1. III Encontro de Pesquisa Discente do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Nove de Julho
Tema: Perspectivas atuais da Pesquisa em Educação
Título do Trabalho: Os movimentos sociais como fonte de transformação na
educação: possibilidades e realizações
Autor: Maria Inês Paulista
Instituição: Universidade Nove de Julho
E-mail: inespaulista@hotmail.com
2. Os movimentos sociais como fonte de transformação na educação:
possibilidades e realizações
Resumo
O presente artigo visa investigar a contribuição dos movimentos sociais como fonte de
transformação na educação, apontando suas possibilidades e realizações. Para tanto, recorremos à
trajetória histórica, notadamente a partir da década de 60 do século XX, como os principais
referenciais para análise, uma vez que figura-se como marco divisório de participação da
população nos movimentos sociais. Até aquela época os movimentos sociais se caracterizavam
pela luta de grupos isolados, de interesses específicos, e neste momento histórico, o interesse e
engajamento da classe estudantil foi decisivo, na busca de direitos e arregimentando a
participação de professores, artistas e dos operários. As décadas subseqüentes, também
contribuíram de maneira peculiar na formação, educação e conquista de direitos, resgatando seu
papel no contexto da problemática social brasileira, e como se deu a evolução histórica dos
movimentos sociais. Abordamos também qual o conceito de educação a que se refere, não restrito
ao ensino formal, escolar ou institucional, mas como a educação pode ser promovida por meio da
participação nos movimentos sociais.
Palavras-chave: movimentos sociais, educação, participação, história
3. Introdução
Os movimentos sociais tematizam problemas e contradições que parecem não ser
passíveis de solução, ou em princípio de uma solução satisfatória, mediante as formas
tradicionais de organização social. Movimentos sociais são representados por um coletivo de
pessoas, demandando algum bem material ou simbólico. (Gohn, 2003), expressando-se tanto
como motor de transformação social, como partícipes do processo de mudanças e de sua
efetivação.
As mudanças enfrentadas nas últimas duas décadas do século XX dão uma dimensão dos
desafios que os movimentos sociais são levados a traduzir. Desafios que não nos são estranhos.
Mas, se não sabemos as respostas para as mudanças que estão ocorrendo, tanto no plano prático
quanto no teórico, é relevante o debruçar sobre as teorias que procuraram dar conta das mudanças
ocorridas nos dois últimos séculos. Tal procedimento parece prudente, na medida em que o
conhecimento humano é cumulativo, embora nem sempre procuremos aprender com a história.
Numerosos autores se propuseram a estudar os movimentos sociais em seu
desenvolvimento histórico, na composição social, em sua dinâmica interna, em sua relação com o
poder, na sua capacidade de imprimir novas configurações com as relações sociais, e nas
possibilidades de transformar e reconstruir uma sociabilidade diferenciada.
Com amparo no professor Raymond Boudon (1995, p. 284-291), que cita vários autores tais como: McCarthy e Zald (1977, p.1217-1218), dizem: “Um movimento social é um conjunto
de opiniões e de crenças comuns a uma população que manifesta preferências pela mudança de
alguns elementos da estrutura social e/ou da distribuição de recompensas numa sociedade”;
Herbert Blumer (1946, p. 199), entende os movimentos sociais como sendo “empreendimentos
coletivos destinados a estabelecer uma nova ordem de vida”; Charles Tilly (1984, p. 306), nos
ensina que: “um movimento social é uma série ininterrupta de interações entre os detentores do
poder e indivíduos que pretendem com êxito falar a favor de um conjunto de pessoas a quem falta
representação formal, ao longo da qual essas pessoas (que representam o movimento) formulam
publicamente reivindicações de mudanças na distribuição ou no exercício do poder e
4. fundamentam tais reivindicações através de manifestações públicas de apoio” – mas que,
entretanto, posteriormente questiona e refuta suas definições, podemos dizer, portanto, que os
movimentos sociais conceitualmente não são bem esclarecidos.
Na concepção de Boudon (1995, p. 291), movimento social é um empreendimento
coletivo de protesto e de contestação que visa impor mudanças, de importância variável, na
estrutura social e/ou política através do recurso freqüente, mas não necessariamente exclusivo, a
meios não-institucionalizados.
