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Este estudo relaciona os Cartemas, produção artística de Aloísio Magalhães, com a hipermídia,
e, inspirado no modus operandi de Aloísio, levanta possibilidades de criação de obras digitais,
que subvertem a sua proposta original, atualizando-as a partir das potencialidades do meio eletrônico.


Os Cartemas representam o intercâmbio entre arte e design; neles observam-se, também, procedimentos
formais como espelhamento, rotação e modulação, comuns nos trabalhos de Aloísio nessas duas áreas.


Para tratar dessas relações, fez-se necessário dissertar sobre Aloísio Magalhães, biografia e obra;
sobre o Cartema, características e sintaxe; sobre a apropriação, instância primeira na feitura dos
Cartemas, por fazer uso de cartões- postais como matéria-prima; e, ainda, sobre a hipermídia, definições,
interface, manipulação de dados numéricos e o conceito de tempo real. Esse último, nesta pesquisa,
mostrou-se como o grande paradigma da mídia digital, da Internet e da net art, contexto em que
se insere o site 011000, peça digital decorrente deste estudo.


O cartão-postal, segundo Boris Kossoy, é um objeto que sempre propiciou a possibilidade imaginária
de viajar para qualquer parte do mundo sem sair de casa. No site 011000, o cartão-postal é associado
às possibilidades que a mídia digital e a Internet oferecem, de conhecer um local em tempo real
por imagens, sonoridades ou textos, através de webcams, rádios e jornais on-line respectivamente.


011000 é uma obra de net art cujas composições renovam-se constantemente
por se darem em tempo real. Além disso, a obra somente se realiza mediante a ação do interator.




                                                                                                            7
This study establishes a relationship between Cartemas, an artistic production by Aloísio Magalhães,
and hypermedia, and, inspired in Aloísio’s modus operandi, it raises opportunities for the creation
of digital works, which surpass his original proposal, updating them through the possibilities
of electronic medium.


Cartemas represent the exchange between art and design. Formal procedures such as mirroring,
rotation and modulation, common in Aloísio’s work in these two areas, can also be observed
in Cartemas.


To deal with these relationships, it became essential to talk about Aloísio Magalhães, his biography
and work; about Cartemas, their characteristics and syntax; about appropriation, first action
in the making of Cartemas, for having used postcards as raw material; and, still, about hypermedia,
definitions, interface, numeric data manipulation and the concept of real time. The last one features
in this research as the great paradigm of digital media, Internet and net arts, context in which
is included the site 011000, a digital piece resulting from this study.


The postcard, according to Boris Kossoy, is an object that has always fostered the imaginary
opportunity of travelling anywhere in the world without leaving home. On site 011000, the postcard
is associated to the possibilities offered by digital media and the Internet, of getting to visit a place
in real time via images, sounds or texts, through webcams, online radio and news.


011000 is a net art work on which compositions are continuously updated as they happen
in real time. Furthermore, the work only happens through the interactor’s action.



* (Cartema is a neologism representing collage graphical experiments using postcards)




                                                                                                            9
011000 Uma Introdução .............................................................................. 12
Uma Biografia
         A Construção do Homem ................................................................................ 18
         O Designer ...................................................................................................... 30
         Considerações sobre a Obra e o Legado ......................................................... 50

O Cartema

         Uma História e uma Leitura ............................................................................ 62
         Apropriação ..................................................................................................... 76
Hipermídia
         Características da Linguagem Hipermidiática .................................................. 84
         Imagens, Textos e Sons Eletrônicos ................................................................. 88
         Perspectiva do espaço x Perspectiva do tempo real ......................................... 92
         Mídia Arte ....................................................................................................... 96
Experimentações
         011000 Cartemas Digitais ............................................................................. 106
Considerações finais
         Possibilidades Criativas entre os Cartemas e a Hipermídia ............................ 118
www.etceterart.net/011000
         Uma Peça Digital ............................................................................................ 122
Bibliografia ............................................................................................................ 136




                                                                                                                                 1
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Aloísio Magalhães foi, numa ordem cronológica e simplificada, artista, designer e mentor da política cultural
do Brasil. Entretanto, sob um olhar mais atento, torna-se difícil precisar com clareza os limites dessas três atividades
em sua trajetória. Isso porque era da natureza de Aloísio Magalhães lançar um múltiplo olhar sobre os assuntos
e nunca se fixar em um único ponto de reflexão.


Foi incansável na busca por um modo de existir somando todas as experiências no que acreditava ser um “processo
aberto e flexível, de constante realimentação”.1 Como conseqüência natural dessa particularidade, Aloísio transitava
livre, com segurança, pelos diversos territórios criativos.


Aloísio Magalhães afirmava que “uma cultura é avaliada no tempo e se insere no processo histórico
não só pela diversidade dos elementos que a constituem, ou pela qualidade das representações que dela emergem,
mas sobretudo por sua continuidade.”2 Essa continuidade que comporta modificações e alterações é o que garante
a sua sobrevivência. Do mesmo modo, Aloísio construiu o seu percurso sem relegar o passado, entendeu a realidade
visando garantir uma ação futura consistente.


Aloísio é reconhecidamente um dos personagens principais da história do design e da cultura brasileira.                    1
                                                                                                                               MAGALHÃES, Aloísio.
Foi também um grande artista e aí encontra-se a sua qualidade primordial: a valorização da visualidade.                        A herança do olhar: o design
Em todas as suas atividades Aloísio alinhava-se com essa particularidade. Embora o seu maior reconhecimento                    de Aloísio Magalhães, p. 11.

tenha acontecido no campo do design, “era o pintor, o que trabalha, com as mãos, o designer também,                        2
                                                                                                                               Ibid.




                                                                                                                           13
que movia a outra ponta do nervo que termina no cérebro.”3 Mesmo quando atuou na esfera pública,
                                            era um artista também, o homem de visão abrangente, inconformado com a precariedade com que se tratavam
                                            as questões culturais do país.


                                            Quando escolheu trilhar o caminho do design e afirmou que não acreditava mais na arte como produção individual,
                                            Aloísio queria dar à sua obra a dimensão perdida pela pintura da época e, em favor da humanidade, o seu maior
                                            legado: a sensibilização da coletividade. Este é o aspecto de sua obra sobre o qual norteou-se este trabalho:
                                            o entrelaçamento da arte com o design e o uso da tecnologia como elemento constitutivo de poéticas visuais.


3
    CLÁUDIO, José.
                                            O Cartema, a obra mais original de Aloísio Magalhães, representa o intercâmbio entre estes dois campos, arte e
    A herança do olhar: o design            design. Gerou grande interesse à época de sua criação. A utilização do cartão-postal como unidade de composição
    de Aloísio Magalhães, p. 38.
                                            da obra de arte estava conceitualmente inserida no contexto artístico da época que já, desde os anos 60,
4
    “Webcam é uma câmera de vídeo
    acoplada a um computador ligado
                                            trazia objetos do cotidiano para dentro do discurso artístico.
    na internet. O micro usa essa câmera
    para tirar fotos em um determinado
    intervalo de tempo e carrega essas      A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito do espaço e, através da imagem fotográfica
    imagens para um site para que elas
    sejam vistas por qualquer internauta.   impressa no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, transformando o cartão-postal numa janela
    Algumas webcams atualizam as
    imagens a cada segundo. Outras
                                            de acesso a vários mundos. O cartão-postal é inserido no jogo de composição do Cartema.
    câmeras, a cada minuto. Há as em        Nele, o recorte de realidade só existe quando se percebe o módulo-base da composição no todo do Cartema.
    tempo real. Essa frequência depende
    da velocidade de conexão.”              Essa realidade forma outras realidades abstratas num puro jogo de imagens.
    ZILVETI, Marijô (22/05/04)
    Preço acessível faz webcam
    se popularizar entre internautas        Rudolf Arheim aponta que toda experiência visual está inserida num contexto de espaço e tempo.
    http://www.netmarkt.com.br/             Seguindo esse preceito, este estudo propõe continuar o jogo de imagens utilizando, não mais o cartão-postal,
    noticia2003/668.html
                                            mas o que elegeu-se como seu correspondente no ambiente digital, os três módulos-base: imagens de webcams4,
5
    Jornal on-line: a presença de
    trabalho jornalístico em sites da       jornais e rádios on-line5. Eles entrarão no jogo de composição em que, ora as imagens das webcams
    internet atualizados constantemente.
    Rádio on-line: rádio executada em
                                            serão manipuladas, coladas, ora as letras dos jornais serão espelhadas, rotacionadas, sobrepostas,
    tempo real enquanto o computador        formando composições inspiradas nos Cartemas de Aloísio Magalhães.
    estiver conectado a um outro
    computador ou rede.
                                       14
Esta pesquisa inspirou-se também numa frase de Aloíso que diz: “no processo de evolução de uma cultura,
nada existe propriamente de ‘novo’. O ‘novo’ é apenas uma forma transformada do passado,
enriquecida na continuidade do processo, ou novamente revelada, de um repertório latente.
Na verdade, os elementos são sempre os mesmos: apenas a visão pode ser enriquecida por novas incidências
de luz nas diversas faces do mesmo cristal.”6 Esta pesquisa evolui segundo as ações de Aloísio Magalhães:
parte de um dado do passado, um elemento rico e estabelecido, compreende o contexto atual da produção
em arte e design, e propõe um novo olhar sobre a matéria criativa.


O primeiro capítulo, uma biografia de Aloísio Magalhães, conta a formação e o processo transitório
do artista plástico, em designer e, posteriormente, mentor cultural, relacionando a sua produção
e delineando o intercambiamento das áreas em que atuou de modo emblemático.
O segundo capítulo apresenta uma sintaxe do Cartema e uma análise de três obras a partir do Sistema de Leitura
Visual da Forma de Gomes Filho. Em seguida, aborda-se o tema da apropriação na arte
como um dos motes conceituais que permeiam esta pesquisa, tanto pela utilização dos cartões-postais
por Aloísio Magalhães, na feitura dos Cartemas, como pela apropriação de webcams, jornais e rádios on-line
na peça digital que faz parte deste trabalho.


O terceiro capítulo insere questões sobre hipermídia, dentro do que a própria transposição dos princípios formais
do Cartema, para o ambiente hipermidiático, inspirou a pesquisa, ou seja, interface, manipulação de dados
numéricos, tempo real, mídia arte. Esse capítulo inicia-se com uma breve definição das características da hipermídia,
sua evolução desde as primeiras noções de hipertexto até as questões de interface. Trata-se também dos conceitos
das imagens, sons e textos baseados em códigos binários, e, portanto, passíveis de total interação,
e as mudanças ocorridas no contexto dos meios pré-informáticos à era pós-fotográfica.


É também importante conceituar o tempo real, que no processo de pesquisa se mostrou como o grande paradigma
                                                                                                                        6
da mídia digital e da Internet. Para isso, fez-se um contraponto da relação espaço e tempo dentro das novas                 MAGALHÃES, Aloísio.
                                                                                                                            A herança do olhar: o design
perspectivas da tecnologia eletrônica, e, por fim, realizou uma abordagem de obras de mídia arte para ilustrar              de Aloísio Magalhães, p. 11.




                                                                                                                        15
os tipos de pesquisas que se tornaram possíveis graças à relação híbrida entre arte e tecnologia,
     e como a arte faz uso dos meios para transgredi-lo e transformá-lo numa ferramenta criativa.


     No decorrer do processo de pesquisa, surgiu a oportunidade de ver, na prática, durante um workshop
     no evento Faces do Design, ocorrido em outubro de 2003, ministrado pelo grupo, como seria a transposição
     dos princípios formais do Cartema para o ambiente digital, substituindo o cartão-postal por imagens de webcams
     capturadas no fluxo da rede, gerando Cartemas digitais. Essa importante experiência é relatada no capítulo 4,
     Experimentações, e deu à equipe elementos substanciais para a continuidade do projeto. Por fim, o quinto capítulo
     apresenta as considerações e avaliações do grupo, a partir das relações estabelecidas entre o Cartema
     e o ambiente hipermidiático.


     Toda a pesquisa foi o respaldo teórico necessário para a elaboração e produção da peça digital que acompanha
     esta monografia. A peça é uma experiência estética interativa que faz uso da apropriação de imagens de webcams,
     sons e textos de jornais e rádios on-line, e as suas potencialidades transgressivas na criação de composições
     artísticas, interativas e em constante metamorfose.
16
A Construção do Homem
                        18
Aloísio Magalhães nasceu no Recife, em 5 de novembro de 1927. Sua família descende de imigrantes portugueses
que se instalaram no sertão de Pernambuco ainda no século XVIII. Cresceu rodeado de figuras importantes,
políticos e intelectuais da época. Era sobrinho de Agamenon Magalhães, eleito duas vezes deputado federal,
ministro do presidente Getúlio Vargas, governador do Estado de Pernambuco e um dos fundadores do Partido Social
Democrático (PSD) no estado. Foi com ele que Aloísio aprendeu a arte da conciliação.


Do pai, Ageu Magalhães, professor e médico respeitado, influente na sociedade pernambucana, herdou a racionalidade
intelectual. Sua mãe, Dona Henriqueta ensinou-lhe o convívio e “a prática social, os hábitos refinados, o prazer pelos
sabores”1 e, principalmente, o valor e o atendimento aos sentidos. Assim, em uma família de vida social intensa, por
onde transitavam pessoas ilustres como o sociólogo Gilberto Freire e o poeta pernambucano Ascenso Ferreira, e onde
se destacava a sobriedade, a tradição                                                                                    Aloísio Magalhães aos 8 anos de idade.

e a constituição sertaneja abastada, sempre próxima do exercício do poder político, cresceu e se desenvolveu
o menino Aloísio.


Desde cedo Aloísio Magalhães revelou-se inclinado para as artes. Em 1946, quando ingressou na Faculdade                  1
                                                                                                                             LEITE, João de Souza.
de Direito do Recife, àquela época reduto de formação humanista e sinônimo de projeção política e intelectual,               A herança do olhar: o design
                                                                                                                             de Aloísio Magalhães, p. 26.
“já era apontado como uma das melhores promessas da nova geração de artistas plásticos de Pernambuco.”2 Aloísio
                                                                                                                         2
logo juntou-se ao grupo de Teatro do Estudante de Pernambuco, o TEP, um movimento que foi responsável pela                   MELO, José Laurênio de.
                                                                                                                             A herança do olhar: o design
renovação da vida cultural e das artes cênicas no nordeste. Ele incumbiu-se da direção                                       de Aloísio Magalhães, p. 29.




                                                                                                                         19
Aloísio encena,
                                                               no quintal de sua casa,     do Departamento de Bonecos e assumiu o cargo de cenógrafo oficial do grupo.
                                                               a peça de Garcia Lorca,
                                                               Os Amores
                                                                                           Mais tarde, em 1950, ano em que terminou o curso de direito, Aloísio participou
                                                               de Dom Perlimplim
                                                               com Beliza em seu Jardim,
                                                                                           de outra atividade do TEP: a edição de livros cujos autores, José Laurênio de
                                                               em 1947.
                                                                                           Melo, Gastão de Holanda e Hermilo Borba Filho, eram, além de integrantes
                                                                                           do grupo, os mentores intelectuais daquele movimento.


                                                                                           Durante o período de sua formação na Faculdade de Direito, a produção artística
                                                                                           de Aloísio Magalhães foi grande, tendo participado de pequenas exposições,
                                                                                           individuais e coletivas, ao lado de talentos promissores como Reynaldo Fonseca
                                                                                           e Francisco Brennand. Mas pouco foi preservado de sua obra desse período.


                                                                                           Com o fim do curso e a dispersão do TEP, Aloísio inicia uma nova fase.
                                                                                           Em 1951, recebeu uma bolsa do governo francês e foi estudar museologia
                                                                                           no Museu do Louvre, em Paris. Passou a freqüentar, também, o Atelier 17,
                                                                                           famoso centro europeu de gravura, dirigido por Stanley William Hayter,
                                                                                           apontado por críticos como um dos responsáveis pela “reabilitação das técnicas
                                                                                           de gravura no século 20”.3 Juan Miró, Hans Arp e Yves Tanguy figuram entre
                                                                                           os freqüentadores do atelier nesse período. Ao retornar ao Recife, em 1953,
                                                                                           Aloísio logo fez uma exposição de suas pinturas e em seguida participou da
                                                                                           2ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. Tem início uma seqüência de
                                                                                           exposições em Salvador e no Rio de Janeiro.


O grupo do Teatro de Estudantes de Pernambuco, na Faculdade de Direito:                    Em 1954, Aloísio Magalhães participou da fundação d’O Gráfico Amador
Aloísio à esquerda, com Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, Hermilo Borba Filho,
Joel Pontes, Fernando da Rocha Cavalcanti e José Laurênio de Melo.                         no Recife, um atelier/ editora em conjunto com Gastão de Holanda,
                                                                                           José Laurênio de Melo, esses dois membros do antigo TEP,
3
    LEITE, João de Souza.                                                                  e Orlando da Costa Ferreira.
    A herança do olhar: o design
    de Aloísio Magalhães, p. 35.
                                         20
Muitos outros intelectuais da época participaram das ações d’O Gráfico Amador. O designer Guilherme Cunha Lima,
professor da Esdi - Escola Superior de Desenho Industrial, e estudioso sobre o assunto, atribui a’O Gráfico Amador
a origem da moderna tipografia brasileira e aponta o fato de que nesse movimento Aloísio Magalhães já dava sinais
claros de sua veia projetual.
                                                                                                                                              Símbolo
                                                                                                                                              d’O Gráfico Amador.
N’O Gráfico Amador, Aloísio empregou todo o seu conhecimento, as diversas técnicas de gravura aprendidas
na Europa e explorou sua visualidade em trabalhos gráficos de repercussão internacional.


