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Madiba... Madiba!
Por Washington Araújo
Noventa e cinco anos de uma vida bem vivida – assim foi Madiba, nome do clã
a que Nelson Mandela pertencia e o nome carinhoso com que sua tribo o
chamava.
Madiba transbordou de uma individualidade a mais no luminoso continente
africano para se transformar em um dos mais vigorosos apelos para sermos
melhores seres humanos, melhores cidadãos, melhores amantes da
fraternidade universal e mais apaixonados por ideais como liberdade e justiça.
Madiba entrou na prisão aos 46 anos, em 1964 e foi libertado aos 73 anos, em
1991. Pronunciou contundente discurso de defesa ante o tribunal que o
sentenciara. Naquele último dia de liberdade que somente terminaria 27 anos
depois, Madiba disse, punho para o alto, mão cerrada: “Eu lutei contra a
dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu cultivei o ideal de uma
sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em
harmonia e com oportunidades iguais. Este é um ideal pelo qual eu espero
viver e alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado
para morrer.”
A vida do cidadão do mundo Mandela é singular em diversos aspectos, não é
linear, mas cheia de altos e baixos e é muito melhor descrita por tudo o que
ele, mesmo podendo ser, decidiu solenemente não ser.
Madiba não buscou fama, mas a fama lhe chegou por sua integridade de alma.
Madiba nunca foi ríspido, grosseiro, descortês, petulante ou arrogante. Ao
contrário, mostrou sempre ser uma pessoa afável, amena, e em seu rosto as
imagens revelam um sorriso franco, sincero, amigo.
Madiba nunca levantou o braço para bater em outro ser humano, mulher então,
nem pensar; idoso, também jamais, e muito menos deu demonstrações de
desapreço e menosprezo para com aquela torrente de jornalistas que lhe
perseguira nos últimos 30 anos de vida.
Madiba foi digno tanto em seus longos 27 anos de prisão quanto em seus anos
como presidente da África do Sul – o poder não o deslumbrou, mas ele soube
trazer dignidade ao poder a ponto de ao concluir seu mandato como chefe de
Estado continuou sendo aquele que melhor personificava a alma de sua nação.
Madiba não obteve seu reconhecimento como líder autêntico de um povo e
nem alcançou essa condição de rara unanimidade devido à cor de sua pele.
Não, Madiba não foi beneficiado com ações afirmativas e, ao contrário, muito
sofreu os rigores do odioso racismo, as dores de uma brutal discriminação
racial.
Madiba não era aquele tipo de personalidade que, semelhante a mariposa está
sempre em busca dos holofotes midiáticos, sempre pronto para falar de seus
feitos, de suas vitórias, de suas conquistas, sejam para si, sejam para seu
povo. Não, Madiba é um dos quatro maiores ícones do século XX, a par com o
Mahatma Gandhi, o reverendo Martin Luther King Jr e o pai das Vitórias Enoch
Olinga. Cada um desses soube dar um sentido nobre à vida. O indiano Gandhi
logo tornou-se um pensador universal, o estadunidense King abrasou corações
e mentes contra os males do racismo e o ugandense Olinga, bem menos
conhecido, laçou os fundamentos da verdadeira cidadania mundial.
Madiba não era vingativo e não consta qualquer gesto seu de agressão, e
mesmo investido da Suprema Magistratura da África do Sul, não se conhece
fato em que haja se empenhado para processar, julgar, condenar, prender seus
algozes brancos, algozes também da inteira população de sua pátria, algozes
que criaram um dos mais tenebrosos regimes de escravidão jamais registrados
na história humana – o famigerado Apartheid. Aquele regime em que bancos
de praças públicas negros não podiam se sentar, ônibus e táxis que podiam ser
utilizados apenas por brancos e proibidos para negros, escolas para brancos e
fechada aos negros, bebedouros para brancos e assim por diante.
Não, Madiba não era vingativo. E nem tripudiava contra aqueles que em algum
momento foram por ele considerados como desafetos.
A Madiba vários direitos humanos fundamentais foram negados: não recebeu
julgamento justo, continuou discriminado nos muitos anos como presidiário por
ser negro, e até mesmo breves gestos de humanidade também lhe foram
subtraídos, como a autorização para assistir aos funerais de sua mãe (1968) e
depois o de seu filho mais velho (1969).