Dentre os aspectos relevantes a observar nos movimentos sociais, os participantes são
fundamentais. Os integrantes desses movimentos não são, necessariamente, os excluídos
socialmente, diferentemente do que muitos pensam o que, aliás, é perceptível na sociedade
brasileira.
Pasquino (2000, p. 791) anota que, conforme apontam Wilson (1973) e Melucci (1976),
“os agentes que iniciam o Movimento social não são os marginalizados. Quando muito, estes
poderão constituir, em determinadas circunstancias e dentro de certas condições, uma base
importante para a expansão e consolidação do movimento. Mas a liderança é constituída por
indivíduos não periféricos, mas centrais”. Ainda na mesma linha de pensamento, Pasquino (idem)
cita Melucci (1977, p. 109), que transcreve: “os primeiros a se rebelar não são os grupos mais
oprimidos e desagregados, mas os que experimentam uma contradição intolerável entre a
identidade coletiva existente e as novas relações sociais impostas pela mudança”.
Entretanto é preciso observar que, apesar de se encontrarem no seio dos movimentos
sociais uma série de pessoas oriundas de profissões sociais, muitas vezes eles não tem uma
interconexão crítica ou de apoio recíproco das respectivas preocupações do que acontece ou vai
acontecer. Esta cooperação parece não se efetivar. Claro está que ao lado da exigência de diretos,
também é necessário assumir uma responsabilidade social, e as reformas conquistadas devem ser
transportadas para dentro da sociedade.
O movimento social, em seu sentido mais amplo, se constitui em torno de uma identidade
ou identificação, na definição de um projeto ou programa, no seu processo de construção e
5. continuidade, na definição de adversários ou opositores, resultando em múltiplas articulações de
seus sujeitos individuais ou coletivos. Ele é fruto de determinados contextos históricos e sociais e
possui dinâmica e conflitos, são práticas sociais contraditórias.
Histórico
Os movimentos sociais tiveram origem há muito tempo, embora não se tenha uma data
precisa, eles surgiram desde os primórdios da civilização. Muitos acabaram por desencadear
mudanças extremamente significativas no mundo e também no Brasil1, desde sua colonização.
Assim, podemos assinalar que os movimentos sociais no seu início, reivindicavam as questões
operárias, lutas nas questões da escravidão, da posse de terras, da carestia entre outras. Devemos
destacar também que as lutas sociais dos séculos XIX e primeira metade do século XX,
demonstraram que os princípios proclamados nas declarações e conquistas de alguns
movimentos, permaneceram como promessas não cumpridas.
Conforme aponta Santos (1997), as duas mais importantes promessas da modernidade
ainda a cumprir são, por um lado, a resolução dos problemas da distribuição, ou seja, das
desigualdades que deixam largos estratos da população aquém da possibilidade de uma vida
decente ou sequer da sobrevivência; por outro lado a democratização política do sistema político
democrático.
A partir da década de 60 do século XX, porém, vamos ter um fortalecimento e
desdobramento dos movimentos sociais existentes, em vários segmentos como: movimento
estudantil, feminista, dos negros, homossexual, etc, que reivindicavam os mais diferentes
propósitos.
Vale salientar que, este sentido é dado por Boudon (1995, p. 286), uma pertinente
observação, a saber: “um movimento social não está necessariamente voltado para a inovação;
muito pelo contrário, pode acontecer que alguns desses movimentos sejam orientados no sentido
de um restabelecimento”.
1
Ver História dos Movimentos e lutas sociais de Maria da Glória Gohn
6. Um dos movimentos expressivos da década de 60 do século XX foi sem dúvida, o
movimento estudantil, acontecido em vários países do mundo e que no Brasil adquiriu grande
importância, pois representava não somente os estudantes, mas toda a sociedade brasileira, que
naquele momento sofria as conseqüências do processo repressivo da ditadura militar e do arrocho
salarial que se implantava no país, especialmente às classes populares.
