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CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO

Silvana Bartilotti



Introdução:

Um adolescente, que doravante será chamado apenas “A”, foi
encaminhado para tratamento psicopedagógico por estar com baixo
rendimento escolar.

Quando foi avaliado, percebeu-se que ele não tinha dificuldade de
aprender, mas apenas não dispunha de espaço para tais conteúdos,
devido ao grau de preenchimento com suas questões pessoais, tão
profundas, vitais...

Iniciando otratamento, ‘A” com seu jeito sensível, confiou suas dúvidas e
certezas à psicopedagoga. Sabia que não era mais um menino e sentia
sua responsabilidade.

Nesta dialética do “não ser mais X então ser” pressentia que algum dia iria
saber e vacilava se suportaria.

    Demonstrava grande solidão individual, e de tão lúcido, sentia-se
irreal, causava a impressão de que andava perdido. Dentro dele tudo se
apagava e cada noite parecia a última. Sentia-se como estivesse
morrendo.

    Nesse vendaval, lia o social quegerava sentidos invertidos, que o
estado normal do indivíduo, num mundolouco como é o nosso, é mesmo a
loucura. Forma absolutamente poética e original de denunciar, da maneira
mais sutil, a inversão de valores, a perversão da condição humana num
mundo injusto como o de hoje.

    Daí começou a expressar na forma escrita, como processo de auto
revelação e possibilidade de cura, sua angústia de vida, do existir, de
saber-se parte deste todo, tendo dimensão do humano, cujosemelhantes
jamais se entenderam. E numa tentativa de complementariedade passa a
viver montando invisível.

Dentre as produções de texto elaboradas durante o período trabalhado
selecionou-se um recorte, é uma carta à sua mãe para fazer análise da
presença do sujeito psíquico.

   Neste artigo contempla-se a pertinência da produção textual produzido
por um adolescente em consultório psicopedagógico, como uma das
possibilidades de tratamento. Para tanto, usar-se –á, como embasamento
teórico, a psicanálise freudiana.
Vale ressaltar cuidar-se de um trabalho de psicopedagogia clínica, o
qualfocou-se não somente o sujeito aprendente, cognoscente mas,
principalmente, em como esse sujeito de desejo ( inconsciente) -se
constitui e de como ele articula para construir conhecimento.

Embasamento Teórico- Teoria Psicanalítica Freudiana

   Tomar-se-ão como princípios norteadores a:

   Teoria do recalque – o aparelho psíquico tem três planos: o
Inconsciente(ID), que são as primeiras impressões; o Pré-Consciente (
Superego), formado pelo sub- consciente e o consciente; e o Consciente
(Ego), externo.

   Na passagem do Inconsciente para o Superego forma-se a primeira
censura ( Repressão) que deixa uma cicatriz ( Recalque). A passagem que
se dá dentro do Superego, ou seja entre o sub-consciente e o consciente
forma uma segunda censura (Filtro) e dá-se a fixação.

   Segundo Freud, o recalque seria:

         “uma primeira fase de repressão ( leia-se do Recalcado) que

consisteem negar entrada no consciente ao representante psíquico
          (ideacional) do instinto ( pulsão). Com isso, esta- belece-seuma
          fixação, a partir de então o representante

em questão continua inalterado e o instinto ( leia-se pulsão) permanece
         ligado a ele”

    O recalque é oriundo de uma situação de desprazer cuja essência
consiste em afastar determinadas representações do consciente (
pensamentos, imagens e recordações); mantendo-se no insconciente.

    Os sintomas se explicam por um retorno do recalcado.

     A noção do inconsciente (ID) – essência da teoria psicanalítica, pode
ser considerado um sistema psíquico distinto dos demais e dotado de
atividade própria. “Tudo que é reprimido deve permanecer no
inconsciente; mas logo de início declaramos que o reprimido não abrange
tudo que é inconsciente. O alcance do inconsciente é mais amplo, o
reprimido é apenas uma parte do inconsciente”.

    A importância da dinâmica da transferência –Quando ou onde? A
emergência do recalcado é a própria emergência dos derivados do
inconsciente, que somente através de um processo analítico ( de
transferência) podem tornar-se consciente.
Visão panorâmica sobre o desenvolvimento infantil – Freud divide o
   desenvolvimento em diversas fases, divididas em estágios, a saber:

Oral- Onde a zona bucal é a fonte corporal de todas as excitações pulsionais.
   O objeto desta etapa é oseio, ou seja, tudo que se refere ao seio materno
   ou seu substituto. A funçãonutritiva acham-se associadas ao ato de sugar.

