A Ecologia olha para o ser humano, da mesma forma que olha para as outras formas de vida, como um produto de um processo evolutivo, num complexo sistema interdependente e interconectado constituído pelos seres vivos. Esta forma científica reverte para um juízo moral, em que não há seres mais importantes do que outros. Para Taylor, cada organismo é per se um centro teleológico de vida, portador de dignidade inerente, o que lhe confere o estatuto de sujeito moral, não devendo ser tratado como meio para o fim de alguém. Assim, o ser humano é moralmente obrigado a proteger e promover o bem dos membros da comunidade biótica por si próprios.
A Vida no Centro do Universo, Revista o instalador 271
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A ética biocêntrica para a saída da crise ambiental
A vida no centro do Universo
Texto e Fotos_Alcide Gonçalves [Arquiteta Paisagista] e Jorge Moreira [Ambientalista e Investigador]
Partilhamos com as outras espécies uma relação comum com a Terra.
Ao aceitar a perspectiva biocêntrica, consideramos o facto de sermos uma espécie animal como
uma característica fundamental da nossa existência. Consideramos isso como um aspecto
essencial da “condição humana”.
Não negamos as diferenças entre nós e as outras espécies, mas mantemos na vanguarda da
nossa consciência o facto de que, em relação aos ecossistemas naturais do nosso planeta,
somos apenas uma população de espécies entre muitas.
Paul Taylor, in "Respect for Nature" (1986)
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Diz-nos Ali Binazir, e após cálculos efetua-
dos para validar a ideia de que a vida humana
é um milagre, a probabilidade de cada um de
nós existir é de 1 em 700 biliões. Segundo
ele, e baseando-se num conto budista, os
seus cálculos elucidam o que esta antiga
tradição menciona acerca da preciosidade
da nossa existência.
À luz da ciência moderna, Mel Robbins
(2011), refere que essa probabilidade de
existirmos é de 1 em 400 biliões e, ainda
que haja uma diferença significativa de valor
numérico entre as duas fontes de estatística,
a gigantesca amostra necessária para que
se dê uma só ocorrência, ou seja o nosso
nascimento, reitera a verdadeira dimensão
do valor da vida.
Sabemos que no processo evolutivo, do
qual a Teoria da Seleção Natural de Darwin
(1858) estará nesta ideia base, o ser humano
é entendido como forma superior de vida,
encontrando-se no topo da cadeia evolutiva.
Pensamos que esta visão ajudou a cimentar
a ideia contida na Bíblia da superioridade hu-
mana, que conjuntamente com a atribuição
mecanicista da Natureza resultou no domínio
do Homem sobre a Natureza e em relação
aos outros seres viventes. Há (ou houve) uma
apropriação errónea ou deturpada do termo
“superior” e com isso uma acção desequili-
brada no seu papel comunitário planetário.
A sabedoria antiga, que emerge das várias
escolas dos mistérios que se perdem nos
tempos, fala-nos de uma evolução na Na-
tureza. Não de uma evolução darwiniana da
forma, mas de uma evolução da consciência
que flui de formas de vida mais simples para
formas mais complexas. Mas, mesmo para
essas escolas dos mistérios, que perce-
cionavam as consciências que habitam a
forma humana como consciências das mais
evoluídas, nunca fizeram-no de uma forma
de superioridade porque reviam nas formas
mais simples consciências irmãs em plena
evolução e também de que tudo se encontra
interligado em fios que são tecidos num enor-
me tear que tece a grande tapeçaria da vida.
Por esse motivo tinham uma ética centrada
na vida.
Mas a humanidade é apenas um membro
da comunidade de vida na Terra, apenas
uma espécies entre muitas outras no planeta
inteiro. Será então o respeito pela vida que
teremos que desenvolver como consciência
colectiva e reconhecer o valor intrínseco de
todas as formas de vida ou, simplesmente, o
valor pela sua existência.
