O consumo de drogas aumentou no brasil nos últimos anos
Cocaína
1. Cocaína
Em seutrabalho“ÜBER COCA” de 1885 (BYCH,1989), Freudtraz o seguinte relatosobre a
históriada
cocaína, à época,sendoestudadaporele comopromissortratamento dadepressão,do
nervosismo,da
dependênciade morfina,doalcoolismo,dasdoençasdigestivase mesmodaasma:“ A planta
coca,
Erythroxyloncoca,é um arbustode cerca de 1,20 m a 1,80m de altura,amplamente cultivada
na América
do Sul,emparticularno Perue na Bolívia,cresce melhornosquentesvalesdasencostas
orientaisdos
Andes,situados1.500 a 2.000 m acima do nível domar. Asfolhastêmformatooval,com 5 a 6
cm de
comprimento;oarbustodá florespequenase brancase produzfrutosvermelhosde formato
oval.
Quandoos conquistadores espanhóisinvadiramoPeru,descobriramque aplantacoca era
cultivadae tida
emalta consideraçãonaquele país,estandointimamenteligadaaoscostumesreligiososdo
povo.A lenda
afirmavaque Manco Capac, o divinofilhodoSol,haviadescidodospenhascosdolagoTiticaca
em
temposprimevos,trazendo aluzde seupai para os infelizeshabitantesdopaís,que lhes
trouxerao
conhecimentodosdeuses,lhesensinaraasartesúteise lhesderaa folhade coca, essaplanta
divinaque
sacia osfamintos, dáforças aos débeise fazcomque esqueçamseusinfortúnios.
As folhasde coca eram oferecidasemsacrifícioaosdeuses,mascadasdurante cerimônias
religiosase até
mesmocolocadasna boca dosmortos,a fimde lhesgarantirumarecepçãofavorável noalém.
Os
espanhóisnãoacreditavamnosefeitosmaravilhososdaplanta,que desconfiavamserobrado
demônio,
2. principalmente pelopapel que desempenhavanoritual religioso,chegandoaproibiroseuuso
sob a
alegaçãode que era pagã e pecaminosa;masesta atitude mudou,noentanto,quandoos
conquistadores
perceberamque osíndiosnãoconseguiamexecutarotrabalhopesadoque lheseraimpostose
fossem
proibidosde mascarcoca. Diante disto,osespanhóistransigiram,apontode distribuiras
folhasaos
trabalhadorestrêsouquatro vezesaodia.
A maisantigarecomendaçãodacoca consta doensaiodoDr.Monardesem 1569, que louvao
efeito
prodigiosodaplantanocombate à fome e à fadiga.Em 1749 a plantafoi trazida para a Europa
e
classificadanogêneroErythroxylon.Em1786 apareceuna Encyclopédie méthodique
botanique,de
Lamarck, sobo nome de Erythroxyloncoca”.
DOMIC (1992) em seuextensotrabalhodenominado“l’ÉtatCocaïne”,relataque em1855,
Ernst von
Bibra (1806-1876) publicouDie NarkotischenGenussomittel undderMenschemque ele
descrevia
dezessetedrogas,entre elasochá,o café,o haxixe,oópioe a coca. Em 1859 AlbertNiemann
extraiuo
alcalóide dasfolhasdadrogae criou o termococaína, acompanhadode relatosde sua
capacidade de
eliminarafadiga.
Apósa morte de Niemannem1862, Lossenretomouseustrabalhose apresentouafórmula
químicada
cocaína: C17H21NO4. Na Alemanhaem1867, T.Clemenspropôsseuusoterapêuticoe em
1883, Theodor
Aschembrndt,médicomilitar, introduziusecretamente acocaína nas manobrasde
treinamentoparaser
consumidapelossoldados,combonsresultados.
3. Em 1884, começou-se aestudaro efeitoanestésicodacocaína, o qual foi atribuídoao
oftalmologistaCarl
Koller.Neste períodohouve importante aumentonovalorcomercial dacocaína, e seuuso
terapêuticose
amplioue diversificou.Paralelamente,oentusiasmoinicial de Freudcoma cocaína
desapareceuapóso
fracassoterapêuticonotratamentoda dependênciade morfinade seuamigoDr.Ernstvon
FleischlMarxow,que apósasua utilizaçãoapresentouumquadrodeliranteparanóidee não
maiscitoua substância
emseustrabalhos(LEITE, 1999).