Sádico- anal – O ato de defecar ocupa lugar importante no desenvolvimento
   psicossexual da criança. O bolo fecal é um elemento concreto, herdeiro do
   objeto-peito da fase precedente e, por outro lado, antecessor do pênis,
   objeto da fase subsequente. O bolo fecal representaum valor de troca
   entre a criança e o meio- externo. Nesta etapa a criançadiferencia,
   através do controle esfincteriano, o mundo externo do interno e as fezes
   passam a ser vivenciadas como conteúdos que são exteriorizados. Há um
   aspecto dual no relacionamento objetal por não ser este ainda o triangular
   edípico, desde quando inexiste diferenciação sexual nesta fase.

Fálico -Os órgãos sexuais serão alvo de concentração energética pulsional.

Pode-se perceber que a diferença sexual não é propriamentepercebidae sim
   negada, pois ambos os sexos acreditam na existência do pênis, onde este
   não existe. A aceitação da diferença sexual acarretaria a perda da ilusão
   de quetodos seríamos iguais. A significação que adquire a descoberta da
   desigualdadeficará marcada no psiquismo e contribuirá para a
   construção do sujeito e de suas relações objetais.

       A criança começa a ter diversos questionamentos sobre a origem das
   diferenças, vivenciando angústias, tendo, entretanto, uma noção de sua
   posição no mundo, de qual é o lugar ocupado por ela dentro desta
   estrutura. Há a queda da onipotência narcísica da infância, relacionando
   este “não” estruturante à impossibilidade de construção de desejos
   edípicos.

   Genital – O último estágio. Nele se fundamenta a organização central da
   personalidade humana, que é o complexo de Édipo. Um conflito que
   envolve três personagens, pai, mãe e sujeito, pessoas que vão adquirindo
   papéis diversos em diferentes momentos.

       O aparelho psíquico apresenta sua organização entre 5 e 6 anos,
   quando a triangulação edipiana é maior. Este se completa na adolescência
   e na puberdade, quando, após já terem sido feitas as identificações com
   os progenitores, o sujeito parte para o exercício de sua sexualidade fora
   deles.



       Adolescência, a construção do sujeito social – A adolescência traz
   problemas inerentes à própria transição, como por exemplo, distinguir
passado, presente e futuro. A questão do tempo é uma característica do
inconsciente, como Freud apresentou em A interpretação dos sonhos, e

    Nesta dificuldade temporal encontram-se quase todas dificuldades do
adolescente para vive-las, todas vinculadas à sua identidade: quem ele
será no amanhã e que que amanhã será este, tão incerto, que não se
garante mais a certeza de um diploma universitário......

    A busca de identidade está intrinsecamente ligada aos lutos, que
precisa viver, entre a perda da infância, do próprio corpo, que se
transforma; e que lhe é desconhecido à medida que surge. O adolescente
vive uma perda de referência, sentida interna e externamente através do
seu corpo que se transforma,suas glândulas sexuais começam a atuar de
forma mais sensível, gerando os sentimentos de perda do corpo infantil. O
que pode esperar, senão insatisfação e desequilíbrio?

   São consideradas características da adolescência a saída da
dependência, em busca da independência; a necessidade de transformar o
controle externo em controle interno frente a uma sociedade que reprime
a sexualidade. Há aí reversão dos impulsos lidibinosos e como
consequênciasurgem o medo, a ansiedade, os sintomas neuróticos e a
agressividade.

    O sujeito social vive dois momentos de nascimento : biológico e o
social. O primeiro é o acesso à condição de adulto e o outro é a
participação cultural.

     O desenvolvimento psico- sexual da criança, se conduz através das
fases oral, anal e fálica. A fase fálica,que corresponde apuberdade, é
quando vivencia intensamente a dialética edípica, para que se dê a
superação do complexo de Édipo. É esta superação que permite ao
indivíduo a entrada na cultura e até a formação de sociedades. Segundo
Freud é o romper dos vínculos familiares, sair de grupos fechados e entrar
em grupos maiores, o que permite ao sujeito ser social.

Texto recortado:

                 Mãe

                 Ultimamente, venho escrevendo meus sentimentos pela
                 família, e os escrevo nos dias em que comemoramos os
                 mais importantes de nossa vida, o nascimento.



                 Desta vez, faço diferente escrevo um dia após o seu
                 aniversário, pois queria primeiro vivenciá-lo para depois
redigir meus pensamentos. Vocênasceu num dia muito bonito que é o dia
                 de São Francisco de Assis.