Como salienta Gohn (2003), o movimento estudantil ganhou importância por ser, naquele
momento, um espaço físico e político-social privilegiado de lutas. Na conjuntura nacional e
internacional, os estudantes emergiam como novo ator histórico das lutas sociais em aliança com
o operário e o camponês. Pela primeira vez no país, a categoria dos estudantes se rebelou,
anteriormente, na década de 30, houve a Movimento dos Pioneiros da Educação, mas este foi
gerado por educadores e não contou com a participação dos estudantes
Na luta dos estudantes desta década, além de participação política e social por eles
requerida, fazia parte também suas reivindicações no que dizia respeito ao cotidiano da vida
escolar. Pleiteavam a criação e ampliação de bibliotecas, a criação e modernização de
laboratórios e equipamentos nas universidades, mais investimentos para o ensino público, a
transformação dos currículos considerados abstratos, a criação de mais instituições para resolver
o problema dos excedentes, pois o sistema de ensino não comportava o número de estudantes, no
sentido de criar novas escolas e dar oportunidade para mais estudantes.
Este movimento foi muito atuante, arrastava grande massa popular em suas passeatas e
acampamentos, misturavam-se, estudantes e suas lideranças, trabalhadores, movimento das
comunidades ligadas à Igreja, e com o recrudescimento das posições políticas impostas pelos
mecanismos da ditadura, este movimento rachou, levando muitos para a luta armada. Esta
posição de luta, e enfrentamento do sistema político do final desta década, acarretou movimentos
de guerrilhas e de repressão, levando à prisão, morte e cassação dos direitos políticos de muitos
brasileiros.
Como aponta Gohn (2003)
7. Neste período o Movimento Estudantil passou a representar não apenas os
estudantes,mas todo o povo brasileiro que estava sofrendo as conseqüências do
processo recessivo de 1964-1966 e os primeiros efeitos do arrocho salarial que
se estava implantando no país entre as classes populares. A Universidade, em
particular a pública, representou um espaço de organização popular. O
Movimento estudantil ganhou importância por ser, naquele momento, um
espaço, físico e político-social privilegiado de lutas. (Gohn, 2003, p.106)
Neste panorama histórico, a década de 1970 e 1980, vão se configurar como produtores
de bandeiras de lutas sociais de lutas pelos direitos políticos perdidos e privilegiando o difícil
combate em defesa da vida e da integridade física dos adversários do regime militar.
Um dos movimentos populares mais representativos da década de 70 foi o movimento do
custo de vida, organizados em diversas capitais do país, organizando a participação popular,
desmantelada por meio da repressão política. Este movimento surgiu ligado às ações da Igreja
Católica, em sua ala da Teologia da Libertação que por sua vez teve seu início no movimento das
Comunidades Eclesiais de Base em 1968. Definia o cristão como aquele que luta contra as
injustiças sociais, migrando das zonas rurais para a manifestação na zona urbana.
Mas há que se registrar uma mudança significativa nas lutas das classes populares. Ela
apesar de sua participação nestas lutas revela outros interesses, como o de se engajar nas causas
democráticas com vistas a participar na sociedade de consumo.
O regime militar começou a perder sua legitimidade junto à sociedade devido à crise
econômica e a sociedade se reorganizou na elaboração de vários projetos de mudança social,
propostas, frentes de luta e resistência, acreditando na retomada da democracia e na força do
povo.
Os movimentos sindicalistas se firmaram e as centrais sindicais apresentaram espírito
corporativista apoiando outros movimentos como o dos negros, das mulheres, dos homossexuais
e outras minorias, pela obtenção da sobrevivência nos meios urbanos. , advindo do campo da
produção
No dizer de Gohn (2003),
8. Não podemos nos esquecer de que a renovação no cenário da participação social
da sociedade civil nos anos 70 e80 não ocorreu apenas no campo popular. Se
este campo surgiu e se expandiu, contrapondo-se à exclusividade de que era
dada ao sujeito trabalhador, advindo do campo da produção, como o sujeito por
excelência com potencial para realizar mudanças históricas, movimentos sociais
não populares, advindos de outras camadas sociais como das mulheres, dos
ambientalistas, já tinham iniciado uma trilha de lutas independente como agentes
de construção de identidades e força social organizada. (Gohn, 2005, p. 73)
A década de 80 foi impulsionada pelos anseios de redemocratização do país, pelo poder
de participação popular, pelo desejo de construir uma nova sociedade a partir de interesses
imediatos dos indivíduos e dos grupos. Inaugurou-se um novo tempo para a questão da cidadania,
o momento político nacional favoreceu a eclosão de novos questionamentos e lutas em favor dos
direitos. Foi muito rica do ponto de vista das experiências político-sociais, e culturais, mas
considerada a década perdida em termos econômicos. Não podemos deixar de mencionar a luta
das Diretas-já, a criação de entidades organizativas amplas do movimento popular e a
promulgação da Nova Constituição.