A finalidade do grupo era editar, exclusivamente, os textos literários dos seus participantes,
mas acabaram publicando obras de outros autores. A situação real era que em Pernambuco não havia editoras
e editar livros em São Paulo ou Rio de Janeiro demandava tempo e muito dinheiro, a solução foi, eles mesmos,
editarem suas próprias obras.


O poeta João Cabral de Melo Neto, primo de Aloísio Magalhães, já havia realizado esse tipo de trabalho
quando morava em Barcelona, por ocasião de suas atividades diplomáticas como cônsul do Brasil. Ele editou
e publicou sozinho, diversos livros seus e de outros autores brasileiros. Sua experiência como tipógrafo
foi de grande importância para as atividades iniciais do grupo. Durante 8 anos O Gráfico Amador editou,
primorosamente, “vinte e sete livros, três volantes, dois boletins e um programa de teatro”.4


O Gráfico Amador foi um movimento que entrelaçou a “literatura com as artes plásticas e com o design”5;
expressava os sentimentos vigentes na época. Aqueles eram tempos de mudança no panorama político-econômico
brasileiro, e havia um movimento generalizado que visava colocar o Brasil definitivamente no mundo moderno.          Aloísio em seu atelier no Recife.

O pensamento e a ação d’O Gráfico Amador refletiam os anseios de uma transformação cultural maior
                                                                                                                     4
e mais profunda.                                                                                                         LIMA, Guilherme Cunha.
                                                                                                                         O gráfico amador: as origens
                                                                                                                         da moderna tipografia brasileira,
                                                                                                                         p. 113.

                                                                                                                     5
                                                                                                                         Ibid., p. 18.




                                                                                                                     21
Improvisação Gráfica.
     Folhas soltas, encadernadas
     em pasta de tecido,
     impressas em diferentes técnicas.




22
Aniki Bobó.
Design de Aloísio Magalhães
e texto de João Cabral de Melo Neto.
Impresso em tipografia e clichê
de barbante.

Os desenhos foram feitos antes do
texto. Por essa razão, consta no
colofão ”ilustrado com texto de
João Cabral”




23
Paralelamente as atividades n’O Gráfico Amador, Aloísio continua sua produção artística. Participa da 3ª Bienal
                                         Internacional de Artes de São Paulo e do Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
                                         Em 1956, realiza outra exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nesse mesmo ano, consegue,
                                         novamente, bolsa para estudar fora do país; dessa vez, nos Estados Unidos. Ele realiza diversas exposições
                                         no território americano: a primeira foi em Washington, na Pan-American Union. Em seguida, expõe na Roland de Aenlle
                                         Gallery, galeria interessada pela arte moderna latino-americana, em Nova York. Em 1957, o Museum of Modern Art
                                         (MoMA) em Nova York adquire um dos seus quadros, Paisagem, para o seu acervo permanente.


                                         Foi a partir dessa viagem aos Estados Unidos que Aloísio Magalhães, no processo particular de continuidade,
                                         conduziu sua transformação de artista para designer. O contato com Eugene Feldman, artista gráfico,
                                         diretor do Departamento de Design Tipográfico da Philadelphia Museum School of Art e diretor da The Falcon Press,
                                         uma gráfica comercial que funcionava como laboratório gráfico à noite, foi fator decisivo nessa transformação.


                                         O pensamento peculiar de Aloísio sobre arte e design lhe valeu um convite para dar aulas em um curso de design
                                         no Philadelphia Museum School of Art. Esse fato aproximou-o ainda mais do trabalho gráfico de Eugene Feldman.
                                         Aquele era o “momento de consolidação da cultura da identidade corporativa, (…) Aloísio não poderia deixar de ter
                                         contato e de refletir sobre as idéias do design racionalista.”6 Diante desse quadro de profundas mudanças, Aloísio adere
                                         à linguagem formal do estilo internacional e o design se revela para ele como “a integração das possibilidades do
                                         artista ao cenário da contemporaneidade.”7



6
    MELO, Chico Homem de.
    A herança do olhar: o design
    de Aloísio Magalhães, p. 152.

7
    LEITE, João de Souza.
    A herança do olhar: o design
    de Aloísio Magalhães, p. 83.
                                                           Aloísio Magalhães e Eugene Feldman
8
    Ibid.                                                  no ambiente de trabalho da The Falcon Press.
                                    24
As novas tecnologias de impressão revelaram-se para Aloísio como a possibilidade de geração
de uma nova experiência visual. Com elas, descobre uma outra organização do tempo na produção da sua obra.
É o deslocamento do pintor rumo a um novo enfoque do seu objeto de criação artística8
que se constitui em uma atitude projetual. Da parceria com Eugene Feldman surgiram duas publicações notáveis
do design editorial: Doorway to Portuguese e Doorway to Brasília.




                     Doorway to Portuguese
                     Concepção e design de Aloísio Magalhães
                     e Eugene Feldman, impressão em offset.
                     The Falcon Press, Filadélfia, 1957.




                                                                                                               25
Doorway to Brasília
     Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, impressão em offset. The Falcon Press, Filadélfia, 1957.
26
Após a experiência na The Falcon Press e com o fim d‘O Gráfico Amador, em 1961, em plena crise institucional do país
com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, Aloísio Magalhães inicia sua atividade como designer
e transfere-se definitivamente para o Rio de Janeiro.




                                                                                                                       27
A primeira formação do seu escritório foi com Artur Lício Pontual, arquiteto recifense, e Luiz Fernando Noronha;
     chamava-se Magalhães + Noronha + Pontual, MNP, e atendia a uma demanda variada de projetos de arquitetura,
     exposições, símbolos, logotipos, etc.


     Em 1962, a MNP passou a se chamar AM PVDI - Aloísio Magalhães Programação Visual e Desenho Industrial
     (o termo design não era utilizado na época). Agora com um só líder e totalmente voltado para a realização de projetos
     de design, em poucos anos a AM PVDI tornou-se o mais importante escritório de design do país. Nesse período, Aloísio
     ainda pintava. Em 1961 realiza o que se considera sua última exposição individual como pintor e participa também
     da 6ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. A partir daí, dedica-se integralmente ao design.
28
Gilvan Samico no escritório.




Calendário Shell, projetado em 1960.




                                       No sentido horário:
                                       Eleonore Koch, (?), Aloísio Magalhães,
                                       Luiz Fernando Noronha, Gilvan Samico
                                       e Artur Lúcio Pontual à mesa, para o almoço.
                                       Entrando na cozinha, a cozinheira Carmélia.




                                       29
O Designer
             30
No decorrer dos anos, a movimentação no escritório de Aloísio Magalhães foi intensa. Por lá passaram muitos artistas
como o cineasta Fernando Cony Campos, o gravador Gilvan Samico, o artista plástico e artista gráfico Gustavo Goebel
Weyne, o designer e professor Orlando Luiz de Souza Costa, o designer Rogério Duarte, entre outros, e muito foi feito.
A seguir, um resumo da intensa produção da AM PVDI, cujo valor é de suma importância na formação da história
do design no Brasil.


Em 1964, Aloísio ganha o concurso para a criação do símbolo do 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro.
Esse é o seu primeiro trabalho como designer que teve enorme repercussão. O símbolo foi “espontaneamente
reproduzido pela população nos contextos mais variados da cidade.”9 Max Bense, filósofo alemão, estudioso
dos fenômenos estéticos e semiológicos, e também professor, nos primeiros anos da Esdi - Escola Superior
de Desenho Industrial, publicou um extenso estudo sobre esse acontecimento em seu livro Brasilianische Intelligenz.
                                                                                                                         Acima:
Em seguida, a AM PVDI desenvolve o símbolo para a Fundação Bienal de São Paulo, Banco Aliança, Light S.A.,               Aloísio trabalhando no escritório MNP.
                                                                                                                         Capa do livro do teórico Max Bense
Vale do Rio Doce e muitos outros. Em 1966, ganha o importante concurso para desenhar o novo padrão monetário             sobre a estética no Brasil

do Brasil. A partir daí, por seu excelente trabalho, Aloísio torna-se consultor da Casa da Moeda e do Banco Central
do Brasil. Em 1968, participa da 1ª Bienal Internacional de Desenho Industrial, instalada no Museu de Arte Moderna –
MAM do Rio de Janeiro.                                                                                                   9
                                                                                                                             LEITE, João de Souza.
                                                                                                                             A herança do olhar: o design
Em 1970, outro grande feito: a PVDI desenvolve o “primeiro grande projeto de design institucional no país para a             de Aloísio Magalhães, p. 274.

PETROBRAS.”10 A complexidade do projeto abrange, desde a criação do símbolo, a elaboração de todas as embalagens         10
                                                                                                                              Ibid.




                                                                                                                         31
Símbolo do 4º Centenário
da Cidade do Rio de Janeiro.

Exemplos da apropriação popular
desse símbolo.




                                  32
Kei Engenharia
                                            Programa de identidade visual COMGAS.




                                                                                                  Universidade de Brasília




                                                                                                  Banco Moreira Salles,
                                                                                                  atual Unibanco




Embalagem desenvolvida para a
Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar.                              Símbolo Itaipu.        Construtora Cimbra




                                                                                             33
dos produtos, até os elementos de identificação dos postos de distribuição
                                                     e os seus equipamentos próprios, como a bomba de gasolina. A PVDI construiu
                                                     um extenso e rico portfolio de projetos de design. Além de toda essa produção,
                                                     Aloísio Magalhães também envolvia-se cada vez mais com questões específicas
                                                     do ensino de design no país.


                                                     Em 1962, participou, como professor, de um curso de experimentação tipográfica
                                                     no MAM do Rio de Janeiro, juntamente com Alexandre Wollner.11 Era intenção
                                                     da direção do MAM-RJ, na pessoa de Carmem Portinho, instalar uma escola
                                                     com cursos de desenho industrial, fotografia e gráfica. Apesar de defender
                                                     a implantação do curso, seguindo os moldes internacionais da Escola de Ulm,
                                                     Aloísio alertava para a necessidade de fundamentar e estabelecer diretrizes
                                                     próprias em função das características particulares da indústria brasileira.
           Projeto de identidade visual PETROBRAS.

                                                     A Esdi foi oficializada pelo Ministério da Educação e Cultura em 1962, mas só
                                                     iniciou suas atividades a partir de 1963. Além de Aloísio Magalhães, participaram
                                                     da sua implantação nomes importantes da época como Alexandre Wollner,
                                                     Karl Heinz Bergmiller, Flávio de Aquino, o secretário da Educação Flexa Ribeiro
                                                     e muitos outros.


                                                     A Esdi é um capítulo à parte da história do design no Brasil, mas vale salientar
                                                     que a sua estrutura, embora baseada na escola de Ulm, que por sua vez
11
  Cf. LEITE, João de Souza.                          baseava-se no modelo da Bauhaus, foi respaldada pelas aspirações da época,
 A herança do olhar: o design
                                                     que estavam fortemente vinculadas ao movimento concretista e à arquitetura
 de Aloísio Magalhães, p. 273.
                                                     moderna, engrossando “o caldo do que era então chamado de vocação construtiva
12
     LESSA, Washington Dias.
                                                     brasileira,”12 cujo conceito de reconstrução do país, através de princípios racionais
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 147.                   vividos na Alemanha no período pós-guerra, corroborava com o desejo
                                          34
de construção da modernidade13 tão almejada.


Aloísio inicialmente se divide entre os trabalhos em seu escritório e as aulas na Esdi. Com o passar dos anos,
a escola distancia-se dos primeiros ideais e em 1968 interrompe as aulas iniciando “um processo de redefinição
de suas direções e inserção na sociedade.”14 É feita uma nova proposta curricular mais adequada à realidade brasileira.


O Brasil vive, para o desespero de alguns, o modo tropicalista, a antropofagia. A 1ª Bienal de Desenho Industrial
do Brasil, da qual Aloísio participou, esforça-se em expor a consciência de ser designer no Brasil. Mas o “refluxo cultural
e político pós-AI 5 esvazia esta discussão; permanece, no seu vácuo, o referencial ulmaniano como substância
técnica.”15 O início da década de 70 marca um recuo na ideologia desenvolvimentista, na qual a ampliação do consumo
pela população era a redenção. A indústria volta-se à exportação e as referências conceituais do design perdem a força.
É nesse contexto político e econômico, e ainda gozando do grande prestígio do projeto das cédulas brasileiras,
que Aloísio desenvolve o projeto da PETROBRAS.


Aloísio retorna ao campo editorial quando publica, em 1971, mais um livro experimental: 1/8/16, A Informação
Esquartejada, em que utiliza-se de folhas impressas de outdoor, fragmentando-as, para dar uma nova escala de leitura
à imagem. É interessante observar que, mesmo influenciado pelos movimentos construtivistas, de linguagem                      13
                                                                                                                                   Cf. LESSA, Washington Dias.
                                                                                                                                   A herança do olhar: o design
geométrica e pelos rigores técnicos exigidos pela profissão, os trabalhos em design de Aloísio Magalhães “exalavam                 de Aloísio Magalhães, p. 147.
o frescor gráfico típico de quem não desprezava as livres associações da forma e de seus imperativos plásticos.”16            14
                                                                                                                                   Ibid., p.148.
As palavras do pintor e amigo José Cláudio reforçam essa afirmação: “Em primeiro lugar é preciso resgatar
                                                                                                                              15
                                                                                                                                   LESSA, Washington Dias.
o Aloísio pintor antes que generalize ainda mais a concepção de que não o era, deixou de ser, ou isso era coisa
                                                                                                                                   A herança do olhar: o design
de pouca importância na sua vida – quando de fato o ser pintor era nele a espinha dorsal e até, aumentando a imagem                de Aloísio Magalhães, p. 148.
se quisermos, os pés e as mãos, o coração e a cabeça.”17 Aloísio Magalhães ampliou a concepção do gráfico.                    16
                                                                                                                                   ESCOREL, Ana Luiza.
Uniu arte e design sem resistir às possibilidades de ter no design gráfico, a construção de uma nova linguagem,                    O efeito multiplicador do design,
                                                                                                                                   p. 115.
uma nova forma de expressão; essa nova expressão surge sob a forma de Cartema. A palavra Cartema foi criada
                                                                                                                              17
por Antônio Houaiss para designar o que até então não existia em termos de arte: imagens multiplicadas                             CLÁUDIO, José.
                                                                                                                                   A herança do olhar: o design
a partir de cartões-postais.                                                                                                       de Aloísio Magalhães, p. 38.




                                                                                                                              35
Cartema. Sem título, s.d.




36




     Cartema. Sem título, s.d.
37




     Cartema. Série Brasileira, 1972.
Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.




38
39




     Cartema. Sem título, s.d.
Cartema. Sem título, s.d.




40




     Cartema. Sem título, s.d.
41




     Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Cartemas. Série Preto e branco, s. d.




42
43
Cartemas. Série Preto e branco, s. d.




44
45
A primeira exposição dos Cartemas aconteceu em 1972, no MAM do Rio de Janeiro. A exposição também foi montada,
                                              naquele mesmo ano, em Recife, no Museu do Açúcar e em Belo Horizonte, na Reitoria da Universidade Federal de Minas
                                              Gerais – UFMG.


                                              As exposições se seguiram pelo Brasil e pelo exterior. Os Cartemas tiveram grande repercussão, sendo notícia
                                              e assunto em diversos jornais e revistas de circulação nacional e internacional. Era um trabalho inusitado
                                              que criava texturas visuais de grande beleza e impacto a partir de um objeto banalizado, o cartão-postal.


                                              Sem parar de produzir em seu escritório, 1974 é o ano em que Aloísio desenvolve sistemas de identidade visual
                                              para grandes empresas nacionais, privadas e estatais como Banco Central do Brasil, Caixa Econômica Federal,
                                              Furnas Centrais Elétricas, Banco Nacional, Companhia de Gás de São Paulo, Companhia Souza Cruz, entre outras.