                 E quem não gostou da homenagem que lhe fizeram?
                 Acho que os 15 anos ficaram na memória e acho que as
                 homenagens que foram feitas para você nos seus 35
                 anos ficarão na memória de todos que ali estavam
                 presentes. Tudo isso graças a Eduardo, pai adorado e
                 esposo dedicado, ele sempre surpreendendo a todos
                 nós! Tudo que foi feito foi para mostrar mais uma vez
                 que você é amada por todos nós. Você, também,
                 surpreendeu a todos, quando falou com palavras
                 emocionadas o que sentia de todo aquele esforço que foi
                 feito por você.

               É isso, unamos a família e que a paz esteja conosco. Que
                 Deus a abençoe mais uma vez, que lhe dê saúde, paz
                 interior e felicidades, você merece!

Análise do texto em interação clínica:

No trabalho clínico procura-se propor um “fazer”que traga prazera “A”.
Percebe-se, como está dito no citado texto, o desejo de “escrever seus
sentimentos”, entãosugeriu-se trabalhar com produção escrita, o que foi
de pronto acolhido e assim foram escritas várias cartas, analisadas passo
a passo. Entre elas a ora apresentada.

      O fato da escolha de um personagem (carta à mãe) a quem se dirige
é de primordial importância. A estrutura de personagem representa a
estrutura familiar e repete o conflito edipiano vivido por “A”.

     “A” age com seuspersonagens, repetindo nomes que foram
“amados”, “gritados”, “sussurrados”, falados” e odiados”, antes de serem
colocados na escrita.

    Através do ato de escrever, “A” vive os sentimentos dediscriminação
entre eu X mundo ( Mãe), desfazendo o sentimento de unidade familiar (
simbiose). Vivenciando esta individuação, sente-se só e entra em contato
com a “falta”.

    Procurando fazer um rastreamento de sua história questiona sobre o
tempo em que ele não escrevia, mas que havia sentimento. “A” pode
relembrar que vivera por volta dos 6 ou 7 anos uma época de muitos
sentimentos ruins ( medos, angústias, tristeza), vivenciou estes
sentimentos ( em transferência) e pode assim buscar possibilidades de
reparação.
“A” demonstra que a dinâmica da transferência ocupa um lugar
significativo e que o processo foi bem vivenciado, quando escreveu (.....
primeiro vivenciá-lo para depois redigir....), endossando o sucesso do seu
trabalho, mantendo um nível de comunicação com a psicopedagoga.

     Fala-se sobre o contraste entre “pai adorado” X “mãe amada por
nós”. “A” reconhece seu amor pelo pai e entra em contato com um
sofrimento enorme, amar a mãe ( como os outros familiares).

     Quando fala que “os 15 anos ficaram na memória”, pontua que
existem fatos que não ficam na memória e que é preciso recordar.....

   O que “A” conseguiu lembrar não era suficiente para esclarecer sobre
sua dor, marcou-se uma reunião com a mãe e pediu-se a ela que contasse
“o dia mais importante da vida de “A”: o nascimento”.

   A mãe estava envolvida no tratamento, procurou facilitar ao máximo, e
contou a “A” que ele veio num momento não esperado e ao dar a luz ela
sofrera um derrame facial, o que impossibilitou sua relação com “a”, que
ficou sob os cuidados paternos, história até então ignorada por “A”.

     Recuperada esta lembrança, “A” pode perceber a profundidade de
seu texto, tomando consciência que os fatos sempre estiveram ali, só que
eram desconhecidos. Gradativamente, pode minimizar sua angústia, o
medo que o invadia, ganhando uma identidade pessoal e realizando um
processo de separação.

Conclusões:

    A adolescência com a natural sucessão de perdas fez emergir a pulsão
de morte. A noção de não viver a própria vida, vincula-se à falta de
identidade pessoal.

   Para “A” foi, também, o momento de reviver o conflito edipiano, pai X
mãe X sujeito.

     A adolescência revela a necessidade do sujeito discriminar-se,
delinear-se, buscar espaços, contornos, separações, entrar em contato
com a individualização e com a “falta” para só depois poder buscar a
completude que proporcionará ao sujeito a busca da realização através de
estudos, do trabalho e da vida social.

   Produzir textos, criar personagens, num lugar detransferência torna-se
importante deflagrador do processo de auto-conhecimento,
desvelamentos e possíveis reparações.