Simultaneamentefoi produzidoovinhoMariani,compostoporumamisturade vinhoe
cocaína o qual
rapidamente alcançouenorme sucesso,sendodivulgadocomo“excelente remédiopara
esqueceras
dificuldadesdavidacotidiana”.NaInglaterraeravendidocomo“VinhodosAtletas”,e sua
fórmula foi
condecoradapeloPapaLeãoXIIIe à época era consumida porThomasEdison,JúlioVerne e
Emile Zola
entre outros.Em 1885, umfarmacêuticoda GeórgiaestabeleceuafórmuladaCoca Cola,que
chamouna
épocade “VinhoFrancêsde Coca,TônicoIdeal”.Porém, em1886 proliferaramosrelatosde
casos de
usuários de cocaína apresentando quadrospsicóticos.
A visãosocial dacocaína transformou-se apartirdeste período;de umtônicoanunciadosem
efeitos
colaterais,parauma droga com as restriçõesmaisseverasdahistória(MUSTO,1992). A partir
de 1906,
nos EstadosUnidos,todososprodutoscontendococaína e outrosprodutoscom potencial de
causar
dependência,deveriamterseusingredientesmencionadosnaembalagem.
SegundoDOMIC(1992), dosanos 30 aos anos60 parece terhavidoum arrefecimentono
consumo de
cocaína que reaparece nacena mundial como movimentohippie,que naépocacontestavaos
valores
4. sociais,atravésdouso de SPAs,entre outroscomportamentos.A partirdosanos70, houve
novo
crescimentonoconsumode cocaína, emparte associada,especialmentenosEstadosUnidos,a
uma
ideologialigadaaoconsumismoe àrápida ascençãosocial,a denominadaerayuppie,
relacionadaao
consumode cocaína atravésda sensaçãodo aumentode energiae dacapacidade intelectual.
Foi a partirdos anos80 que começou-se a observarum importante crescimentonoconsumo
de cocaína e
consequentemente nosproblemasassociadosaoseuuso.Paralelamente,osurgimentoda
AIDSe sua
rápidaassociaçãocom o uso compartilhadode drogasinjetáveislançouluzà gravidade do
consumode
drogas poresta via,entre asquaisa cocaína, e emseguida,de umanovavia de administração
da droga, a
viapulmonar,a sabera cocaína na formade crack, evidenciandoumanovaviade consumo
que tem
crescidorapidamente e trazidomuitosproblemasfísicos,psíquicose sociais.
Alémdomomentosocial que pode servistocomoumdos responsáveispeloincrementono
consumode
cocaína emnossaépoca,não há dúvidade que outrofator facilitadoré oaumentoda oferta,
mediadopela
lógicado ganhofinanceiroe dasofisticaçãonaárea químicae de produçãodo produto.
O processode extraçãoda cocaína é iniciadocolocando-seasfolhase solventesorgânicosem
recipientes,
onde apósum períodode maceração o extratoorgânicoé separadodasfolhase evaporado.O
resíduo
obtido,denominadopastade coca,contémcocaína juntamente comoutrosalcalóidese óleos
essenciais.A
droga pode serobtidatambémpormeioda secagemdasfolhas,digestãocomácidosulfúricoe
posterior
extração,apósprecipitaçãocombicarbonatode sódio.A pasta de coca é tratada com ácido
clorídricopara
5. formaçãode cloridratode cocaína, que corresponde àformausual de tráfico,sendoporém,
frequentemente “diluída”coma adiçãode produtosque procurammimetizarsuaação
farmacológica,cor
ou sabor.São utilizadoscomessafinalidadeoutrosanetésicoslocais(lidocaína,procaína),
cafeína,
efedrina,quinina,estricnina,manitol,sacarose,heroína,póde mármore,talco,entre outros.A
partir do
cloridratoé possível obtercocaína na formade base,que é volátil e quimicamente mais
estável (SILVA &
ODO,1999).
A cocaína, alcalóide extraídodasfolhasdaerithroxyloncocahá maisde um século,é umadas
substâncias
maisintrigantesdahistórianamedicina(ARAÚJOetal.,1998). Apesarde sua prevalênciade
consumo
apresentar-se pequenaemcomparaçãoao álcool,atinge níveisestatísticosde epidemiaem
váriospaíses.
O NIDA (1994) estimouque 4,5 milhõesde norte americanoshaviamfeito algumusode
cocaína em1992.
NosEUA pode-se considerarque houve duasepidemiasdoconsumonoséculoXX.A primeira
ocorreuno
iníciodo séculoe foi controladacom umasérie de medidas,dentre elasaprópriaproibiçãoda
cocaína que até entãoera legalmenteusada,mesmoembebidascomoaCoca Cola.A segunda
epidemia ocorreunos
anos 70 atingindoseupicoemmeadosdosanos80 (MATTOS etal.,1998).