                                              Mesmo com o sucesso da AM PVDI, das exposições freqüentes, das novas incursões no campo editorial,
                                              desta vez com A Topografic Analysis of Printed Surface, Aloísio Magalhães encontrava-se descontente com a situação
                                              da cultura no país, com o descaso com que essa questão, para ele vital, era tratada. O seu ofício de designer,
                                              através das intensas pesquisas que realizava, o envolvimento natural com as manifestações do seu povo,
                                              colocaram-no em contato maior com essa realidade. Assim, o cidadão-designer, determinado a “devolver à nação
                                              os privilégios, que tinha recebido”18 e mobilizado “por um elenco de questões que vão do processo de desenvolvimento
                                              econômico em curso no Brasil à preservação dos valores da formação cultural do país, passando pelo papel
                                              do desenho industrial na definição de uma fisionomia própria dos produtos brasileiros,”19 idealiza e implanta, em 1975,
18
     FALCÃO, Joaquim.                         após uma série de encontros, o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC, uma instituição dedicada
     E triunfo? : as questões dos bens
     culturais do Brasil, p. 18.              à documentação e análise da cultura brasileira, em conjunto com o ministro da Indústria e do Comércio, Severo Gomes
19
     MELO, José Laurênio de.
                                              e com o embaixador e secretário da Educação do Distrito Federal, Wladimir Murtinho. Essa foi a primeira incursão
     E triunfo? : as questões dos bens        de Aloísio no campo político e sua última “e definitiva intervenção no cotidiano da vida brasileira.”20
     culturais do Brasil, p. 37.

20
     LEITE, João de Souza.                    Os anos seguintes caracterizaram-se por uma seqüência de fatos e iniciativas, tanto do poder público, quanto da
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 275.            população, em favor da cultura brasileira. Em 1976, o Centro Nacional de Referência Cultural é definitivamente
                                         46
implantado com 4 programas de estudo básicos: o mapeamento da atividade artesanal, levantamentos sócio-culturais,
história da ciência e da tecnologia no Brasil e o levantamento de documentação sobre o Brasil.21


Em 1978, os trabalhos do CNRC se expandem e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -
CNPq e o Banco do Brasil aderem ao projeto. Em 1979, Aloísio Magalhães é nomeado diretor-geral do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, pelo então ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela.
Meses depois, promove a fusão dos três organismos ligados ao governo federal: O CNRC, o Programa de Cidades
Históricas - PCH e o IPHAN.


Com a fusão desses três órgãos, a conseqüência “da intensa atividade de convencimento político”22 é a transformação,
em 1980, do IPHAN em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, agora um órgão normativo,
através de decreto do presidente João Figueiredo. É criada a Fundação Nacional Pró-Memória como órgão operacional.
Aloísio Magalhães é o secretário da SPHAN e o presidente da Pró-Memória, acumulando “a responsabilidade,
em nível federal, pela preservação do acervo cultural e natural do país.”23 Nesse ano, a proposta de inclusão da cidade
de Ouro Preto na lista do Patrimônio Mundial da Unesco é bem sucedida.


Em abril de 1981, o novo ministro da Educação e Cultura, Rubem Ludwig, cria através de uma portaria, a Secretaria
da Cultura que reúne as subsecretarias do Pró-Memória e SPHAN, além de outros órgãos, e nomeia Aloísio para o cargo        21
                                                                                                                                Cf. MELO, José Laurênio de.
de secretário, equivalente hoje ao cargo de ministro da Cultura. Mesmo antes dessa nomeação, Aloísio já viajava                 E triunfo? : as questões dos bens
                                                                                                                                culturais do Brasil, p. 38.
pelo país em uma série de conferências, debates, simpósios e seminários nos quais defendia o resgate da cultura
                                                                                                                           22
brasileira, colocando o assunto em pauta na imprensa nacional. Essa foi a estratégia político-administrativa                    LEITE, João de Souza.
                                                                                                                                A herança do olhar: o design
que encontrou para viabilizar seus projetos e conciliar “tanta abrangência conceitual com tanta exigüidade institucional        de Aloísio Magalhães, p. 275.
e orçamentária”24, conscientizar e envolver os representantes dos diversos setores da nação na preservação                 23
                                                                                                                                MELO, José Laurênio de.
e valorização da cultura.                                                                                                       E triunfo? : as questões dos bens
                                                                                                                                culturais do Brasil, p. 40.

                                                                                                                           24
O apoio dos meios de comunicação foi indispensável na realização dos seus propósitos. São dessa época o arremate                FALCÃO, Joaquim.
                                                                                                                                E triunfo? : as questões dos bens
dos autos da Inconfidência Mineira, no leilão da Sotheby’s, em Londres, o resgate de partituras de música barroca               culturais do Brasil, p. 24.




                                                                                                                           47
brasileira no Uruguai e a inclusão das ruínas de São Miguel das Missões (RS) na lista da Unesco.
                                              A ação de Aloísio Magalhães na política cultural do país teve efeito arrebatador. Nunca, na história do país,
                                              houve tamanha “inovação conceitual, reformulação administrativa, acréscimo orçamentário e implementação
                                              de projetos como o que se verificou na gestão de Aloísio (1979-1982).”25


                                              No ano de 1982, Aloísio se preparava para defender a inscrição do centro histórico de Olinda na lista do Patrimônio
                                              Mundial da Unesco. Elaborou um conjunto de gravuras em preto e branco, numa visão muito particular da cidade,
                                              que o ajudaria a defender sua idéia. Em junho desse ano, viajou para Veneza como representante do ministro
                                              da Cultura, Rubem Ludwig, com fins de participar de reuniões de órgãos internacionais de cultura.
                                              A ida de Aloísio Magalhães, enquanto secretário da Cultura, teve um significado histórico muito importante.
                                              Tratava-se de um encontro de ministros das culturas dos países latinos e, portanto, era dever do ministro Ruben Ludwig
                                              comparecer ao evento. Mas o país passava por grandes mudanças políticas: abria-se a democratização depois
                                              de tenebrosos anos de ditadura. A presença de Aloísio Magalhães, nesse encontro, significava dizer claramente
                                              que o país estava passando das mãos militares para as mãos dos civis. Aloísio estava consciente do seu papel
                                              na história.


Resgate de litografias comerciais             Na sessão de abertura, Aloísio fez um pronunciamento veemente e apaixonado sobre as questões prementes
de Juiz de Fora, Minas Gerais.
Tecnologia associada à vida econômica         da nossa sociedade, opondo-se aos que tratavam a cultura exclusivamente por sua vertente culta26 e por isso foi eleito
e cultural brasileira.
                                              presidente do encontro. Ao retomar os trabalhos, logo após o almoço, sentiu-se mal e foi internado numa clínica
                                              onde veio a sofrer duas hemorragias cerebrais. Transferido para o Centro de Reanimação do Hospital Civil de Pádua,
                                              Aloísio Magalhães falece no dia 13 de junho, aos 55 anos incompletos.


25
     FALCÃO, Joaquim.
     E triunfo? : as questões dos bens
     culturais do Brasil, p. 17.

26
     Cf. LEITE, João de Souza.
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 275.
                                         48
Algumas litografias da série produzida por Aloísio,
          com a qual pretendia apresentar Olinda
 ao Conselho do Patrinônio Mundial da UNESCO




                                                      49
Considerações sobre a Obra
e o Legado
                             50
Para se entender a dimensão da influência de Aloísio Magalhães na história do design e, porque não dizer,
na história visual do Brasil, segue uma reflexão sobre alguns pontos importantes de sua produção.


A obra de Aloísio Magalhães sempre esteve impregnada do princípio de espelhamento. “Sua pintura – toda sua arte –
nasceu da visão do casario da rua da Aurora, ou de Santo Antônio, ou do cais do Apolo do velho Recife se mexendo
nas águas do Capibaribe. O leito e o bojo do rio foram sua lição de desenho, de pintura e de cartema”.27 Essa é uma
declaração de cunho poético, mas que carrega uma sentença. Mesmo quando o seu anseio de pesquisa e o profundo
sentimento de coletividade e contemporaneidade levaram-no para as artes gráficas, ou para o campo da comunicação,
com níveis de complexidade cada vez maiores, revelando o “difícil problema que é a massificação da criatividade
através de elementos de informação elaborados em valores formais”28, Aloísio Magalhães é o artista-comunicador
                                                                                                                       Aquarela sobre papel velin
de imagens refletidas.                                                                                                 de Aloísio Magalhães.




Quando Aloísio despontou no campo das artes, na década de 50, o Brasil vivia o ápice do construtivismo. As Bienais
de Arte de São Paulo tiveram papel importante na disseminação desse movimento. A poesia concreta causava espanto
na literatura nacional e misturava-se com as artes visuais, transformando palavra e imagem em um só corpo.
Artistas dessa geração como Alexandre Wollner e Geraldo de Barros, entre outros, utilizavam largamente procedimentos   27
                                                                                                                            VALADARES, Clarival do Prado.
de espelhamento e de repetição em suas obras. Aloísio estudava em Paris nos primeiros anos da década,                       A herança do olhar: o design
e freqüentava o Atelier 17 juntamente com Miró. Com sua arte abstrata, Aloísio integrava a corrente expressiva              de Aloísio Magalhães, p. 74.

do movimento construtivista, com um desenho mais gestual e orgânico do que geométrico. Seu trabalho n’O Gráfico        28
                                                                                                                            Ibid., p. 75.




                                                                                                                       51
Amador e, posteriormente, com Eugene Feldman, reflete essa vertente: são experiências gráficas muito distantes
                                                   dos rigores geométricos; sua pintura transborda imagens refletidas, manchas de cor espelhadas por toda a tela,
                                                   o claro e o escuro construindo um discurso visual de grande expressividade.


                                                   No entanto, quando Aloísio direciona o seu fazer artístico para o campo do design, a partir de 1960, sua linguagem
                                                   volta-se para o léxico do grupo construtivista, ou seja, para a geometria, o racionalismo, tornando-se a base
                                                   de referência que norteou o moderno design gráfico brasileiro até a década de 80: uma linguagem internacional,
                                                   oriunda das fontes construtivas européias.29


                                                   Nos muitos sinais projetados por Aloísio em seu escritório, durante as décadas de 60 e 70, os procedimentos formais,
Símbolo do 4º Centenário da Cidade                 ou constitutivos da imagem, mais freqüentes e de resultados mais requintados, segundo análise do designer
do Rio de Janeiro.
                                                   Chico Homem de Melo, são três: o espelhamento, a rotação do círculo tripartido e a sugestão de tridimensionalidade.
                                                   Para esta pesquisa interessa especificamente o procedimento de espelhamento, com o qual os Cartemas
                                                   foram construídos. O terceiro procedimento, o da tridimensionalidade, revela o caráter investigativo do artista
                                                   que antevê as mudanças da linguagem vigente, a partir do uso das novas tecnologias.


                                                   Em sua análise, Chico Homem de Melo afirma que os projetos que mais trouxeram visibilidade para Aloísio,
                                                   tanto no âmbito nacional quanto internacional, foram respectivamente o sinal do 4º Centenário do Rio de Janeiro,
                                                   produzido em 1964, e o projeto do redesenho das cédulas do cruzeiro em 1979. Nesses dois projetos, o princípio
                                                   do espelhamento está presente em sua formatação. No primeiro exemplo, o espelhamento do numeral quatro
                                                   gera uma cruz de malta portuguesa e simbolicamente resgata a imagem da bandeira dos fundadores da cidade.
Cédula de mil cruzeiros. A versão original
foi desenvolvida pela equipe de Aloísio e o        No segundo exemplo, Aloísio radicaliza o conceito de espelhamento retirando o “pé e a cabeça” da cédula,
detalhamento foi conduzido pela equipe
da Casa da Moeda do Brasil.                        eliminando assim um problema do cotidiano com as notas anteriores. Desse modo, a cédula passou a ser lida
                                                   em qualquer posição, rápida e confortavelmente. Outros sinais foram desenvolvidos tomando o espelhamento
                                                   como princípio formal, como será colocado no capítulo “O Cartema”.
29
     MELO, Chico Homem de.
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 153.                 Os estudos resultantes da construção desses sinais, a pesquisa visual constante, o domínio do princípio formal
                                              52
e a proximidade com as possibilidades gráficas resultantes desse procedimento, além de grande dose de criatividade,
embasaram Aloísio Magalhães na criação de sua obra mais original, os Cartemas, que são imagens formadas pela
rotação e repetição de um mesmo módulo-base, assim como no símbolo do 4º Centenário, gerando uma nova imagem,
uma outra paisagem visual.


O procedimento formal da tridimensionalidade aparece, ainda segundo análise de Chico Homem de Melo, nos trabalhos
de Aloísio Magalhães produzidos por volta da década de 70, embora desde a década de 60 ele já houvesse utilizado               [1]
esse recurso nos símbolos do Banco Mercantil de Pernambuco [1] e do Banco Comercial Brasul [2].


A atração de Aloísio pela tridimensionalidade revela-se, de modo decisivo, nos projetos dos sinais do Banespa, em 1969,
o do Sesquicentenário da Independência, em 1971 [3] e o do Banco Central do Brasil, em 1975 [4]. Essa atração
estende-se também ao seu trabalho artístico numa série de litogravuras posteriores aos Cartemas.                               [2]

Chico Homem de Melo relata que “ao longo da década de 1970, a televisão passa a exercer influência crescente
no cenário cultural do país.”30 As redes de televisão começam a constituir-se em cadeias em todo território nacional e,
aliado a esse crescimento, ocorrem mudanças irreversíveis na cultura visual. A televisão passa a ser o campo
                                                                                                                               [3]
da tridimensionalidade, da exploração do tempo e do movimento. Entretanto, só após a grande revolução
do computador e da Internet é que a TV dissemina-se como recurso de uma linguagem gráfica e artística.


Esse fato revela que, ao explorar o recurso da tridimensionalidade em seus projetos, tanto de design quanto artísticos,
Aloísio demonstrava, mais uma vez, a sua capacidade de antever e preparar o futuro. Ele antecipou, em 20 anos,
o recurso gráfico que só passou a ser explorado a partir da década de 80. Esse caráter antecipativo remete
às possibilidades de construção de uma nova visualidade, vislumbrada na elaboração desta pesquisa. A antecipação               [4]
em Aloísio se dava quando ele se propunha a investigar, dentro dos campos criativos, novos caminhos expressivos.
A proposta deste trabalho e da peça digital decorrente dele alinha-se com esse processo criativo.
                                                                                                                          30
                                                                                                                               MELO, Chico Homem de.
                                                                                                                               A herança do olhar: o design
A influência de Aloísio como designer e artista, ou melhor, como homem de aguçada sensibilidade, transcendeu                   de Aloísio Magalhães, p. 155.




                                                                                                                          53
“a maestria de seus sinais. Para uns, sua importância maior residiria na sistematização rigorosa dos procedimentos
                                          de emissão de mensagens visuais pelas empresas.”31 Sob esse aspecto, a sua obra tem o mérito de ter guiado
                                          as gerações seguintes rumo à construção de uma expressão visual particular do design brasileiro,
                                          imprimindo um caráter universal, buscando sempre os valores locais.


                                          Na arte, a contribuição de Aloísio Magalhães foi a de revelar o caráter unificador, aglutinador da mesma
                                          diante do fenômeno de massificação, sem perda da expressividade. Os Cartemas revelam isso.
                                          Inicialmente na utilização do cartão-postal, um produto da sociedade de consumo, transfigurado na composição
                                          da obra e, por fim, no jogo calidoscópico de imagens que não se esgotam, “prenhes de seu valor próprio.”32




31
     MELO, Chico Homem de.
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 156.

32
     HOUAISS, Antônio.
     A herança do olhar: o design
     de Aloísio Magalhães, p. 68.
                                     54
55




     Cartema. Série brasileira, 1972.
Cartema. Série barroca, 1973. Coleção Solange Magalhães.




56
57




     Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Cartema. Série brasileira, 1972.




58




           Cartema. Sem título, s.d.
59




     Cartema. Série preto e branco, 1977. Coleção Solange Magalhães.
Cartemas. Série preto e branco, s.d.




60
61
Uma História e uma Leitura
                             62
1
O Cartema é o “termo final de um processo de montagem”1. É uma série de cartões-postais fixados num suporte rígido          HOUAISS, Antônio.
                                                                                                                            A Herança do Olhar: o design
por meio de colagem e após um estudo prévio de combinações. O cartão-postal é a unidade mínima estrutural                   de Aloísio Magalhães, p. 69.
do Cartema, o módulo-base a partir do qual organiza-se a composição. Cartema2 foi o nome dado por Antônio Houaiss       2
                                                                                                                            Cartema: radical cart- (de cartão-
a esse segmento da obra de Aloísio Magalhães.                                                                               postal) + -ema ‘unidade mínima
                                                                                                                            estrutural’; palavra criada,
                                                                                                                            em 1974, por Antônio Houaiss
O cartão-postal, meio de correspondência de uso cômodo e fácil, comum em todo mundo e, no dizer de Aloisio                  (1915-1999), para designar
                                                                                                                            a criação artística de Aloísio
Magalhães, “tão importante que ficou banal”3, já era usado na China, desde século X, no envio de congratulações.            Magalhães (1927-1983).
                                                                                                                            Dicionário Eletrônico Houaiss
Entre os ocidentais essa prática é mais recente. Sabe-se do uso de cartões na região do Alto Reno, Europa central,          da Língua Portuguesa, 2001.
a partir de 14504. Porém, somente nas últimas décadas do século XIX esse meio de comunicação tornou-se comum.
                                                                                                                        3
                                                                                                                            Cf. MAGALHÃES, Aloísio.
Era um novo sistema, simples e de baixo custo, para as correspondências abertas5.                                           Jornal da Tarde. São Paulo.
                                                                                                                            19/3/1973 apud catálogo.