De acordo com Gohn, (2003), a iniciativa popular, o plebiscito foram mecanismos de
participação popular conquistados pelos cidadãos brasileiros, por meio dos movimentos e das
pressões populares. Num país de tradição autoritária, eles significavam verdadeiros atos heróicos.
Esta década foi fundamental para a compreensão da construção da cidadania dos pobres, em
novos parâmetros. Embora com o estatuto de cidadãos de segunda categoria, os pobres saíram do
submundo e vieram à luz como cidadãos dotados de direitos.
A defesa dos direitos sociais caracterizava-se em lutas por moradia, transporte,
alimentação, saúde e educação e algum tempo depois foram acrescida pela luta das questões
ambientalistas.
A década de 90 apresentou mudanças significativas nos movimentos sociais e redefiniram
o âmbito de atuação. Houve um obscurecimento dos movimentos sociais, um enfraquecimento
enquanto atores sociopolíticos, mas não seu desaparecimento.
A
militância
política,
a
mobilização a participação cotidiana em atividades organizadas, de credibilidade nas políticas
9. públicas, de confiabilidade e legitimidade junto à população entram em crise e surgem novos
movimentos centrados mais em questões éticas e de revalorização da vida humana.
Certamente os problemas advindos das décadas anteriores não estavam resolvidos, mas o
foco mudou devido observando assim a violência, a corrupção, os escândalos da vida política
enfocadas agora no plano moral. O descrédito em torno das ações da política e dos políticos fez
com que a sociedade civil acreditasse cada vez mais em sua capacidade de atuação independente
(Gohn,2003), e a fazer suas próprias políticas na busca de qualidade de vida, a não-violência, a
ecologia, a paz, a não-miséria e outras questões sociais que também passaram a ser objeto de
ações coletivas.
As reivindicações apresentam uma bifurcação. De um lado, as reivindicações que antes
eram propostas em termos coletivos agora passam ao plano individual e neste sentido os
movimentos sociais organizam-se principalmente entorno de comida como a Ação da Cidadania
Contra a Fome, ou de grupos específicos como Movimentos dos Aposentados e dos Meninos e
Meninas de Rua, o aspecto fundante é o chamamento individual através de campanhas. O outro
aspecto importante é o plano moral, com lutas cívicas em que articulações difusas em termos de
classes sociais apareceram e trouxe à tona movimentos de reparação como o Movimento Negro
Unificado, que apesar do pouco apoio que recebeu teve o mérito de chamar a atenção da
sociedade para a situação dos negros e seus descendentes na atualidade.
Estas transformações foram acompanhadas de uma despolitização dos problemas sociais
na década de 90 do século XX, e uma re-individualização que encontra expressão refinada nos
projetos de política e de sujeitos neoliberais. Como aponta Gohn (2005) trata-se de um processo
de desvirtuamento no qual o cidadão transforma-se em cliente, consumidor de bens e serviços e
não mais detentor de direitos, direitos esses que deveriam ser alcançados pelo acesso aos serviços
públicos estatais. Exemplo de tais serviços, tratados pela lógica mercadológica, são a educação e
a saúde. Os clientes são tratados como objetos da ação e não como sujeitos.
A enorme diversificação de pautas, marcante na segunda metade do século XX, parece passar
agora por um novo momento de convergência. A globalização e, sobretudo, o caráter neoliberal dela,
10. tem obrigado os movimentos sociais que trabalham com os mais diversos temas a se aproximarem e
convergirem suas lutas.
A similaridade de processos sociais em princípios distintos está na idéia do avanço da
governança privada, fruto de processos de privatização e redução da função reguladora do Estado.