Notas:
FREUD, S. Repressão. In Obras Completas. Ed Standard Brasileira. Rio
de Janeiro: Imago, 1980, Vol. XIV, p. 171.

Id. Ibid., pág.191.

Id. Dinâmica da Transferência. In Obras Completas. Vol.XI.

Fonte consultada: KUSNETZOFF, J. C. In Introdução à Psicopatologia
Psicanalítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

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  • 1. CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO Silvana Bartilotti Introdução: Um adolescente, que doravante será chamado apenas “A”, foi encaminhado para tratamento psicopedagógico por estar com baixo rendimento escolar. Quando foi avaliado, percebeu-se que ele não tinha dificuldade de aprender, mas apenas não dispunha de espaço para tais conteúdos, devido ao grau de preenchimento com suas questões pessoais, tão profundas, vitais... Iniciando otratamento, ‘A” com seu jeito sensível, confiou suas dúvidas e certezas à psicopedagoga. Sabia que não era mais um menino e sentia sua responsabilidade. Nesta dialética do “não ser mais X então ser” pressentia que algum dia iria saber e vacilava se suportaria. Demonstrava grande solidão individual, e de tão lúcido, sentia-se irreal, causava a impressão de que andava perdido. Dentro dele tudo se apagava e cada noite parecia a última. Sentia-se como estivesse morrendo. Nesse vendaval, lia o social quegerava sentidos invertidos, que o estado normal do indivíduo, num mundolouco como é o nosso, é mesmo a loucura. Forma absolutamente poética e original de denunciar, da maneira mais sutil, a inversão de valores, a perversão da condição humana num mundo injusto como o de hoje. Daí começou a expressar na forma escrita, como processo de auto revelação e possibilidade de cura, sua angústia de vida, do existir, de saber-se parte deste todo, tendo dimensão do humano, cujosemelhantes jamais se entenderam. E numa tentativa de complementariedade passa a viver montando invisível. Dentre as produções de texto elaboradas durante o período trabalhado selecionou-se um recorte, é uma carta à sua mãe para fazer análise da presença do sujeito psíquico. Neste artigo contempla-se a pertinência da produção textual produzido por um adolescente em consultório psicopedagógico, como uma das possibilidades de tratamento. Para tanto, usar-se –á, como embasamento teórico, a psicanálise freudiana.
  • 2. Vale ressaltar cuidar-se de um trabalho de psicopedagogia clínica, o qualfocou-se não somente o sujeito aprendente, cognoscente mas, principalmente, em como esse sujeito de desejo ( inconsciente) -se constitui e de como ele articula para construir conhecimento. Embasamento Teórico- Teoria Psicanalítica Freudiana Tomar-se-ão como princípios norteadores a: Teoria do recalque – o aparelho psíquico tem três planos: o Inconsciente(ID), que são as primeiras impressões; o Pré-Consciente ( Superego), formado pelo sub- consciente e o consciente; e o Consciente (Ego), externo. Na passagem do Inconsciente para o Superego forma-se a primeira censura ( Repressão) que deixa uma cicatriz ( Recalque). A passagem que se dá dentro do Superego, ou seja entre o sub-consciente e o consciente forma uma segunda censura (Filtro) e dá-se a fixação. Segundo Freud, o recalque seria: “uma primeira fase de repressão ( leia-se do Recalcado) que consisteem negar entrada no consciente ao representante psíquico (ideacional) do instinto ( pulsão). Com isso, esta- belece-seuma fixação, a partir de então o representante em questão continua inalterado e o instinto ( leia-se pulsão) permanece ligado a ele” O recalque é oriundo de uma situação de desprazer cuja essência consiste em afastar determinadas representações do consciente ( pensamentos, imagens e recordações); mantendo-se no insconciente. Os sintomas se explicam por um retorno do recalcado. A noção do inconsciente (ID) – essência da teoria psicanalítica, pode ser considerado um sistema psíquico distinto dos demais e dotado de atividade própria. “Tudo que é reprimido deve permanecer no inconsciente; mas logo de início declaramos que o reprimido não abrange tudo que é inconsciente. O alcance do inconsciente é mais amplo, o reprimido é apenas uma parte do inconsciente”. A importância da dinâmica da transferência –Quando ou onde? A emergência do recalcado é a própria emergência dos derivados do inconsciente, que somente através de um processo analítico ( de transferência) podem tornar-se consciente.