O desenvolvimento dos processos de impressão, ocorrido no final do século XIX e início do século XX,                    4
                                                                                                                            Cf. VASQUEZ, Pedro.
                                                                                                                            Cartão-postal: Contexto. 2003.
possibilitou a difusão e a massificação de mensagens visuais. Pela primeira vez na história, a imagem é “multiplicada
para o consumo da massa.”6 Gravuras e, sobretudo imagens produzidas por meio fotográfico, passaram a ser                5
                                                                                                                            BELCHIOR, Elisyo O.
                                                                                                                            História do cartão-postal.
veiculadas nos cartões-postais. No final da primeira década do século XX, toda a produção de cartões-postais
                                                                                                                        6
trazia uma face totalmente ocupada pela imagem7. O cartão-postal, originalmente um simples meio de correspondência          KOSSOY, Boris.
                                                                                                                            Realidades e ficções
escrita, ganha edições sofisticadas com a incorporação da imagem e tem seu uso redefinido. Além de ser um meio              na trama fotográfica, p. 63.
de correspondência, passou a ser, também, um meio de entretenimento e objeto de coleção.                                7
                                                                                                                            BERGER, Paulo.
                                                                                                                            História do cartão-postal ilustrado.




                                                                                                                        63
A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito de espaço. Através da imagem fotográfica impressa
                                        no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, do destinatário. Além de veículo da narrativa escrita,
                                        o cartão-postal passa a transmitir narrativas visuais, transforma-se numa janela de acesso a vários mundos.


                                        O cartão-postal deu materialidade a representações de outras realidades que antes eram transmitidas oralmente,
                                        escritas, ou através de ilustração. Em todo o mundo, milhões de cartões-postais passaram a circular com informações
                                        visuais, oferecendo ao seu destinatário aspectos das mais variadas culturas. Ao incorporar cartões-postais
                                        em seu discurso artístico, Aloísio revelou outras possibilidades de olhar e usar o cartão-postal.


                                        A intenção de pesquisar formalmente as possibilidades criativas decorrentes do uso de cartões-postais como
                                        matéria artística surgiu enquanto Aloísio Magalhães, autor do então padrão monetário nacional, acompanhava
                                        os testes de impressão das novas notas de cruzeiro, em 1970, na Holanda8. Ao observar esses testes, percebeu,
                                        na configuração formada pela repetição das notas, um tema potencialmente rico a ser desenvolvido. [1]


                                        O Cartema, de feitura simples e grande efeito visual, é fruto de alguns procedimentos formais como repetição, rotação
                                        e espelhamento da imagem, muito utilizados por Aloísio Magalhães em seus projetos, principalmente os de imagem
                                        corporativa, nas décadas de 60 e 70, como mostram as figuras [2] a [5].Observando-os , é fácil perceber que o mesmo
[1] Cédula de Um Cruzeiro, 1968.
                                        espírito construtor dos Cartemas já era manifesto em sua produção de design.




8
    Nessa ocasião,
    Aloísio Magalhães era consultor
    da Casa da Moeda e do
    Banco Central do Brasil.
    Leite, João de Souza.                                                                                    [4] 3º Centenário da Arquidiocese
                                             [2] Light, 1966.          [3] Centro Educacional Xerox, 1971.                                       [5] Banco Boa Vista, 1976.
    A Herança do Olhar: o design                                                                                  do Rio de Janeiro, 1976.
    de Aloísio Magalhães, p. 274.
                                   64
Sobre isso, a professora Ísis Braga comenta: “Ele já estivera pesquisando
formas que se estruturavam em repetições, ritmos, imagens espelhadas em
todos os sentidos, como na criação do símbolo do quarto centenário da
cidade do Rio de Janeiro.”9


Ambos os procedimentos formais utilizados nessa construção
concorreram na amplificação do conteúdo de significações desse símbolo.
Aqui destaca-se, em especial, o espelhamento, numa abordagem
feita por Chico Homem de Melo10:


“O símbolo do 4º Centenário (...) é o exemplo mais acabado desse recurso:
o designer espelha o numeral 4 em relação aos eixos vertical e horizontal,
gerando uma cruz de malta portuguesa rotacionada em 45°.
Na comemoração dos 400 anos da cidade, Aloísio resgata a imagem               Figura [6] Símbolo do 4º Centenário
                                                                              da Cidade do Rio de Janeiro, 1964.
estampada na bandeira de seus fundadores.”


O próprio Aloísio refere-se a esse símbolo como uma solução “dinâmica
                                                                              9
                                                                                  BRAGA, Isis Fernandes. Designe, Rio de Janeiro, 3: 57-62, out. 2001, p. 58.
e rica em sugestões, de significação latente11” e, noutro momento,
                                                                              10
“sendo um sinal claro e legível, estará potencialmente apto a impregnar-se,        MELO, Chico Homem de.
                                                                                   A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 150.
através do uso, da significação que representa.”12
                                                                              11
                                                                                   MAGALHÃES, Aloísio.
                                                                                   A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 172.
É importante notar que a construção desse símbolo pressupõe o numeral 4
                                                                              12
                                                                                   Catálogo da exposição:
como módulo gerador. Ele foi, através do espelhamento, multiplicado                Aloísio Magalhães e o desenho industrial no Brasil, MASP, 1983.
para compor a superunidade13, o próprio símbolo. Além disso, a imagem         13
                                                                                   Segundo Wucius Wong: “Se as unidades de forma, no processo de serem
ganhou mais significado com a estilização da cruz de malta portuguesa.             organizadas em um desenho, são agrupadas a fim de se tornar uma forma
                                                                                   maior, a qual é então utilizada em repetição, chamamos estas formas novas,
Num procedimento análogo, Aloísio realizou os Cartemas.
                                                                                   maiores, de ‘superunidades de forma’.”
                                                                                   WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho, p. 53.




                                                                                                                              65
A construção do Cartema é feita da repetição do módulo-base, o cartão-postal. Todos os seus elementos visuais são
                                             igualmente repetidos. A mera repetição do módulo-base poderia resultar em composições demasiadamente monótonas;
                                             no entanto, a associação de módulos-base rotacionados acrescenta-lhes ritmo e movimento.


                                             No Cartema, o recurso de espelhamento tem seu correspondente na rotação. A partir dela os cartões-postais
                                             são justapostos14, agrupando áreas de valores visuais equivalentes. Desse processo originam-se novas unidades formais
                                             que no todo resultam numa nova imagem, diferente daquela contida no cartão-postal. Nisso, o módulo-base
                                             não se perde, uma vez que pode ainda ser identificado, mas tem seu caráter individual completamente desfeito:
                                             ele é o gerador da estrutura que possibilita novas visualizações.


                                             Sendo o Cartema organizado a partir do recurso da repetição, há nele uma estrutura formal subjacente que orienta
                                             e dá o sentido de regularidade própria a sua construção. Segundo Wucius Wong, nesse “tipo de estrutura, a área toda
                                             do desenho (ou uma porção dele) é dividida em subdivisões estruturais de exatamente mesmo formato e tamanho,
                                             sem deixar lacunas espaciais estranhas entre elas. A estrutura de repetição é a mais simples de todas as estruturas.
                                             É particularmente útil na construção de padrões para recobrir toda uma superfície.”15
14
     “A justaposição exprime a
     interação de estímulos visuais,
     colocando, como faz, duas               A estrutura de repetição estabelece uma malha básica de linhas conceituais, invisíveis, horizontais e verticais, que
     sugestões lado a lado e ativando
     a comparação das relações que           dão suporte ao posicionamento e ao deslizamento do módulo-base. No Cartema, as linhas que formam a malha básica
     se estabelecem entre elas.”             são as mesmas que definem as margens dos cartões-postais.
     DONDIS, Donis A.
     Sintaxe da linguagem visual, p. 156.

15
                                             Continuando essa análise, apresentam-se a seguir três Cartemas com os seus respectivos módulos-base, malhas básicas
     Apesar de o texto se referir ao
      desenho, é adequado incluí-lo          e gráficos que mostram o posicionamento e a rotação dos módulos que os compõem. Como os cartões-postais
     neste ponto da análise.
     WONG, Wucius.
                                             não têm nominação própria, e os Cartemas foram nominados genericamente por séries, por exemplo
     Princípios de forma e desenho, p. 61.   a Série Preto e Branco, achou-se por bem nominá-los, neste trabalho, a título de facilitar as suas retomadas no texto.
16
     Cartão-postal a partir de
     imagem de Nova York,                    Assim, no módulo-base Um16 [7], a imagem apresenta-se em plano geral. Nessa perspectiva, a distância entre
     do fotógrafo americano
     Paul Strand, 1915.                      o observador e a cena é bastante acentuada, logo, detalhes não são percebidos nesse enquadramento.
                                        66
Sendo uma imagem em preto e branco, a percepção da forma se dá
fundamentalmente por intermédio da gradação tonal, do jogo claro-escuro.
É o contraste intenso que permite perceber as figuras humanas na parte
inferior da imagem.


O tema do cartão-postal em questão é o fragmento de uma rua em declive
com pessoas transitando. Nota-se, pelas sombras projetadas dessas pessoas,
que o sol está próximo à linha do horizonte. Essas sombras formam uma
textura de linhas inclinadas que se contrapõem aos elementos verticais
dessa composição.


Nessa imagem, destacam-se cinco unidades formais: a edificação ao fundo,
os elementos retangulares cinza-escuros da edificação, as pessoas,
as sombras e o próprio pavimento. Essas poucas unidades, por estarem
formalmente bem organizadas e bem definidas, facilitam a leitura do objeto.
Há, portanto, uma alta pregnância da forma17.


Da multiplicação do módulo-base Um resulta o Cartema Um18 [8].                17
                                                                                Lei básica da Percepção Visual da Gestalt, “uma boa pregnância pressupõe
                                                                              que a organização formal do objeto, no sentido psicológico, tenderá a ser
Seu movimento decorre do deslizamento vertical do módulo-base
                                                                              sempre a melhor possível do ponto de vista estrutural. Assim, para efeito
e da alternância entre linhas de postais não rotacionados e rotacionados,     deste sistema, pode-se afirmar e estabelecer o seguinte critério de qualificação
                                                                              ou julgamento organizacional da forma:
conforme observa-se na malha básica e no diagrama de posicionamento,
figuras [9] e [10], respectivamente.                                          1) Quanto melhor for a organização visual da forma do objeto [equilíbrio,
                                                                              clareza e harmonia], em termos de facilidade de compreensão e rapidez
                                                                              de leitura ou interpretação, maior será o seu grau de pregnância.
Diferente do módulo-base Um, a imagem gerada no Cartema Um possui
                                                                              2) Naturalmente, quanto pior ou mais confusa for a organização visual
um acentuado grau de complexidade. A justaposição dos postais originou        da forma do objeto, menor será o seu grau de pregnância.”
                                                                              GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto. p. 37.
novas unidades formais que, mesmo repetidas, convidam o observador a
percorrê-las.                                                                 18
                                                                                   Cartema. Série Preto e Branco, 1974.




                                                                                                                           67
[8] Cartema Um.
[7] módulo-base Um             [10] Cartema Um, diagrama de posicionamento




[9] Cartema Um, malha básica
Reconhecem-se essas unidades formais surgidas no Cartema Um por proximidade e semelhança, como apontado
                                         por Gomes Filho19:


                                         “Elementos ópticos próximos uns dos outros tendem a ser vistos juntos e, por conseguinte, a constituírem um todo
                                         ou unidades dentro de um todo. (...) Em condições iguais, os estímulos mais semelhantes entre si, seja por forma, cor,
                                         tamanho, peso, direção, e outros, terão maior tendência a serem agrupados, a constituírem partes ou unidades.
                                         Em condições iguais os estímulos originados por semelhança e em maior proximidade terão também maior tendência
                                         a serem agrupados, a constituírem unidades.”


                                         Assim, destacam-se no Cartema Um as seguintes unidades formais:
                                         - a textura de fundo formada pela repetição das imagens da edificação. Essa textura quadrangular pode, ainda,
                                          ser subdividida em outras unidades formais: ora as várias faixas transversais, ora as várias colunas, de acordo com
                                          as junções ópticas que se venha a fazer. Tanto faixas quanto colunas podem ser tomadas como unidades formais
19
     GOMES FILHO, João.                   isoladas. Desse modo, destaca-se o efeito calidoscópio comum aos Cartemas;
     Gestalt do objeto. p. 34-35.
                                         - os retângulos cinza-escuros da edificação;
20
     “A harmonia por ordem
     acontece quando se produz           - por fim, as faixas de fundo branco que cortam transversalmente o Cartema, formadas pelas imagens das pessoas,
     concordâncias e uniformidades
                                          de suas sombras e do pavimento.
     entre as unidades que compõem
     as partes do objeto ou o próprio
     objeto como um todo.”
     GOMES FILHO, João.                  Observa-se, nessa análise, que as cinco unidades formais, destacadas no módulo-base Um, foram reduzidas a três
     Gestalt do objeto. p. 52.           no Cartema Um. As faixas de fundo branco, citadas acima, formaram-se por imagens que antes, no módulo-base,
21
     “A obtenção de harmonia             constituíam unidades formais isoladas.
     por regularidade consiste
     basicamente em favorecer a
     uniformidade de elementos no        A textura de fundo dá ao Cartema Um o sentido de harmonia por ordem20 e por regularidade21, uma vez que
     desenvolvimento de uma ordem
     tal em que não se permitam
                                         suas unidades apresentam um padrão uniforme, sem conflitos formais entre os seus elementos.
     irregularidades, desvios ou
     desalinhos”.
     Ibid., p. 53.                       Porém, esse sentido de ordem e regularidade é rompido, em parte, pelas faixas de fundo branco.
                                    68
Apesar de serem, obviamente, uma repetição do módulo-base, seus elementos desordenados se confrontam
com a ordenação e a regularidade presentes na textura de fundo. No Cartema Um, a mera repetição do módulo-base
não assegura uniformidade à composição.


A tensão dirigida, ou sensação de movimento, é potencializada no Cartema Um. Observa-se que as linhas oblíquas
no módulo-base Um caracterizam a composição. Mas, a multiplicação do cartão-postal revela a direção oblíqua
como o recurso compositivo mais evidente. Apesar de as linhas verticais ficarem também evidenciadas,
devido ao contraste tonal, as faixas transversais se sobressaem. Do contraste entre as linhas verticais
e as oblíquas decorre o forte dinamismo dessa composição.


O Cartema Um apresenta unidades formais bem definidas e organizadas, mas exige uma leitura atenta,
devido à complexidade da imagem originada. Sendo assim, considera-se bom, nesse Cartema, o índice de pregnância
da forma.


A seguir, apresenta-se a análise do segundo Cartema.




                                                                                                                  69
O módulo-base Dois [11]; tem como tema é um trem inserido numa paisagem montanhosa. Esse trem,
                                             pelo enquadramento fotográfico, parece seguir de encontro ao observador. Isso dá à cena uma certa dramaticidade,
                                             que é acentuada pelas rochas situadas à esquerda, no primeiro plano da imagem. Os tons frios em volta do trem
                                             destacam as listras amarelas e o vermelho, sua cor predominante.


                                             No módulo-base Dois, isolam-se cinco unidades formais: as rochas, os trilhos, o trem, o terreno montanhoso e o céu.
                                             Por essas unidades serem facilmente percebidas e a compreensão da imagem ser imediata, nota-se a alta pregnância
                                             da forma.


                                             O Cartema Dois22 [12], derivado desse módulo-base, apresenta uma configuração decorrente do deslizamento
                                             e da rotação do módulo-base, conforme mostram as figuras [13] e [14], respectivamente. Esses posicionamentos
                                             determinaram, também, as unidades formais contidas nesse Cartema.


                                             No Cartema Dois cada unidade formal surgiu da associação, por proximidade e semelhança, das mesmas unidades
                                             já reconhecidas no módulo-base Dois, exceto o trem que, pelo afastamento de outras unidades pares,
                                             permaneceu constituindo unidades isoladas, como no módulo-base Dois. Essas unidades formais são:
                                             - as faixas transversais formadas pela junção das rochas;
                                             - as faixas horizontais formadas pelos segmentos de céu;
                                             - as faixas horizontais formadas pelos segmentos dos terrenos montanhosos;
                                             - os elementos formados pelas junções de trilhos e,
                                             - por fim, cada um dos trens.


                                             Observa-se, no Cartema Dois, como as linhas oblíquas proporcionam dinamismo à composição. A série de faixas
22
     Cartema. Sem título, s.d.               transversais é a mais evidente e, ao se confrontar com a série de faixas horizontais ao fundo, retira-lhe o caráter
     Museu de Arte Moderna
     de São Paulo.                           estático. A tensão no Cartema Dois provém da obliqüidade presente nas imagens dos trens em perspectiva.
23
                                             Essas linhas são o “impulso principal no sentido da percepção de profundidade”23 e, quando combinadas às linhas
     ARNHEIM, Rudolf.
     Arte e percepção visual, p. 418.        das imagens rotacionadas, criam a sensação de movimento de vaivém.
                                        70
[12] Cartema Dois.
[11] módulo-base Dois             [14] Cartema Dois, diagrama de posicionamento




[13] Cartema Dois, malha básica




                                                              71
Percebe-se, na repetição de todas as unidades formais do Cartema Dois, o sentido de harmonia por ordem
e regularidade. Destacam-se os pontos formados pela imagem do trem. Neles, observa-se o contraste de movimento.
Essa organização visual deriva do alinhamento perfeito entre os trens direcionados para a direita e os direcionados
para a esquerda.