O perfil elitizadode usuáriosexpandiu-separatodasas camadas sociais,tendoemvistao
aumentoda
produçãoe o aparecimentode apresentaçõesmaisbaratascomoo crack. A partirdo final dos
anos 80
verificou-se umdeclínio:onúmerode usuáriosque haviamconsumidococaínanosúltimos30
dias
diminuiu de 5,9milhõesem1985 para 1,9 milhõesem1991 nosEUA. Apesarda diminuição
entre os
usuárioseventuais,onúmerode usuáriosdiários,osproblemasrelacionadosàgestaçãoe a
incidênciade
6. admissõesrelacionadasaousode cocaína emProntosSocorros dos EUA aumentaramentre
1985 e 1995,
evidenciandoumasubpopulaçãode dependentescomimportantesprejuízosdecorrentesdo
consumo.
O uso de cocaína no Brasil,na metade dosanos80 era um fenômenoquase que exclusivode
algunstipos
de elite econômicaousocial compoucarepercussãonosistemade tratamentode usuáriosde
drogas.Com
a maior ofertada droga,principalmente comamaior produçãonospaíses andinos,oBrasil
passoua sofrer
uma epidemiadousode cocaína que se estende até osdiasde hoje (LARANJEIRA etal.,1998).
SegundoCARLINIetal.,(1995) no artigo intitulado“Revisão - Perfilde usodacocaína no
Brasil”, tem
havidoumaumentogradual e constante do númerode estudantese criançasde rua que usam
cocaína,
principalmente nas cidadesde SãoPaulo,Riode Janeiroe PortoAlegre,de 1987 para 1993, um
número
cada vezmaior de estudantes,de ambosossexos,relataramusonavidaou usono últimomês
de cocaína.
O uso porcrianças de rua mostrou-se importante:até 1993, não havia relatode uso de crack,
fatoque foi
referidopor9.2% dessascriançasneste últimoano;ouso endovenosofoi relatadopor1% das
crianças de
rua entrevistadas,sendoque ousodiáriode cocaína (cloridratoe crack ) foi de 5%.
Dados domesmotrabalhoindicamque temsidoobservadoque oconsumode cocaína, quer
cheirada,ou
usada porvia endovenosa,é quase que umapresençaobrigatóriaentre ostrabalhadoresdo
sexo,sendoaté
usada comouma formade pagamento.
O mesmoestudoobservouque oconsumode cocaína por viaendovenosatornou-se comum
nas cidadesde
São Pauloe Rio de Janeiro;emSãoPaulo,entretanto,este usotende acairdada a entradado
crack. Dados
7. deste trabalhoindicamque oconsumode cocaína ocupaentre o 8
e o últimolugarentre osestudantese do
entre criançasde rua; por outrolado,as internaçõeshospitalarespordependênciade cocaína
vêm
aumentando,chegandoaatingiro1
o
postoentre as váriasdrogas (excetuando-seoálcool).Taisdados
indicam que,emboracommenor prevalênciade consumo,se comparadaa outrasSPAs,
quandoocorre,o
uso é potencialmente maisdanoso.
Em 1990, 17% dosusuáriosque vinhamparatratamentonas clínicasespecializadasreferiam
ter usadoo
crack, em 1993 esse númeropassoupara64% e, atualmente pode-sefalarque 80% desses
usuáriosfazem
uso de crack (LARANJEIRA,1998).
Dados doProjetoBrasil demonstramque ocrack é consumidopormaisde 30% das pessoas
que também
usam drogasinjetáveis,em diversascidadesbrasileiras(BARBOSA &BUENO,no prelo).
NAPPO(1999) aponta para o crescimentodoconsumode crack emnossomeio.Esta droga,de
grande
potênciae altopoderaditivo,temsidoassociadacomgrande frequênciaàprostituiçãoe a
troca de sexopor
drogas.Este comportamentoé aindamaisfrequenteemmulheres,participandocomomais
um fatorde
facilitaçãodadisseminaçãodovírusHIV e outrasDSTs na populaçãofeminina.