Diante dela, a relação de trabalho do operário é precarizada, o camponês perde sua terra diante da
expansão do agronegócio, a preservação ambiental cede espaço para a necessidade de crescimento
econômico e os pobres das cidades são desalojados pela especulação imobiliária.
Os direitos ambientais tornam-se cada vez mais presentes na medida em a humanidade
passou a reconhecer, nas questões ecológicas, risco para a sua própria sobrevivência, não só pelo
esgotamento das fontes não- renováveis de energia fóssil, mas pelo geométrico crescimento dos
índices de degradação do ar e da água. A crise ecológica e os processos da globalização alteraram
o foco das reivindicações antes voltadas para determinados direitos e passando a enfrentar novos
dilemas em âmbito regional e global. Esta mudança provocou dificuldades de implantação nas
questões das garantias da cidadania e da qualidade de vida da maioria da população.
A reorganização aconteceu no fortalecimento de outros atores como as ONGs e outras
entidades do Terceiro Setor. Os movimentos populares passaram a ter outros aliados gerando
uma nova dinâmica e com a necessidade de novas articulações e composições. A maioria dos
movimentos, rurais e urbanos, passou a atuar em redes e a construir agendas anuais de
congressos, fóruns e manifestações públicas.
Entretanto a conseqüência deste direcionamento foi a dificuldade das lideranças se
articularem com a população necessitada de participar das reuniões e outras atividades dos
movimentos e a perda dos objetivos reivindicatórios, agora transmutados em propositivos. A
proposta não é lutar por direitos como moradia, saúde, educação, mas atuar em projetos
direcionados a trabalhar com crianças, jovens, mulheres, mudando o eixo de atuação e a
consciência crítica deu lugar à participação nos programas e projetos sociais. Como aponta Gohn
(2005), o militante foi se transformando para ativista organizador das clientelas usuárias dos
serviços sociais.
11. Com o trabalho de mediação das ONGs algumas ações tomaram corpo e trabalham junto à
população no sentido do reconhecimento da diversidade dos sujeitos sociais e do respectivo
pluralismo das ideias, a promoção de mecanismos de participação no interior das organizações e
nos comitês da esfera pública, dando voz a esta população. Procuram formas de inclusão e criam
novas formas de gestão dos fundos públicos em parceria com a sociedade organizada.
Preparar os sujeitos para se tornarem atores de novas formas de gestão requer a
participação em diversos espaços: mobilizações de base local na esfera pública; empoderamento
através dos fóruns e redes da sociedade civil; participação nos conselhos setoriais de parceria
entre sociedade civil e Estado; e, nos últimos anos, a busca de uma representação ativa nas
conferências nacionais e globais de iniciativa governamental em parcerias com a sociedade civil
organizada.
As redes, assim como qualquer relação social, estão sempre impregnadas pelo poder, pelo
conflito, bem como pelas possibilidades de solidariedade, de reciprocidade e de
compartilhamento. Portanto, o que interessa é saber como se dá o equilíbrio entre essas
tendências antagônicas do social e como possibilitam ou não a autonomia dos sujeitos sociais,
especialmente os mais excluídos e que, freqüentemente, são as denominadas “populações-alvo”
desses mediadores.
O ativismo de hoje tende a protagonizar um conjunto de ações orientadas aos mais
excluídos, mais discriminados, mais carentes e mais dominados. A nova militância passa por essa
nova forma de ser sujeito/ator. Há um outro tipo de ativismo, que se alicerça nos valores da
democracia, da solidariedade e da cooperação e que vem crescendo significativamente nos
últimos anos. Por exemplo, o Movimento de Economia Solidária, que tem suas expressões
empíricas nos empreendimentos populares solidários, no Fórum Brasileiro de Economia Solidária
(FBES) e na Rede de Entidades Brasileiras de Economia Solidária (REBES), mostrou sua força
organizativa no Fórum Social Mundial de 2005, pelo número de oficinas, experimentos e tendas
organizados.
Assim, através dessas articulações em rede de movimento observa-se o debate de temas
transversais, relacionados a várias faces da exclusão social, e a demanda de novos direitos.