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O Biocentrismo
O biocentrismo alarga o estatuto moral a toda a
vida. Para esta corrente ética, o facto de se estar
vivo é justificação suficiente para ser digno de
consideração e respeito. Um dos pioneiros que
abordou esta perspetiva foi Albert Schweitzer,
com a sua ética de reverência pela vida. Trata-se
deumramodobiocentrismo,emquetodaaforma
de vida, para além de possuir valor intrínseco, é
considerada sagrada, numa espécie de ‘mistério’
divino que cada ser possui, e por conseguinte, o
ser humano deve respeitar e evitar qualquer dano,
assim como acudir em seu socorro: O homem
não será realmente ético, senão quando cumprir
com a obrigação de ajudar toda a vida à qual
possa acudir, e quando evitar de causar prejuízo
a nenhuma criatura viva. Não perguntará então
por que razão esta ou aquela vida merecerá a sua
simpatia, como sendo valiosa, nem tampouco lhe
interessará saber se, e a que ponto, ela for ainda
suscetível de sensações. A vida como tal lhe será
sagrada. Ele não arrancará folhas de árvores; não
cortará flores; cuidará em não pisar em nenhum
bicho. Nas noites de verão, ao trabalhar à luz da
lâmpada, preferirá manter as janelas fechadas e
respirar um ar viciado, a ver inseto após inseto cair
na mesa com as asas queimadas. Nesta corrente
encontra-se implícita o respeito, o cuidado e
a compaixão para com todos os seres vivos.
Outros filósofos como Paul Taylor ou Goodpaster
também seguem linhas idênticas ao colocar a
tónica no estar/ser vivo, em vez da cognição
ou senciência. Todos defendem a igualdade
biocêntrica. A Ecologia olha para o ser humano,
da mesma forma que olha para as outras formas
de vida, como um produto de um processo evo-
lutivo, num complexo sistema interdependente
e interconectado constituído pelos seres vivos.
Esta forma científica reverte para um juízo moral,
em que não há seres mais importantes do que
outros. Para Taylor, cada organismo é per se um
centro teleológico de vida, portador de dignidade
inerente, o que lhe confere o estatuto de sujeito
moral, não devendo ser tratado como meio para
o fim de alguém. Assim, o ser humano é moral-
mente obrigado a proteger e promover o bem dos
membros da comunidade biótica por si próprios.
Ora, tão longe nos encontramos desta filosofia
centrada no valor e na sacralidade da vida. Na
verdade, vivemos numa sociedade reunida no
capitalismo, na exploração, na devastação e na
dessacralização da Natureza, onde os seres vivos
e outros pedaços da Natureza são convertidos
em ativos por uma economia que despreza a
casa, a origem e o sistema que suporta a vida.
Paralelamente, cada vez mais nos afastamos
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da fonte da vida e cada vez mais concentra-
mos a nossa atenção na tecnologia como
panaceia para todos os males. É verdade
que a tecnologia trouxe suporte de vida e
preencheu o nosso mundo. Mas também foi
um preenchimento asfixiante e até medonho.
Milhões de seres humanos são hoje facil-
mente escravizados e manipulados através
da tecnologia. Vários estudos ressaltam até
o potencial depressivo do uso da tecnologia,
chegando-se a recomendar o contacto com a
Natureza como forma de terapia para muitos
males da contemporaneidade.
A Respiração
Se a compreensão acerca de todos os seres
vivos terem estatuto moral for difícil de integrar
na nossa racionalidade, aliás como é uma
das dificuldades hercúleas desta corrente
biocêntrica, vamos então pelo caminho do Ar
para reconhecer a vida simplesmente como
sagrada e de valor único para qualquer ser,
indivíduo, organismo ou comunidade.
É pelo ato de respirar que nos encontramos
todos unidos. Denise Linn, diz isto de uma
forma muito simples mas peculiar e que des-
perta a nossa consciência quando a lemos.