A complexidade das relações descritas acima evidencia a sofisticada organização formal do Cartema Dois.
Apesar de demandar mais tempo de leitura que seu módulo-base, o Cartema Dois possui, também, um bom nível
de pregnância da forma.
Por fim, analisa-se o Cartema Três24 [15]. Diferente de toda sua produção, Aloísio Magalhães utilizou 3 cartões-postais
                                          na composição deste Cartema, sendo um deles, o módulo-base Três A [16], recortado no sentido da altura e da largura
                                          e multiplicado. Esses postais são registros fotográficos de imagens sacras do barroco mineiro. Como tal, apresentam
                                          uma profusão de unidades formais, uso de volutas e simetrias, conforme nota-se nos módulos-base Três B e Três C,
                                          figuras [17] e [18], respectivamente.


                                          No módulo-base Três A vê-se um anjo de altar. O forte contraste claro-escuro oculta algumas áreas dessa imagem,
                                          dificultando sua identificação total, no entanto, a uniformidade do fundo revela a silhueta da imagem, auxiliando
                                          em sua leitura. A pregnância formal da composição é média, em função dessas áreas de difícil reconhecimento.


                                          No módulo-base Três B, há um altar ricamente ornado com a imagem de uma santa ao centro.
                                          No todo, é uma imagem complexa, de leitura demorada, pois possui várias unidades formais, contudo,
                                          o uso da simetria facilita a leitura. A pouca tensão dessa imagem deve-se à escolha do enquadramento fotográfico.
                                          Nessa escolha, as linhas oblíquas da perspectiva convergem para o centro do quadro, reforçando a simetria e,
                                          conseqüentemente, diminuindo o caráter dinâmico. A leitura visual do módulo-base Três B é clara, apesar do tempo
                                          exigido em sua apreensão. Sendo assim, considera-se média a pregnância da forma nessa imagem.


                                          No módulo-base Três C, vê-se a reprodução da pintura do teto de uma igreja. Como na análise anterior,
                                          essa imagem possui, também, várias unidades formais, uso de volutas e simetrias. Trata-se de um painel com diversas
                                          cenas, necessitando de muito tempo de leitura; conseqüentemente, apresenta um índice médio de pregnância da forma.


                                          A profusão de unidades formais apontada nos módulos-base, especificamente nos módulos-base Três B e Três C,
                                          cria, no Cartema Três, campos de texturas que podem ser considerados constitutivos de unidades formais.


                                          A seguir destacam-se as unidades formais surgidas no Cartema Três:
                                          - o fundo azul do módulo-base Três A que compõe a primeira cercania desse Cartema;
24
     Cartema. Série barroca, 1974.        - cada fragmento da imagem do anjo – destacam-se, ainda, outros elementos dessa imagem, por exemplo,
                                     72
[15] Cartema Três.
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Cartemas digitais: Aloísio Magalhães e a hipermídia