Parcerias entre a sociedade civil e o Estado requerem múltiplas formas de atuação e necessitam
12. de compromisso ético nas propostas que tenham por base a construção de uma sociedade mais
justa em que os direitos de todos se expressem na participação democrática de todos.
A educação
Necessário se faz a referência do termo educação, para explicitar que este é abrangente e
comporta vários processos. Primeiramente ela foi ensinada e aprendida de maneira informal, até
chegar às formas sofisticadas e institucionalizadas que conhecemos hoje. Assim, a noção de
educação ultrapassa a idéia de ensino regular, formação acadêmica, do ensino escolar. A escola
não é o único lugar onde a educação acontece.
A educação acontece em qualquer lugar e tempo, desde que a criança nasce ela está sendo
educada para viver e conviver com outros humanos, outros animais e com a natureza, ela não é
imposta, mas é essencial para a construção dos seres históricos. Ela acontece quando
transmitimos os ensinamentos e valores recebidos dos nossos pais e do lugar onde residimos.
Assim, a criança é educada para centrar-se em sua formação e reconhecer o meio social em que
vive.
Ela é promovida de várias formas, englobando processos de ensinar e aprender, de ajuste,
de adaptação, de transmissão de normas de comportamento, de regras, de formação moral, de
saber, de criar, de pensar, imaginar, inovar, observar, de promover influências e inter-relações
pessoais e afetivas e principalmente de transformação.
Ela é diferente em cada cultura e não possui uma verdade imutável, ela é uma realidade
que se transforma ao longo do tempo, guardando consigo um pouco de tudo o que vai
transformando, isto é, ela agrega novos elementos, se renova sem perder sua essência, seus
conhecimentos básicos. A educação constrói e é construída.
Assim, podemos afirmar que a educação ocorre em toda parte, ela começa com a
observação e aparece sempre que surgem formas sociais de condução de ensinar e aprender. A
educação, aqui tem um conceito amplo e que não fica restrita na abordagem escolar, formal e
oficial, desenvolvida nas escolas, ministradas por instituições públicas ou privadas. Outras
formas de educação são a não-formal e a informal.
13. A conotação de educação que se pretende abordar é o ensino-aprendizagem que se realiza
ao longo da vida e de diferentes modos; seja pela leitura, interpretação e assimilação dos fatos,
seja por meio dos eventos e acontecimentos e reivindicações que os indivíduos fazem de forma
isolada ou em grupos, destacando a participação deles nos diversos movimentos sociais.
Desta forma a educação atrela-se ao conceito de cultura, concebida como processos e
maneiras da atuação do homem na história. Ela ao mesmo tempo influencia e é influenciada, ora
provocando mudanças, ora sedimentando valores e tradições, transmitidas de geração a geração.
De acordo com Brandão (1995), educação é um dos principais meios de realização de
mudança social ou, pelo menos um dos recursos de adaptação da pessoa em um mundo em
mudança, podendo na atualidade ser vista como um investimento, mas ela ainda continua a
provocar desigualdades, tanto no plano regional como global.
Neste contexto, os direitos individuais e sociais encontram barreiras em sua efetivação e as
classes menos privilegiadas aprendem a recriar a educação de diversas formas e retransmiti-las aos
mais jovens, constituindo uma rede de transmissão de saberes que se tornam resistência à invasão de
outros saberes. A esperança na educação se fundamenta em acreditar que o ato humano de educar
existe tanto no trabalho pedagógico, quanto no ato político que se trava por um tipo de escola, por
outro tipo de mundo, em que a educação pode ser ao mesmo tempo, movimento e ordem, sistema e
contestação.
A própria história vem demonstrando que o professor tem um papel político a desempenhar,
pois tendo consciência crítica da escola e de suas atribuições, estabelece relações entre a escola e
a sociedade, posicionando-se como sujeito crítico e esclarecedor, pois é membro da sociedade
civil. Assim, a realidade se transforma porque o processo de interações inovadoras requer novas
condições sociais, nova distribuição de poder e novos espaços para ir situando novos aspectos de
uma cultura, que emerge no ambiente escolar.