Estamos em constante comunhão com o ar
pela respiração. É o Espírito do Ar universal
que nos une a todo o planeta. Trata-se de
elemento comum que dividimos com todas
as outras criaturas vivas da Terra. O ar que
inalamos foi inalado por nossos antepassados
e será inalado por nossos descendentes. Sem
a protecção do ar em volta do nosso planeta,
a vida, como a conhecemos, seria impossível.
(...) O Espírito do Ar é o sopro da vida, por meio
da inspiração e expiração.
Toda a vida pulsa, em ritmos diferentes,
mas sempre o mesmo tipo de movimento,
o de inspiração e de expiração. A Terra faz
o mesmo -respira-, como John Nelson nos
consegue demonstrar nos gifs animados
com base em imagens de satélite da NASA
(2013). E é neste grande fole que a vida
acontece. As mesmas condições para todas
as formas de existência.
A Estrutura material
Os átomos como elementos comuns às
várias formas de vida. As leis de Lavoisier
expressam claramente que não há fronteiras
entre as várias formas de vida apesar de estas
estarem separadas, incluindo os próprios
átomos de que são compostos. Nada se per-
de. Tudo se transforma. Então, neste grande
laboratório chamado Terra, partilhamos todos
os mesmos átomos. Três grandes protago-
nistas, hidrogénio (H), oxigénio (O2) e carbono
(C), associados a outros elementos químicos
geram o esplendor de toda a vida.
Haverá diferença entre o carbono contido
na árvore, no das estrelas, no que libertamos
pela nossa respiração ou o da estrutura mole-
cular do perfume de uma rosa? Apenas uma
relação de grandeza no número de átomos
que constituem os corpos dos diferentes
indivíduos nos separa.
Tal como nos transmite Berg, P. (1927-2013)
no seu livro Nano (2008), os átomos são os
blocos nos quais o cosmos está edificado. O
rearranjo entre eles (átomos) em infindáveis
maneiras diferentes produz a quase infinida-
de de diversidade e variedade da matéria -
orgânica e inorgânica -, que cria o mundo tal
como o percebemos com os nossos cinco
sentidos.
Onde reside a diferença entre
os seres para que se possa
valorizar mais uma determina-
da espécie?
É deste “bem próprio” que Taylor defende
o que ele designou por Perspectiva Bio-
cêntrica da Natureza e que se sumariza em
quatro postulados: i) Os humanos devem
ser encarados como membros da comuni-
dade da vida, detendo essa qualidade nos
mesmos termos que se aplicam a todos os
membros não humanos; ii) Os ecossistemas
naturais devem ser encarados como uma
teia complexa de elementos interligados, em
que o seu bom funcionamento biológico de
cada ser depende do bom funcionamento
dos demais; iii) Cada organismo individual
deve ser encarado como um centro teleoló-
gico de vida, perseguindo o seu próprio bem
no seu próprio modo; iv) A pretensão de que
os humanos são por natureza superiores às
outras espécies não tem substância, mes-
mo que estes sejam fundamentados em
critérios de mérito ou do conceito de valor
inerente, pelo que deve ser rejeitada como
nada mais que um preconceito irracional e
especista.
A nossa própria natureza fala-nos mais
alto e impõe-nos uma necessidade de voltar
à Natureza, numa perspetiva de respeito e
cuidado para com toda a vida, porque toda
a vida está conectada e toda a vida depende
das outras formas de vida e suas funções
determinadas no ecossistema terrestre. Assim
percecionou Schweitzer: Quando eu medito
sobre a vida, sinto a obrigação de respeitar
toda a vontade de viver do meu mundo circun-
dante do mesmo modo que a minha, sendo
o seu conceito de bem como a conservação
da vida, em promovê-la e elevá-la ao seu
valor supremo. Pelo contrário, o mal significa
aniquilar a vida, prejudicá-la, impedi-la no seu
desenvolvimento.
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