  • 1. 1
  • 2. 3
  • 3. Este estudo relaciona os Cartemas, produção artística de Aloísio Magalhães, com a hipermídia, e, inspirado no modus operandi de Aloísio, levanta possibilidades de criação de obras digitais, que subvertem a sua proposta original, atualizando-as a partir das potencialidades do meio eletrônico. Os Cartemas representam o intercâmbio entre arte e design; neles observam-se, também, procedimentos formais como espelhamento, rotação e modulação, comuns nos trabalhos de Aloísio nessas duas áreas. Para tratar dessas relações, fez-se necessário dissertar sobre Aloísio Magalhães, biografia e obra; sobre o Cartema, características e sintaxe; sobre a apropriação, instância primeira na feitura dos Cartemas, por fazer uso de cartões- postais como matéria-prima; e, ainda, sobre a hipermídia, definições, interface, manipulação de dados numéricos e o conceito de tempo real. Esse último, nesta pesquisa, mostrou-se como o grande paradigma da mídia digital, da Internet e da net art, contexto em que se insere o site 011000, peça digital decorrente deste estudo. O cartão-postal, segundo Boris Kossoy, é um objeto que sempre propiciou a possibilidade imaginária de viajar para qualquer parte do mundo sem sair de casa. No site 011000, o cartão-postal é associado às possibilidades que a mídia digital e a Internet oferecem, de conhecer um local em tempo real por imagens, sonoridades ou textos, através de webcams, rádios e jornais on-line respectivamente. 011000 é uma obra de net art cujas composições renovam-se constantemente por se darem em tempo real. Além disso, a obra somente se realiza mediante a ação do interator. 7
  • 4. This study establishes a relationship between Cartemas, an artistic production by Aloísio Magalhães, and hypermedia, and, inspired in Aloísio’s modus operandi, it raises opportunities for the creation of digital works, which surpass his original proposal, updating them through the possibilities of electronic medium. Cartemas represent the exchange between art and design. Formal procedures such as mirroring, rotation and modulation, common in Aloísio’s work in these two areas, can also be observed in Cartemas. To deal with these relationships, it became essential to talk about Aloísio Magalhães, his biography and work; about Cartemas, their characteristics and syntax; about appropriation, first action in the making of Cartemas, for having used postcards as raw material; and, still, about hypermedia, definitions, interface, numeric data manipulation and the concept of real time. The last one features in this research as the great paradigm of digital media, Internet and net arts, context in which is included the site 011000, a digital piece resulting from this study. The postcard, according to Boris Kossoy, is an object that has always fostered the imaginary opportunity of travelling anywhere in the world without leaving home. On site 011000, the postcard is associated to the possibilities offered by digital media and the Internet, of getting to visit a place in real time via images, sounds or texts, through webcams, online radio and news. 011000 is a net art work on which compositions are continuously updated as they happen in real time. Furthermore, the work only happens through the interactor’s action. * (Cartema is a neologism representing collage graphical experiments using postcards) 9
  • 5. 011000 Uma Introdução .............................................................................. 12 Uma Biografia A Construção do Homem ................................................................................ 18 O Designer ...................................................................................................... 30 Considerações sobre a Obra e o Legado ......................................................... 50 O Cartema Uma História e uma Leitura ............................................................................ 62 Apropriação ..................................................................................................... 76 Hipermídia Características da Linguagem Hipermidiática .................................................. 84 Imagens, Textos e Sons Eletrônicos ................................................................. 88 Perspectiva do espaço x Perspectiva do tempo real ......................................... 92 Mídia Arte ....................................................................................................... 96 Experimentações 011000 Cartemas Digitais ............................................................................. 106 Considerações finais Possibilidades Criativas entre os Cartemas e a Hipermídia ............................ 118 www.etceterart.net/011000 Uma Peça Digital ............................................................................................ 122 Bibliografia ............................................................................................................ 136 1
  • 6. 12
  • 7. Aloísio Magalhães foi, numa ordem cronológica e simplificada, artista, designer e mentor da política cultural do Brasil. Entretanto, sob um olhar mais atento, torna-se difícil precisar com clareza os limites dessas três atividades em sua trajetória. Isso porque era da natureza de Aloísio Magalhães lançar um múltiplo olhar sobre os assuntos e nunca se fixar em um único ponto de reflexão. Foi incansável na busca por um modo de existir somando todas as experiências no que acreditava ser um “processo aberto e flexível, de constante realimentação”.1 Como conseqüência natural dessa particularidade, Aloísio transitava livre, com segurança, pelos diversos territórios criativos. Aloísio Magalhães afirmava que “uma cultura é avaliada no tempo e se insere no processo histórico não só pela diversidade dos elementos que a constituem, ou pela qualidade das representações que dela emergem, mas sobretudo por sua continuidade.”2 Essa continuidade que comporta modificações e alterações é o que garante a sua sobrevivência. Do mesmo modo, Aloísio construiu o seu percurso sem relegar o passado, entendeu a realidade visando garantir uma ação futura consistente. Aloísio é reconhecidamente um dos personagens principais da história do design e da cultura brasileira. 1 MAGALHÃES, Aloísio. Foi também um grande artista e aí encontra-se a sua qualidade primordial: a valorização da visualidade. A herança do olhar: o design Em todas as suas atividades Aloísio alinhava-se com essa particularidade. Embora o seu maior reconhecimento de Aloísio Magalhães, p. 11. tenha acontecido no campo do design, “era o pintor, o que trabalha, com as mãos, o designer também, 2 Ibid. 13
  • 8. que movia a outra ponta do nervo que termina no cérebro.”3 Mesmo quando atuou na esfera pública, era um artista também, o homem de visão abrangente, inconformado com a precariedade com que se tratavam as questões culturais do país. Quando escolheu trilhar o caminho do design e afirmou que não acreditava mais na arte como produção individual, Aloísio queria dar à sua obra a dimensão perdida pela pintura da época e, em favor da humanidade, o seu maior legado: a sensibilização da coletividade. Este é o aspecto de sua obra sobre o qual norteou-se este trabalho: o entrelaçamento da arte com o design e o uso da tecnologia como elemento constitutivo de poéticas visuais. 3 CLÁUDIO, José. O Cartema, a obra mais original de Aloísio Magalhães, representa o intercâmbio entre estes dois campos, arte e A herança do olhar: o design design. Gerou grande interesse à época de sua criação. A utilização do cartão-postal como unidade de composição de Aloísio Magalhães, p. 38. da obra de arte estava conceitualmente inserida no contexto artístico da época que já, desde os anos 60, 4 “Webcam é uma câmera de vídeo acoplada a um computador ligado trazia objetos do cotidiano para dentro do discurso artístico. na internet. O micro usa essa câmera para tirar fotos em um determinado intervalo de tempo e carrega essas A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito do espaço e, através da imagem fotográfica imagens para um site para que elas sejam vistas por qualquer internauta. impressa no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, transformando o cartão-postal numa janela Algumas webcams atualizam as imagens a cada segundo. Outras de acesso a vários mundos. O cartão-postal é inserido no jogo de composição do Cartema. câmeras, a cada minuto. Há as em Nele, o recorte de realidade só existe quando se percebe o módulo-base da composição no todo do Cartema. tempo real. Essa frequência depende da velocidade de conexão.” Essa realidade forma outras realidades abstratas num puro jogo de imagens. ZILVETI, Marijô (22/05/04) Preço acessível faz webcam se popularizar entre internautas Rudolf Arheim aponta que toda experiência visual está inserida num contexto de espaço e tempo. http://www.netmarkt.com.br/ Seguindo esse preceito, este estudo propõe continuar o jogo de imagens utilizando, não mais o cartão-postal, noticia2003/668.html mas o que elegeu-se como seu correspondente no ambiente digital, os três módulos-base: imagens de webcams4, 5 Jornal on-line: a presença de trabalho jornalístico em sites da jornais e rádios on-line5. Eles entrarão no jogo de composição em que, ora as imagens das webcams internet atualizados constantemente. Rádio on-line: rádio executada em serão manipuladas, coladas, ora as letras dos jornais serão espelhadas, rotacionadas, sobrepostas, tempo real enquanto o computador formando composições inspiradas nos Cartemas de Aloísio Magalhães. estiver conectado a um outro computador ou rede. 14
  • 9. Esta pesquisa inspirou-se também numa frase de Aloíso que diz: “no processo de evolução de uma cultura, nada existe propriamente de ‘novo’. O ‘novo’ é apenas uma forma transformada do passado, enriquecida na continuidade do processo, ou novamente revelada, de um repertório latente. Na verdade, os elementos são sempre os mesmos: apenas a visão pode ser enriquecida por novas incidências de luz nas diversas faces do mesmo cristal.”6 Esta pesquisa evolui segundo as ações de Aloísio Magalhães: parte de um dado do passado, um elemento rico e estabelecido, compreende o contexto atual da produção em arte e design, e propõe um novo olhar sobre a matéria criativa. O primeiro capítulo, uma biografia de Aloísio Magalhães, conta a formação e o processo transitório do artista plástico, em designer e, posteriormente, mentor cultural, relacionando a sua produção e delineando o intercambiamento das áreas em que atuou de modo emblemático. O segundo capítulo apresenta uma sintaxe do Cartema e uma análise de três obras a partir do Sistema de Leitura Visual da Forma de Gomes Filho. Em seguida, aborda-se o tema da apropriação na arte como um dos motes conceituais que permeiam esta pesquisa, tanto pela utilização dos cartões-postais por Aloísio Magalhães, na feitura dos Cartemas, como pela apropriação de webcams, jornais e rádios on-line na peça digital que faz parte deste trabalho. O terceiro capítulo insere questões sobre hipermídia, dentro do que a própria transposição dos princípios formais do Cartema, para o ambiente hipermidiático, inspirou a pesquisa, ou seja, interface, manipulação de dados numéricos, tempo real, mídia arte. Esse capítulo inicia-se com uma breve definição das características da hipermídia, sua evolução desde as primeiras noções de hipertexto até as questões de interface. Trata-se também dos conceitos das imagens, sons e textos baseados em códigos binários, e, portanto, passíveis de total interação, e as mudanças ocorridas no contexto dos meios pré-informáticos à era pós-fotográfica. É também importante conceituar o tempo real, que no processo de pesquisa se mostrou como o grande paradigma 6 da mídia digital e da Internet. Para isso, fez-se um contraponto da relação espaço e tempo dentro das novas MAGALHÃES, Aloísio. A herança do olhar: o design perspectivas da tecnologia eletrônica, e, por fim, realizou uma abordagem de obras de mídia arte para ilustrar de Aloísio Magalhães, p. 11. 15
  • 10. os tipos de pesquisas que se tornaram possíveis graças à relação híbrida entre arte e tecnologia, e como a arte faz uso dos meios para transgredi-lo e transformá-lo numa ferramenta criativa. No decorrer do processo de pesquisa, surgiu a oportunidade de ver, na prática, durante um workshop no evento Faces do Design, ocorrido em outubro de 2003, ministrado pelo grupo, como seria a transposição dos princípios formais do Cartema para o ambiente digital, substituindo o cartão-postal por imagens de webcams capturadas no fluxo da rede, gerando Cartemas digitais. Essa importante experiência é relatada no capítulo 4, Experimentações, e deu à equipe elementos substanciais para a continuidade do projeto. Por fim, o quinto capítulo apresenta as considerações e avaliações do grupo, a partir das relações estabelecidas entre o Cartema e o ambiente hipermidiático. Toda a pesquisa foi o respaldo teórico necessário para a elaboração e produção da peça digital que acompanha esta monografia. A peça é uma experiência estética interativa que faz uso da apropriação de imagens de webcams, sons e textos de jornais e rádios on-line, e as suas potencialidades transgressivas na criação de composições artísticas, interativas e em constante metamorfose. 16
  • 11. A Construção do Homem 18
  • 12. Aloísio Magalhães nasceu no Recife, em 5 de novembro de 1927. Sua família descende de imigrantes portugueses que se instalaram no sertão de Pernambuco ainda no século XVIII. Cresceu rodeado de figuras importantes, políticos e intelectuais da época. Era sobrinho de Agamenon Magalhães, eleito duas vezes deputado federal, ministro do presidente Getúlio Vargas, governador do Estado de Pernambuco e um dos fundadores do Partido Social Democrático (PSD) no estado. Foi com ele que Aloísio aprendeu a arte da conciliação. Do pai, Ageu Magalhães, professor e médico respeitado, influente na sociedade pernambucana, herdou a racionalidade intelectual. Sua mãe, Dona Henriqueta ensinou-lhe o convívio e “a prática social, os hábitos refinados, o prazer pelos sabores”1 e, principalmente, o valor e o atendimento aos sentidos. Assim, em uma família de vida social intensa, por onde transitavam pessoas ilustres como o sociólogo Gilberto Freire e o poeta pernambucano Ascenso Ferreira, e onde se destacava a sobriedade, a tradição Aloísio Magalhães aos 8 anos de idade. e a constituição sertaneja abastada, sempre próxima do exercício do poder político, cresceu e se desenvolveu o menino Aloísio. Desde cedo Aloísio Magalhães revelou-se inclinado para as artes. Em 1946, quando ingressou na Faculdade 1 LEITE, João de Souza. de Direito do Recife, àquela época reduto de formação humanista e sinônimo de projeção política e intelectual, A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 26. “já era apontado como uma das melhores promessas da nova geração de artistas plásticos de Pernambuco.”2 Aloísio 2 logo juntou-se ao grupo de Teatro do Estudante de Pernambuco, o TEP, um movimento que foi responsável pela MELO, José Laurênio de. A herança do olhar: o design renovação da vida cultural e das artes cênicas no nordeste. Ele incumbiu-se da direção de Aloísio Magalhães, p. 29. 19
  • 13. Aloísio encena, no quintal de sua casa, do Departamento de Bonecos e assumiu o cargo de cenógrafo oficial do grupo. a peça de Garcia Lorca, Os Amores Mais tarde, em 1950, ano em que terminou o curso de direito, Aloísio participou de Dom Perlimplim com Beliza em seu Jardim, de outra atividade do TEP: a edição de livros cujos autores, José Laurênio de em 1947. Melo, Gastão de Holanda e Hermilo Borba Filho, eram, além de integrantes do grupo, os mentores intelectuais daquele movimento. Durante o período de sua formação na Faculdade de Direito, a produção artística de Aloísio Magalhães foi grande, tendo participado de pequenas exposições, individuais e coletivas, ao lado de talentos promissores como Reynaldo Fonseca e Francisco Brennand. Mas pouco foi preservado de sua obra desse período. Com o fim do curso e a dispersão do TEP, Aloísio inicia uma nova fase. Em 1951, recebeu uma bolsa do governo francês e foi estudar museologia no Museu do Louvre, em Paris. Passou a freqüentar, também, o Atelier 17, famoso centro europeu de gravura, dirigido por Stanley William Hayter, apontado por críticos como um dos responsáveis pela “reabilitação das técnicas de gravura no século 20”.3 Juan Miró, Hans Arp e Yves Tanguy figuram entre os freqüentadores do atelier nesse período. Ao retornar ao Recife, em 1953, Aloísio logo fez uma exposição de suas pinturas e em seguida participou da 2ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. Tem início uma seqüência de exposições em Salvador e no Rio de Janeiro. O grupo do Teatro de Estudantes de Pernambuco, na Faculdade de Direito: Em 1954, Aloísio Magalhães participou da fundação d’O Gráfico Amador Aloísio à esquerda, com Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, Hermilo Borba Filho, Joel Pontes, Fernando da Rocha Cavalcanti e José Laurênio de Melo. no Recife, um atelier/ editora em conjunto com Gastão de Holanda, José Laurênio de Melo, esses dois membros do antigo TEP, 3 LEITE, João de Souza. e Orlando da Costa Ferreira. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 35. 20
  • 14. Muitos outros intelectuais da época participaram das ações d’O Gráfico Amador. O designer Guilherme Cunha Lima, professor da Esdi - Escola Superior de Desenho Industrial, e estudioso sobre o assunto, atribui a’O Gráfico Amador a origem da moderna tipografia brasileira e aponta o fato de que nesse movimento Aloísio Magalhães já dava sinais claros de sua veia projetual. Símbolo d’O Gráfico Amador. N’O Gráfico Amador, Aloísio empregou todo o seu conhecimento, as diversas técnicas de gravura aprendidas na Europa e explorou sua visualidade em trabalhos gráficos de repercussão internacional. A finalidade do grupo era editar, exclusivamente, os textos literários dos seus participantes, mas acabaram publicando obras de outros autores. A situação real era que em Pernambuco não havia editoras e editar livros em São Paulo ou Rio de Janeiro demandava tempo e muito dinheiro, a solução foi, eles mesmos, editarem suas próprias obras. O poeta João Cabral de Melo Neto, primo de Aloísio Magalhães, já havia realizado esse tipo de trabalho quando morava em Barcelona, por ocasião de suas atividades diplomáticas como cônsul do Brasil. Ele editou e publicou sozinho, diversos livros seus e de outros autores brasileiros. Sua experiência como tipógrafo foi de grande importância para as atividades iniciais do grupo. Durante 8 anos O Gráfico Amador editou, primorosamente, “vinte e sete livros, três volantes, dois boletins e um programa de teatro”.4 O Gráfico Amador foi um movimento que entrelaçou a “literatura com as artes plásticas e com o design”5; expressava os sentimentos vigentes na época. Aqueles eram tempos de mudança no panorama político-econômico brasileiro, e havia um movimento generalizado que visava colocar o Brasil definitivamente no mundo moderno. Aloísio em seu atelier no Recife. O pensamento e a ação d’O Gráfico Amador refletiam os anseios de uma transformação cultural maior 4 e mais profunda. LIMA, Guilherme Cunha. O gráfico amador: as origens da moderna tipografia brasileira, p. 113. 5 Ibid., p. 18. 21
  • 15. Improvisação Gráfica. Folhas soltas, encadernadas em pasta de tecido, impressas em diferentes técnicas. 22
  • 16. Aniki Bobó. Design de Aloísio Magalhães e texto de João Cabral de Melo Neto. Impresso em tipografia e clichê de barbante. Os desenhos foram feitos antes do texto. Por essa razão, consta no colofão ”ilustrado com texto de João Cabral” 23
  • 17. Paralelamente as atividades n’O Gráfico Amador, Aloísio continua sua produção artística. Participa da 3ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo e do Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em 1956, realiza outra exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nesse mesmo ano, consegue, novamente, bolsa para estudar fora do país; dessa vez, nos Estados Unidos. Ele realiza diversas exposições no território americano: a primeira foi em Washington, na Pan-American Union. Em seguida, expõe na Roland de Aenlle Gallery, galeria interessada pela arte moderna latino-americana, em Nova York. Em 1957, o Museum of Modern Art (MoMA) em Nova York adquire um dos seus quadros, Paisagem, para o seu acervo permanente. Foi a partir dessa viagem aos Estados Unidos que Aloísio Magalhães, no processo particular de continuidade, conduziu sua transformação de artista para designer. O contato com Eugene Feldman, artista gráfico, diretor do Departamento de Design Tipográfico da Philadelphia Museum School of Art e diretor da The Falcon Press, uma gráfica comercial que funcionava como laboratório gráfico à noite, foi fator decisivo nessa transformação. O pensamento peculiar de Aloísio sobre arte e design lhe valeu um convite para dar aulas em um curso de design no Philadelphia Museum School of Art. Esse fato aproximou-o ainda mais do trabalho gráfico de Eugene Feldman. Aquele era o “momento de consolidação da cultura da identidade corporativa, (…) Aloísio não poderia deixar de ter contato e de refletir sobre as idéias do design racionalista.”6 Diante desse quadro de profundas mudanças, Aloísio adere à linguagem formal do estilo internacional e o design se revela para ele como “a integração das possibilidades do artista ao cenário da contemporaneidade.”7 6 MELO, Chico Homem de. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 152. 7 LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 83. Aloísio Magalhães e Eugene Feldman 8 Ibid. no ambiente de trabalho da The Falcon Press. 24
  • 18. As novas tecnologias de impressão revelaram-se para Aloísio como a possibilidade de geração de uma nova experiência visual. Com elas, descobre uma outra organização do tempo na produção da sua obra. É o deslocamento do pintor rumo a um novo enfoque do seu objeto de criação artística8 que se constitui em uma atitude projetual. Da parceria com Eugene Feldman surgiram duas publicações notáveis do design editorial: Doorway to Portuguese e Doorway to Brasília. Doorway to Portuguese Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, impressão em offset. The Falcon Press, Filadélfia, 1957. 25
  • 19. Doorway to Brasília Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, impressão em offset. The Falcon Press, Filadélfia, 1957. 26
