, 1999, Ícone Editora): “É preciso não perder de vista que, antes da
determinação de qualquer diligência, caberá à comissão decidir sobre a realização dela. E a decisão será tomada, sempre, por
maioria de votos.Trata-se do consagrado princípio da colegialidade, vigorante entre nós, o qual submete as CPIs à regra das decisões
majoritárias (…). Assim, todas as decisões de uma CPI serão tomadas pela vontade majoritária de seus membros”.
Logo, não nos autos nenhum documento ou menção que a decisão do presidente foi posta para votação do
colegiado, mas, na verdade, houve a simples comunicação para os demais presentes.
Com relação à duração da CPI, segundo o art. 5º, §2º da Lei nº. 1.579/52, as Comissões Parlamentares de
Inquérito terminam com a sessão legislativa em curso, podendo ser prorrogada, desde que seja dentro da respectiva Legislatura.
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8. Art. 5º. As Comissões Parlamentares de Inquérito apresentarão relatório de seus trabalhos à
respectiva Câmara, concluindo por projeto de resolução.
[…]
§ 2º. A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão legislativa em que
tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em
curso.
Logo, independente da finalização da CPI, com início de nova legislatura, todas aquelas criadas na
legislatura anterior devem ser excluídas por si só.
Por sua vez, o Regimento Interno da Câmara dispõe que uma vez instituída, a Comissão Parlamentar de
Inquérito possui o prazo de 90 (noventa) dias para ser finalizada, cuja prorrogação pode ser por mais 30 (trinta) dias, todavia, não
havendo deliberação conjunta nesse sentido, entende-se que tal matéria, por ser interna corporis, cabe tão somente à CPI deliberar
a respeito.
Nesse sentido, observa-se que o Supremo Tribunal Federal (STF)limitou-se a determinar o prazo final para
que as Comissões Parlamentares de Inquérito possam ser concluídas, de forma a respeitar os direitos inerentes ao Investigado e a
garantir que a investigação não perdure ad eternum.
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9. Nesse sentido, colaciona-se o entendimento do STF:
A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes à sua atividade instrutória e à exposição
da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – e um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os
direitos individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada à
lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5º, § 2º, da Lei 1.579/1952, que situa, no termo final de legislatura em que
constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a
atividade de qualquer CPI. HC 71.261, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 11-5-1994, P,DJde 24-6-1994.]=RE 194.346 AgR, rel. min.
Joaquim Barbosa, j. 14-9-2010, 2ª T,DJEde 8-10-2010
De acordo com a interpretação dada pelo STF, é de se ver que a CPI está dentro do prazo da
Legislatura e eventual inobservância do Regimento Interno quanto a prorrogação, é matéria interna corporis do Legislativo.
Cabe ainda ressaltar, que nada impede de que ocorra a investigação sobre a conduta dos membros da
CPI, mormente quando se constatareventual abuso de poder e/oudesvio de finalidade na condução dos trabalhos, porque não
podemos olvidar de que os investigados têm direito à duração razoável do processo, conforme preconiza o art. 5º, inciso LXXVIII
da Constituição Federal.
Por todo o exposto, o Ministério Público se manifesta pela concessão parcialda segurança para
declarar nulo os atos proferidos pela autoridade coatora, os quais não houve a deliberação por parte do colegiado da CPI.
Lago da Pedra – MA, 31 de outubro de 2019.
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10. Lúcio Leonardo F. Gomes
Promotor de Justiça
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