  • 3. Visão panorâmica sobre o desenvolvimento infantil – Freud divide o desenvolvimento em diversas fases, divididas em estágios, a saber: Oral- Onde a zona bucal é a fonte corporal de todas as excitações pulsionais. O objeto desta etapa é oseio, ou seja, tudo que se refere ao seio materno ou seu substituto. A funçãonutritiva acham-se associadas ao ato de sugar. Sádico- anal – O ato de defecar ocupa lugar importante no desenvolvimento psicossexual da criança. O bolo fecal é um elemento concreto, herdeiro do objeto-peito da fase precedente e, por outro lado, antecessor do pênis, objeto da fase subsequente. O bolo fecal representaum valor de troca entre a criança e o meio- externo. Nesta etapa a criançadiferencia, através do controle esfincteriano, o mundo externo do interno e as fezes passam a ser vivenciadas como conteúdos que são exteriorizados. Há um aspecto dual no relacionamento objetal por não ser este ainda o triangular edípico, desde quando inexiste diferenciação sexual nesta fase. Fálico -Os órgãos sexuais serão alvo de concentração energética pulsional. Pode-se perceber que a diferença sexual não é propriamentepercebidae sim negada, pois ambos os sexos acreditam na existência do pênis, onde este não existe. A aceitação da diferença sexual acarretaria a perda da ilusão de quetodos seríamos iguais. A significação que adquire a descoberta da desigualdadeficará marcada no psiquismo e contribuirá para a construção do sujeito e de suas relações objetais. A criança começa a ter diversos questionamentos sobre a origem das diferenças, vivenciando angústias, tendo, entretanto, uma noção de sua posição no mundo, de qual é o lugar ocupado por ela dentro desta estrutura. Há a queda da onipotência narcísica da infância, relacionando este “não” estruturante à impossibilidade de construção de desejos edípicos. Genital – O último estágio. Nele se fundamenta a organização central da personalidade humana, que é o complexo de Édipo. Um conflito que envolve três personagens, pai, mãe e sujeito, pessoas que vão adquirindo papéis diversos em diferentes momentos. O aparelho psíquico apresenta sua organização entre 5 e 6 anos, quando a triangulação edipiana é maior. Este se completa na adolescência e na puberdade, quando, após já terem sido feitas as identificações com os progenitores, o sujeito parte para o exercício de sua sexualidade fora deles. Adolescência, a construção do sujeito social – A adolescência traz problemas inerentes à própria transição, como por exemplo, distinguir
  • 4. passado, presente e futuro. A questão do tempo é uma característica do inconsciente, como Freud apresentou em A interpretação dos sonhos, e Nesta dificuldade temporal encontram-se quase todas dificuldades do adolescente para vive-las, todas vinculadas à sua identidade: quem ele será no amanhã e que que amanhã será este, tão incerto, que não se garante mais a certeza de um diploma universitário...... A busca de identidade está intrinsecamente ligada aos lutos, que precisa viver, entre a perda da infância, do próprio corpo, que se transforma; e que lhe é desconhecido à medida que surge. O adolescente vive uma perda de referência, sentida interna e externamente através do seu corpo que se transforma,suas glândulas sexuais começam a atuar de forma mais sensível, gerando os sentimentos de perda do corpo infantil. O que pode esperar, senão insatisfação e desequilíbrio? São consideradas características da adolescência a saída da dependência, em busca da independência; a necessidade de transformar o controle externo em controle interno frente a uma sociedade que reprime a sexualidade. Há aí reversão dos impulsos lidibinosos e como consequênciasurgem o medo, a ansiedade, os sintomas neuróticos e a agressividade. O sujeito social vive dois momentos de nascimento : biológico e o social. O primeiro é o acesso à condição de adulto e o outro é a participação cultural. O desenvolvimento psico- sexual da criança, se conduz através das fases oral, anal e fálica. A fase fálica,que corresponde apuberdade, é quando vivencia intensamente a dialética edípica, para que se dê a superação do complexo de Édipo. É esta superação que permite ao indivíduo a entrada na cultura e até a formação de sociedades. Segundo Freud é o romper dos vínculos familiares, sair de grupos fechados e entrar em grupos maiores, o que permite ao sujeito ser social. Texto recortado: Mãe Ultimamente, venho escrevendo meus sentimentos pela família, e os escrevo nos dias em que comemoramos os mais importantes de nossa vida, o nascimento. Desta vez, faço diferente escrevo um dia após o seu aniversário, pois queria primeiro vivenciá-lo para depois