E, todo esse processo de mudança conduz a discussões e conflitos polêmicos dentro de uma
realidade plural, cujo desenlace, ainda que imprevisível, será obviamente a modificação da
14. sociedade. É no engajamento aos movimentos sociais que os professores, na luta pela escola
pública, reconstroem a sua prática pedagógica na busca do desenvolvimento integral, como sua
individualidade. Significa dizer que realçamos principalmente a importância do engajamento
político do educador nos movimentos sociais, com implicações em sua prática pedagógica, como
componente fundamental de elevação da consciência crítico-reflexivo do docente.
A título de complementação das reflexões apresentadas neste trabalho, mencionamos como
os movimentos sociais oferecem uma rica fonte de transformação na educação, registramos o
exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que avançou em suas reivindicações. Eles
lutam pela terra e pelas condições de apoio econômico para viverem nela, desenvolvendo uma de
infra estrutura nos campos da saúde, comercialização de seus produtos, uma pedagogia própria na
área da educação de crianças, jovens e adultos e também na formação de professores.
Neste sentido, procura-se compreender as implicações do engajamento de todo educador em
sua prática docente, a partir da interação que esse sujeito mantém com os movimentos sociais,
irrompendo os limites da sala de aula e projetam-se para o campo da política social e educacional,
de concepção de sociedade dentro das potencialidades ontológicas do trabalho. O objetivo é o de
aproximar as lutas dos docentes às demais camadas exploradas para a constituição de
movimentos sociais que tenham um projeto de sociedade que se confronte com as formas de
dominações econômicas, políticas e sociais atuais.
No panorama dos movimentos sociais deste novo milênio, observamos grande mobilização
em torno das questões relativas à educação em suas diversas formas: os movimentos no setor da
educação formal, no ensino universitário, na área da educação não-formal, os movimentos
educacionais étnico-raciais, movimentos culturais através da música e tantos outros promotores
de uma educação abrangente e inclusiva.
15. Conclusão
Constata-se o reconhecimento social dos movimentos sociais visto que temas centrais
passaram a não ser apenas tratados isoladamente, mas o próprio tratamento das questões sociais
foram crescentemente delegadas a organizações dos movimentos ou das organizações não
governamentais. Estes processos, conjugados com um interesse decrescente no que se refere às
questões sociais, contribuiu para o fortalecimento dos movimentos sociais.
Os movimentos sociais, sejam novos ou tradicionais, encontram-se contextualizados em
meio às transformações ocorridas na política, econômica e social, na expansão dos mercados,
marcados pela profunda crise estrutural da economia mundial e do país, pelas mudanças nos
modelos de organização da produção do trabalho e da dinâmica social, agravada com
globalização.
Normalmente, a globalização é associada ao progresso técnico, a necessidade de expandir
os mercados das nações com a abertura de seus produtos a outros países, marcando o crescimento
da ideologia do liberalismo. Por isso tende a ser encarada como necessária e benéfica para todos
os povos civilizados. Os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento deveriam por esse
motivo adaptar-se sem restrições à dinâmica e aos propósitos da proposta global. A globalização
é o produto mais acabado da economia de mercado do final do século XX. Mas, deixou marcas
indeléveis na vida de grande parcela da população, como exclusão, adoção de medidas
compensatórias que não promovem a transformação da dura realidade das diferenças sociais.
A sociedade civil organizada do novo milênio tende a ser uma sociedade de redes
organizacionais, de redes inter-organizacionais e de redes de movimentos e de formação de
parcerias entre as esferas públicas privadas e estatais, criando novos espaços de gestão com o
crescimento da participação cidadã. Essa é a nova utopia do ativismo: mudanças com
engajamento com as causas sociais dos excluídos e discriminados e com defesa da democracia na
diversidade.
Neste novo milenio estamos presenciando novos tipos de associativismo no cenário
brasileiro, no qual os movimentos sociais voltam a ter visibilidade, e pressionam os processos de
transformação social, incorporando outras dimensões do pensar e do agir social. Aproveitam as
16. possibilidades das redes associativas ainda que de forma pontual por trabalharem com projetos
focalizados e reorganizando-se para defender os interesses dos usuários dos serviços sociais e
buscando um modelo real da participação com igualdade social.
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