Em 1993, Madiba e Frederik de Klerk dividiram o Prêmio Nobel da Paz, por
seus esforços para trazer a paz ao país. E, desde aquele ano tomou a frente de
uma série de articulações políticas que culminaram nas primeiras eleições
democráticas e multirraciais do país em 27 de abril de 1994.
O CNA ganhou com 62% dos votos, enquanto o Partido Nacional teve 20%.
Com o resultado,Madiba tornou-se o primeiro líder negro do país e também o
mais velho, com 75 anos. E, dando vazão ao anseio reprimido por gerações de
sul-africanos, sua gestão, iniciada em 10 de maio de 1994 foi marcada por
políticas antiapartheid, reformas sociais e do sistema de saúde.
Avesso a homenagens laudatórias, deve ter esboçado um sorriso encabulado
ao saber em 2009 que a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas
anunciou que o dia de seu aniversário seria celebrado em todo o mundo como
o Dia Internacional de Mandela, uma iniciativa para estimular todos os cidadãos
a dedicar 67 minutos a causas sociais – um minuto por ano que ele dedicou a
lutar pela igualdade racial e ao fim do apartheid.
Madiba não foi um dos heróis do Pedro Bial em suas patéticas e onipresentes
aparições no famigerado Big Brother Brasil.
Madiba não foi capa de revista de Johannesburgo, saudado como salvador da
pátria e tendo como fundo a foto de um menino negro pobre e desvalido,
destinada a angariar piegas homenagens e baratas emoções.
Madiba longe de empoderar-se com tamanho reconhecimento mundial – virou
até estatua em tamanho natural na Praça do Parlamento, em Londres, coração
do imperialismo que ele tanto combateu ao longo de sua existência.
E o fez até sua morte na tarde deste 5 de dezembro de 2013.
Madiba aproveitou sua vida para dignificar a vida dos sofridos, oprimidos e
condenados da Terra.
Porque ele os empoderou.
E por isso Madiba permanecerá eterno nas melhores recordações de um
tempo em que a presente Ordem mundial demonstrou estar lamentavelmente
defeituosa, cheia de rachaduras e incompreensões quanto à verdadeira
natureza humana e espiritual da espécie humana.
E quando algum dia décadas vindouras um injustiçado gritar o nome “Madiba!”
diversas vozes ecoarão em sua consciência “Presente! Presente! Presente!”

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  • 1. Madiba... Madiba! Por Washington Araújo Noventa e cinco anos de uma vida bem vivida – assim foi Madiba, nome do clã a que Nelson Mandela pertencia e o nome carinhoso com que sua tribo o chamava. Madiba transbordou de uma individualidade a mais no luminoso continente africano para se transformar em um dos mais vigorosos apelos para sermos melhores seres humanos, melhores cidadãos, melhores amantes da fraternidade universal e mais apaixonados por ideais como liberdade e justiça. Madiba entrou na prisão aos 46 anos, em 1964 e foi libertado aos 73 anos, em 1991. Pronunciou contundente discurso de defesa ante o tribunal que o sentenciara. Naquele último dia de liberdade que somente terminaria 27 anos depois, Madiba disse, punho para o alto, mão cerrada: “Eu lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu cultivei o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. Este é um ideal pelo qual eu espero viver e alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer.” A vida do cidadão do mundo Mandela é singular em diversos aspectos, não é linear, mas cheia de altos e baixos e é muito melhor descrita por tudo o que ele, mesmo podendo ser, decidiu solenemente não ser. Madiba não buscou fama, mas a fama lhe chegou por sua integridade de alma. Madiba nunca foi ríspido, grosseiro, descortês, petulante ou arrogante. Ao contrário, mostrou sempre ser uma pessoa afável, amena, e em seu rosto as imagens revelam um sorriso franco, sincero, amigo. Madiba nunca levantou o braço para bater em outro ser humano, mulher então, nem pensar; idoso, também jamais, e muito menos deu demonstrações de desapreço e menosprezo para com aquela torrente de jornalistas que lhe perseguira nos últimos 30 anos de vida. Madiba foi digno tanto em seus longos 27 anos de prisão quanto em seus anos como presidente da África do Sul – o poder não o deslumbrou, mas ele soube trazer dignidade ao poder a ponto de ao concluir seu mandato como chefe de Estado continuou sendo aquele que melhor personificava a alma de sua nação. Madiba não