  • 5. redigir meus pensamentos. Vocênasceu num dia muito bonito que é o dia de São Francisco de Assis. E quem não gostou da homenagem que lhe fizeram? Acho que os 15 anos ficaram na memória e acho que as homenagens que foram feitas para você nos seus 35 anos ficarão na memória de todos que ali estavam presentes. Tudo isso graças a Eduardo, pai adorado e esposo dedicado, ele sempre surpreendendo a todos nós! Tudo que foi feito foi para mostrar mais uma vez que você é amada por todos nós. Você, também, surpreendeu a todos, quando falou com palavras emocionadas o que sentia de todo aquele esforço que foi feito por você. É isso, unamos a família e que a paz esteja conosco. Que Deus a abençoe mais uma vez, que lhe dê saúde, paz interior e felicidades, você merece! Análise do texto em interação clínica: No trabalho clínico procura-se propor um “fazer”que traga prazera “A”. Percebe-se, como está dito no citado texto, o desejo de “escrever seus sentimentos”, entãosugeriu-se trabalhar com produção escrita, o que foi de pronto acolhido e assim foram escritas várias cartas, analisadas passo a passo. Entre elas a ora apresentada. O fato da escolha de um personagem (carta à mãe) a quem se dirige é de primordial importância. A estrutura de personagem representa a estrutura familiar e repete o conflito edipiano vivido por “A”. “A” age com seuspersonagens, repetindo nomes que foram “amados”, “gritados”, “sussurrados”, falados” e odiados”, antes de serem colocados na escrita. Através do ato de escrever, “A” vive os sentimentos dediscriminação entre eu X mundo ( Mãe), desfazendo o sentimento de unidade familiar ( simbiose). Vivenciando esta individuação, sente-se só e entra em contato com a “falta”. Procurando fazer um rastreamento de sua história questiona sobre o tempo em que ele não escrevia, mas que havia sentimento. “A” pode relembrar que vivera por volta dos 6 ou 7 anos uma época de muitos sentimentos ruins ( medos, angústias, tristeza), vivenciou estes sentimentos ( em transferência) e pode assim buscar possibilidades de reparação.
  • 6. “A” demonstra que a dinâmica da transferência ocupa um lugar significativo e que o processo foi bem vivenciado, quando escreveu (..... primeiro vivenciá-lo para depois redigir....), endossando o sucesso do seu trabalho, mantendo um nível de comunicação com a psicopedagoga. Fala-se sobre o contraste entre “pai adorado” X “mãe amada por nós”. “A” reconhece seu amor pelo pai e entra em contato com um sofrimento enorme, amar a mãe ( como os outros familiares). Quando fala que “os 15 anos ficaram na memória”, pontua que existem fatos que não ficam na memória e que é preciso recordar..... O que “A” conseguiu lembrar não era suficiente para esclarecer sobre sua dor, marcou-se uma reunião com a mãe e pediu-se a ela que contasse “o dia mais importante da vida de “A”: o nascimento”. A mãe estava envolvida no tratamento, procurou facilitar ao máximo, e contou a “A” que ele veio num momento não esperado e ao dar a luz ela sofrera um derrame facial, o que impossibilitou sua relação com “a”, que ficou sob os cuidados paternos, história até então ignorada por “A”. Recuperada esta lembrança, “A” pode perceber a profundidade de seu texto, tomando consciência que os fatos sempre estiveram ali, só que eram desconhecidos. Gradativamente, pode minimizar sua angústia, o medo que o invadia, ganhando uma identidade pessoal e realizando um processo de separação. Conclusões: A adolescência com a natural sucessão de perdas fez emergir a pulsão de morte. A noção de não viver a própria vida, vincula-se à falta de identidade pessoal. Para “A” foi, também, o momento de reviver o conflito edipiano, pai X mãe X sujeito. A adolescência revela a necessidade do sujeito discriminar-se, delinear-se, buscar espaços, contornos, separações, entrar em contato com a individualização e com a “falta” para só depois poder buscar a completude que proporcionará ao sujeito a busca da realização através de estudos, do trabalho e da vida social. Produzir textos, criar personagens, num lugar detransferência torna-se importante deflagrador do processo de auto-conhecimento, desvelamentos e possíveis reparações. Notas:
  • 7. FREUD, S. Repressão. In Obras Completas. Ed Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980, Vol. XIV, p. 171. Id. Ibid., pág.191. Id. Dinâmica da Transferência. In Obras Completas. Vol.XI. Fonte consultada: KUSNETZOFF, J. C. In Introdução à Psicopatologia Psicanalítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.