  • 20. Após a experiência na The Falcon Press e com o fim d‘O Gráfico Amador, em 1961, em plena crise institucional do país com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, Aloísio Magalhães inicia sua atividade como designer e transfere-se definitivamente para o Rio de Janeiro. 27
  • 21. A primeira formação do seu escritório foi com Artur Lício Pontual, arquiteto recifense, e Luiz Fernando Noronha; chamava-se Magalhães + Noronha + Pontual, MNP, e atendia a uma demanda variada de projetos de arquitetura, exposições, símbolos, logotipos, etc. Em 1962, a MNP passou a se chamar AM PVDI - Aloísio Magalhães Programação Visual e Desenho Industrial (o termo design não era utilizado na época). Agora com um só líder e totalmente voltado para a realização de projetos de design, em poucos anos a AM PVDI tornou-se o mais importante escritório de design do país. Nesse período, Aloísio ainda pintava. Em 1961 realiza o que se considera sua última exposição individual como pintor e participa também da 6ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. A partir daí, dedica-se integralmente ao design. 28
  • 22. Gilvan Samico no escritório. Calendário Shell, projetado em 1960. No sentido horário: Eleonore Koch, (?), Aloísio Magalhães, Luiz Fernando Noronha, Gilvan Samico e Artur Lúcio Pontual à mesa, para o almoço. Entrando na cozinha, a cozinheira Carmélia. 29
  • 24. No decorrer dos anos, a movimentação no escritório de Aloísio Magalhães foi intensa. Por lá passaram muitos artistas como o cineasta Fernando Cony Campos, o gravador Gilvan Samico, o artista plástico e artista gráfico Gustavo Goebel Weyne, o designer e professor Orlando Luiz de Souza Costa, o designer Rogério Duarte, entre outros, e muito foi feito. A seguir, um resumo da intensa produção da AM PVDI, cujo valor é de suma importância na formação da história do design no Brasil. Em 1964, Aloísio ganha o concurso para a criação do símbolo do 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro. Esse é o seu primeiro trabalho como designer que teve enorme repercussão. O símbolo foi “espontaneamente reproduzido pela população nos contextos mais variados da cidade.”9 Max Bense, filósofo alemão, estudioso dos fenômenos estéticos e semiológicos, e também professor, nos primeiros anos da Esdi - Escola Superior de Desenho Industrial, publicou um extenso estudo sobre esse acontecimento em seu livro Brasilianische Intelligenz. Acima: Em seguida, a AM PVDI desenvolve o símbolo para a Fundação Bienal de São Paulo, Banco Aliança, Light S.A., Aloísio trabalhando no escritório MNP. Capa do livro do teórico Max Bense Vale do Rio Doce e muitos outros. Em 1966, ganha o importante concurso para desenhar o novo padrão monetário sobre a estética no Brasil do Brasil. A partir daí, por seu excelente trabalho, Aloísio torna-se consultor da Casa da Moeda e do Banco Central do Brasil. Em 1968, participa da 1ª Bienal Internacional de Desenho Industrial, instalada no Museu de Arte Moderna – MAM do Rio de Janeiro. 9 LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design Em 1970, outro grande feito: a PVDI desenvolve o “primeiro grande projeto de design institucional no país para a de Aloísio Magalhães, p. 274. PETROBRAS.”10 A complexidade do projeto abrange, desde a criação do símbolo, a elaboração de todas as embalagens 10 Ibid. 31
  • 25. Símbolo do 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro. Exemplos da apropriação popular desse símbolo. 32
  • 26. Kei Engenharia Programa de identidade visual COMGAS. Universidade de Brasília Banco Moreira Salles, atual Unibanco Embalagem desenvolvida para a Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar. Símbolo Itaipu. Construtora Cimbra 33
  • 27. dos produtos, até os elementos de identificação dos postos de distribuição e os seus equipamentos próprios, como a bomba de gasolina. A PVDI construiu um extenso e rico portfolio de projetos de design. Além de toda essa produção, Aloísio Magalhães também envolvia-se cada vez mais com questões específicas do ensino de design no país. Em 1962, participou, como professor, de um curso de experimentação tipográfica no MAM do Rio de Janeiro, juntamente com Alexandre Wollner.11 Era intenção da direção do MAM-RJ, na pessoa de Carmem Portinho, instalar uma escola com cursos de desenho industrial, fotografia e gráfica. Apesar de defender a implantação do curso, seguindo os moldes internacionais da Escola de Ulm, Aloísio alertava para a necessidade de fundamentar e estabelecer diretrizes próprias em função das características particulares da indústria brasileira. Projeto de identidade visual PETROBRAS. A Esdi foi oficializada pelo Ministério da Educação e Cultura em 1962, mas só iniciou suas atividades a partir de 1963. Além de Aloísio Magalhães, participaram da sua implantação nomes importantes da época como Alexandre Wollner, Karl Heinz Bergmiller, Flávio de Aquino, o secretário da Educação Flexa Ribeiro e muitos outros. A Esdi é um capítulo à parte da história do design no Brasil, mas vale salientar que a sua estrutura, embora baseada na escola de Ulm, que por sua vez 11 Cf. LEITE, João de Souza. baseava-se no modelo da Bauhaus, foi respaldada pelas aspirações da época, A herança do olhar: o design que estavam fortemente vinculadas ao movimento concretista e à arquitetura de Aloísio Magalhães, p. 273. moderna, engrossando “o caldo do que era então chamado de vocação construtiva 12 LESSA, Washington Dias. brasileira,”12 cujo conceito de reconstrução do país, através de princípios racionais A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 147. vividos na Alemanha no período pós-guerra, corroborava com o desejo 34
  • 28. de construção da modernidade13 tão almejada. Aloísio inicialmente se divide entre os trabalhos em seu escritório e as aulas na Esdi. Com o passar dos anos, a escola distancia-se dos primeiros ideais e em 1968 interrompe as aulas iniciando “um processo de redefinição de suas direções e inserção na sociedade.”14 É feita uma nova proposta curricular mais adequada à realidade brasileira. O Brasil vive, para o desespero de alguns, o modo tropicalista, a antropofagia. A 1ª Bienal de Desenho Industrial do Brasil, da qual Aloísio participou, esforça-se em expor a consciência de ser designer no Brasil. Mas o “refluxo cultural e político pós-AI 5 esvazia esta discussão; permanece, no seu vácuo, o referencial ulmaniano como substância técnica.”15 O início da década de 70 marca um recuo na ideologia desenvolvimentista, na qual a ampliação do consumo pela população era a redenção. A indústria volta-se à exportação e as referências conceituais do design perdem a força. É nesse contexto político e econômico, e ainda gozando do grande prestígio do projeto das cédulas brasileiras, que Aloísio desenvolve o projeto da PETROBRAS. Aloísio retorna ao campo editorial quando publica, em 1971, mais um livro experimental: 1/8/16, A Informação Esquartejada, em que utiliza-se de folhas impressas de outdoor, fragmentando-as, para dar uma nova escala de leitura à imagem. É interessante observar que, mesmo influenciado pelos movimentos construtivistas, de linguagem 13 Cf. LESSA, Washington Dias. A herança do olhar: o design geométrica e pelos rigores técnicos exigidos pela profissão, os trabalhos em design de Aloísio Magalhães “exalavam de Aloísio Magalhães, p. 147. o frescor gráfico típico de quem não desprezava as livres associações da forma e de seus imperativos plásticos.”16 14 Ibid., p.148. As palavras do pintor e amigo José Cláudio reforçam essa afirmação: “Em primeiro lugar é preciso resgatar 15 LESSA, Washington Dias. o Aloísio pintor antes que generalize ainda mais a concepção de que não o era, deixou de ser, ou isso era coisa A herança do olhar: o design de pouca importância na sua vida – quando de fato o ser pintor era nele a espinha dorsal e até, aumentando a imagem de Aloísio Magalhães, p. 148. se quisermos, os pés e as mãos, o coração e a cabeça.”17 Aloísio Magalhães ampliou a concepção do gráfico. 16 ESCOREL, Ana Luiza. Uniu arte e design sem resistir às possibilidades de ter no design gráfico, a construção de uma nova linguagem, O efeito multiplicador do design, p. 115. uma nova forma de expressão; essa nova expressão surge sob a forma de Cartema. A palavra Cartema foi criada 17 por Antônio Houaiss para designar o que até então não existia em termos de arte: imagens multiplicadas CLÁUDIO, José. A herança do olhar: o design a partir de cartões-postais. de Aloísio Magalhães, p. 38. 35
  • 29. Cartema. Sem título, s.d. 36 Cartema. Sem título, s.d.
  • 30. 37 Cartema. Série Brasileira, 1972.
  • 31. Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo. 38
  • 32. 39 Cartema. Sem título, s.d.
  • 33. Cartema. Sem título, s.d. 40 Cartema. Sem título, s.d.
  • 34. 41 Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
  • 35. Cartemas. Série Preto e branco, s. d. 42
  • 36. 43
  • 37. Cartemas. Série Preto e branco, s. d. 44
  • 38. 45
  • 39. A primeira exposição dos Cartemas aconteceu em 1972, no MAM do Rio de Janeiro. A exposição também foi montada, naquele mesmo ano, em Recife, no Museu do Açúcar e em Belo Horizonte, na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. As exposições se seguiram pelo Brasil e pelo exterior. Os Cartemas tiveram grande repercussão, sendo notícia e assunto em diversos jornais e revistas de circulação nacional e internacional. Era um trabalho inusitado que criava texturas visuais de grande beleza e impacto a partir de um objeto banalizado, o cartão-postal. Sem parar de produzir em seu escritório, 1974 é o ano em que Aloísio desenvolve sistemas de identidade visual para grandes empresas nacionais, privadas e estatais como Banco Central do Brasil, Caixa Econômica Federal, Furnas Centrais Elétricas, Banco Nacional, Companhia de Gás de São Paulo, Companhia Souza Cruz, entre outras. Mesmo com o sucesso da AM PVDI, das exposições freqüentes, das novas incursões no campo editorial, desta vez com A Topografic Analysis of Printed Surface, Aloísio Magalhães encontrava-se descontente com a situação da cultura no país, com o descaso com que essa questão, para ele vital, era tratada. O seu ofício de designer, através das intensas pesquisas que realizava, o envolvimento natural com as manifestações do seu povo, colocaram-no em contato maior com essa realidade. Assim, o cidadão-designer, determinado a “devolver à nação os privilégios, que tinha recebido”18 e mobilizado “por um elenco de questões que vão do processo de desenvolvimento econômico em curso no Brasil à preservação dos valores da formação cultural do país, passando pelo papel do desenho industrial na definição de uma fisionomia própria dos produtos brasileiros,”19 idealiza e implanta, em 1975, 18 FALCÃO, Joaquim. após uma série de encontros, o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC, uma instituição dedicada E triunfo? : as questões dos bens culturais do Brasil, p. 18. à documentação e análise da cultura brasileira, em conjunto com o ministro da Indústria e do Comércio, Severo Gomes 19 MELO, José Laurênio de. e com o embaixador e secretário da Educação do Distrito Federal, Wladimir Murtinho. Essa foi a primeira incursão E triunfo? : as questões dos bens de Aloísio no campo político e sua última “e definitiva intervenção no cotidiano da vida brasileira.”20 culturais do Brasil, p. 37. 20 LEITE, João de Souza. Os anos seguintes caracterizaram-se por uma seqüência de fatos e iniciativas, tanto do poder público, quanto da A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 275. população, em favor da cultura brasileira. Em 1976, o Centro Nacional de Referência Cultural é definitivamente 46
  • 40. implantado com 4 programas de estudo básicos: o mapeamento da atividade artesanal, levantamentos sócio-culturais, história da ciência e da tecnologia no Brasil e o levantamento de documentação sobre o Brasil.21 Em 1978, os trabalhos do CNRC se expandem e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e o Banco do Brasil aderem ao projeto. Em 1979, Aloísio Magalhães é nomeado diretor-geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, pelo então ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela. Meses depois, promove a fusão dos três organismos ligados ao governo federal: O CNRC, o Programa de Cidades Históricas - PCH e o IPHAN. Com a fusão desses três órgãos, a conseqüência “da intensa atividade de convencimento político”22 é a transformação, em 1980, do IPHAN em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, agora um órgão normativo, através de decreto do presidente João Figueiredo. É criada a Fundação Nacional Pró-Memória como órgão operacional. Aloísio Magalhães é o secretário da SPHAN e o presidente da Pró-Memória, acumulando “a responsabilidade, em nível federal, pela preservação do acervo cultural e natural do país.”23 Nesse ano, a proposta de inclusão da cidade de Ouro Preto na lista do Patrimônio Mundial da Unesco é bem sucedida. Em abril de 1981, o novo ministro da Educação e Cultura, Rubem Ludwig, cria através de uma portaria, a Secretaria da Cultura que reúne as subsecretarias do Pró-Memória e SPHAN, além de outros órgãos, e nomeia Aloísio para o cargo 21 Cf. MELO, José Laurênio de. de secretário, equivalente hoje ao cargo de ministro da Cultura. Mesmo antes dessa nomeação, Aloísio já viajava E triunfo? : as questões dos bens culturais do Brasil, p. 38. pelo país em uma série de conferências, debates, simpósios e seminários nos quais defendia o resgate da cultura 22 brasileira, colocando o assunto em pauta na imprensa nacional. Essa foi a estratégia político-administrativa LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design que encontrou para viabilizar seus projetos e conciliar “tanta abrangência conceitual com tanta exigüidade institucional de Aloísio Magalhães, p. 275. e orçamentária”24, conscientizar e envolver os representantes dos diversos setores da nação na preservação 23 MELO, José Laurênio de. e valorização da cultura. E triunfo? : as questões dos bens culturais do Brasil, p. 40. 24 O apoio dos meios de comunicação foi indispensável na realização dos seus propósitos. São dessa época o arremate FALCÃO, Joaquim. E triunfo? : as questões dos bens dos autos da Inconfidência Mineira, no leilão da Sotheby’s, em Londres, o resgate de partituras de música barroca culturais do Brasil, p. 24. 47
  • 41. brasileira no Uruguai e a inclusão das ruínas de São Miguel das Missões (RS) na lista da Unesco. A ação de Aloísio Magalhães na política cultural do país teve efeito arrebatador. Nunca, na história do país, houve tamanha “inovação conceitual, reformulação administrativa, acréscimo orçamentário e implementação de projetos como o que se verificou na gestão de Aloísio (1979-1982).”25 No ano de 1982, Aloísio se preparava para defender a inscrição do centro histórico de Olinda na lista do Patrimônio Mundial da Unesco. Elaborou um conjunto de gravuras em preto e branco, numa visão muito particular da cidade, que o ajudaria a defender sua idéia. Em junho desse ano, viajou para Veneza como representante do ministro da Cultura, Rubem Ludwig, com fins de participar de reuniões de órgãos internacionais de cultura. A ida de Aloísio Magalhães, enquanto secretário da Cultura, teve um significado histórico muito importante. Tratava-se de um encontro de ministros das culturas dos países latinos e, portanto, era dever do ministro Ruben Ludwig comparecer ao evento. Mas o país passava por grandes mudanças políticas: abria-se a democratização depois de tenebrosos anos de ditadura. A presença de Aloísio Magalhães, nesse encontro, significava dizer claramente que o país estava passando das mãos militares para as mãos dos civis. Aloísio estava consciente do seu papel na história. Resgate de litografias comerciais Na sessão de abertura, Aloísio fez um pronunciamento veemente e apaixonado sobre as questões prementes de Juiz de Fora, Minas Gerais. Tecnologia associada à vida econômica da nossa sociedade, opondo-se aos que tratavam a cultura exclusivamente por sua vertente culta26 e por isso foi eleito e cultural brasileira. presidente do encontro. Ao retomar os trabalhos, logo após o almoço, sentiu-se mal e foi internado numa clínica onde veio a sofrer duas hemorragias cerebrais. Transferido para o Centro de Reanimação do Hospital Civil de Pádua, Aloísio Magalhães falece no dia 13 de junho, aos 55 anos incompletos. 25 FALCÃO, Joaquim. E triunfo? : as questões dos bens culturais do Brasil, p. 17. 26 Cf. LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 275. 48
  • 42. Algumas litografias da série produzida por Aloísio, com a qual pretendia apresentar Olinda ao Conselho do Patrinônio Mundial da UNESCO 49
  • 43. Considerações sobre a Obra e o Legado 50
  • 44. Para se entender a dimensão da influência de Aloísio Magalhães na história do design e, porque não dizer, na história visual do Brasil, segue uma reflexão sobre alguns pontos importantes de sua produção. A obra de Aloísio Magalhães sempre esteve impregnada do princípio de espelhamento. “Sua pintura – toda sua arte – nasceu da visão do casario da rua da Aurora, ou de Santo Antônio, ou do cais do Apolo do velho Recife se mexendo nas águas do Capibaribe. O leito e o bojo do rio foram sua lição de desenho, de pintura e de cartema”.27 Essa é uma declaração de cunho poético, mas que carrega uma sentença. Mesmo quando o seu anseio de pesquisa e o profundo sentimento de coletividade e contemporaneidade levaram-no para as artes gráficas, ou para o campo da comunicação, com níveis de complexidade cada vez maiores, revelando o “difícil problema que é a massificação da criatividade através de elementos de informação elaborados em valores formais”28, Aloísio Magalhães é o artista-comunicador Aquarela sobre papel velin de imagens refletidas. de Aloísio Magalhães. Quando Aloísio despontou no campo das artes, na década de 50, o Brasil vivia o ápice do construtivismo. As Bienais de Arte de São Paulo tiveram papel importante na disseminação desse movimento. A poesia concreta causava espanto na literatura nacional e misturava-se com as artes visuais, transformando palavra e imagem em um só corpo. Artistas dessa geração como Alexandre Wollner e Geraldo de Barros, entre outros, utilizavam largamente procedimentos 27 VALADARES, Clarival do Prado. de espelhamento e de repetição em suas obras. Aloísio estudava em Paris nos primeiros anos da década, A herança do olhar: o design e freqüentava o Atelier 17 juntamente com Miró. Com sua arte abstrata, Aloísio integrava a corrente expressiva de Aloísio Magalhães, p. 74. do movimento construtivista, com um desenho mais gestual e orgânico do que geométrico. Seu trabalho n’O Gráfico 28 Ibid., p. 75. 51
  • 45. Amador e, posteriormente, com Eugene Feldman, reflete essa vertente: são experiências gráficas muito distantes dos rigores geométricos; sua pintura transborda imagens refletidas, manchas de cor espelhadas por toda a tela, o claro e o escuro construindo um discurso visual de grande expressividade. No entanto, quando Aloísio direciona o seu fazer artístico para o campo do design, a partir de 1960, sua linguagem volta-se para o léxico do grupo construtivista, ou seja, para a geometria, o racionalismo, tornando-se a base de referência que norteou o moderno design gráfico brasileiro até a década de 80: uma linguagem internacional, oriunda das fontes construtivas européias.29 Nos muitos sinais projetados por Aloísio em seu escritório, durante as décadas de 60 e 70, os procedimentos formais, Símbolo do 4º Centenário da Cidade ou constitutivos da imagem, mais freqüentes e de resultados mais requintados, segundo análise do designer do Rio de Janeiro. Chico Homem de Melo, são três: o espelhamento, a rotação do círculo tripartido e a sugestão de tridimensionalidade. Para esta pesquisa interessa especificamente o procedimento de espelhamento, com o qual os Cartemas foram construídos. O terceiro procedimento, o da tridimensionalidade, revela o caráter investigativo do artista que antevê as mudanças da linguagem vigente, a partir do uso das novas tecnologias. Em sua análise, Chico Homem de Melo afirma que os projetos que mais trouxeram visibilidade para Aloísio, tanto no âmbito nacional quanto internacional, foram respectivamente o sinal do 4º Centenário do Rio de Janeiro, produzido em 1964, e o projeto do redesenho das cédulas do cruzeiro em 1979. Nesses dois projetos, o princípio do espelhamento está presente em sua formatação. No primeiro exemplo, o espelhamento do numeral quatro gera uma cruz de malta portuguesa e simbolicamente resgata a imagem da bandeira dos fundadores da cidade. Cédula de mil cruzeiros. A versão original foi desenvolvida pela equipe de Aloísio e o No segundo exemplo, Aloísio radicaliza o conceito de espelhamento retirando o “pé e a cabeça” da cédula, detalhamento foi conduzido pela equipe da Casa da Moeda do Brasil. eliminando assim um problema do cotidiano com as notas anteriores. Desse modo, a cédula passou a ser lida em qualquer posição, rápida e confortavelmente. Outros sinais foram desenvolvidos tomando o espelhamento como princípio formal, como será colocado no capítulo “O Cartema”. 29 MELO, Chico Homem de. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 153. Os estudos resultantes da construção desses sinais, a pesquisa visual constante, o domínio do princípio formal 52
  • 46. e a proximidade com as possibilidades gráficas resultantes desse procedimento, além de grande dose de criatividade, embasaram Aloísio Magalhães na criação de sua obra mais original, os Cartemas, que são imagens formadas pela rotação e repetição de um mesmo módulo-base, assim como no símbolo do 4º Centenário, gerando uma nova imagem, uma outra paisagem visual. O procedimento formal da tridimensionalidade aparece, ainda segundo análise de Chico Homem de Melo, nos trabalhos de Aloísio Magalhães produzidos por volta da década de 70, embora desde a década de 60 ele já houvesse utilizado [1] esse recurso nos símbolos do Banco Mercantil de Pernambuco [1] e do Banco Comercial Brasul [2]. A atração de Aloísio pela tridimensionalidade revela-se, de modo decisivo, nos projetos dos sinais do Banespa, em 1969, o do Sesquicentenário da Independência, em 1971 [3] e o do Banco Central do Brasil, em 1975 [4]. Essa atração estende-se também ao seu trabalho artístico numa série de litogravuras posteriores aos Cartemas. [2] Chico Homem de Melo relata que “ao longo da década de 1970, a televisão passa a exercer influência crescente no cenário cultural do país.”30 As redes de televisão começam a constituir-se em cadeias em todo território nacional e, aliado a esse crescimento, ocorrem mudanças irreversíveis na cultura visual. A televisão passa a ser o campo [3] da tridimensionalidade, da exploração do tempo e do movimento. Entretanto, só após a grande revolução do computador e da Internet é que a TV dissemina-se como recurso de uma linguagem gráfica e artística. Esse fato revela que, ao explorar o recurso da tridimensionalidade em seus projetos, tanto de design quanto artísticos, Aloísio demonstrava, mais uma vez, a sua capacidade de antever e preparar o futuro. Ele antecipou, em 20 anos, o recurso gráfico que só passou a ser explorado a partir da década de 80. Esse caráter antecipativo remete às possibilidades de construção de uma nova visualidade, vislumbrada na elaboração desta pesquisa. A antecipação [4] em Aloísio se dava quando ele se propunha a investigar, dentro dos campos criativos, novos caminhos expressivos. A proposta deste trabalho e da peça digital decorrente dele alinha-se com esse processo criativo. 30 MELO, Chico Homem de. A herança do olhar: o design A influência de Aloísio como designer e artista, ou melhor, como homem de aguçada sensibilidade, transcendeu de Aloísio Magalhães, p. 155. 53