obteve seu reconhecimento como líder autêntico de um povo e nem alcançou essa condição de rara unanimidade devido à cor de sua pele. Não, Madiba não foi beneficiado com ações afirmativas e, ao contrário, muito sofreu os rigores do odioso racismo, as dores de uma brutal discriminação racial. Madiba não era aquele tipo de personalidade que, semelhante a mariposa está sempre em busca dos holofotes midiáticos, sempre pronto para falar de seus feitos, de suas vitórias, de suas conquistas, sejam para si, sejam para seu povo. Não, Madiba é um dos quatro maiores ícones do século XX, a par com o Mahatma Gandhi, o reverendo Martin Luther King Jr e o pai das Vitórias Enoch
  • 2. Olinga. Cada um desses soube dar um sentido nobre à vida. O indiano Gandhi logo tornou-se um pensador universal, o estadunidense King abrasou corações e mentes contra os males do racismo e o ugandense Olinga, bem menos conhecido, laçou os fundamentos da verdadeira cidadania mundial. Madiba não era vingativo e não consta qualquer gesto seu de agressão, e mesmo investido da Suprema Magistratura da África do Sul, não se conhece fato em que haja se empenhado para processar, julgar, condenar, prender seus algozes brancos, algozes também da inteira população de sua pátria, algozes que criaram um dos mais tenebrosos regimes de escravidão jamais registrados na história humana – o famigerado Apartheid. Aquele regime em que bancos de praças públicas negros não podiam se sentar, ônibus e táxis que podiam ser utilizados apenas por brancos e proibidos para negros, escolas para brancos e fechada aos negros, bebedouros para brancos e assim por diante. Não, Madiba não era vingativo. E nem tripudiava contra aqueles que em algum momento foram por ele considerados como desafetos. A Madiba vários direitos humanos fundamentais foram negados: não recebeu julgamento justo, continuou discriminado nos muitos anos como presidiário por ser negro, e até mesmo breves gestos de humanidade também lhe foram subtraídos, como a autorização para assistir aos funerais de sua mãe (1968) e depois o de seu filho mais velho (1969). Em 1993, Madiba e Frederik de Klerk dividiram o Prêmio Nobel da Paz, por seus esforços para trazer a paz ao país. E, desde aquele ano tomou a frente de uma série de articulações políticas que culminaram nas primeiras eleições democráticas e multirraciais do país em 27 de abril de 1994. O CNA ganhou com 62% dos votos, enquanto o Partido Nacional teve 20%. Com o resultado,Madiba tornou-se o primeiro líder negro do país e também o mais velho, com 75 anos. E, dando vazão ao anseio reprimido por gerações de sul-africanos, sua gestão, iniciada em 10 de maio de 1994 foi marcada por políticas antiapartheid, reformas sociais e do sistema de saúde. Avesso a homenagens laudatórias, deve ter esboçado um sorriso encabulado ao saber em 2009 que a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas anunciou que o dia de seu aniversário seria celebrado em todo o mundo como o Dia Internacional de Mandela, uma iniciativa para estimular todos os cidadãos a dedicar 67 minutos a causas sociais – um minuto por ano que ele dedicou a lutar pela igualdade racial e ao fim do apartheid. Madiba não foi um dos heróis do Pedro Bial em suas patéticas e onipresentes aparições no famigerado Big Brother Brasil. Madiba não foi capa de revista de Johannesburgo, saudado como salvador da pátria e tendo como fundo a foto de um menino negro pobre e desvalido, destinada a angariar piegas homenagens e baratas emoções. Madiba longe de empoderar-se com tamanho reconhecimento mundial – virou até estatua em tamanho natural na Praça do Parlamento, em Londres, coração do imperialismo que ele tanto combateu ao longo de sua existência. E o fez até sua morte na tarde deste 5 de dezembro de 2013.
  • 3. Madiba aproveitou sua vida para dignificar a vida dos sofridos, oprimidos e condenados da Terra. Porque ele os empoderou. E por isso Madiba permanecerá eterno nas melhores recordações de um tempo em que a presente Ordem mundial demonstrou estar lamentavelmente defeituosa, cheia de rachaduras e incompreensões quanto à verdadeira natureza humana e espiritual da espécie humana. E quando algum dia décadas vindouras um injustiçado gritar o nome “Madiba!” diversas vozes ecoarão em sua consciência “Presente! Presente! Presente!”