Ação no SistemaNervosoCentral
O efeitoagudodacocaína pode seratribuídoprincipalmente aumbloqueiodarecaptaçãoda
dopamina,
8. produzindoumaumentodasubstâncianasfendassinápticasdosfeixesdopaminérgicos
(nigroestriatal,
tuberoinfundibular,mesolímbicoe mesocortical).Esse aumentoagudodadopamina,produz
um aumento
da neurotransmissãoe donúmeroe sensibilidadedosreceptoresdopaminérgicos.Comouso
crônico,
existe umareduçãonaconcentraçãoda dopaminacomo efeitofinal de umadiminuiçãona
quantidade do
neurotransmissor.
A cocaína tambémafetaoutrossistemasde neurotransmissão,comoosque utilizam
noradrenalina,
serotonina,endorfinas,GABA e acetilcolina.Asaçõesdacocaína nasviasdopaminérgicassão
essenciais
para a atividade reforçadoradadroga.A dopaminaaumentaa atividade psicomotora,induz
comportamentosestereotipadose diminuioconsumode alimentos.A dopaminaestá
envolvidanoscentros
límbicosresponsáveispeloprazer,incluindoaquelesrelacionadoscomalimentaçãoe atividade
sexual.
Com o usorepetitivode cocaínadesenvolve-se atolerânciaaseusefeitos,que podemser
devidosaesta
hipotéticadiminuiçãodainibiçãodarecapturade dopamina,diminuiçãodaliberaçãode
catecolaminasou
mudançasna sensibilidade dosreceptorescatecolaminérgicos(dessensibilizaçãopós-sináptica
ou
supersensibilizaçãopré-sináptica) (LARANJEIRA,1996).
BASILE & LEITE (1999) referemque osprimeirosefeitosdacocaína,peloaumentode
dopaminaem
fendas sinápticas,levamauma relativadepleçãodessasubstânciae aoaumentode sua
metabolização
principalmente pelaCOMT(catecol-orto-metil-transferase);àdepleçãoatribui-sea
sintomatologia
disfóricadaabstinênciaagudadadroga, que provavelmente explicaumcomponenteuniversal
do efeito
9. rebote ou“ressaca” apóso uso.
Os mesmosautoresreferemque é muitoimportante ressaltarquaa exposiçãocrônicaà
cocaína acarreta
uma complexadeformaçãofuncional dosistemanervosodevidoàsobreposiçãode nodosdo
sistema
nervosohipersensibilizadosàação das monoaminasaosrestantes,que sofremaalteração
corriqueiraàdessensibilização.Umavezque existe apossibilidade,emprincípio,de uma
interaçãoentre estruturas
desse sistemadinamicamente deformadoque perpetue algumcomponentedessa
deformação,nãopodemos
descartara idéiade irreversibilidadeemalgumefeitocrônicode certasdrogasde abuso,entre
elasa
cocaína .
Apósa absorção pelasdiferentesvias(aplicaçãonasmucosas,oral,respiratóriaou
intravenosa),a
velocidade de distribuçãodacocaína é relativamenterápida.Estudossugeremque elase
acumulanos
tecidosadiposose noSNCemfunção de sua lipossolubilidade,resultandoconcentraçõesde 4
a 11 vezes
maioresque asplasmáticas, composteriorliberaçãodessessítiosparaoutrostecidos;
atravessa
prontamente abarreiraplacentáriaapresentandoníveisnorecémnascidoiguaisaosdamãe.
SegundoSILVA &ODO (1999), osprincipaisprodutosde biotransformaçãodacocaína são a
benzoilecgoninae oéstermetil ecgoninae emmenorproporção,aecgonina,anorcocaína e a
benzoilnorcocaína.A eliminaçãodacocaínaé, predominantementecontroladapelasua
biotransformação,
sendoapenaspequenasquantidadesexcretadasinalteradasnaurina;osprodutosque
aparecememmaior
abundânciana urinasão : cocaína (3%),benzoilecgonina(15a 50%),éstermetil ecgonina(15a
35%),
ecgonina(1a 8%) e norcocaína (2 a 6%).
Devidoaomecanismode ação,parcialmente conhecido,dacocaína,pode-se descreveras
alterações
10. agudasque o seuconsumopropiciae assim tentarcompreenderseupotencial efeito
reforçador(VIDE
QUADRO XIII).
QUADRO XIII:Efeitosagudosdacocaína
· Euforiaque frequentemente evoluiparadisforia.
· Sensaçãode energiaaumentadae de melhorfuncionamento.
· Aumentodaspercepçõessensoriais.
· Diminuiçãodoapetite.
· Aumentodaansiedade e dasuspeição.
· Diminuiçãodocansaçoe da necessidadede sono.
· Aumentodaautoconfiança
· Delíriosde cunhopersecutório.
· Sintomas geraisde descargasimpática.