  • 47. “a maestria de seus sinais. Para uns, sua importância maior residiria na sistematização rigorosa dos procedimentos de emissão de mensagens visuais pelas empresas.”31 Sob esse aspecto, a sua obra tem o mérito de ter guiado as gerações seguintes rumo à construção de uma expressão visual particular do design brasileiro, imprimindo um caráter universal, buscando sempre os valores locais. Na arte, a contribuição de Aloísio Magalhães foi a de revelar o caráter unificador, aglutinador da mesma diante do fenômeno de massificação, sem perda da expressividade. Os Cartemas revelam isso. Inicialmente na utilização do cartão-postal, um produto da sociedade de consumo, transfigurado na composição da obra e, por fim, no jogo calidoscópico de imagens que não se esgotam, “prenhes de seu valor próprio.”32 31 MELO, Chico Homem de. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 156. 32 HOUAISS, Antônio. A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães, p. 68. 54
  • 48. 55 Cartema. Série brasileira, 1972.
  • 49. Cartema. Série barroca, 1973. Coleção Solange Magalhães. 56
  • 50. 57 Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
  • 51. Cartema. Série brasileira, 1972. 58 Cartema. Sem título, s.d.
  • 52. 59 Cartema. Série preto e branco, 1977. Coleção Solange Magalhães.
  • 53. Cartemas. Série preto e branco, s.d. 60
  • 54. 61
  • 55. Uma História e uma Leitura 62
  • 56. 1 O Cartema é o “termo final de um processo de montagem”1. É uma série de cartões-postais fixados num suporte rígido HOUAISS, Antônio. A Herança do Olhar: o design por meio de colagem e após um estudo prévio de combinações. O cartão-postal é a unidade mínima estrutural de Aloísio Magalhães, p. 69. do Cartema, o módulo-base a partir do qual organiza-se a composição. Cartema2 foi o nome dado por Antônio Houaiss 2 Cartema: radical cart- (de cartão- a esse segmento da obra de Aloísio Magalhães. postal) + -ema ‘unidade mínima estrutural’; palavra criada, em 1974, por Antônio Houaiss O cartão-postal, meio de correspondência de uso cômodo e fácil, comum em todo mundo e, no dizer de Aloisio (1915-1999), para designar a criação artística de Aloísio Magalhães, “tão importante que ficou banal”3, já era usado na China, desde século X, no envio de congratulações. Magalhães (1927-1983). Dicionário Eletrônico Houaiss Entre os ocidentais essa prática é mais recente. Sabe-se do uso de cartões na região do Alto Reno, Europa central, da Língua Portuguesa, 2001. a partir de 14504. Porém, somente nas últimas décadas do século XIX esse meio de comunicação tornou-se comum. 3 Cf. MAGALHÃES, Aloísio. Era um novo sistema, simples e de baixo custo, para as correspondências abertas5. Jornal da Tarde. São Paulo. 19/3/1973 apud catálogo. O desenvolvimento dos processos de impressão, ocorrido no final do século XIX e início do século XX, 4 Cf. VASQUEZ, Pedro. Cartão-postal: Contexto. 2003. possibilitou a difusão e a massificação de mensagens visuais. Pela primeira vez na história, a imagem é “multiplicada para o consumo da massa.”6 Gravuras e, sobretudo imagens produzidas por meio fotográfico, passaram a ser 5 BELCHIOR, Elisyo O. História do cartão-postal. veiculadas nos cartões-postais. No final da primeira década do século XX, toda a produção de cartões-postais 6 trazia uma face totalmente ocupada pela imagem7. O cartão-postal, originalmente um simples meio de correspondência KOSSOY, Boris. Realidades e ficções escrita, ganha edições sofisticadas com a incorporação da imagem e tem seu uso redefinido. Além de ser um meio na trama fotográfica, p. 63. de correspondência, passou a ser, também, um meio de entretenimento e objeto de coleção. 7 BERGER, Paulo. História do cartão-postal ilustrado. 63
  • 57. A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito de espaço. Através da imagem fotográfica impressa no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, do destinatário. Além de veículo da narrativa escrita, o cartão-postal passa a transmitir narrativas visuais, transforma-se numa janela de acesso a vários mundos. O cartão-postal deu materialidade a representações de outras realidades que antes eram transmitidas oralmente, escritas, ou através de ilustração. Em todo o mundo, milhões de cartões-postais passaram a circular com informações visuais, oferecendo ao seu destinatário aspectos das mais variadas culturas. Ao incorporar cartões-postais em seu discurso artístico, Aloísio revelou outras possibilidades de olhar e usar o cartão-postal. A intenção de pesquisar formalmente as possibilidades criativas decorrentes do uso de cartões-postais como matéria artística surgiu enquanto Aloísio Magalhães, autor do então padrão monetário nacional, acompanhava os testes de impressão das novas notas de cruzeiro, em 1970, na Holanda8. Ao observar esses testes, percebeu, na configuração formada pela repetição das notas, um tema potencialmente rico a ser desenvolvido. [1] O Cartema, de feitura simples e grande efeito visual, é fruto de alguns procedimentos formais como repetição, rotação e espelhamento da imagem, muito utilizados por Aloísio Magalhães em seus projetos, principalmente os de imagem corporativa, nas décadas de 60 e 70, como mostram as figuras [2] a [5].Observando-os , é fácil perceber que o mesmo [1] Cédula de Um Cruzeiro, 1968. espírito construtor dos Cartemas já era manifesto em sua produção de design. 8 Nessa ocasião, Aloísio Magalhães era consultor da Casa da Moeda e do Banco Central do Brasil. Leite, João de Souza. [4] 3º Centenário da Arquidiocese [2] Light, 1966. [3] Centro Educacional Xerox, 1971. [5] Banco Boa Vista, 1976. A Herança do Olhar: o design do Rio de Janeiro, 1976. de Aloísio Magalhães, p. 274. 64
  • 58. Sobre isso, a professora Ísis Braga comenta: “Ele já estivera pesquisando formas que se estruturavam em repetições, ritmos, imagens espelhadas em todos os sentidos, como na criação do símbolo do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro.”9 Ambos os procedimentos formais utilizados nessa construção concorreram na amplificação do conteúdo de significações desse símbolo. Aqui destaca-se, em especial, o espelhamento, numa abordagem feita por Chico Homem de Melo10: “O símbolo do 4º Centenário (...) é o exemplo mais acabado desse recurso: o designer espelha o numeral 4 em relação aos eixos vertical e horizontal, gerando uma cruz de malta portuguesa rotacionada em 45°. Na comemoração dos 400 anos da cidade, Aloísio resgata a imagem Figura [6] Símbolo do 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, 1964. estampada na bandeira de seus fundadores.” O próprio Aloísio refere-se a esse símbolo como uma solução “dinâmica 9 BRAGA, Isis Fernandes. Designe, Rio de Janeiro, 3: 57-62, out. 2001, p. 58. e rica em sugestões, de significação latente11” e, noutro momento, 10 “sendo um sinal claro e legível, estará potencialmente apto a impregnar-se, MELO, Chico Homem de. A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 150. através do uso, da significação que representa.”12 11 MAGALHÃES, Aloísio. A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 172. É importante notar que a construção desse símbolo pressupõe o numeral 4 12 Catálogo da exposição: como módulo gerador. Ele foi, através do espelhamento, multiplicado Aloísio Magalhães e o desenho industrial no Brasil, MASP, 1983. para compor a superunidade13, o próprio símbolo. Além disso, a imagem 13 Segundo Wucius Wong: “Se as unidades de forma, no processo de serem ganhou mais significado com a estilização da cruz de malta portuguesa. organizadas em um desenho, são agrupadas a fim de se tornar uma forma maior, a qual é então utilizada em repetição, chamamos estas formas novas, Num procedimento análogo, Aloísio realizou os Cartemas. maiores, de ‘superunidades de forma’.” WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho, p. 53. 65
  • 59. A construção do Cartema é feita da repetição do módulo-base, o cartão-postal. Todos os seus elementos visuais são igualmente repetidos. A mera repetição do módulo-base poderia resultar em composições demasiadamente monótonas; no entanto, a associação de módulos-base rotacionados acrescenta-lhes ritmo e movimento. No Cartema, o recurso de espelhamento tem seu correspondente na rotação. A partir dela os cartões-postais são justapostos14, agrupando áreas de valores visuais equivalentes. Desse processo originam-se novas unidades formais que no todo resultam numa nova imagem, diferente daquela contida no cartão-postal. Nisso, o módulo-base não se perde, uma vez que pode ainda ser identificado, mas tem seu caráter individual completamente desfeito: ele é o gerador da estrutura que possibilita novas visualizações. Sendo o Cartema organizado a partir do recurso da repetição, há nele uma estrutura formal subjacente que orienta e dá o sentido de regularidade própria a sua construção. Segundo Wucius Wong, nesse “tipo de estrutura, a área toda do desenho (ou uma porção dele) é dividida em subdivisões estruturais de exatamente mesmo formato e tamanho, sem deixar lacunas espaciais estranhas entre elas. A estrutura de repetição é a mais simples de todas as estruturas. É particularmente útil na construção de padrões para recobrir toda uma superfície.”15 14 “A justaposição exprime a interação de estímulos visuais, colocando, como faz, duas A estrutura de repetição estabelece uma malha básica de linhas conceituais, invisíveis, horizontais e verticais, que sugestões lado a lado e ativando a comparação das relações que dão suporte ao posicionamento e ao deslizamento do módulo-base. No Cartema, as linhas que formam a malha básica se estabelecem entre elas.” são as mesmas que definem as margens dos cartões-postais. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual, p. 156. 15 Continuando essa análise, apresentam-se a seguir três Cartemas com os seus respectivos módulos-base, malhas básicas Apesar de o texto se referir ao desenho, é adequado incluí-lo e gráficos que mostram o posicionamento e a rotação dos módulos que os compõem. Como os cartões-postais neste ponto da análise. WONG, Wucius. não têm nominação própria, e os Cartemas foram nominados genericamente por séries, por exemplo Princípios de forma e desenho, p. 61. a Série Preto e Branco, achou-se por bem nominá-los, neste trabalho, a título de facilitar as suas retomadas no texto. 16 Cartão-postal a partir de imagem de Nova York, Assim, no módulo-base Um16 [7], a imagem apresenta-se em plano geral. Nessa perspectiva, a distância entre do fotógrafo americano Paul Strand, 1915. o observador e a cena é bastante acentuada, logo, detalhes não são percebidos nesse enquadramento. 66
  • 60. Sendo uma imagem em preto e branco, a percepção da forma se dá fundamentalmente por intermédio da gradação tonal, do jogo claro-escuro. É o contraste intenso que permite perceber as figuras humanas na parte inferior da imagem. O tema do cartão-postal em questão é o fragmento de uma rua em declive com pessoas transitando. Nota-se, pelas sombras projetadas dessas pessoas, que o sol está próximo à linha do horizonte. Essas sombras formam uma textura de linhas inclinadas que se contrapõem aos elementos verticais dessa composição. Nessa imagem, destacam-se cinco unidades formais: a edificação ao fundo, os elementos retangulares cinza-escuros da edificação, as pessoas, as sombras e o próprio pavimento. Essas poucas unidades, por estarem formalmente bem organizadas e bem definidas, facilitam a leitura do objeto. Há, portanto, uma alta pregnância da forma17. Da multiplicação do módulo-base Um resulta o Cartema Um18 [8]. 17 Lei básica da Percepção Visual da Gestalt, “uma boa pregnância pressupõe que a organização formal do objeto, no sentido psicológico, tenderá a ser Seu movimento decorre do deslizamento vertical do módulo-base sempre a melhor possível do ponto de vista estrutural. Assim, para efeito e da alternância entre linhas de postais não rotacionados e rotacionados, deste sistema, pode-se afirmar e estabelecer o seguinte critério de qualificação ou julgamento organizacional da forma: conforme observa-se na malha básica e no diagrama de posicionamento, figuras [9] e [10], respectivamente. 1) Quanto melhor for a organização visual da forma do objeto [equilíbrio, clareza e harmonia], em termos de facilidade de compreensão e rapidez de leitura ou interpretação, maior será o seu grau de pregnância. Diferente do módulo-base Um, a imagem gerada no Cartema Um possui 2) Naturalmente, quanto pior ou mais confusa for a organização visual um acentuado grau de complexidade. A justaposição dos postais originou da forma do objeto, menor será o seu grau de pregnância.” GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto. p. 37. novas unidades formais que, mesmo repetidas, convidam o observador a percorrê-las. 18 Cartema. Série Preto e Branco, 1974. 67
  • 62. [7] módulo-base Um [10] Cartema Um, diagrama de posicionamento [9] Cartema Um, malha básica
  • 63. Reconhecem-se essas unidades formais surgidas no Cartema Um por proximidade e semelhança, como apontado por Gomes Filho19: “Elementos ópticos próximos uns dos outros tendem a ser vistos juntos e, por conseguinte, a constituírem um todo ou unidades dentro de um todo. (...) Em condições iguais, os estímulos mais semelhantes entre si, seja por forma, cor, tamanho, peso, direção, e outros, terão maior tendência a serem agrupados, a constituírem partes ou unidades. Em condições iguais os estímulos originados por semelhança e em maior proximidade terão também maior tendência a serem agrupados, a constituírem unidades.” Assim, destacam-se no Cartema Um as seguintes unidades formais: - a textura de fundo formada pela repetição das imagens da edificação. Essa textura quadrangular pode, ainda, ser subdividida em outras unidades formais: ora as várias faixas transversais, ora as várias colunas, de acordo com as junções ópticas que se venha a fazer. Tanto faixas quanto colunas podem ser tomadas como unidades formais 19 GOMES FILHO, João. isoladas. Desse modo, destaca-se o efeito calidoscópio comum aos Cartemas; Gestalt do objeto. p. 34-35. - os retângulos cinza-escuros da edificação; 20 “A harmonia por ordem acontece quando se produz - por fim, as faixas de fundo branco que cortam transversalmente o Cartema, formadas pelas imagens das pessoas, concordâncias e uniformidades de suas sombras e do pavimento. entre as unidades que compõem as partes do objeto ou o próprio objeto como um todo.” GOMES FILHO, João. Observa-se, nessa análise, que as cinco unidades formais, destacadas no módulo-base Um, foram reduzidas a três Gestalt do objeto. p. 52. no Cartema Um. As faixas de fundo branco, citadas acima, formaram-se por imagens que antes, no módulo-base, 21 “A obtenção de harmonia constituíam unidades formais isoladas. por regularidade consiste basicamente em favorecer a uniformidade de elementos no A textura de fundo dá ao Cartema Um o sentido de harmonia por ordem20 e por regularidade21, uma vez que desenvolvimento de uma ordem tal em que não se permitam suas unidades apresentam um padrão uniforme, sem conflitos formais entre os seus elementos. irregularidades, desvios ou desalinhos”. Ibid., p. 53. Porém, esse sentido de ordem e regularidade é rompido, em parte, pelas faixas de fundo branco. 68
  • 64. Apesar de serem, obviamente, uma repetição do módulo-base, seus elementos desordenados se confrontam com a ordenação e a regularidade presentes na textura de fundo. No Cartema Um, a mera repetição do módulo-base não assegura uniformidade à composição. A tensão dirigida, ou sensação de movimento, é potencializada no Cartema Um. Observa-se que as linhas oblíquas no módulo-base Um caracterizam a composição. Mas, a multiplicação do cartão-postal revela a direção oblíqua como o recurso compositivo mais evidente. Apesar de as linhas verticais ficarem também evidenciadas, devido ao contraste tonal, as faixas transversais se sobressaem. Do contraste entre as linhas verticais e as oblíquas decorre o forte dinamismo dessa composição. O Cartema Um apresenta unidades formais bem definidas e organizadas, mas exige uma leitura atenta, devido à complexidade da imagem originada. Sendo assim, considera-se bom, nesse Cartema, o índice de pregnância da forma. A seguir, apresenta-se a análise do segundo Cartema. 69
  • 65. O módulo-base Dois [11]; tem como tema é um trem inserido numa paisagem montanhosa. Esse trem, pelo enquadramento fotográfico, parece seguir de encontro ao observador. Isso dá à cena uma certa dramaticidade, que é acentuada pelas rochas situadas à esquerda, no primeiro plano da imagem. Os tons frios em volta do trem destacam as listras amarelas e o vermelho, sua cor predominante. No módulo-base Dois, isolam-se cinco unidades formais: as rochas, os trilhos, o trem, o terreno montanhoso e o céu. Por essas unidades serem facilmente percebidas e a compreensão da imagem ser imediata, nota-se a alta pregnância da forma. O Cartema Dois22 [12], derivado desse módulo-base, apresenta uma configuração decorrente do deslizamento e da rotação do módulo-base, conforme mostram as figuras [13] e [14], respectivamente. Esses posicionamentos determinaram, também, as unidades formais contidas nesse Cartema. No Cartema Dois cada unidade formal surgiu da associação, por proximidade e semelhança, das mesmas unidades já reconhecidas no módulo-base Dois, exceto o trem que, pelo afastamento de outras unidades pares, permaneceu constituindo unidades isoladas, como no módulo-base Dois. Essas unidades formais são: - as faixas transversais formadas pela junção das rochas; - as faixas horizontais formadas pelos segmentos de céu; - as faixas horizontais formadas pelos segmentos dos terrenos montanhosos; - os elementos formados pelas junções de trilhos e, - por fim, cada um dos trens. Observa-se, no Cartema Dois, como as linhas oblíquas proporcionam dinamismo à composição. A série de faixas 22 Cartema. Sem título, s.d. transversais é a mais evidente e, ao se confrontar com a série de faixas horizontais ao fundo, retira-lhe o caráter Museu de Arte Moderna de São Paulo. estático. A tensão no Cartema Dois provém da obliqüidade presente nas imagens dos trens em perspectiva. 23 Essas linhas são o “impulso principal no sentido da percepção de profundidade”23 e, quando combinadas às linhas ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual, p. 418. das imagens rotacionadas, criam a sensação de movimento de vaivém. 70
  • 67. [11] módulo-base Dois [14] Cartema Dois, diagrama de posicionamento [13] Cartema Dois, malha básica 71
  • 68. Percebe-se, na repetição de todas as unidades formais do Cartema Dois, o sentido de harmonia por ordem e regularidade. Destacam-se os pontos formados pela imagem do trem. Neles, observa-se o contraste de movimento. Essa organização visual deriva do alinhamento perfeito entre os trens direcionados para a direita e os direcionados para a esquerda. A complexidade das relações descritas acima evidencia a sofisticada organização formal do Cartema Dois. Apesar de demandar mais tempo de leitura que seu módulo-base, o Cartema Dois possui, também, um bom nível de pregnância da forma.
  • 69. Por fim, analisa-se o Cartema Três24 [15]. Diferente de toda sua produção, Aloísio Magalhães utilizou 3 cartões-postais na composição deste Cartema, sendo um deles, o módulo-base Três A [16], recortado no sentido da altura e da largura e multiplicado. Esses postais são registros fotográficos de imagens sacras do barroco mineiro. Como tal, apresentam uma profusão de unidades formais, uso de volutas e simetrias, conforme nota-se nos módulos-base Três B e Três C, figuras [17] e [18], respectivamente. No módulo-base Três A vê-se um anjo de altar. O forte contraste claro-escuro oculta algumas áreas dessa imagem, dificultando sua identificação total, no entanto, a uniformidade do fundo revela a silhueta da imagem, auxiliando em sua leitura. A pregnância formal da composição é média, em função dessas áreas de difícil reconhecimento. No módulo-base Três B, há um altar ricamente ornado com a imagem de uma santa ao centro. No todo, é uma imagem complexa, de leitura demorada, pois possui várias unidades formais, contudo, o uso da simetria facilita a leitura. A pouca tensão dessa imagem deve-se à escolha do enquadramento fotográfico. Nessa escolha, as linhas oblíquas da perspectiva convergem para o centro do quadro, reforçando a simetria e, conseqüentemente, diminuindo o caráter dinâmico. A leitura visual do módulo-base Três B é clara, apesar do tempo exigido em sua apreensão. Sendo assim, considera-se média a pregnância da forma nessa imagem. No módulo-base Três C, vê-se a reprodução da pintura do teto de uma igreja. Como na análise anterior, essa imagem possui, também, várias unidades formais, uso de volutas e simetrias. Trata-se de um painel com diversas cenas, necessitando de muito tempo de leitura; conseqüentemente, apresenta um índice médio de pregnância da forma. A profusão de unidades formais apontada nos módulos-base, especificamente nos módulos-base Três B e Três C, cria, no Cartema Três, campos de texturas que podem ser considerados constitutivos de unidades formais. A seguir destacam-se as unidades formais surgidas no Cartema Três: - o fundo azul do módulo-base Três A que compõe a primeira cercania desse Cartema; 24 Cartema. Série barroca, 1974. - cada fragmento da imagem do anjo – destacam-se, ainda, outros elementos dessa imagem, por exemplo, 72